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Revista Dr Plinio 183

Junho de 2013

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Publicação Mensal Ano XVI - Nº <strong>183</strong> Junho de 2013<br />

Um reflexo do<br />

Sagrado Coração de Jesus


São João Batista -<br />

Catedral de Notre-<br />

Dame, Paris (França)<br />

Gustavo Kralj<br />

Uma das facetas do Imaculado Coração de Maria<br />

U<br />

2<br />

m dos meios bonitos de conhecermos o espírito<br />

e o Imaculado Coração de Maria consiste<br />

em estudar a vida de São João Batista. Por<br />

ter sido ele santificado no seio de Santa Isabel<br />

pela palavra de Nossa Senhora, vê-se que Ela<br />

comunicou-lhe ali, misteriosamente, o espírito<br />

d’Ela. E tudo quanto o Precursor realizou em<br />

sua vida era uma decorrência dessa graça inicial<br />

recebida e constantemente intensificada, pelos<br />

rogos d’Ela.<br />

Podemos, então, ver São João Batista enquanto<br />

asceta austero, pregador do Cordeiro de Deus que<br />

viria, e como herói que enfrenta Herodes e morre<br />

como mártir, sublime de grandeza e de serenidade.<br />

É uma das facetas do espírito de Nossa Senhora.<br />

(Extraído de conferência de 11/7/1967)


Sumário<br />

Publicação Mensal Ano XVI - Nº <strong>183</strong> Junho de 2013<br />

Ano XVI - Nº <strong>183</strong> Junho de 2013<br />

Um reflexo do<br />

Sagrado Coração de Jesus<br />

Na capa, Dona<br />

Lucilia aos 91 anos.<br />

Foto: João S. C. Dias<br />

As matérias extraídas<br />

de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

— designadas por “conferências” —<br />

são adaptadas para a linguagem<br />

escrita, sem revisão do autor<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />

propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />

CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />

INSC. - 115.227.674.110<br />

Diretor:<br />

Antonio Augusto Lisbôa Miranda<br />

Conselho Consultivo:<br />

Antonio Rodrigues Ferreira<br />

Carlos Augusto G. Picanço<br />

Jorge Eduardo G. Koury<br />

Redação e Administração:<br />

Rua Santo Egídio, 418<br />

02461-010 S. Paulo - SP<br />

Tel: (11) 2236-1027<br />

E-mail: editora_retornarei@yahoo.com.br<br />

Impressão e acabamento:<br />

Pavagraf Editora Gráfica Ltda.<br />

Rua Barão do Serro Largo, 296<br />

03335-000 S. Paulo - SP<br />

Tel: (11) 2606-2409<br />

Preços da<br />

assinatura anual<br />

Comum .............. R$ 114,00<br />

Colaborador .......... R$ 160,00<br />

Propulsor ............. R$ 370,00<br />

Grande Propulsor ...... R$ 590,00<br />

Exemplar avulso ....... R$ 15,00<br />

Serviço de Atendimento<br />

ao Assinante<br />

Tel./Fax: (11) 2236-1027<br />

Editorial<br />

4 Um reflexo do Sagrado Coração de Jesus<br />

Dona Lucilia<br />

6 A devoção de Dona Lucilia ao<br />

Sagrado Coração de Jesus<br />

Gesta marial de um varão católico<br />

10 Solução para todos os problemas - I<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

14 Convívio entre as almas no<br />

Céu empíreo - I<br />

O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

20 Inocência e admiração desinteressada - II<br />

Calendário dos Santos<br />

24 Santos de Junho<br />

Hagiografia<br />

26 Santa Clotilde, uma admirável flor-de-lis<br />

Luzes da Civilização Cristã<br />

30 Fontainebleau - esplendor, riqueza<br />

e simplicidade - II<br />

Última página<br />

36 Nossa Senhora do Sagrado Coração<br />

3


Editorial<br />

Um reflexo do Sagrado<br />

Coração de Jesus<br />

“M<br />

amãe me ensinou a amar Nosso Senhor Jesus Cristo, ensinou-me a amar a Santa<br />

Igreja Católica!”, foi a exclamação proferida por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, talvez no momento mais<br />

pungente de sua longa existência, junto ao corpo de Dona Lucilia que acabava de falecer.<br />

Não há palavras que exprimam a dor da irremediável separação do filho modelar de sua extremosa<br />

mãe, unidos por um laço de afeto cuja profundidade não podemos medir.<br />

Desde a mais tenra infância de seus filhos, procurou Dona Lucilia inculcar nessas inocentes almas<br />

a devoção ao Sagrado Coração, ensinando-lhes a apontarem onde estava a imagem de Jesus antes<br />

mesmo de saberem dizer “papai” e “mamãe”. Transmitiu-lhes a forma de piedade que mais a atraía,<br />

na consideração da infinita e incondicional bondade simbolizada naquele Coração transpassado pela<br />

lança de Longinos, cercado de espinhos e ardendo de amor pelos homens. Na fisionomia triste e no<br />

olhar bondoso das imagens de Nosso Senhor, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> discernia uma pergunta: “Será que você levará<br />

a sua torpeza e sua maldade a tal ponto que, vendo-Me nessa doçura e nessa atitude de perdão,<br />

você ainda continua endurecido?”<br />

A inocência de alma de Dona Lucilia, que foi uma autêntica personificação do amor materno,<br />

sentia consonância com essa bondade do Homem-Deus levada a extremos inimagináveis. “Vendo-a<br />

rezar junto à imagem do Sagrado Coração de Jesus — comentou <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> — eu notava que<br />

a alma dela se abria de um modo pleno. E a ideia que prevalecia era exatamente a de estar n’Ele<br />

o píncaro das perfeições que havia nela, e ser Ele o auge daquilo para o qual ela estava orientada.<br />

Então a minha facilidade muito maior em compreender o que queria dizer o Sagrado Coração.<br />

Quando atinei que a harmonia existente na alma de mamãe vinha do Sagrado Coração de<br />

Jesus, aí compreendi tudo. Entendi que a Religião era o centro, e Nosso Senhor o ponto de partida<br />

de tudo.”<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, desde muito menino, percebia emanar de sua extremosa mãe uma doçura, uma acolhida,<br />

uma retidão, uma firmeza e tantas outras qualidades morais que faziam dela um todo muito harmônico<br />

de virtudes. E essa harmonia acompanhada de sabedoria, de decisão, de maturidade e de<br />

constância, o deslumbrava.<br />

Enfim, contemplando e admirando a alma de Dona Lucilia, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> mais facilmente<br />

compreendeu e amou Nosso Senhor e a Santa Igreja Católica.<br />

Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />

4


52<br />

53<br />

104<br />

Capítulo IV<br />

do casamento<br />

98<br />

105<br />

festa.<br />

212<br />

99<br />

128<br />

213<br />

129<br />

Livraria Editrice Vaticana<br />

publica biografia de<br />

Dona Lucilia<br />

A consideração da vida de Dona Lucilia Ribeiro dos Santos<br />

Corrêa de Oliveira, mãe de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, tem sido de grande<br />

proveito espiritual para todas as almas que tomam contato<br />

com sua bondade exímia e envolvente.<br />

N<br />

o maravilhoso caleidoscópio dos bem-aventurados, inúmeras são as vias da Providência<br />

para as almas. Pessoas há cujas virtudes são reconhecidas e aclamadas em vida, recebendo<br />

elas veneração geral. Outras, porém, trilham o caminho do apagamento nesta terra,<br />

sendo pouco compreendidas até pelos mais próximos. É o que aconteceu com Dona Lucilia, cuja benéfica<br />

ação sobre um grande número de almas começou apenas depois de sua morte.<br />

Com a finalidade de divulgar a vida desta dama de qualidades incomuns, a Livraria Editrice Vaticana<br />

acaba de publicar, em quatro línguas — português, italiano, inglês e espanhol —, a biografia escrita<br />

por Monsenhor João Scognamiglio Clá Dias, EP.<br />

Profusamente ilustrada por fotografias que refletem sua fisionomia transbordante de doçura e de<br />

benquerença incondicional, os inúmeros fatos narrados nas 670 páginas do volume revelam como<br />

é possível executar as tarefas cotidianas com elevação de alma, reportando tudo ao sobrenatural e a<br />

Deus Nosso Senhor. Como diz São João da Cruz, no final da vida seremos julgados segundo o amor<br />

a Deus, e não de acordo com a exterioridade de nossas obras.<br />

as mãos] trata-se de uma autêntica e<br />

lia, que pode equiparar-se às melhores<br />

hoje, no mundo inteiro. Sobretudo tem<br />

ndência epistolar entre ela e seus filhos<br />

Dona Lucilia diz com freqüência coisas<br />

idade tão elevada que o leitor é tomado<br />

roduz a leitura do inimitável epistolário<br />

vo a formular muito concretamente uma<br />

a e espontânea, da leitura desta maraviergunta<br />

concreta é esta: foi Dona Lucilia<br />

a extensão da palavra? Ou, de outra forçaram<br />

o grau heróico que se requer indisreconhecido<br />

pela Igreja com uma beatifiente<br />

históricos que nos oferece com grande<br />

amos apresentando, atrevo-me a responder<br />

enor vacilação.<br />

rreverente pretensão de adiantar-me ao juíme<br />

cabe como próprio é dar uma opinião<br />

te falível. A Igreja nunca erra, nós podemos<br />

à Santa Igreja Católica, Apostólica e Romada<br />

verdade. Mas a nós nos incumbe o doce<br />

pedir humildemente à Divina Providência<br />

entranhada petição, para a glória de Deus e<br />

ertos do prefácio de Fr. Antonio Royo Marín, OP)<br />

cilia é uma publicação<br />

acional em quatro lína<br />

Editrice Vaticana e do<br />

n Sapientiæ dos Arautos<br />

Mons. João<br />

Scognamiglio<br />

Clá Dias, ep<br />

Dona Lucilia<br />

Mons. João Scognamiglio Clá Dias, ep<br />

Dona Lucilia<br />

Em pé, Lucilia junto aos irmãos<br />

Gabriel, Antônio e Eponina<br />

Capítulo II<br />

Capítulo II<br />

Mons. João Scognamiglio<br />

Clá Dias, EP, é natural de<br />

São Paulo, Brasil. Nasceu a<br />

15 de agosto de 1939, sendo<br />

filho de Antonio Clá Díaz<br />

e de Annitta Scognamiglio<br />

Clá Díaz.<br />

Cursou Direito na Faculdade<br />

do Largo de São Francisco,<br />

aprofundou seus estudos<br />

teológicos com grandes<br />

catedráticos de Salamanca,<br />

da Ordem Dominicana, e<br />

obteve láureas em Filosofia,<br />

Teologia, Psicologia e<br />

Humanidades em diversas<br />

universidades, sendo doutorado<br />

em Direito Canônico<br />

pela Pontifícia Universidade<br />

São Tomás de Aquino (Angelicum)<br />

de Roma e em Teologia<br />

pela Universidad Pontificia<br />

Bolivariana, de Medellín<br />

(Colômbia).<br />

Mons. João Clá é fundador<br />

e atual Superior-Geral<br />

dos Arautos do Evangelho e<br />

Nascimento e primeira infância;<br />

adolescência no então<br />

longínquo interior<br />

E<br />

No sa Senhora foi sua Madrinha<br />

Aos vinte nove dias do mez de junho de mil<br />

oitocentos e setenta e seis, nesta matriz, baptizei<br />

e puz o santos oleos a Lucilia, nascid a vinte<br />

e dois de Abril ultimo, filha legitima do doutor<br />

Antonio Ribeiro dos Sanctos e de dona Gabriela<br />

dos Sanctos Ribeiro: forão padrinhos, a Virgem<br />

Senhora da Penha e doutor Olympio Pinheiro<br />

de Lemos, todos desta Parochia.<br />

O Vigario: Angelo Alves d’Assumpção.<br />

Capítulo IV<br />

sa é a ata do batismo de Dona Lucilia que se encontra no<br />

livro de registros paroquiais da Matriz da cidade de Pirassununga.<br />

Seguindo piedoso costume, seus pais resolveram<br />

fazê-la afilhada da própria Rainha dos Céus. Dona Lucilia conservou,<br />

durante sua longa vida, uma devoção toda de afeto e respeito a sua<br />

Madrinha, e várias vezes peregrinou ao Santuário de No sa Senhora<br />

da Penha, em São Paulo, a fim de Lhe confiar o segredos de seu terno<br />

coração.<br />

Descendente de Senhores de Engenho<br />

Pertencente a ilustre estirpe de Senhores<br />

de Engenho, <strong>Dr</strong>. João Paulo recém<br />

chegara de Pernambuco. Hábil advogado,<br />

dotado de grande inteligência<br />

e cultura, suas finas maneiras e agradável<br />

prosa impressionaram de modo<br />

favorável a <strong>Dr</strong>. Antônio e Dona<br />

Gabriela, que por isso decidiram<br />

conceder-lhe a mão da filha.<br />

Seu tio, o famoso Conselheiro<br />

João Alfredo Corrêa de<br />

Oliveira, fora das mais eminentes<br />

personalidades da última fase do<br />

Império. Após ocupar sucessivamente<br />

os cargos de Presidente das<br />

Províncias 4 do Pará e de São Paulo,<br />

e Ministro da Justiça no gabinete<br />

do Visconde do Rio Branco, chegou a presidir o Conselho de<br />

Ministros do Império. Foi ele quem referendou a Lei Áurea, de libertação<br />

dos escravos. Já no período republicano chefiou, quase sem<br />

interrupções, o Partido Monarquista. Tais circunstâncias indicam que,<br />

assim como os Ribeiro dos Santos, a família do esposo de Dona Lucilia<br />

tinha fortes vínculos com a tradição imperial.<br />

Após um passado de fartura, proporcionada pela exportação de<br />

açúcar, a maior parte das famílias tradicionais de Pernambuco, entre<br />

as quais os Corrêa de Oliveira, viu-se bastant empobrecida. Razão<br />

disso foi a invenção do açúcar de beterraba por técnicos alemães, o<br />

que levou os países europeus, no último quartel do século XIX, a cessarem<br />

quase por completo a importação do produto.<br />

Quando criança, <strong>Dr</strong>. João Paulo aind alcançara o fausto e a<br />

movimentação algo palaciana da casa dos Corrêa de Oliveira. Para<br />

animar os encontros familiares havia até um “bobo da corte”, chamado<br />

Marcelo, o qual tinha fama de ser bem engraçado.<br />

Esse Pernambuco de alguns luzimentos do passado não ficou<br />

sem conhecer a Dona Lucilia .<br />

Conselheiro João Alfredo<br />

4) Título que co responde atualmente ao de Governador de Estado.<br />

Recordações de Pernambuco<br />

Fundação do lar<br />

Desde os remotos tempos coloniais, Pernambuco desempenhara<br />

no Nordeste, ainda que em menores proporções, papel semelhante ao de<br />

São Paulo no Centro-Sul. Mais no que diz respeito ao modo de encarar a<br />

vida do que do ponto de vista econômico. Seus habitantes e em especial<br />

suas elite sobre saíam por notável senso de governo, pela seriedade do<br />

trato, pelo estilo de relações a um tempo senhorial e ameno, no qual se<br />

podia distinguir uma graciosa nota francesa dentro de um contexto profundamente<br />

brasileiro. A energia e vitalidade características dos grandes<br />

feitos pernambucanos ficaram imortalmente consignadas na epopéia de<br />

Guararapes, momento decisivo no qual o Brasil tomou consciência de<br />

seu futuro como nação formada em torno de uma só Fé e uma só língua.<br />

Dona Lucilia, na viagem de lua-de-mel à te ra natal de seu<br />

esposo, terá d enfrentar uma circunstância penosa, visto não estar<br />

acostumad a longos percursos marítimos com o do Rio a Recife.<br />

Entretanto, de acordo com a tendência em extremo benévola de seu<br />

espírito, sua atenção não deixará passar despercebido nada do que encontrar<br />

de atraente ao longo do caminho.<br />

A penúltima etapa do trajeto era Goiana, pitoresca cidade situada<br />

nos confins de Pernambuco com a Paraíba. Não distante do litoral,<br />

Aspectos de Recife, a “Veneza brasileira”<br />

Capítulo IV<br />

Dona Lucilia pouco antes<br />

Fundação do lar<br />

D<br />

Nas mãos de Deus, a escolha da vocação<br />

Capítulo V<br />

elineava-se no interior de Lucilia, com traços cada vez<br />

mais vincados, durante longas horas de contemplação na<br />

quietude, entremeadas de oração vocal, uma aspiração à<br />

vida religiosa. 1 Entretanto, acima de sua virtuosa propensão ao elevado<br />

e ao sublime, estava a robusta determinação de cumprir a vontade<br />

de Deus, ainda que à custa de refrear seus bons movimentos de alma.<br />

Pronta a seguir a qualquer momento, por mais que lhe custa se, a voz<br />

do Espírito Santo, tinha por certo que esta se manifestava muitas vezes<br />

através dos conselhos ou ordens de seu querido pai.<br />

No entardecer de certo dia, <strong>Dr</strong>. Antônio, com sua característica<br />

paternalidade, abordou a filha para tratar do delicado tema do matrimônio.<br />

Ponderou-lhe que os anos iam pa sando e ela co ria o risco de<br />

transformar-se em tia solteirona, em torno da qual os sobrinhos fazem<br />

Claro estava que <strong>Dr</strong>. Antônio, como bom pai, não quereria forçar<br />

uma decisão de Lucilia pelo casamento. Ne sa mesma ocasião,<br />

contou à filha que certo amigo, <strong>Dr</strong>. João Procópio de Carvalho, lhe<br />

apresentara um jovem advogado, <strong>Dr</strong>. João Paulo Corrêa de Oliveira,<br />

descendente de ilustre família de Pernambuco, muito fino e inteligente.<br />

Considerava-o, por tais motivos, o esposo mais conveniente, ressalvando<br />

entretanto caber a última palavra somente a ela.<br />

Com a fisionomia sempre meiga e afetuosa, Dona Lucilia em nada<br />

se alterou diante da sugestão paterna. Era uma nova manifestação<br />

daquela temperança estável que já ia atingindo seu pleno florescer.<br />

1) Lucilia chegou mesmo a cogitar em seu ingre so numa ordem religiosa. Porém a<br />

escolha não incidiu sobre o Mosteiro da Luz, de cuja igreja tanto gostava e onde<br />

havia recebido inúmeras graças. Havia atrás do Palácio dos Campos Elíseos<br />

um convento onde vivia uma freira qu ela conhecia, pertencente à aristocracia<br />

paulista e chegada à família Ribeiro dos Santos. Em sua candura de alma, Lucilia<br />

imaginava a vida religiosa como um requinte da vida de família. Poderia então, às<br />

tardes, cumpridas as obrigações do dia, ficar conversando com aquela irmã sobre<br />

as respectivas famílias e amizad existent entr estas. Assim — como contaria<br />

futuramente a seu filho — tendo optado por e se convento, expôs um dia seus íntimos<br />

anseios a seu venerado pai.<br />

Dona Lucilia<br />

Acima: lembrança oferecida por<br />

<strong>Dr</strong>. Bier a Dona Lucilia; à direita:<br />

Prof. Adolpho Lindenberg, esposo de Dona Yayá<br />

Havendo-s então difundido<br />

pelo mundo a boa nova do êxito<br />

alcançado na Alemanha pelo Prof.<br />

<strong>Dr</strong>. August Karl Bier, médico particular<br />

do Kaiser, numa extração<br />

de vesícula biliar, 3 a grande estima<br />

dos parentes de Dona Lucilia por<br />

ela levou-os a não poupar esforços<br />

para fazê-la chegar até e se<br />

famoso especialista.<br />

Entre os que acompanhariam não figuravam apena seu esposo<br />

e filhos, mas também irmãos, cunhados e sobrinhos, e sobretudo<br />

sua mãe, Dona Gabriela.<br />

Uma penosa viagem<br />

Capítulo VI<br />

No Carnaval, dois pequenos marqueses<br />

Quão recatados eram aqueles festejos ca regados de pitoresco<br />

e de alegria, dos idos de 1915, contrariamente aos de hoje, nos quais<br />

imperam o frenesi e a imoralidade!<br />

Uma das principais distrações eram os famosos corsos, tradicionais<br />

desfiles de ca ros nos quais iam pessoas fantasiadas. Eram três os<br />

corsos: o da Avenida Paulista, o<br />

do Centro — “corso do Triângulo”<br />

— e o do Brás. No primeiro<br />

— mais representativo, por percorre<br />

ruas tidas como mais aristocráticas<br />

na São Paulo de então<br />

— os automóveis subiam a Avenida<br />

Angélica, entravam na Paulista<br />

e desciam pela Brigadeiro Luís<br />

Antônio até o Largo de São Francisco,<br />

retornando em sentido inverso<br />

ao ponto de partida. A sim<br />

se formavam duas filas paralelas<br />

de automóvei se deslocando em<br />

direções opostas, o que dava ocasião<br />

a que os conhecido se cumprimenta<br />

sem no percurso.<br />

Ao longo do trajeto, as residências,<br />

seus parques e jardins<br />

eram enfeitados com lâmpadas<br />

multicolores, e, junto aos muros,<br />

montavam-se pequenos palanques<br />

par as famílias verem passar<br />

o corso.<br />

As fantasias procuravam<br />

manifestar mais o bom gosto do<br />

que o desejo de provocar hilaridade<br />

e fazer pilhérias. Imoralidade,<br />

nem pensar! Enfim, era<br />

um carnaval bem paulista, grave,<br />

familiar e aristocrático, no qual a<br />

mentalidade otimista, difundida<br />

pouco depois pelo cinema americano,<br />

ainda não havia entrado.<br />

Um trem os levaria até Santos, de onde iriam de navio ao porto<br />

do Rio de Janeiro, para ali embarca rumo à Europa num confortável<br />

transatlântico alemão, em 11 de junho de 1912. 4<br />

Por um esmerado desejo de perfeição, Dona Lucilia, prevendo<br />

uma longa estadia no exterior, chamou a si os preparativos de viagem,<br />

apesar de seu estado de saúde.<br />

3) Lendo uma revista alemã, o Prof. Adolpho Lindenberg, cunhado de Dona Lucilia, encontrou<br />

o relato de tão grande sucesso, obtido por <strong>Dr</strong>. Bier. Como constava tratar-se<br />

da primeira tentativa realizada com êxito em matéria tão delicada, o Prof. Lindenberg,<br />

também médico, imediatamente enviou uma carta ao eminente cirurgião germânico,<br />

descrevendo o estado de Dona Lucilia, a fim de encaminhar uma po sível operação.<br />

4) O Hohenstaufen, da companhia Hamburg-Amerika Linie.<br />

Rosée fantasiada de marquesa<br />

Viagem à Europa<br />

Antes mesmo de deixar o lar, no próprio dia da partida, foi tomada<br />

por um ace so de violentas dores, que a obrigaram a permanece<br />

recostada durante boa parte do trajeto de trem até Santos. Embora<br />

sofre se muito, inclusive no percurso até o Rio de Janeiro, não<br />

perdeu, um instante sequer, sua invariável e virtuosa serenidade de<br />

alma, o que lhe proporcionou contemplar o deslumbrante panorama<br />

com o qual Deus brindou aquela cidade.<br />

Hospedaram-se todos no Hotel dos Estrangeiros, um dos primeiros<br />

da então Capital Federal, à espera de partirem para a Alemanha.<br />

Singrand os mares, rumo ao Velho Continente<br />

Chegando ao porto, no dia do embarque, Dona Lucilia sen tiuse<br />

tão mal que, contorcendo-se de dor, teve de subir a bordo do transatlântico<br />

ca regada pelo esposo e por um cunhado, diante dos olhos<br />

penalizados de seus filhos.<br />

O vapor levanta âncoras. Enquanto se vai distanciando da terra<br />

firme, todos os pa sageiro se postam nos bordos do tombadilho ou<br />

se reclinam confortavelmente em chaises longues e assistem ao belo e<br />

emocionante espetáculo da partida.<br />

Dona Lucilia logo começ a sentir, em seu debilitad organismo,<br />

os efeitos de um balouçar marítimo que só poderi agravar seus<br />

males. Deitada em seu camarote, rez ao Sagrado Coração de Jesus,<br />

implorando graças para que, segundo o divino modelo, com paciência<br />

e virtude suporte todos os incômodos de tão longa trave sia.<br />

Quando a embarcação, após rumar em direção à ba ra, está<br />

prestes a ganhar o oceano, alguns parentes descem à cabine de Dona<br />

Educação dos filhos<br />

Para as pessoas daquele tempo,<br />

alegria não era sinônimo de gargalhada,<br />

embora o riso tive se<br />

seu discreto papel na vida.<br />

Dona Lucilia nunca deixava<br />

de mandar fazer fantasias para<br />

os filhos. Ela mesma as planejava,<br />

procurando apresentar personagens<br />

míticos, como os das “Mil e<br />

uma Noites” — marajás, gue reiros<br />

gregos ou romanos, potentados<br />

persas, princesas cobertas de<br />

jóias (falsas é claro) — de preferência<br />

a personagens burlescos,<br />

mas que também não faltavam:<br />

pie rots, arlequins, trovadores e<br />

outros tantos. Às veze se inspirava<br />

em trajes franceses do Ancien<br />

Régime.<br />

Num dos anos ela fantasiou<br />

Rosée e noutro, <strong>Plinio</strong>, de nobres<br />

do século XV I, procurando, nos<br />

mínimos detalhes, aproximar-se<br />

o mais possível da realidade. Não<br />

s empenhav apenas na confecção<br />

das roupas, feitas de tecidos<br />

importados de boa qualidade,<br />

mas sobretudo em que eles tomassem<br />

atitude condizente com<br />

o traje.<br />

O menino, de cabeleira<br />

empoada, chapéu de dois bicos,<br />

rendas nos punhos, tomava o aspecto<br />

distinto e requintado de um<br />

marquês; a menina, de saia toda rendada e toucado de marquesa, fazia<br />

elegantes reverências.<br />

Certamente, enquanto andavam com aqueles belos trajes, as<br />

criança se lembravam mais particularmente dos personagens daquelas<br />

maravilhosas histórias de Dumas contadas por Dona Lucilia .<br />

A família Ribeiro dos Santos embarcou para a Europa no transatlântico Hohenstaufen<br />

<strong>Plinio</strong> fantasiado de marquês<br />

Archivfoto Hapag Loyd (Hamburgo, Alemanha)<br />

L.E.V.<br />

LIBRERIA EDITRICE VATICANA<br />

Uma biografia de Dona Lucilia Ribeiro dos Santos Corrêa de Oliveira,<br />

escrita por Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP, e editada pela Libreria Editrice Vaticana.<br />

Pedidos pelo telefone (11) 2971-9040, ou pelo Fax: (11) 2971-9067<br />

5


Dona Lucilia<br />

A devoção de Dona Lucilia<br />

ao Sagrado Cora<br />

As imagens de Nosso Senhor, junto às quais Dona Lucilia rezava<br />

constantemente, tinham como modelo o Santo Sudário de Turim.<br />

Eram profundamente sérias, tristes, plenas de grandeza e, no olhar,<br />

exprimiam a imensidade do amor do Redentor para com os homens. A<br />

piedade dela se exercia em função de Nosso Senhor visto dessa forma.<br />

Atendendo ao pedido que me fizeram, explicarei<br />

qual era a noção, a ideia, que mamãe tinha a<br />

respeito do Sagrado Coração de Jesus, e o que<br />

Este representou para ela.<br />

O Santo Sudário, padrão perfeito<br />

das imagens do Sagrado Coração de Jesus<br />

No tempo de Pio IX, a Igreja chegou a ter um movimento<br />

bem desenvolvido no que diz respeito à devoção<br />

ao Sagrado Coração de Jesus. Esse movimento continuou<br />

em algo na época de Leão XIII, e depois reviveu<br />

ainda mais no tempo de São Pio X.<br />

Essa devoção era incrementada, sobretudo, pelo<br />

Apostolado da Oração, grande organização dos padres<br />

jesuítas, que abarcava o mundo inteiro. E a ideia que o<br />

Apostolado da Oração apresentava do Sagrado Coração<br />

de Jesus era expressa, até certo ponto, pelas estampas<br />

e imagens daquele tempo, as quais naturalmente tinham<br />

diferenças fisionômicas — porque não há um modelo<br />

oficial, e cada artista concebe a figura de Jesus mais<br />

ou menos como entende. Mas as imagens de Nosso Senhor<br />

do século XVIII e épocas anteriores são menos parecidas<br />

com as do final do século XIX, que tomaram como<br />

modelo o Santo Sudário, o padrão ideal, perfeito, objetivo.<br />

Estas últimas eram inteiramente coerentes com o que<br />

seria Nosso Senhor gladífero 1 . Quer dizer, um homem<br />

em luta contínua contra o mal, nas suas horas de bondade,<br />

seria bondoso sem diminuir o seu espírito combativo;<br />

e um homem verdadeiramente afável, nas horas de<br />

luta seria gladífero. De maneira que, embora não apresentassem<br />

diretamente Jesus enquanto gladífero, as imagens<br />

davam, por assim dizer, uma pista de voo para se<br />

chegar até o gladífero.<br />

Recusa à mentalidade do século XX<br />

Dona Lucilia formou seu espírito segundo essa concepção.<br />

Ela era do tempo de Santa Teresinha do Menino<br />

Jesus, portanto século XIX largamente; e morreu, graças<br />

a Deus, bastante idosa, mas quase não entrou no século<br />

XX. Vamos dizer que o século XX, depois de aproximadamente<br />

1930, ela não acompanhou; e antes disso ela entrou<br />

para recusar. É claro que o fato de ela não ter acompanhado,<br />

após 1930, é uma forma de recusa também.<br />

Dessa forma, sendo Nosso Senhor bem simbolizado,<br />

mamãe tinha uma boa ideia d’Ele. E a imagem que está<br />

no oratório dela exprime adequadamente o que o conjunto<br />

das imagens católicas, no fluxo da devoção ao Sagrado<br />

Coração de Jesus no século XIX, apresentava. Dona<br />

Lucilia tinha grande devoção por aquela imagem; e<br />

também pela que está no salão azul 2 , feita de alabastro,<br />

a qual é inteiramente da escola da imagem que se encontra<br />

no oratório de mamãe. Então a ideia de Nosso Senhor<br />

era representada por essas imagens, muito parecidas<br />

com o Santo Sudário.<br />

Imagens sérias, repletas de doçura<br />

Essas imagens apresentam Nosso Senhor enormemente<br />

sério, enormemente triste e enormemente grande.<br />

A atitude do Redentor é de uma seriedade triste, perto<br />

da qual o pecador se sente pequenino. E Ele imen-<br />

6


ção de Jesus<br />

so, não pela estatura física, mas pelo porte moral, perto<br />

do qual qualquer um se sentiria pequeno. Porte moral<br />

feito de altíssimas cogitações. Realmente Ele era<br />

uma só Pessoa, mas na qual havia União Hipostática<br />

3 , e as imagens representam a humanidade<br />

d’Ele. Quais são as cogitações de uma<br />

natureza humana que está em União Hipostática<br />

com Deus?!<br />

Quer dizer, todos os místicos que houve<br />

— há e haverá — não tiveram uma união<br />

com Deus parecida com a União Hipostática.<br />

Acrescentemos a isso a santidade perfeita<br />

da humanidade d’Ele, e compreendemos que<br />

é insondável a grandeza de sua humanidade; e na<br />

humanidade d’Ele não se vê só humanidade, mas<br />

também a divindade, que transparece por causa da<br />

União Hipostática.<br />

Então a grandeza de Nosso Senhor é uma grandeza<br />

muito triste. Em geral as imagens desse tempo<br />

são sérias, de um olhar doce, mas que envolve<br />

e penetra na pessoa. E há uma pergunta implícita<br />

n’Aquele que olha para o pecador com bondade,<br />

com afeto, para uma criatura, mais ainda para um filho:<br />

“Mas, em troca de tão pouco você fez tudo isto<br />

pelo qual Eu estou sofrendo? Veja bem, você fez e<br />

Eu o amo, até o perdoo, mas quero que você pense!”<br />

Existe uma censura dentro disso. Não uma censura<br />

gladífera e iracunda, mas nobremente interrogativa,<br />

que pergunta, no fundo, o seguinte: “Será<br />

que você levará a sua torpeza e sua maldade a tal<br />

ponto que, vendo-Me nessa doçura e nessa atitude<br />

de perdão, você ainda continua endurecido?”<br />

Imagem do Sagrado Coração de Jesus<br />

venerada por Dona Lucilia no “Salão Azul”<br />

7


Dona Lucilia<br />

Oratório com a imagem do Sagrado Coração<br />

de Jesus, que pertencia a Dona Lucilia<br />

Coração com uma chama ardente e<br />

circundado por uma coroa de espinhos<br />

O Sagrado Coração é apresentado com uma chama ardente,<br />

uma cruz, coroado com espinhos e transpassado<br />

por uma lança. O Sagrado Coração é um símbolo; a Igreja<br />

é muito sóbria e não sobrecarregaria um símbolo com tantos<br />

outros símbolos se não fosse a intenção de fazer sentir<br />

aos homens o amor de Nosso Senhor para conosco, um<br />

amor excepcional, único. Ele abre o peito e mostra o Coração.<br />

Algumas imagens O apresentam com as duas mãos<br />

como se tivessem aberto o peito para fazer ver o Coração,<br />

num ato de bondade extrema: “O que Eu tenho no tabernáculo<br />

do meu peito, abro para que tu vejas!”<br />

De outro lado, o Coração tem uma chama. É o amor<br />

da humanidade d’Ele a Deus Nosso Senhor, mas também<br />

o amor pelos homens. Jesus quer dizer: “Meu filho,<br />

meu Coração arde por ti; e padeceu a cruz por ti e te carrega<br />

com teus defeitos, teus pecados, como uma cruz.”<br />

E está circundado da coroa de espinhos para dizer:<br />

“Lembre te de como a Paixão foi terrível. E meu Coração<br />

foi transpassado por amor a ti.” Depois de tudo quanto foi<br />

feito contra Jesus, restava-Lhe verter as últimas gotas de<br />

Sangue misturadas com linfa. E Ele quis que Seu Sangue<br />

fosse vertido inteiro, embora uma só gota fosse infinitamente<br />

preciosa e pudesse redimir o gênero humano largamente.<br />

Ele quis que o resto de Seu Sangue fosse vertido, em confirmação<br />

daquela palavra do Evangelho, que eu acho muito<br />

bonita: “...cum dilexisset suos, qui erant in mundo, in finem<br />

dilexit eos.” Quer dizer: “...como amasse os seus que esta-<br />

vam no mundo, até o extremo os amou.” 4 Por amor, Nosso<br />

Senhor derramou até a última gota de seu Sangue.<br />

Esse último dom teria que resultar da última brutalidade<br />

feita pelos homens. Para se certificarem de que Ele tinha<br />

morrido, meteram-Lhe uma lança que Lhe abriu o Coração.<br />

Depois de ter feito tudo, era preciso levar a selvageria até lá...<br />

Podemos imaginar o sobressalto de Nossa Senhora, pois<br />

Ela talvez julgasse que estava tudo concluído quando Ele<br />

disse: “Consummatum est — Está tudo acabado” e expirou.<br />

Entretanto, houve mais isso. E, suavemente, aquele Sangue<br />

e água começam a correr, e Maria Santíssima naturalmente<br />

compreendeu: Até isto Nosso Senhor quis sofrer! Quer dizer,<br />

é a bondade levada a um grau inimaginável.<br />

Segundo a tradição católica, o soldado que perfurou<br />

o Coração de Jesus era um homem de vista muito<br />

ruim, quase cego. E com aquele Sangue e água caindo<br />

sobre a face dele, sua visão ficou perfeita e ele se converteu.<br />

Chamava-se Longinus e passou a ser São Longinus.<br />

Quer dizer, ao homem que fazia isto Nosso Senhor deu a<br />

vista, converteu a fim de levá-lo para o Céu.<br />

Bondade que não conduz ao relaxamento<br />

moral, mas à suma compunção<br />

E aqui entra uma coisa que estava profundamente no<br />

espírito de Dona Lucilia, e se encontra no âmago dessa<br />

devoção: mostrar a imensidade do amor de Nosso Senhor<br />

para com o homem, de um lado, dizendo: “Veja como<br />

você tem razões para confiar! Peça porque será atendido!<br />

As portas da misericórdia estão abertas para você.”<br />

8


Mas de outro lado afirmava: “Veja o que representa<br />

todo o pecado, e o abismo de pecados em que a humanidade<br />

está se precipitando! Tu fazes parte da coorte dos<br />

que Me ofendem. E qual é o homem que, ao menos venialmente,<br />

não me ofendeu?”<br />

Então, bater no peito, pedir perdão, humilhar-se e<br />

compreender a gravidade do pecado. É, portanto, uma<br />

bondade que não leva ao relaxamento moral, mas a uma<br />

suma compunção, suma compenetração, e, portanto,<br />

muito reta, santa, direita. O equilíbrio católico, apostólico,<br />

romano está nisso.<br />

Tudo isto envolvia a devoção ao Sagrado Coração<br />

de Jesus, ainda quando eu era menino. Mas notei<br />

que essa devoção foi se retraindo com o tempo, ficando<br />

cada vez mais formal. Em quase todas as igrejas<br />

havia uma imagem do Sagrado Coração de Jesus,<br />

porém a devoção foi perdendo densidade e as pessoas<br />

que rezavam para Ele já não viam bem isso. As<br />

imagens perderam também muito dessa expressão, e<br />

aquela atmosfera de seriedade cheia de tristeza, de<br />

gravidade, de nobreza da Igreja do Coração de Jesus,<br />

em torno das imagens do Coração de Jesus foi se dissipando.<br />

Fazendo perguntas análogas<br />

às do Sagrado Coração de Jesus<br />

Mamãe vivia dentro daquela atmosfera; ela rezava<br />

muito ao Sagrado Coração de Jesus, e toda a devoção,<br />

a piedade dela se exercia em função de Nosso<br />

Senhor visto assim. E, como o bom discípulo em algo<br />

se parece ao mestre, devo dizer que inúmeras vezes<br />

eu a vi interiormente lamentar, deplorar, sofrer e<br />

fazer perguntas análogas às do Sagrado Coração de<br />

Jesus.<br />

O que me tocava na conduta dela e me atraía tanto<br />

era notar essa semelhança. Eu pensava: “Mas a Igreja<br />

Católica é isto! Ela está na linha do espírito da Igreja Católica,<br />

portanto, da verdade certa na qual se pode crer;<br />

este é o modelo, esta é a via.” E isto me fez um bem sem<br />

conta.<br />

Se o que expliquei pode fazer um pouco de bem<br />

aos que estão neste auditório, dou o tempo por muito<br />

bem empregado. Aliás, há uma devoção muito bonita:<br />

“Nossa Senhora do Sagrado Coração”, que é Maria<br />

Santíssima considerada enquanto adorando o Sagrado<br />

Coração de Jesus, e, portanto, toda voltada para<br />

Ele; se nós vemos isso n’Ele, podemos imaginar o que<br />

Ela via! <br />

v<br />

(Extraído de conferência de<br />

18 de junho de 1982)<br />

1) Cf. Ap 1, 16.<br />

2) Sala de visitas do apartamento de Dona Lucilia.<br />

3) Termo utilizado na Teologia para indicar, em Cristo, a união<br />

das duas naturezas – divina e humana – na Pessoa do Verbo.<br />

4) Jo 13, 1.<br />

9


Gesta marial de um varão católico<br />

Solução para todos<br />

os problemas - I<br />

Ao responder a uma pergunta, feita em tom declamatório e na qual<br />

a Igreja é comparada a um maravilhoso castelo, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> discorre<br />

sobre o modo pelo qual, desde menino, compreendia e amava a Santa<br />

Igreja, encontrando nisso o fundamento de sua vida.<br />

A<br />

metáfora foi lindíssima, a declamação muito<br />

bem feita, com o acompanhamento musical muito<br />

belo.<br />

As portas do inferno<br />

não prevalecerão contra a Igreja<br />

Entretanto, a respeito da metáfora, eu teria uma precisão<br />

a introduzir: o castelo é ainda mais belo do que vós<br />

descrevestes; a substância dele não cai em ruína nunca.<br />

Porque, a respeito dele, a voz mais perfeita fez a promessa<br />

incomparável: “As portas do inferno não prevalecerão<br />

contra esse castelo.” 1 E não podemos, portanto, imaginá-<br />

-lo em ruínas porque a promessa perfeita, feita pelos lábios<br />

perfeitos, movidos por um perfeito amor, não pode<br />

senão ter um cumprimento perfeito.<br />

O castelo pode ter partes que se perdem na névoa e, do<br />

fundo da planície, no momento se veem de um modo incompleto;<br />

podem, portanto, dar a uma pessoa que examina<br />

sem toda a atenção necessária a impressão de ruínas,<br />

mas esse castelo desafia o tempo. E, quando não houver<br />

mais História e nem tempo, o castelo estará na glória do<br />

Céu; esse castelo jamais será destruído.<br />

”Ó Santa Igreja Católica Apostólica<br />

e Romana!”<br />

O homem, quando tem a felicidade de estar num ambiente<br />

onde lhe é dada, desde pequeno, uma reta formação,<br />

encontra logo a Santa Igreja Católica Apostólica<br />

e Romana; e também alguns problemas que começam<br />

a desabrochar no fundo da alma. Problemas para<br />

os quais ele dá importância, ou não, que marcam sua infância,<br />

sua adolescência, ou não marcam. Pouco importa,<br />

os problemas existem, se apresentam ao espírito humano<br />

e são cobradores implacáveis. Porque, de vez em<br />

quando, se o homem não lhes dá importância, os problemas<br />

voltam ao longo da vida, diante de situações em que<br />

eles se põem de um modo cada vez mais trágico. São problemas<br />

relacionados com assuntos de foro íntimo, com<br />

a vida externa, com tudo, com o próprio ser do homem,<br />

e que se apresentam, na época de menino, de moço, de<br />

homem maduro, de velho, de modos diferentes. Mas no<br />

fundo são sempre os mesmos problemas, para os quais o<br />

homem não encontra uma solução satisfatória, a não ser<br />

quando os seus olhos dão para o castelo.<br />

Ele olha e pensa: “Mas é curioso. Aqui, ali, acolá, eu<br />

encontro uma solução, uma resposta que desperta em<br />

mim um movimento de alma, uma atitude. O castelo me<br />

fala, me ensina, canta, reza. O polo de minha vida é o<br />

castelo!” O homem se ajoelha e diz: “Ó castelo! Ó Santa<br />

Igreja Católica Apostólica e Romana!”<br />

Problemas internos que ondulam<br />

a alma de uma criança<br />

De que forma, para mim em concreto, esses problemas<br />

nasceram? Não saberia fazer naquele tempo a formulação<br />

que faço hoje a respeito deles, mas os problemas<br />

eram os seguintes:<br />

Eu tinha a minha vida de menino, mas sentia, pelo<br />

bom senso, por um sentir de si próprio que todos nós<br />

possuímos, pela vida externa que via mover-se em torno<br />

de mim, que eu era uma semente, percebia haver em<br />

10


Timothy Ring<br />

Basílica de São Pedro - Vaticano<br />

mim apenas o projeto, os elementos rudimentares de algo<br />

que deveria expandir-se muito mais, e que precisaria<br />

chegar normalmente até a mocidade, a idade madura,<br />

a velhice. Isto significava um desdobrar de aptidões, de<br />

capacidades internas, de modos internos de ser, que eu<br />

sentia existir em mim efetivamente.<br />

E me perguntava, de um modo mais ou menos vago,<br />

confuso: “Em que rumo e de que maneira devo me desdobrar?<br />

Como preciso fazer? A medida de tal sensação,<br />

tal percepção, tal estado de espírito, até que ponto deve<br />

chegar? Como devo ser agora a esse respeito?”<br />

A medida das coisas me era misteriosa a respeito de<br />

mim mesmo.<br />

Imaginemos dois estados de alma entre os quais a<br />

criança oscila muito — tudo mudou tanto, mas o homem<br />

continua sendo homem; não sei se isto passou pelos espíritos<br />

dos que se encontram neste auditório, mas passava<br />

pelos espíritos das crianças do meu tempo. O problema<br />

é o seguinte: a alegria, a tristeza — e aquilo que eu<br />

chamaria um estado pedestre e comum da vida, que não<br />

é alegria nem tristeza — parecem rotina na existência da<br />

criança e que a deixam às vezes enfastiada de viver; com<br />

tão pouca idade e já imersa na rotina e na banalidade.<br />

Então anunciam para a criança uma festa, e ela se rejubila;<br />

comunicam-lhe um fato triste, ela participa da<br />

tristeza. Mas até a tristeza lhe traz algum alívio, pois ela<br />

pensa: “Saí da rotina.”<br />

De outro lado, em certos dias a percepção de que a rotina<br />

tem seu lado aprazível. E, sobretudo, quando se foge<br />

dela, sente-se umas saudades que não se sentiria estando<br />

dentro da rotina. De maneira que, quando se passa da<br />

alegria para a rotina, tem-se desejo de dizer: “Ó rotina<br />

amiga, como és simpática!” Mais ainda, quando se passa<br />

da dor para a rotina, tem-se vontade de falar: “Olhe, essa<br />

rotina é bem boazinha!” Dali a pouco a pessoa está de<br />

novo à cata da alegria e até da dor, mas é a busca do excepcional<br />

para fugir da rotina.<br />

Isto é um dos mil problemas internos que ondulam na<br />

alma de uma criança, ou ao menos ondulavam na alma<br />

da criança que fui eu.<br />

Alegria e dor: em que consistem?<br />

Então, o que quer dizer alegria? Quando uma pessoa<br />

está alegre? Eu estou alegre quando faço algo que considero<br />

gostoso, mas o que é gostoso?<br />

Por exemplo, uma festa de crianças é gostosa; quase<br />

sempre… Comer uma coisa, folhear um álbum, estar<br />

com tal pessoa de minha família é gostoso. Que gostosos<br />

diferentes são esses? Será que eu, com minha natureza<br />

enfática — tendendo a gostar muito daquilo de que gosto<br />

e a não gostar nada do que não gosto —, estou gostando<br />

em toda a medida? Qual é a proporção exata? Como<br />

se deve gostar das coisas que são gostáveis?<br />

11


Gesta marial de um varão católico<br />

Outro ponto. O que é dor? O desagradável é dor, mas<br />

há uma porção de coisas que são desagradáveis a títulos<br />

muito diferentes.<br />

Por exemplo, ir ao barbeiro e mandar cortar o cabelo.<br />

De vez em quando a governanta ou mamãe mandavam:<br />

“É preciso ir cortar o cabelo.” Aquela meia hora no barbeiro<br />

era uma coisa intérmina! Entrava cabelo pelo pescoço,<br />

me desagradava, eu queria trocar de roupa: “Não<br />

pode, deixa disso! Não pode ser pelintra, aguenta!”<br />

Detesto ir ao barbeiro; isso é sofrimento, é dor? Arrancar<br />

um dente, estudar, brigar com um companheiro,<br />

estar doente, separar-me desta ou daquela pessoa é dor?<br />

Será que em mim essas coisas doem como devem doer?<br />

Qual é a medida?<br />

Depois, a dor e a alegria até que ponto se confundem<br />

em certas situações? Às vezes não se dá uma gargalhada<br />

que é amarga? Ou não se tem um chorinho que é doce?<br />

Até que ponto a dor é dor, a alegria é alegria?<br />

E me vinha o pensamento: “Olhe para os outros e veja<br />

o grande bom senso geral. O que todo mundo sente deve<br />

ser verdade, preste atenção nos outros.”<br />

Depois de algum tempo de atenção, uma impressão<br />

de caos. No vocabulário antes de tudo: essas palavras são<br />

escorregadias e designam as coisas mais variadas. Caos,<br />

de outro lado, na própria natureza das coisas: percebe-<br />

-se que, muito legitimamente, algumas coisas doem a um<br />

e não a outro, alegram a um e não a outro. E nota-se que<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> durante uma palestra<br />

isso está conforme ao modo legítimo de ser dos outros, e<br />

comigo é meio diferente.<br />

Então há algo que é uma medida própria de sentir dor<br />

ou alegria, a propósito de certas coisas. Que medida é?<br />

Desejo de manter a harmonia interna<br />

E por detrás disso há uma outra pergunta: o que fazer<br />

de mim mesmo?<br />

Eu sou eu e preciso me desenvolver. Mas não posso crescer<br />

e desenvolver-me, mais ou menos como — aquilo que<br />

eu soube muito depois, pelas aulas de Física, e me desagradou<br />

— a força de expansão dos gases. Se, por exemplo, uma<br />

pessoa acende nesta sala um objeto qualquer que começa a<br />

deitar fumaça, segundo que regra essa fumaça se espalha?<br />

É uma regra sem regra, ela se espalha como deve.<br />

Ora, eu tinha impressão que algumas pessoas cresciam<br />

como a fumaça se difunde, pela regra da espontaneidade,<br />

sem eira nem beira.<br />

Eu deitava atenção e pensava: “Mas que coisa curiosa, isso<br />

me explica que esse indivíduo tem dentro dele uma coisa<br />

que não quero em meu interior. Quero dentro de mim<br />

uma ideia de minha harmonia interna, de que as coisas estão<br />

bem relacionadas umas com as outras e com a minha<br />

própria natureza, no que eu tenho como homem e como ser<br />

individual, como este homem é, e não um homem em tese.”<br />

Há o homem em tese, mas cada um de nós existe concretamente.<br />

Deve haver alguns elementos<br />

ordenativos que são específicos a mim; e<br />

se isto estiver bem em ordem, eu encontro<br />

minha base, meu fundamento, posso viver.<br />

Se não for isto, percebo as consequências<br />

em torno de mim, aqui, lá, acolá: essas fumaças,<br />

fumaradas, desordens; é o caos.<br />

Isso naturalmente eu não seria capaz<br />

de exprimir com essa precisão. E provavelmente<br />

a maior parte dos que estão aqui na<br />

sala, quando crianças, também não exprimiriam<br />

o que eu estava dizendo. Mas duvido<br />

que uma pessoa, prestando atenção nas<br />

suas impressões daquele tempo, não encontre<br />

traço de problemas como esse.<br />

Às vezes expresso de modo muito elementar,<br />

mas no fundo é este o problema:<br />

“Eu quero ser como esse homem que conheço,<br />

e não desejo ser como aquele outro.<br />

Tal aspecto nessa pessoa me agrada,<br />

e tal outro aspecto em outra não me agrada.”<br />

O que leva as crianças, por mimetismo,<br />

por imitação, a copiarem algumas<br />

pessoas; é um dos elementos da tradição.<br />

E às vezes uma criança copia, procuran-<br />

12


Timothy Ring<br />

zer habitar em mim a totalidade daquelas harmonias<br />

magníficas, e notava, entretanto, que bastava<br />

me maravilhar, dizer sim, dar atenção interior<br />

àquela variedade harmônica e incomparável, que<br />

havia qualquer coisa de unum, o qual deveria corresponder<br />

a uma atitude do fundo de minha alma<br />

em que eu diria: “Isto é perfeito, é de Deus e para<br />

lá eu quero ir.” Agindo assim, sendo eu ainda menino<br />

e em estado de desabrochar, essas perfeições<br />

de algum modo começariam a habitar em mim.<br />

Uma harmonia lindíssima<br />

e uma beleza harmoniosíssima<br />

Igreja do Sagrado Coração de Jesus - São Paulo (Brasil)<br />

do parecer, ou tira uma espécie de contracópia instintiva:<br />

“Assim não serei.”<br />

Ora, como a criança escolhe esses modelos? Escolhe,<br />

no fundo, com cogitações que correspondem mais ou<br />

menos a essas que acabo de enunciar. E creio que seria<br />

até matéria interessante para reflexão, recordação, etc.,<br />

se procurassem refazer o fio condutor de suas infâncias.<br />

Primeiros contatos com a Igreja do<br />

Sagrado Coração de Jesus<br />

Nesta perspectiva, lembro-me bem de que se explicam<br />

completamente os maravilhamentos primeiros que eu tive<br />

com a Santa Igreja Católica Apostólica Romana.<br />

Na minha primeiríssima infância, muito notadamente<br />

na Igreja do Coração de Jesus, eu comecei a tomar os<br />

primeiros contatos conscientes de uma alma de criança<br />

com a Igreja Católica. Vendo o templo internamente, a<br />

liturgia, o canto sacro, as imagens, o ambiente, a atitude<br />

moral das pessoas que estavam lá, enfim, aqueles conjuntos<br />

das coisas, ligados com o começo muito elementar<br />

de catecismo que minha mãe me ensinou, e junto com<br />

as imagens de casa, as atitudes dela rezando, isso foi me<br />

dando uma ideia maravilhada de que ali eu encontrava a<br />

solução, a medida e o modelo para tudo.<br />

Com a noção inicial, em germinação, mas, pelo favor<br />

de Nossa Senhora, quão definida de que eu encontrava ali<br />

uma forma de perfeição espiritual, humana — não só religiosa,<br />

mas também sobrenatural — na qual, por mais que<br />

eu tivesse de me desdobrar, nunca chegaria a abarcar aquele<br />

mundo de perfeições harmônicas. Eu jamais poderia fa-<br />

Eu não era capaz de dizer com essas palavras,<br />

eram impressões, ao pé da letra o émerveillement,<br />

um maravilhamento de um menino com<br />

os nervos sumamente plácidos e que via isso,<br />

portanto, sem agitações, buliços, exclamações,<br />

mas analisava, aprofundava, conferia. Nunca<br />

com as conferições da dúvida, mas sempre com<br />

as conferições do pormenor, da minúcia, do entusiasmo<br />

pela linha geral, conferindo e dizendo a mim mesmo alguma<br />

coisa mais ou menos assim:<br />

“Isto que me maravilha tanto tem uma vida que é distinta<br />

da minha. É uma outra vida que entra em mim,<br />

limpa e dá sentido à minha existência. Eu aqui encontro<br />

aquele ponto de equilíbrio, de apoio, aquela medida<br />

de todas as coisas, aquele caminho para todos os meus<br />

movimentos, aquela solução para todos os meus problemas.<br />

Neste unum que está aqui e sei que é a Religião de<br />

Deus, nisto eu quero viver a vida inteira. Meu Deus, eu<br />

Vos adoro acima de todas as coisas!<br />

“Sei não só porque mamãe me ensinou que Vós sois o<br />

único Deus verdadeiro, Criador do Céu e da Terra, mas<br />

nisto que aqui contemplo, eu compreendo existir algo de<br />

mais belo do que a terra e o céu material que vejo. Há algo<br />

que confere com o timbre de voz de mamãe quando<br />

ela pronuncia a palavra santidade; quando eu a vejo rezar,<br />

confere com o órgão que ouço tocar, tudo confere<br />

com tudo. Aqui há uma harmonia lindíssima e uma beleza<br />

harmoniosíssima, uma verdade objetiva, real.”<br />

Com os meus olhos de septuagenário, eu vejo aqui<br />

uma almofada que existe realmente, fora de mim; assim<br />

também, em menino, a minha alma pousava sobre essas<br />

maravilhas e harmonias e dizia: “Eu vejo e creio!” v<br />

(Continua no próximo número)<br />

1) Cf. Mt 16, 18.<br />

(Extraído de conferência de 17/10/1981)<br />

13


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

Convívio entre as almas<br />

no Céu empíreo - I<br />

O corpo e a alma formam uma só pessoa. Se alguém vai para o Inferno,<br />

a justiça manda que ele seja castigado no corpo e na alma, porque é<br />

a pessoa inteira que peca e deve ser punida. E quando uma pessoa se<br />

salva, também seu corpo será objeto do prêmio celestial; o Céu empíreo<br />

existe para recompensar os bem-aventurados nos seus corpos.<br />

Já falamos de vários aspectos materiais do Céu empíreo,<br />

e convém ir preparando os nossos espíritos<br />

para aquilo que é a essência da felicidade celeste,<br />

a qual não está no Céu empíreo, mas fundamentalmente<br />

na visão de Deus face a face. Deus, puro espírito, eterno,<br />

perfeitíssimo, inefável, cuja consideração nós teremos<br />

eternamente e que constitui, Ele sim, a nossa felicidade<br />

perfeita.<br />

A felicidade da alma será infinitamente<br />

maior do que a do corpo<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> na década de 1990<br />

Nosso corpo é elemento integrante de nossa pessoa.<br />

A alma não está para o corpo como, por exemplo, o corpo<br />

está para a roupa, a qual pode ser tirada, jogada fora,<br />

trocada por outra, e o corpo continua no estado normal.<br />

O corpo não é a roupa da alma; corpo e alma formam um<br />

só todo, uma só pessoa.<br />

E se alguém vai para o Inferno — que Deus nos livre!<br />

—, a justiça manda que ele seja castigado no corpo e na<br />

alma, porque é a pessoa inteira que peca e deve ser punida.<br />

O corpo é instrumento da alma para a maior parte<br />

dos pecados, e é bom que o instrumento seja punido como<br />

é castigada a alma, autora do pecado. Então, a contrario<br />

sensu, é também conveniente que o corpo seja premiado<br />

quando a pessoa se salva.<br />

E Deus dispôs o Céu empíreo para que os corpos<br />

tenham ali seu prêmio, junto com as almas. A alma se<br />

reúne ao corpo por ocasião da ressurreição, e o corpo<br />

14


Gustavo Kralj<br />

“Paraíso” - Museu Metropolitano de Arte, Nova Iorque (EUA)<br />

recebe numerosos deleites. Mas, ao mesmo tempo, a<br />

alma tem um deleite ainda muito maior, e convém que<br />

seja maior porque, dos dois elementos que constituem<br />

o homem, o corpo e a alma, esta é muito mais nobre<br />

do que aquele, sem nenhuma comparação.<br />

Basta considerarmos os animais — que têm corpo,<br />

mas não possuem alma — e a superioridade do homem<br />

sobre os animais, para compreendermos até que ponto<br />

a alma, que é espiritual, imortal, é superior ao corpo.<br />

Nesta perspectiva, se entende bem que a felicidade<br />

da alma tem que ser muito maior que a do corpo; não<br />

só muito maior, mas infinitamente maior do que a do<br />

corpo. A alma vê Deus face a face, e nesse convívio com<br />

Deus a alma tem uma felicidade verdadeiramente inexprimível.<br />

Contato de alma intensíssimo e diletíssimo<br />

Para formar uma ideia adequada da felicidade de ver<br />

a Deus, eu me sirvo de alguma coisa do que diz Cornélio<br />

a Lápide 1 , sobre o deleite da convivência das almas<br />

entre si no Paraíso celeste; o contentamento que uma<br />

alma terá no conhecer outra e ser uma com a outra. E, a<br />

partir disso, como um remoto, pálido e insuficiente termo<br />

de comparação, poderemos ter uma noção do que é<br />

a convivência da alma com Deus.<br />

De acordo com Cornélio a Lápide, no Paraíso celeste<br />

os homens terão mansões transparentes, não para que<br />

nelas nada se faça de oculto, nem de vergonhoso, mas a<br />

fim de que todas as almas estejam em condições de tomarem<br />

contato umas com as outras, verem o que estão<br />

fazendo, conhecerem o que estão pensando, cogitando,<br />

15


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

Gustavo Kralj<br />

a todo o momento. De maneira que há um contato de alma<br />

intensíssimo e diletíssimo!<br />

Não é como o contato entre nós aqui na Terra,<br />

quer dizer, cada um tem seu corpo que reflete, de algum<br />

modo, alguns estados de alma que se pode observar,<br />

quando se presta atenção. Então, meio hipoteticamente,<br />

meio com certeza — muitas vezes não sabendo<br />

nós distinguir exatamente a hipótese da certeza<br />

—, formamos uma certa noção a respeito da mentalidade,<br />

da psicologia, do estado de espírito de um outro,<br />

como ele está recebendo a nossa conversa e nossa<br />

companhia, e como estamos recebendo a companhia<br />

dele.<br />

Esse contato de alma aqui na Terra dá alguma luz;<br />

mas, sobretudo, tem penumbra. Gostaríamos de conhecer<br />

muito mais. No Céu nós nos conheceremos diretamente,<br />

como se cada alma lesse outra à maneira de um<br />

livro aberto.<br />

Perpétua festa de conhecimento,<br />

de gratidão e de aprofundamento<br />

Como todas estarão no respectivo estado de perfeição,<br />

tendo sido, no Purgatório, purificadas de todos os<br />

defeitos que tinham na Terra, a consideração de uma outra<br />

alma é altamente aprazível. Qualquer que seja a alma.<br />

Não há os inconvenientes que existem na Terra, onde,<br />

sendo ou não bom psicólogo, se estorva de repente,<br />

por defeito nosso ou de outrem, com estados de espírito<br />

incompatíveis com os nossos. E com a incompatibilidade,<br />

surge o desprazer do convívio.<br />

Às vezes aparece, pelo contrário, uma “suma” harmonia.<br />

A palavra “suma” vai aqui sempre entre aspas, porque<br />

sumo só se pode dizer de Deus. Mas uma grande harmonia,<br />

que é fugidia, surge durante alguns instantes e depois<br />

desaparece. E no máximo o que se pode dizer é: “Se<br />

eu conhecesse essa pessoa mais a fundo, em tal veio, provavelmente,<br />

nos entenderíamos muito bem. E nos outros<br />

veios, como nos entenderíamos? Seria igualmente bem?<br />

Isso que nela foi tão fugaz, que profundidade, que substância<br />

tem? O que é essa pessoa?”<br />

No Céu não há nada disso! Todos os estados de alma<br />

são definitivos. Podem uns aparecer com mais realce, outros,<br />

com menos, conforme o que a alma vê em Deus e<br />

vai despertando esses ou aqueles estados de alma. Mas<br />

tudo é perfeito. E nós temos, então, além do conhecimento<br />

total, o conhecimento daquilo que é totalmente<br />

deleitável, harmonioso em si mesmo — não há contradição<br />

no interior daquelas almas — e harmonioso conosco.<br />

Porque como estaremos, mediante a oração e ajuda<br />

de Nossa Senhora, em nosso estado de perfeição, nunca<br />

nos arranharemos uns nos outros. E teremos uma ale-<br />

16


Gustavo Kralj<br />

Nesta página e na anterior, detalhe de um retábulo que representa Jesus Cristo na glória com os santos -<br />

Galeria Nacional de Arte, Londres (Inglaterra)<br />

gria em ver este, aquele, aquele outro, como uma perpétua<br />

festa de conhecimento, de reconhecimento, de aprofundamento<br />

que não termina nunca mais. E esta alegria<br />

— que ainda não é, nem de longe, o gáudio de ver<br />

a Deus face a face — nós podemos imaginá-la, se encontrarmos<br />

no Céu aqueles que foram nossos conhecidos<br />

na Terra e nos ajudaram, ou a quem nós ajudamos, a<br />

praticar o bem.<br />

Por exemplo, que alegria no Céu nós encontrarmos<br />

uma alma em que notamos determinado fulgor, e ela nos<br />

diz: “Notastes tal disposição em mim. Vós vos lembrais de<br />

que foi devido ao vosso ensinamento?” Ou então, se se<br />

tratar de uma pessoa que terá vivido muito depois de nós:<br />

“Sabei que isso eu aprendi de Fulano, que aprendeu de<br />

Beltrano, de Sicrano… — e lá vem a genealogia, não relativa<br />

ao nascimento necessariamente, pode também ser,<br />

mas é a fileira de pessoas até chegar àquele que deu o primeiro<br />

conselho — e a vós eu agradeço!” Os dois se inclinam,<br />

mutuamente se reverenciam e se amam.<br />

A movimentação de eucaliptos soprados<br />

pelo vento, e o minueto de Boccherini<br />

Isto é convívio, em que a inveja, o ódio, o desagrado<br />

pelas desigualdades não existem; onde um maior enche o<br />

menor de contentamento e satisfação!<br />

Algum tempo atrás, viajando por uma rodovia de São<br />

Paulo, tive uma ideia muito passageira disso. Há em certo<br />

trecho uma plantação enorme de eucaliptos, pertencente<br />

a uma companhia que fabrica papel, e num determinado<br />

lugar existe um pequeno alagado, onde corre<br />

um riozinho; a terra é um pouco pantanosa e a plantação<br />

se abre um tanto. Passo com certa assiduidade por<br />

lá, e uma vez ou outra tem acontecido que o vento sopra<br />

de um modo curioso, talvez em redemoinho, causando a<br />

impressão de que aquelas árvores estão fazendo reverências<br />

umas às outras.<br />

Em certa ocasião, tive uma superior impressão de convívio<br />

ameno, respeitoso, inteiramente harmônico. Quando<br />

eu vejo essas árvores assim, a música terrena de que<br />

me lembro é o minueto de Boccherini 2 , no qual o trato<br />

mútuo das figuras que fazem parte da dança é eximiamente<br />

musicalizado.<br />

Muito mais do que isso, penso na harmonia existente<br />

no Céu entre as pessoas que apreciam as mútuas<br />

virtudes, e assim se reverenciam. Inclusive a maior<br />

em relação à menor, porque a criatura, por mais alta<br />

que seja, ama e respeita toda criatura de Deus, pois ali<br />

há uma imagem e semelhança do Criador. Mas também<br />

porque toda criatura é única e todo homem, debaixo<br />

de qualquer ponto de vista, em algum aspecto é único.<br />

E nesse convívio do Céu se conhece aquilo que a pes-<br />

17


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

Todos os estados<br />

virtuosos da alma,<br />

desde a indagação<br />

reflexiva mais atenta,<br />

até o enlevo, tudo se<br />

fará notar no Céu, nas<br />

várias almas, sobretudo<br />

naquelas cuja virtude<br />

foi intensíssima.<br />

Gustavo Kralj<br />

São Domingos (por Fra Angelico) -<br />

Museu de São Marcos, Florença (Itália)<br />

soa tem de irrepetível, de único. Portanto, tem-se o deleite<br />

de, no conhecer, fazer uma referência a Deus, entendendo<br />

o que Ele quis realizar ali. E com isso ter um<br />

gáudio especial.<br />

Compreendemos, então, o contínuo conhecimento<br />

de uns e de outros, e como, ao sabor do que Deus vai<br />

mostrando, eles mesmos vão apresentando suas cores.<br />

Tudo isso faz desse convívio de alma a alma um deleite<br />

que não podemos ter bem ideia nesta vida.<br />

O Céu é dulcíssimo, com variedade<br />

deleitável de sabores espirituais<br />

Uma coisa desta vida nos ajuda a compreender um<br />

pouco esse deleite: há pessoas que são expressivas; quer<br />

dizer, elas exprimem o que sentem. Algumas são agradavelmente<br />

expressivas. Outras são desagradavelmente expressivas,<br />

às vezes sem culpa própria; há pessoas que têm<br />

modo de ser desagradáveis.<br />

É muito deleitável entrar em contato com uma pessoa<br />

que exprime bem aquilo que tem a dizer, mas em que se<br />

percebe não só o sentido claro da palavra, mas a harmonia,<br />

a consonância de toda a personalidade com aquilo<br />

que está sendo dito.<br />

Poder-se-ia dizer que aquele que tem esse instrumental<br />

está para quem se exprime de um modo teórico e<br />

sem outras refrações fora de si, como aquele que canta,<br />

ou seja, diz a mesma coisa cantada, e o que simplesmente<br />

fala.<br />

Ora, no contato dos homens entre si no Paraíso — sobretudo<br />

no contato com os Anjos, com Nossa Senhora e<br />

Nosso Senhor — notaremos isso, porque tudo funcionará<br />

perfeitamente e de um modo agradabilíssimo; não haverá,<br />

portanto, um só contato que não seja verdadeiramente<br />

magnífico.<br />

E, nos esplendores do Céu, se nós virmos passar, por<br />

exemplo, São Gregório VII perto de nós, irradiante de<br />

glória — como ele estava quando o Imperador Henrique<br />

IV se ajoelhou diante das portas do castelo onde se<br />

encontrava o Papa, pedindo para entrar e depois, quando<br />

entrou, para pedir perdão —, notaremos todas as<br />

modalidades de santidade que houve nele, inclusive a<br />

cólera santa que o animou naquele momento.<br />

Não podemos imaginar, portanto, um Céu adocicado.<br />

Doce, sim, adocicado, não! Doce, dulcíssimo, mas<br />

com essa variedade deleitável de sabores — sabores espirituais,<br />

bem entendido! —, por onde todos os estados<br />

virtuosos da alma, desde a indagação reflexiva mais<br />

atenta, até o enlevo, desde a cólera mais angélica, até a<br />

serenidade mais diáfana, mais tranquila, tudo isto se fará<br />

notar no Céu, nas várias almas, sobretudo naquelas<br />

cuja virtude foi intensíssima.<br />

18


Há um quadro do Fra Angelico, do qual gosto muito,<br />

que representa São Domingos estudando. E para realçar<br />

a pureza do Santo, Fra Angelico pintou um homem feito,<br />

mas com a inocência de uma criança, sentado, com uma<br />

das mãos no queixo, lendo um livro colocado sobre os joelhos.<br />

No Céu, poderemos contemplar São Domingos.<br />

Alegria de poder encontrar-se com<br />

São Tomás de Aquino<br />

Como seria bonito, por exemplo, ver São Tomás de<br />

Aquino pensando profundamente num tema, e o espírito<br />

possante dele à procura da verdade, pondo os prós e<br />

contras: “Parece tal coisa, porque tem isso, aquilo, aquilo<br />

outro. Porém, há também esse, aquele e aquele outro argumento<br />

contrários. Agora, como concluir?”<br />

Depois de ter levantado cordilheiras magníficas de<br />

prós e de contras, pensar e dizer que não conseguia resolver,<br />

ele se ajoelhava diante do tabernáculo, com uma<br />

genuflexão profunda e, com os olhos postos na mediação<br />

de Nossa Senhora, abria o sacrário e punha sua cabeça<br />

dentro dele, para pensar e encontrar a verdade. Que coisa<br />

magnífica! Como seria sua fronte venerável?<br />

Vendo passar São Tomás no Céu, se nota tudo isso! E<br />

compreendemos o gáudio que essa consideração pode<br />

dar. Sobretudo se São Tomás sorri para nós e diz: “O<br />

senhor estava numa reunião, em São Paulo, onde todos<br />

excogitavam de mim com a cabeça posta dentro do Sacrário,<br />

não é? Eu naquela hora, no Céu, rezei pelo senhor!”<br />

Como será grato para nós, vermos que somos<br />

conhecidos de São Tomás, o qual, estando já no Céu,<br />

nos protegeu quando estávamos na Terra. Podemos<br />

imaginar os primeiros encontros no Céu e a alegria desta<br />

forma de convívio! <br />

v<br />

(Continua no próximo número)<br />

(Extraído de conferência<br />

de 9/1/1981)<br />

1) Cornélio a Lápide (* 1567 - † 1637): jesuíta e exegeta flamengo.<br />

2) Luigi Boccherini (* 1743 - † 1805): compositor clássico italiano,<br />

famoso por seus minuetos.<br />

Gustavo Kralj<br />

Apoteose de São Tomás de Aquino (por Zurbarán) - Museu de Belas Artes, Sevilha (Espanha)<br />

19


O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Inocência e admiração<br />

desinteressada - II<br />

Uma pessoa perde sua inocência quando se deixa dominar<br />

pela inveja, a qual produz consequências espirituais que<br />

conduzem à Revolução. A Contra-Revolução, visando preservar<br />

a inocência e combater a inveja, deve ser, sobretudo, de índole<br />

religiosa. A Idade Média foi uma época em que a inveja não<br />

era bafejada, como o demonstram os “gisants”.<br />

Gales foi outrora um principado, que possuía um<br />

nexo feudal com os reis da Inglaterra, mas tinha<br />

seus príncipes próprios, com sua dinastia própria.<br />

Esses príncipes tomavam posse desse pequeno território,<br />

que é Gales, permanecendo num relacionamento<br />

com o rei da Inglaterra parecido com a relação que têm<br />

os bispos com o Papa. O Papa tem plena jurisdição sobre<br />

cada fiel, mas normalmente o governo dos assuntos locais<br />

compete ao bispo.<br />

O rei da Inglaterra tinha plena jurisdição sobre os galeses,<br />

exceto para os assuntos locais nos quais o Príncipe<br />

de Gales era ainda muito mais autônomo do que<br />

um bispo em relação ao Papa.<br />

Considerem Mônaco, que é um rochedo, mas<br />

com duas coisas muito preciosas, que indico na<br />

ordem inversa dos valores: um museu oceanográfico<br />

magnífico e, de outro lado — o que vale mais<br />

do que tudo —, uma pequena população habituada,<br />

desde a Idade Média, a ser um todo autônomo e sentir-<br />

-se nação independente, uma pequena miniatura do universo.<br />

Toda nação é uma miniatura do universo; Mônaco é<br />

uma miniatura das nações que são miniaturas do universo.<br />

Aquela independência de Mônaco, que ninguém jogou<br />

por terra e permanece em pé dentro do totalitarismo<br />

moderno, com seu hino, sua autoridade, seus costumes<br />

locais, suas leis, etc. tem um pitoresco extraordinário.<br />

Os monegascos respeitam o todo do qual fazem parte,<br />

com o respeito com que os membros da Commonwealth<br />

— Irlanda do Norte, Escócia, Canadá e tantos outros<br />

lugares pelo mundo afora — consideram a Rainha<br />

Georges Jansoone<br />

O senso da hierarquia e do<br />

maravilhoso nasce da inocência<br />

Acima, detalhe de um aquário marinho do Museu<br />

Oceanográfico de Mônaco. Na página seguinte, aspectos<br />

do Principado de Mônaco e da República de San Marino<br />

20


da Inglaterra. É uma coisa com a qual sorrimos<br />

encantados. Por quê? Porque, embora seja<br />

um pequeno país, esse estado de espírito leva<br />

todo o mundo a respeitá-lo.<br />

O Príncipe de Mônaco domina uma área<br />

de território incomparavelmente menor do<br />

que Tóquio, por exemplo, que é a cidade —<br />

segundo me disseram — mais populosa do<br />

mundo moderno. Entretanto, se o Prefeito de<br />

Tóquio vier a São Paulo, será recebido pelo<br />

Prefeito desta última. Se chegar o Príncipe de<br />

Mônaco em Brasília, irão recepcioná-lo o Ministro<br />

do Exterior, os representantes de outras<br />

grandes autoridades, executam-se o hino<br />

monegasco, o hino brasileiro, continência da<br />

tropa, etc. Porque ele é o chefe dessa pequena<br />

unidade independente: Mônaco; se ele vier<br />

a São Paulo, será recebido pelo Governador<br />

do Estado.<br />

Então, respeitar a grandeza até nas suas<br />

miniaturas é próprio desse senso de maravilhoso,<br />

que brota da inocência.<br />

Tomemos, por exemplo, a República<br />

de San Marino, encravada na Itália. Ela é<br />

muito menor do que uma série de prefeituras<br />

da Itália; Milão, por exemplo. Mas é independente;<br />

o presidente da República de<br />

San Marino, sendo chefe de Estado, representa<br />

algo que vai ser tratado com respei-<br />

The Emirr Arnaud<br />

21


O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Gustavo Kralj<br />

Às vezes é fácil dizer que sim. Se uma pessoa quer ser,<br />

por exemplo, um grande mecânico e tem um amigo que<br />

é, digamos, um muito bom músico, não é tão difícil para<br />

o mecânico elogiar a música que o amigo toca; mas elogiaria<br />

um mecânico melhor do que ele?<br />

Aqui está a questão: ele ficaria alegre, vendo o mecânico<br />

consertar uma coisa que ele não foi capaz, e diria:<br />

“Sim senhor, então como se é capaz! Ótimo!” E<br />

quando ele fosse, aos olhos de terceiros, aplicar a força<br />

ou o jeito que aprendeu do outro, afirmaria: “Olha,<br />

eu vou fazer uma coisa que aprendi de Fulano.” Esta<br />

é a alma que tem inocência. E a alma invejosa, vendo<br />

a qualidade que o outro tem, diz: “Por que eu não inventei<br />

isso?”<br />

Conclusão: antipatia pelo mais capaz, alegria com alguma<br />

coisa que lhe aconteça, em razão da qual não possa<br />

mais exercer aquele trabalho, filança, ou seja, ele repete<br />

aquele serviço, sem dizer de quem aprendeu ou, pior,<br />

afirmando: “Sabe, surgiu em minha cabeça uma ideia<br />

ótima: inventei tal coisa”. Sendo que foi o outro que inventou...<br />

Sei que isto que estou dizendo dói e arde, desinfeta…<br />

Digo mais: desinfesta! Se alguém é muito atormentado<br />

por tentações do demônio, procure ver se combate a into<br />

enorme, porque ele é o supremo de uma pequena<br />

unidade autônoma.<br />

Eu poderia falar de Luxemburgo, da República de<br />

Andorra, do Principado de Liechtenstein, etc. Havia pelo<br />

mundo afora toda uma galáxia de pequenas entidades<br />

análogas que a Revolução foi absorvendo. Era o senso<br />

da hierarquia e do maravilhoso, dobrando-se até diante<br />

de uma coisa pequena, mas encantadora, e se extasiando,<br />

como um homem diante de um miosótis pode exclamar:<br />

“Ó flor!” Esse senso nasce da inocência e cria esse<br />

estado de alma.<br />

A inveja faz desaparecer a inocência<br />

O oposto a isso é o desejo do gozo, de não atingir o<br />

fim, causando a inveja e tudo quanto sabemos.<br />

Caim e Abel oferecem sacrifícios a Deus - Vaticano<br />

Há um tratado de Moral, de um jesuíta português do<br />

século XIX, que, segundo me contaram, é muito interessante<br />

na parte relativa à inveja. Afirma uma coisa que<br />

eu nunca ouvi dizer por nenhum moralista. Transmito-a,<br />

portanto, com as devidas reservas, mas percebe-se que<br />

algo assim ocorre.<br />

O homem peca por calúnia, não só quando atribui a<br />

alguém um mal que este não fez, mas quando ele se recusa<br />

a elogiar o bem que alguém praticou.<br />

De maneira que se o indivíduo silencia um ato ou uma<br />

qualidade de alguém, merecedores de realce, segundo<br />

esse moralista ele implicitamente calunia, porque faz um<br />

esforço para os outros verem aquele alguém menos excelente<br />

do que é.<br />

E se o homem faz um elogio menor do que alguém<br />

merece, ele também peca, e só estará em dia com o oitavo<br />

Mandamento se tiver elogiado tanto quanto entende<br />

que aquele alguém deve ser elogiado.<br />

Percebemos como isto contraria a inveja, porque se há<br />

uma coisa que o invejoso não quer é realçar alguém que<br />

ele acha ter algo mais do que ele mesmo, mas que ele<br />

quereria que não possuísse. Essa atitude é o contrário da<br />

inocência; o indivíduo não tem inocência na medida em<br />

que é invejoso.<br />

Devemos nos alegrar com as<br />

qualidades dos outros<br />

22


veja. Se não combate, compreenda<br />

que poucas coisas são tão exorcísticas<br />

quanto acabar com a inveja.<br />

E a questão da inveja vai mais longe:<br />

não basta sentir que o outro seja<br />

mais do que nós; é preciso ficar alegre,<br />

dizendo, por exemplo:<br />

— Olhe, que bom mecânico apareceu<br />

em São Paulo!<br />

Alguém lhe informará:<br />

— É verdade, mas em Bruxelas<br />

surgiu um mecânico muito melhor.<br />

— Ah! é? Ainda melhor que esse?<br />

Gostaria de conhecê-lo!<br />

Não tenho esses interesses, entusiasmos<br />

pela mecânica, como todos<br />

sabem. Estou assim exemplificando<br />

porque, do meu remoto tempo de<br />

mocidade, ficou-me a noção de que<br />

muitos, inspirados pelo espírito moderno,<br />

acham uma beleza ser mecânico.<br />

Julgo que isso não passou, mas<br />

só pode se ter agravado. Mas quantas<br />

outras coisas há nesse sentido!<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> durante uma conferência na década de 1990<br />

Idade Média: uma civilização onde<br />

não se sentia o sopro da inveja<br />

Compreendemos, assim, o que vem a ser o fundo da<br />

Contra-Revolução, a qual deve ser, sobretudo, espiritual,<br />

de ordem religiosa.<br />

Então, entendemos como seria um Reino de Maria inteiramente<br />

limpo da inveja. Considerem as figuras com<br />

que, na Idade Média, se esculpiram pessoas santas e de<br />

alta dignidade na Igreja ou na sociedade temporal. Elas<br />

têm uma paz, uma tranquilidade...; e tais figuras se encontram<br />

também nas iluminuras, nos vitrais, nas tapeçarias,<br />

por toda parte. Analisando-as, não se sente o sopro<br />

da inveja naquelas almas; são inteiramente elas mesmas<br />

e não invejam ninguém.<br />

Um exemplo disso são os gisants 1 : esculturas de cavaleiros<br />

e damas como se estivessem dormindo sobre a própria<br />

sepultura, com as mãos postas e os olhos fechados.<br />

E junto à sepultura está escrito, por exemplo: “Aqui jaz o<br />

muito alto e poderoso senhor Fulano de tal, etc…” Pesquisando-se<br />

quem foi “o muito alto e poderoso senhor”,<br />

verifica-se ter sido um monsieur, um Herr qualquer 2 . A<br />

palavra alemã é encantadora — um Fraiherr, senhor livre.<br />

Tratava-se de um dono de uma coisa tão pequenina,<br />

que ele nem tinha sequer o título de barão; era apenas<br />

senhor de um rochedozinho com uma aldeia nas proximidades.<br />

Acima dele havia uma série de autoridades que ele<br />

serviu, reverenciou, amou; e abaixo uma camada: os seus<br />

camponeses no meio dos quais ele, exercendo sua autoridade,<br />

viveu na paz e de quem foi a alegria. Segundo um<br />

autor, a alegria desapareceu do mundo quando os castelos<br />

se esvaziaram, tornaram-se museus. Aquela paz manifestada<br />

nos gisants se tem impressão que se comunica,<br />

por exemplo, até às dobras do vestido de uma senhora,<br />

até ao travesseiro; às vezes, o escultor, para dar mais realidade<br />

ao que faz, esculpe no travesseiro umas dobras para<br />

indicar o peso da cabeça. Aquelas dobras são bem arranjadinhas:<br />

dir-se-ia que pousou ali uma cabeça sem remorsos.<br />

Isso exprime, em larga medida, uma civilização que<br />

não teve inveja.<br />

Encerrando esses comentários, aqui ficamos nós esperando<br />

o Reino de Maria para o brilho de nossa vocação e<br />

para a glória da Igreja. <br />

v<br />

(Extraído de conferência<br />

de 2/10/1981)<br />

1) Gisant, do francês: jacente, estendido, imóvel. Refere-se a<br />

esculturas estendidas sobre túmulos.<br />

2) Monsieur, do francês, e Herr, do alemão: senhor, cavalheiro.<br />

23


C<br />

alendário<br />

1. São Justino, mártir.<br />

Santo Aníbal Maria Di Francia,<br />

presbítero († 1927). Fundou<br />

a Congregação dos Rogacionistas<br />

do Coração de Jesus e as Filhas<br />

do Divino Zelo, para pedir<br />

ao Senhor que dê santos sacerdotes<br />

à sua Igreja.<br />

2. IX Domingo do Tempo Comum.<br />

São Nicolau, peregrino<br />

(† 1094). Levando uma vida de<br />

austera penitência e fervorosa<br />

piedade, percorreu a Itália<br />

portando um Crucifixo na mão<br />

e repetindo incessantemente:<br />

“Senhor, tem piedade!”<br />

3. São Carlos Lwanga e companheiros,<br />

mártires († 1886).<br />

Santa Clotilde, Rainha dos<br />

francos († 545). Ver página 26.<br />

São Morando, monge<br />

(† 1115). Depois de peregrinar<br />

a Santiago de Compostela, entrou<br />

no mosteiro de Cluny, tendo<br />

fundado posteriormente na<br />

Suíça o cenóbio onde veio a falecer.<br />

dos Santos – ––––––<br />

4. Bem-aventurados Antônio Zawistowski (presbítero)<br />

e Stanislao Starowieyski (leigo), mártires († 1942). Entregaram<br />

suas vidas por Nosso Senhor Jesus Cristo no campo<br />

de concentração Dachau, após atrozes tormentos.<br />

Gustavo Kralj<br />

São Paulo Apóstolo<br />

8. Imaculado Coração de Maria.<br />

Beata Maria Teresa Chiramel<br />

Mankidiyan, virgem<br />

(† 1926). Levou vida eremítica<br />

e fundou a Congregação das Irmãs<br />

da Sagrada Família.<br />

9. X Domingo do Tempo Comum.<br />

Beato José Anchieta, presbítero<br />

(† 1597). Foi missionário<br />

jesuíta no Brasil, onde veio a falecer.<br />

10. Beato Eduardo Poppe,<br />

presbítero († 1924). Com seus<br />

escritos e pregação propagou a<br />

formação cristã e a devoção eucarística.<br />

11. São Barnabé, Apóstolo.<br />

Beato Inácio Maloyan, bispo<br />

e mártir († 1915). Foi Bispo<br />

de Mardin, na atual Turquia,<br />

durante o genocídio dos<br />

cristãos daquela região. Seu<br />

último ato, antes de ser fuzilado,<br />

foi celebrar a Santa Missa<br />

para os seus companheiros<br />

de prisão.<br />

12. Beata Mercedes Maria de Jesus Molina, virgem<br />

(† 1883). Fundou uma comunidade religiosa para atender<br />

e formar meninas órfãs e pobres.<br />

5. São Bonifácio, bispo e mártir († 754).<br />

São Doroteu, bispo e mártir († s. IV). Padeceu perseguições<br />

de vários imperadores romanos, sendo martirizado<br />

com cento e sete anos.<br />

6. São Rafael Guizar Valencia, bispo († 1938). Prelado<br />

de Vera Cruz, México, exerceu de modo clandestino o seu<br />

ministério episcopal durante a revolução mexicana.<br />

7. Sagrado Coração de Jesus.<br />

Beata Maria Teresa de Soubiran La Louvière, virgem<br />

(† 1889). Fundou a Sociedade de Maria Auxiliadora. Expulsa<br />

da mesma, passou o resto da sua vida na humildade.<br />

13. Santo Antônio de Pádua, presbítero e Doutor da<br />

Igreja († 1231).<br />

Beata Maria Ana Biernacka, mãe de família e mártir<br />

(† 1943). Nascida na Polônia, ofereceu-se para ser fuzilada<br />

no lugar da sua nora que estava grávida.<br />

14. São Metódio, bispo († 847). Foi grande defensor da<br />

veneração às imagens durante a segunda perseguição iconoclasta.<br />

15. Beato Tomás Scryven, mártir († 1537). Monge da<br />

Cartuxa de Londres, morreu de fome na prisão no tempo<br />

do Rei Henrique VIII.<br />

24


–––––––––––––––––– * Junho * ––––<br />

16. XI Domingo do Tempo Comum.<br />

Santos Domingo Nguyen, Domingo Nhi, Domingo Mao,<br />

Vicente e Andrés Tuong,mártires († 1862). Leigos degolados<br />

no Vietnã por causa de sua Fé cristã.<br />

17. Beato Pedro Gambacorta, fundador († 1435). Fundou<br />

a Ordem dos Eremitas de São Jerônimo, cujos primeiros<br />

religiosos eram ladrões que ele mesmo tinha convertido.<br />

18. Beata Osanna Andreasi, virgem († 1505). Tendo recusado<br />

o casamento, vestiu o hábito das Irmãs da Penitência<br />

de São Domingos, cultivando em alto grau as virtudes<br />

cristãs, especialmente a humildade. Alegre e caritativa,<br />

uniu com admirável sabedoria a contemplação dos mistérios<br />

divinos às ocupações do governo e a prática das boas<br />

obras, como atestam suas numerosas cartas.<br />

clérigos, e a reconciliar com Deus os presos e condenados<br />

à morte.<br />

24. Natividade de São João Batista.<br />

São Teodgaro, presbítero († c. 1065). Missionário na Dinamarca.<br />

Atribui-se a ele a construção da primeira igreja<br />

feita de madeira.<br />

25. Beata Doroteia de Montau, viúva († 1394). Tendo-<br />

-se casado com um homem temperamental e violento que<br />

a golpeava sem piedade, logrou, com paciência, humildade<br />

e gentileza, mudar o caráter de seu marido. Após o falecimento<br />

deste, entregou-se a uma vida contemplativa, em<br />

contínua oração e penitência.<br />

26. Beato Andrés Iscak, presbítero e mártir († 1941).<br />

Foi fuzilado, na Ucrânia, por motivo da sua Fé em Cristo.<br />

19. Santos Remigio Isoré e Modesto Andlauer, presbíteros<br />

e mártires († 1900). Foram<br />

assassinados, na China, enquanto<br />

rezavam diante do altar.<br />

20. Beato Dermicio O’Hurley,<br />

bispo e mártir († 1584). Irlandês,<br />

no tempo da Rainha Elizabeth<br />

I sofreu longos interrogatórios<br />

e torturas, acabando por<br />

ser martirizado em Dublin.<br />

21. São Luís Gonzaga, religioso<br />

(† 1591).<br />

São José Isabel Flores, presbítero<br />

e mártir († 1927). Foi<br />

martirizado durante a grande<br />

perseguição aos cristãos, no<br />

México, no início do século XX.<br />

22. São Nicetas, bispo<br />

(† c. 414). Converteu os bárbaros<br />

da região de Remesiana, na Dácia,<br />

atual Sérvia, ensinando-os a<br />

viver segundo o Evangelho.<br />

23. XII Domingo do Tempo<br />

Comum.<br />

São José Cafasso, presbítero<br />

(† 1860). Dedicou-se à formação<br />

espiritual e cientifica dos<br />

Gustavo Kralj<br />

São Pedro Apóstolo<br />

27. São Sansão, presbítero († c. 530). Tendo curado o<br />

Imperador Justiniano de uma<br />

enfermidade, conseguiu que este<br />

instituísse um hospital em favor<br />

dos pobres.<br />

28. Santo Irineu, bispo e mártir<br />

(† c. 202).<br />

Santos Plutarco, Sereno, Heráclides,<br />

Herón, Sereno (outro),<br />

Heraidis, Potamiena e Marcela,<br />

mártires († c. 202). Discípulos<br />

de Orígenes, sofreram o martírio<br />

por meio de diversos suplícios<br />

sob o Imperador Septímio<br />

Severo.<br />

29. Santa Emma, viúva<br />

(† 1045). Condessa na Áustria,<br />

destacou-se pela prática da caridade,<br />

dando muitas esmolas aos<br />

pobres e à Igreja.<br />

30. São Pedro e São Paulo,<br />

Apóstolos.<br />

São Vicente Dô Yên, presbítero<br />

e mártir († <strong>183</strong>8). Foi degolado,<br />

por ódio à Fé cristã, na<br />

cidade de Hai Duong, Vietnã,<br />

no tempo do Imperador Minh<br />

Mang.<br />

25


Hagiografia<br />

Santa<br />

Clotilde, uma<br />

admirável<br />

flor-de-lis<br />

Segundo uma poética lenda,<br />

as armas do Rei Clóvis eram<br />

simbolizadas por figuras<br />

de sapos; quando ele e seus<br />

francos foram batizados, tais<br />

símbolos se transformaram em<br />

flores de lis. Bela imagem que<br />

poderia resumir a história de<br />

Santa Clotilde, cujo exemplo de<br />

virtudes fez despontar a aurora<br />

da santidade no Reino franco.<br />

Sérgio Hollmann<br />

Arespeito de Santa Clotilde, Pourrat 1 , no livro<br />

“Saints de France”, diz o seguinte:<br />

Santa Clotilde era princesa burgúndia, tendo visto toda<br />

a sua família assassinada por seu tio Gondebaud, que poupou<br />

somente Clotilde e sua irmã, tendo feito educá-las na<br />

religião católica, embora fosse ele ariano. Clóvis, Rei dos<br />

francos, tendo ouvido falar da beleza e virtudes da princesa,<br />

pediu-a em casamento ao tio. Não a obtendo, dirigiu-se<br />

diretamente a Clotilde, enviando-lhe seu anel real como penhor,<br />

através de um emissário. Clotilde aceitou.<br />

Embora se tratando de um pagão, e temendo então magoá-lo,<br />

Gondebaud permitiu o noivado. Casando-se com<br />

Clóvis, a princesa tudo fez para sua conversão. Nada obteve<br />

de início, pois seus filhos morriam logo após o Batismo<br />

e Clóvis atribuía o fato ao Sacramento. Clotilde rezava<br />

e penitenciava-se, até que raiou o dia da vitória de Tolbiac,<br />

quando o Rei franco, vencedor, fez-se batizar com seus soldados<br />

por São Remígio. Estava fundado o primeiro reino<br />

católico europeu. [...]<br />

Santa Clotilde, sem dúvida, recebeu uma missão especial:<br />

ela tudo transformou. Uma lenda comum em Estrasburgo<br />

26


Batismo de Clóvis - Catedral de Chartres, França.<br />

Em destaque, imagem de Santa Clotilde -<br />

Saint-Germain-l’Auxerrois, Paris (França)<br />

conta que no dia do Batismo dos francos, em Reims, um<br />

Anjo trouxe a Clotilde as armas do novo reino: as de Clóvis<br />

eram três sapos, que se transformaram em três flores de lis.<br />

O valor das lendas maravilhosas<br />

Notamos aqui mais uma manifestação do maravilhoso<br />

medieval. As armas do Rei pagão eram três sapos,<br />

mas, ao receber ele o Batismo, tornaram-se flores de<br />

lis 2 . É a ação da Igreja, tocando o que é natural e decaído<br />

e transformando-o.<br />

Marie-Lan Nguyen<br />

27


Hagiografia<br />

Não encontro imagem mais bonita para o Grand Retour<br />

3 , que deve ter lugar por ocasião dos acontecimentos<br />

previstos em Fátima, do que essa de sapos que se transformam<br />

em flores de lis. A Bíblia fala de transformação<br />

das pedras em filhos de Abraão, que é uma coisa linda,<br />

mas esta é muito poética e bonita.<br />

Pode-se imaginar um sapo — com aquela pele rugosa,<br />

aquele aspecto horrível dos pântanos, aquela suficiência<br />

cafajeste, aquela falta de respiração dando ideia de sua<br />

avidez — que se transforma e se torna um lírio maravilhoso.<br />

Esta é a transformação que as almas, por ocasião<br />

do Reino de Maria, devem sofrer.<br />

Aí está o valor das lendas e do maravilhoso: às vezes,<br />

dizem muito mais do que um acontecimento autenticamente<br />

histórico. Toda a história de Santa Clotilde pode<br />

basear-se nisto: transformação de sapos em flores de lis.<br />

Alto senso católico<br />

Ela era de um meio ariano. Católica, casou-se com um<br />

rei pagão.<br />

Os bárbaros que invadiram a Europa nos séculos<br />

IV e V eram arianos que tinham ódio ao nome católico.<br />

Eles haviam sido pervertidos, na passagem do<br />

paganismo para o arianismo, por um bispo ariano, Úlfilas,<br />

que percorrera as regiões dos bárbaros. Portanto,<br />

a invasão dos bárbaros foi a dos hereges arianos,<br />

que já tinham atormentado de todos os modos o Império<br />

Romano do Oriente e o Império Romano do<br />

Ocidente. Este foi o sentido fundamental dos acontecimentos.<br />

Com a invasão da Europa, um dos antigos reinos, que<br />

decorreu da ocupação realizada na antiga colônia romana<br />

da Gália, foi o borguinhão. O Rei dos borguinhões se<br />

tornara ariano. Era irmão do antigo monarca católico, o<br />

qual ele havia destituído, e se proclamou rei. Tinha uma<br />

sobrinha, filha do Rei católico deposto e morto, mantida<br />

por ele na corte como uma espécie de “Gata Borralheira”.<br />

Tudo leva a crer que existia entre os borguinhões um<br />

partido católico, o qual olhava para essa sobrinha com<br />

esperança.<br />

De outro lado havia Clóvis, que era um pagão, mas<br />

adotou a causa da Igreja em toda a Gália, mesmo antes<br />

de se converter ao Catolicismo. Ele resolveu pedir<br />

essa princesa em casamento, e colocar assim de seu lado<br />

o partido católico dos borguinhões, como também<br />

os católicos de todo o resto da Gália. E assim ele se casou<br />

com ela.<br />

Essa atitude de Santa Clotilde, aceitando um pagão<br />

para sair do domínio dos hereges, revela um alto senso<br />

católico. Ela se casa com Clóvis e começa a praticar a<br />

Religião Católica ao lado dele.<br />

Clóvis viu Deus em Santa Clotilde<br />

Eles discutiam, tinham alguma polêmica, e Clóvis perguntou-lhe<br />

algo sobre a religião dela? Nunca encontrei<br />

notícias a respeito disto, no pouco que tenho lido sobre<br />

o assunto. Mas tudo me leva a crer que não, e tenha sido<br />

apenas a prática constante da Religião que foi causando<br />

impressão no espírito de Clóvis.<br />

Isso sucedeu até que numa batalha, na qual, se não me<br />

engano, ele lutava precisamente contra os borguinhões,<br />

sentiu-se perdido. Resolveu então fazer uma promessa a<br />

Deus, que ele chamava o “Deus de Clotilde”: se ganhasse,<br />

ele se converteria à Religião Católica.<br />

Recordo-me do caso contado por Dom Chautard 4 ,<br />

sobre o advogado que esteve em Ars, no século XIX,<br />

viu o Santo Cura de Ars e voltou para Paris. Perguntado<br />

sobre o que vira, respondeu simplesmente: “Vi Deus<br />

num homem.”<br />

Iluminura do séc. XV representando a entrega da flor de<br />

lis a Clóvis - Livraria Britânica, Londres (Inglaterra)<br />

Romain<br />

28


Com certeza, Clóvis tinha<br />

visto Deus em Santa Clotilde,<br />

e quando fez a promessa<br />

de se converter ao “Deus de<br />

Clotilde”, via que esse Deus<br />

era verdadeiro e vivo.<br />

Santa Clotilde teve filhos<br />

criminosos que se jogaram<br />

uns contra os outros, a par de<br />

um filho santo, que foi o famoso<br />

Saint Cloud. Ela foi de<br />

uma raça de sapos transformada<br />

numa pura flor-de-lis 5 .<br />

Teve junto de si algumas outras<br />

flores-de-lis, mas o resto<br />

era sapo em via de transformação.<br />

Jan Arkesteijn<br />

O sol da santidade<br />

começou a brilhar<br />

para os francos<br />

“A educação dos filhos de Clóvis”, por Lawrence Alma-Tadema<br />

E aí vemos a tragédia de<br />

sua vida. Era tão grande o<br />

peso do paganismo, dos maus costumes antigos, que se<br />

tornava necessária uma virtude heroica para não cair nos<br />

pecados do paganismo, ainda que se tivesse sido batizado<br />

como católico.<br />

Houve um fato curioso de uma índia muito piedosa,<br />

que o Padre Anchieta encontrou em São Paulo, quando<br />

esta não era mais do que o Pátio do Colégio. A índia estava<br />

bastante triste e ele perguntou-lhe o que sentia. Ela:<br />

“Estou, padre, com saudade de comer o braço de uma<br />

criança tapuia…” Ela era batizada, comungava e não comeria<br />

o braço da criança, mas tinha vontade de fazê-lo…<br />

O pessoal que rodeava Santa Clotilde não era antropófago,<br />

mas pouco faltava para que o fossem. Eram batizados,<br />

mas tinham saudades das coisas bárbaras.<br />

Ela no meio de tudo isto, era uma flor-de-lis das mais<br />

perfeitas e admiráveis, ensinando a virtude, a mansidão<br />

e dando também admiráveis exemplos de senso de sua<br />

própria dignidade.<br />

Santa Clotilde é uma espécie de Chanteclair 6 daquela<br />

época: é a primeira que faz raiar o sol. Nela o sol da<br />

santidade começa a brilhar para os francos, trabalha para<br />

a conversão do Rei e dá exemplos das virtudes que o<br />

reino acabará por praticar. É uma santa admirável, que<br />

está na aurora dessa transformação dos sapos em flores-de-lis.<br />

É muito oportuno que lhe peçamos nos consiga a graça<br />

de vermos a hora da outra transformação de sapos em<br />

flores-de-lis. E, quando houver o Grand Retour e se começar<br />

a trabalhar para a construção do mundo futuro,<br />

sejamos o que ela foi no mundo dela: os precursores de<br />

um admirável progresso. Esse, então, verdadeiro, porque<br />

progresso em Nosso Senhor e em Nossa Senhora. v<br />

(Extraído de conferências<br />

de 3/6/1964 e 5/6/1967)<br />

1) Henri Pourrat (* 1887 - † 1959). Escritor francês.<br />

2) Flor de lis: símbolo heráldico da Casa Real Francesa.<br />

3) “Grande retorno”. No início da década de 1940, houve na<br />

França extraordinário incremento do espírito religioso,<br />

quando das peregrinações de quatro imagens de Nossa Senhora<br />

de Boulogne. Tal movimento espiritual foi denominado<br />

de “grand retour”, para indicar o imenso retorno daquele<br />

país a seu antigo e autêntico fervor, então esmaecido.<br />

Ao tomar conhecimento desses fatos, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> começou<br />

a empregar a expressão “grand retour” no sentido não só de<br />

“grande retorno”, mas de uma torrente avassaladora de graças<br />

que, através da Virgem Santíssima, Deus concederá ao<br />

mundo para a implantação do Reino de Maria.<br />

4) Jean-Baptiste Chautard (* 1858 - † 1935). Cisterciense trapista,<br />

abade do mosteiro de Sept-Fons (França). Entre outras<br />

obras, escreveu “A alma de todo apostolado”, à qual<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> se refere na presente conferência.<br />

5) Flor-de-lis: Açucena-formosa, uma das espécies de lírio.<br />

6) Peça teatral escrita por Edmond Rostand em 1904. Ver<br />

“<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>”, n. 22, p. 4.<br />

29


Luzes da Civilização Cristã<br />

Leoboudv<br />

Fontainebleau - esplendor,<br />

Tratando dos mais diversos<br />

assuntos, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> procurava<br />

ver o aspecto religioso.<br />

Analisando o castelo de<br />

Fontainebleau, aponta ele para<br />

a tendência de se construir<br />

algo que superasse a natureza e<br />

compensasse um pouco o que<br />

esta Terra tem de exílio. Há<br />

dentro disso um apelo para algo<br />

maior do que as coisas terrenas,<br />

e que é o começo do movimento<br />

rumo ao Céu.<br />

30


iqueza e simplicidade - II<br />

31


Luzes da Civilização Cristã<br />

Omobiliário dessa sala é elegante, leve, também<br />

constituído de tapeçarias, e habilmente disperso<br />

pela sala, de maneira que se tem, ao mesmo<br />

tempo, impressão de muita mobília, mas há vazios importantes.<br />

Um dos segredos de uma sala bonita é ter vazios<br />

importantes. Eu já tenho visto sala empetecada de<br />

móveis, não se pode dar um passo sem esbarrar num cacareco.<br />

Não tem propósito! O vazio bonito faz parte da<br />

boa decoração.<br />

Orquestração fabulosa de riquezas de espírito<br />

Os vazios são indispensáveis para o ornamento de<br />

uma sala. Mas nessa sala do castelo de Fontainebleau,<br />

que estou analisando, tem-se a impressão, ao mesmo<br />

tempo, de muita mobília e de nada de atravancamento;<br />

isso é agradável. A beleza cromática da sala é a seguinte:<br />

os vidros das janelas são transparentes, a luz que entra<br />

por eles é, inteiramente, a luz do dia. Não é aquela<br />

luz leitosa da galeria.<br />

Mas essa luz do dia, no que ela tem de cru, é compensada<br />

por um mundo de cores. Quase se poderia dizer<br />

que todas as cores possíveis estão representadas aqui,<br />

mas para não ficarem sobrecarregadas, todas elas em<br />

estado muito pálido. E um mundo de cores muito pálidas<br />

não dá a ideia de feeria de cores, pois elas quase que<br />

se fundem umas nas outras, mas divertem e descansam<br />

os olhos maravilhosamente.<br />

Creio ser indiscutível que essa sala dá uma ideia de<br />

fausto. A principal noção de fausto que dela se depreende<br />

é da prodigiosa policromia, mas de cores delicadas<br />

que se fundem umas nas outras; é uma orquestra-<br />

ção fabulosa de riquezas de espírito, de riquezas culturais.<br />

No meio de mil coisas empalidecidas, ficaria um<br />

pouco insípido não ter uma nota viva. E, a ter uma nota<br />

viva, o vermelho é o mais bonito. O vermelho-cereja,<br />

dado um pouco para sangue, no meio das cores pálidas,<br />

é um jato. Como um cozinheiro, que entende das<br />

coisas, sabe pôr na elaboração de um prato um pouco<br />

de pimenta, para realçar todo o resto.<br />

A porta é feita com a preocupação de constituir um<br />

elemento decorativo a mais dentro da sala. Então ela<br />

mesma é tratada com uma série de painéis, todos muito<br />

delicados, leves, que contrastam com o sobrecarregado<br />

das laterais. O contraste de sobrecarregados e leves<br />

forma a harmonia da sala, que sem isto ficaria empetecada.<br />

Manifestamente, nota-se aí a tendência a construir<br />

uma coisa que superasse a natureza, e compensasse um<br />

pouquinho o que esta Terra tem de exílio, com a ideia<br />

de que o homem é feito para coisas maiores do que as<br />

coisas terrenas. Há dentro disso um apelo para algo<br />

maior do que esta vida e esta Terra, e que é começo de<br />

movimento rumo ao Céu. Esse é o lado religioso do assunto.<br />

Fotos: Ignis / Nicolas Vigier<br />

Abaixo, Salão da Imperatriz;<br />

à direita, detalhe do Salão da Rainha-Mãe<br />

32


Esplendor do luto com certa<br />

nota de severidade<br />

A sala de estar da Rainha-Mãe, quase não se sabe se<br />

é mais bonita do que a Sala do Conselho. É mais severa<br />

do que a Sala do Conselho, e se explica porque a Rainha-Mãe<br />

— por definição a viúva e tudo quanto acompanhava<br />

a viuvez — tinha uma certa nota de severidade.<br />

Donde o aparecimento dessas portas escuras, que trazem<br />

uma vaga reminiscência de todo o esplendor do luto. É<br />

uma sala de avó, tendo um certo compassado que a alegria<br />

e o esplendor da outra sala não possui.<br />

Isso corresponde à ideia daquele tempo de a viúva usar<br />

até o fim da vida os sinais de viuvez, sobretudo quando<br />

se tratava da rainha. O que a moldura dessa sala tem de<br />

muito sério é compensado por inúmeros arabescos finos.<br />

Então, há aqui um mundo de formas, flores, grinaldas,<br />

guirlandas, de figuras mitológicas, de quadros.<br />

E uma coisa que fica muito bonita é o espelho, certamente<br />

feito em Veneza — onde se fabricavam espelhos<br />

enormes, profundos — e que é como uma janela aberta,<br />

o que também torna alegre o ambiente. Depois, tapeçarias<br />

colossais, que também dão gáudio à sala.<br />

Os quadros sobre as portas dão à passagem quase a<br />

majestade de um arco de triunfo. Fica uma coisa riquíssima,<br />

muito bonita. Porta sempre com duas folhas, por<br />

causa do protocolo da corte. Para os filhos ou netos de<br />

um rei, as duas folhas da porta se abriam, o alabardeiro<br />

dava uma pancada no chão e gritava: “Sua Majestade,<br />

a Rainha, ou Sua Alteza Real...” Quando era para um<br />

príncipe de sangue real, mas não filho ou neto de rei,<br />

abria-se uma só face, como também se fazia para todo<br />

o resto da nobreza.<br />

De maneira que era de grande estilo a pessoa, digamos<br />

a Rainha-Mãe, ser precedida pelos alabardeiros<br />

que abriam a porta, colocavam-se de ambos os lados<br />

e gritavam: “Sa Majesté, la Reine!” Então, reverências,<br />

etc. Quer dizer, a porta era ocasião de um cerimonial,<br />

quase um pano de boca de um palco; daí seu<br />

caráter triunfal.<br />

Nicolas Vigier<br />

Aposentos da Rainha-Mãe<br />

33


Luzes da Civilização Cristã<br />

Isto estava nos hábitos do tempo,<br />

porque entrar e sair eram uma arte.<br />

Não se faziam esses movimentos como<br />

um frango entra ou sai do galinheiro.<br />

A entrada e a saída de uma<br />

pessoa marcavam a sala.<br />

Observem a beleza dessa mesa,<br />

com as pernas trabalhadas e sobre ela<br />

uma taça de porcelana policromada<br />

muito bonita. Tudo em nível mais discreto<br />

do que o jogo de cores feérico.<br />

A Revolução vai se adensando:<br />

melancolia e moleza<br />

Sala de Conselho de Luís XV. O<br />

gênero de beleza evoluiu do tempo de<br />

Luís XIV para Luís XV. Enquanto a<br />

nota do raffiné 1 de Luís XIV era imponente,<br />

em Luís XV, que já marca uma<br />

certa decadência, o raffiné é gracioso.<br />

Então, é um esplêndido de gracioso,<br />

mas o gracioso é um valor menor que o<br />

imponente, e nisto está a decadência.<br />

Os ângulos retos desaparecem, ou<br />

como que desaparecem; o ângulo reto<br />

exprime muito mais a força do que<br />

o arredondado, que representa o jeito,<br />

a conciliação, o sorriso. Por outro lado,<br />

as cores se tornam — sob algum ponto<br />

de vista — mais delicadas, e um certo<br />

ar triunfal, que tinham as salas de Luís<br />

XIV, desapareceu. Não é uma sala<br />

feita para um rei vencedor do mundo,<br />

como Luís XIV pretendia ser e, em<br />

alguma medida, foi; mas é para um rei<br />

que leva uma vida gostosa e, nas horas<br />

vagas, realiza uma reunião do Conselho.<br />

Desta sala não sai a conquista<br />

do universo, nem a prevenção<br />

da Revolução que vai se formando<br />

e adensando. Considerada<br />

sob o aspecto da pulcritude,<br />

ela exprime o maravilhoso<br />

gracioso e, neste sentido,<br />

ela o exprime magnificamente.<br />

E a linha da feeria continua in-<br />

De cima para baixo: Sala do<br />

Conselho, Salão Branco, portal de<br />

entrada para os aposentos da Imperatriz<br />

34


Salão das Tapeçarias<br />

Fotos: Ignis / Jean-Pierre Dalbéra / Tim Schofield<br />

teiramente afirmada. Dir-se-ia que, de algum modo, ela<br />

é até mais raffinée do que as salas de Luís XIV.<br />

E notem uma coisa curiosa: dentro de todo esse gracioso<br />

há qualquer coisa de mais tristonho. Não há aquela<br />

alegria matinal. É um gracioso crepuscular, embora com<br />

todos os encantos do crepúsculo, mas já não é aquela coisa<br />

maravilhosa da aurora.<br />

Essa sala, com todo o seu maravilhoso, poderia ser<br />

de lazer, ou de jogo, num palácio real. Não poderia<br />

ir além disso. E mesmo assim, ela tem qualquer coisa<br />

de perigoso, porque se uma pessoa fica muito tempo<br />

aqui dentro, não tem vontade de passar para as outras<br />

salas. Ela tem qualquer coisa de anestésico, que é<br />

o anestésico do otimismo. Está tudo arranjadinho, redondinho.<br />

As cadeiras já são um pouco dadas ao anatômico, por<br />

incrível que pareça. A civilização que gosta da cadeira<br />

com pernas baixas é decadente. Então, nessa sala as cadeiras<br />

têm perninhas baixinhas.<br />

Poder-se-ia dizer que o melancólico e mole são as notas<br />

dominantes nessa sala. <br />

v<br />

1) Refinado, requintado.<br />

(Extraído de conferência de 31/10/1966)<br />

35


Nossa Senhora do<br />

Sagrado Coração<br />

“<br />

N<br />

ossa Senhora do Sagrado<br />

Coração” é Maria<br />

Santíssima considerada enquanto<br />

adorando o Sagrado Coração de<br />

Jesus, e, portanto, toda voltada<br />

para Ele.<br />

Invocar Nossa Senhora sob<br />

o título do Sagrado Coração é<br />

fazer uma síntese belíssima de<br />

todas as outras invocações, é<br />

lembrar o reflexo mais puro e mais<br />

belo da Maternidade Divina,<br />

é fazer vibrar a um só tempo,<br />

harmonicamente, todas as cordas<br />

do amor, que tocamos uma a uma<br />

enunciando as várias invocações<br />

da Ladainha Lauretana.<br />

Dizer que Nossa Senhora do<br />

Sagrado Coração é nossa advogada<br />

implica em dizer que temos no<br />

Céu uma advogada onipotente,<br />

em cujas mãos se encontra a<br />

chave de um oceano infinito de<br />

misericórdia.<br />

(Extraído de conferência de 18/6/1982 e<br />

de “O Legionário” de 21/7/1940)<br />

“Nossa Senhora do Sagrado<br />

Coração” - Igreja da Santíssima<br />

Trindade, Osimo (Itália)<br />

Francisco Lecaros

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