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Revista Dr Plinio 149

Agosto de 2010

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Publicação Mensal Ano XIII - Nº <strong>149</strong> Agosto de 2010<br />

Elevado<br />

olhar teológico


São Raimundo Nonato -<br />

Paróquia Nossa Senhora do<br />

Carmo, Granada (Espanha).<br />

Os exemplos<br />

arrastam...<br />

S<br />

ão Raimundo Nonato, religioso<br />

mercedário, ofereceuse<br />

para substituir alguns<br />

cristãos prisioneiros na cidade de<br />

Túnis.<br />

Tendo sido aceita a proposta,<br />

iniciou-se para ele uma série<br />

de horrendos tormentos: seus lábios<br />

foram cruelmente perfurados<br />

e transpassados por um cadeado<br />

de ferro, para que assim<br />

não pudesse falar de Jesus Cristo<br />

aos carcereiros.<br />

Após oito meses de atrozes sofrimentos,<br />

alguns mercedários<br />

de Espanha acudiram com o<br />

valor necessário para resgatá-lo.<br />

Com fortaleza de alma inabalável,<br />

de volta a Europa, São<br />

Raimundo foi por toda parte<br />

— com os lábios mal cicatrizados<br />

e com dores horríveis —<br />

pregando a Cruzada.<br />

A eficácia de sua pregação era<br />

incomparável, pois — ante este<br />

homem que em meio a tantos<br />

sofrimentos permaneceu inquebrantável<br />

e ainda mais cheio de<br />

ânimo e coragem — não havia<br />

quem não se sentisse arrastado<br />

a segui-lo.<br />

S. Hollmann<br />

(Extraído de conferência de<br />

30/8/1967)


Sumário<br />

Publicação Mensal Ano XIII - Nº <strong>149</strong> Agosto de 2010<br />

Ano XIII - Nº <strong>149</strong> Agosto de 2010<br />

Elevado<br />

olhar teológico<br />

Na capa,<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> no<br />

início dos<br />

anos 90.<br />

Foto: M. Shinoda.<br />

As matérias extraídas<br />

de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

— designadas por “conferências” —<br />

são adaptadas para a linguagem<br />

escrita, sem revisão do autor<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />

propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />

CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />

INSC. - 115.227.674.110<br />

Diretor:<br />

Antonio Augusto Lisbôa Miranda<br />

Editorial<br />

4 O desenvolvimento da Teologia e o consensus fidelium<br />

Datas na vida de um cruzado<br />

5 Setembro de 1961<br />

Dona Lucilia mal à morte<br />

Dona Lucilia<br />

6 Um feitio de alma, uma forma de bondade<br />

Conselho Consultivo:<br />

Antonio Rodrigues Ferreira<br />

Carlos Augusto G. Picanço<br />

Jorge Eduardo G. Koury<br />

Redação e Administração:<br />

Rua Santo Egídio, 418<br />

02461-010 S. Paulo - SP<br />

Tel: (11) 2236-1027<br />

E-mail: editora_retornarei@yahoo.com.br<br />

Impressão e acabamento:<br />

Pavagraf Editora Gráfica Ltda.<br />

Rua Barão do Serro Largo, 296<br />

03335-000 S. Paulo - SP<br />

Tel: (11) 2606-2409<br />

O Santo do mês<br />

12 23 de Agosto<br />

Santa Rosa de Lima<br />

“Revolução e Contra-Revolução”<br />

16 A Revolução hippie<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

20 Quem encontra um amigo fiel,<br />

descobre um tesouro! - II<br />

O elevado olhar teológico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

24 O Juízo Final e a trama da História<br />

Preços da<br />

assinatura anual<br />

Comum . . . . . . . . . . . . . . R$ 90,00<br />

Colaborador . . . . . . . . . . R$ 130,00<br />

Propulsor . . . . . . . . . . . . . R$ 260,00<br />

Grande Propulsor . . . . . . R$ 430,00<br />

Exemplar avulso . . . . . . . R$ 12,00<br />

Serviço de Atendimento<br />

ao Assinante<br />

Tel./Fax: (11) 2236-1027<br />

De Maria Nunquam Satis<br />

28 Assunção de Nossa Senhora<br />

Luzes da Civilização Cristã<br />

32 Onde está o auge do esplendor:<br />

na forma ou na cor? - II<br />

Última página<br />

36 Vossos olhos misericordiosos a nós volvei<br />

3


Editorial<br />

O desenvolvimento da<br />

Teologia e o sensus fidelium<br />

São Paulo, o incansável Apóstolo dos gentios, dirigindo-se a seus discípulos de Corinto não hesitou<br />

em afirmar: “Oportet haereses esse 1 ”. Tal afirmação parece paradoxal, não obstante, o<br />

mesmo Apóstolo esclarece: “...para que também os que são de uma virtude provada sejam manifestados<br />

entre vós”. (1Cor 11,19)<br />

Com efeito, no decorrer dos tempos, o combate às heresias foi de grande valia ao desenvolvimento<br />

teológico; pois, para refutá-las, surgiram os Concílios que, através do Magistério infalível, definiam<br />

como dogma as mais importantes verdades de nossa Fé, constituindo assim o depositum fidei, repleto<br />

de inestimáveis valores doutrinários e morais.<br />

Entretanto, quão mais oportuno do que a própria heresia foi a piedade popular, quando pujante e<br />

vigorosa. Anelando e interessando-se por conhecer as verdades da Fé, ofereceu ela precioso estímulo<br />

aos estudiosos, para que estes pudessem então encontrar a razão teológica das hipóteses originadas<br />

do sensus fidelium.<br />

Proporcionando uma excepcional explicitação sobre tal questão, afirmava <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>:<br />

“O ensino da Igreja, ministrado aos fiéis, deve fazer uma distinção entre o que é teologicamente<br />

certo e o que é uma hipótese, apontando ainda os vários graus de certeza: dogma, verdade de Fé,<br />

teologicamente certo, etc.<br />

“Porém, determinadas hipóteses piedosas — mesmo enquanto conjecturas — alimentam a<br />

piedade dos fiéis, fazendo com que o anelo e o interesse popular por tais assuntos estimulem os<br />

teólogos a estudarem, para depois o Magistério infalível dar a definição correta.<br />

“Esse sopro de piedade dos fiéis, a respeito dos assuntos ainda não definidos pela Igreja, também<br />

faz caminhar a Teologia e o Magistério.<br />

“Por exemplo, seria errado imaginar que a Mariologia progrediu apenas devido às heresias. Elas<br />

tiveram seu papel; entretanto, este progresso deu-se, sobretudo, pela crescente piedade da Santa<br />

Igreja para com Nossa Senhora.<br />

“E como se deu este progresso? Aparecem mais perfeições de Nossa Senhora como hipótese;<br />

alguns zelosos a demonstram; e o Papa, quando de fato a hipótese é correta, em uníssono com este<br />

movimento, pronuncia-se.<br />

“Quando há uma estagnação das explicitações teológicas, deve-se ao fato de muitos teólogos<br />

trabalharem num meio inteiramente fechado, entregues a pensamentos de caráter puramente<br />

técnico, sem o sopro da vida espiritual a esse respeito. Assim, o progresso da Teologia pode acabar se<br />

concentrando apenas em alguns especialistas.<br />

“O perfeito seria as coisas passarem-se de maneira a os fiéis terem verdadeira apetência pelo<br />

dogma, à semelhança do Concílio de Éfeso, quando o povo saiu às ruas clamando e dando vivas à<br />

Maternidade de Nossa Senhora.”<br />

(Extraído de anotações de uma conferência proferida no fim dos anos 50)<br />

1) É conveniente que até haja heresias.<br />

Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />

4


Datas na vida de um cruzado<br />

Agosto de 1937<br />

Pondo ordem<br />

numa festa...<br />

N<br />

o ano de 1937, entre os dias 3 e 6 de<br />

agosto, realizavam-se as festas do Senhor<br />

Bom Jesus de Pirapora. Ao longo<br />

dos anos, paralelamente à festa religiosa, havia<br />

se intensificado uma comemoração profana,<br />

com danças num local chamado Barracão. Tais<br />

festejos foram formalmente proibidos por ordem<br />

do então Arcebispo de São Paulo, D. Duarte<br />

Leopoldo e Silva.<br />

“Certa vez, fui enviado a Pirapora por Dom<br />

Duarte, Arcebispo de São Paulo, a fim de acabar<br />

com os bailes populares e imorais que eram<br />

realizados por ocasião da festa do Senhor Bom<br />

Jesus.<br />

“Dias antes da festa, Dom Duarte chamou-me<br />

e disse: ‘O senhor deve ir a Pirapora acompanhado<br />

de vinte soldados da polícia, com a incumbência<br />

de impedir, em nome da lei e por respeito ao culto,<br />

qualquer dança.’<br />

“Ele não entrou em pormenores sobre o uso<br />

da força que o destacamento de polícia deveria<br />

fazer, porém acrescentou: ‘Não quero que façam<br />

violência, mas também não quero dar uma ordem<br />

para não fazê-la... Meu desejo é de que se estique a<br />

corda, porém sem arrebentá-la.’<br />

“Quando cheguei a Pirapora, nas vésperas da<br />

festa, a cidade formigava de gente e, sendo eu o<br />

tesoureiro do Santuário, era tradição que a banda<br />

local tocasse para eu ouvir. Fui, então, ao terraço<br />

do hotel onde eu me hospedara a fim de ouvir as<br />

músicas. Eu percebi que as pessoas estavam me<br />

sondando para saber se eu ia consentir no baile.<br />

“Mais tarde, o sargento que chefiava o<br />

destacamento apresentou-se, bateu continência e<br />

me disse: ‘Sou fulano de tal e estou no comando<br />

do destacamento que está à sua disposição. O<br />

senhor ordenando, sai até fogo!’<br />

“Eu fiquei com a idéia de que o sargento estava<br />

favorável ao povinho, então pensei: ‘Vejo bem<br />

que meter fogo não posso — nem me passa pela<br />

cabeça — mas eu preciso pôr medo nessa gente.’<br />

“Então disse-lhe: ‘Poste todo o pessoal como<br />

se fosse sair fogo; porém, não dê nenhum tiro sem<br />

falar comigo.’<br />

“Ele ficou com a ideia de que, conforme o caso,<br />

eu mandaria atirar. Com isso devem ter pensado<br />

que a coisa era bravíssima.<br />

“Passado algum tempo, alguém me procurou<br />

dizendo que uma comissão de festeiros queria<br />

falar-me. Quando me apresentei a eles, adiantouse<br />

um velhinho meio coxo — andava de maneira<br />

que os dois joelhos se encostavam um no outro —<br />

e me disse, tirando o chapéu:<br />

“— Doutor, faz favor, sou romeiro ‘véio’, há<br />

muitos anos não venho aqui sem minha festinha.<br />

Por favor, doutor, deixa ‘nóis dançá’!<br />

“Eu respondi:<br />

“— Dança, não! Terminantemente não.<br />

Todos têm liberdade para ir rezar, andar por<br />

onde quiserem, mas de dança não quero nem<br />

ouvir falar. Tenham isso bem entendido, de uma<br />

vez por todas: dança, não! E o comandante do<br />

destacamento tem as minhas instruções!”<br />

“Na manhã seguinte, quando fui comungar,<br />

perguntei: ‘Então, dançaram?’<br />

“Resposta: ‘Doutor, uma noite perfeitamente<br />

tranquila, ninguém dançou.’”<br />

(Extraído de conferência<br />

de 21/2/1981)<br />

5


Dona Lucilia<br />

Um feitio de alma,<br />

uma forma de bondade<br />

Assumindo uma atitude tranquila e constante diante das<br />

dificuldades, Dona Lucilia procurava educar seus filhos de forma a<br />

compreenderem qual era a autêntica atitude a ser assumida<br />

em face da vida. O que havia de mais importante era servir<br />

a Deus. Contudo, para bem servi-Lo era necessário<br />

devotar o devido respeito e cuidado pelas obrigações de família.<br />

Evidentemente, não me foi possível<br />

conhecer Dona Lucilia<br />

quando menina. Entretanto,<br />

não seria dificultoso reconstituir seu<br />

modo de ser nesse período, fundamentado<br />

em seu estado de alma depois<br />

de ela haver se tornado adulta.<br />

Desse estado de alma, o que mais<br />

a caracterizava era uma admirável<br />

retidão, que consistia em sempre<br />

analisar todas as coisas em sua realidade<br />

inteira. Por mais dolorosa ou,<br />

ao contrário, por mais promissora<br />

que fosse qualquer situação, ela tomava<br />

tudo com objetividade, considerando<br />

o sofrimento como era de<br />

fato, e todas as amarguras que dele<br />

podiam-lhe ser provenientes.<br />

Não obstante, Dona Lucilia considerava<br />

também as alegrias sem exagerar,<br />

porém, a dimensão das vantagens<br />

que estas lhe poderiam proporcionar,<br />

recordando-se de que tudo é<br />

fortuito nesta terra.<br />

Por essa razão ela tomava uma<br />

posição muito calma e estável em<br />

face da vida, sem grandes torcidas,<br />

nem grandes ansiedades ou depressões.<br />

Isso não fazia dela, de modo<br />

algum, uma pessoa antipática, pois<br />

Dona Lucilia vivia profundamente<br />

todos os acontecimentos, mas sempre<br />

com certa distância, não permitindo<br />

que eles influenciassem seu<br />

modo de ser.<br />

Entre os acontecimentos e ela,<br />

havia uma camada em que os ruídos<br />

dos fatos não conseguiam penetrar<br />

ou transpor. E para aquém das coisas<br />

concretas, Dona Lucilia conservava<br />

sua calma, distância psíquica e<br />

estabilidade características.<br />

Recolhimento,<br />

tranquilidade e senso<br />

do dever<br />

Esse estado de espírito proporcionava<br />

a Dona Lucilia recolhimento,<br />

tranquilidade e força para todas<br />

as dificuldades da vida. Por mais que<br />

mudassem as circunstâncias, ela permanecia<br />

firme em suas convicções.<br />

O que a motivava a agir de tal forma<br />

era um implícito e profundo senso<br />

do dever, em virtude do qual ela<br />

não considerava a vida como a definira<br />

certo literato francês: “Um longo<br />

charuto saboroso que se trata de<br />

fumar até o fim.”<br />

Dona Lucilia não entendia que<br />

a finalidade da vida era conquistar<br />

glórias e prazeres em honras fátuas,<br />

pois ela possuía a certeza de que<br />

6


Fotos: J. Dias, Anonimo.<br />

Dona Lucilia aos 92 anos de idade<br />

7


Dona Lucilia<br />

com a morte tudo isso se<br />

esmaecia. E para ela a vida<br />

se caracterizava por algo diverso:<br />

um dever a cumprir e<br />

uma excelência de alma a adquirir.<br />

Havia prazeres na vida,<br />

mas também havia tristezas;<br />

tratava-se então de considerar<br />

os prazeres com vistas a<br />

poder aguentar as tristezas.<br />

A finalidade da vida era cumprir<br />

uma missão e um dever que<br />

Deus havia designado em sua<br />

providência.<br />

Disputando a influência<br />

com os maus ambientes<br />

No âmbito restrito da vida de família,<br />

Dona Lucilia considerava como<br />

seu dever proporcionar formação,<br />

bem-estar, alegria e elevação<br />

de alma ao ambiente doméstico, de<br />

modo a que seus filhos viessem a ser<br />

perfeitos católicos e cumpridores de<br />

seu dever. Ela procurava marcar o<br />

lar doméstico com uma afabilidade<br />

e com um afeto, procurando torná-<br />

À esquerda, <strong>Dr</strong>. Antonio<br />

Ribeiro dos Santos.<br />

Acima, Dona Lucilia<br />

aos 16 anos, à direita,<br />

quando menina.<br />

As mães anseiam<br />

que seus filhos<br />

desenvolvam<br />

qualidades que os<br />

tornem ilustres.<br />

Também Dona<br />

Lucilia almejava que<br />

eu fosse um grande<br />

advogado, quem sabe<br />

de maior renome que<br />

seu próprio pai, o <strong>Dr</strong>.<br />

Antônio Ribeiro dos<br />

Santos.<br />

8


Palacete Ribeiro dos Santos.<br />

lo atraente, como forma de disputar<br />

a influência com os ambientes que<br />

poderiam ser maléficos aos seus.<br />

Desejava ela habituar seus filhos<br />

a este modo de ser, a fim de<br />

que eles, por sua vez, formassem<br />

seus descendentes nessa escola<br />

indefinidamente, pois ela entendia<br />

que era esse o verdadeiro modo<br />

de viver.<br />

Talvez alguém se perguntasse<br />

se com tal tranquilidade Dona<br />

Lucilia haveria de preparar seus<br />

filhos para as dificuldades da vida,<br />

ou lhes dar aspirações e anseios de<br />

progredir.<br />

Com efeito, Dona Lucilia apresentava<br />

sucessivamente uma meta<br />

ou um ideal a ser obtido, mas sempre<br />

sob o aspecto de um dever. E esse<br />

dever era por ela concebido da seguinte<br />

forma:<br />

Servir a Deus é<br />

mais importante<br />

“Temos uma obrigação de honra<br />

para com nossos antepassados, de<br />

não nos rebaixarmos, e por essa razão<br />

devemos nos esmerar para sustentar<br />

a família na altura que corresponde<br />

a ela, como à tradição dos<br />

maiores que a formaram, pois que<br />

as coisas elevadas devem manter sua<br />

dignidade.”<br />

Isso não deveria ser feito com<br />

vistas a fruir uma vantagem ou um<br />

gozo da condição social que possuíamos,<br />

mas sim por uma reverência<br />

ao ideal de nobreza e ele-<br />

9


Dona Lucilia<br />

vação enquanto um princípio instituído<br />

por Deus. Consequentemente,<br />

era necessário viver e lutar<br />

para manter nosso estado, e caso<br />

fosse possível, elevar-se a condições<br />

ainda melhores, sem nunca<br />

utilizar para este fim manobras<br />

indecorosas. Através de um trabalho<br />

honesto e gradual desejávamos<br />

poder progredir, pela obrigação<br />

de sustentar o nome da família,<br />

obrigação que existia e que se<br />

desejava manter.<br />

Todavia isso não era o que havia<br />

de mais importante. Ser verdadeiro<br />

católico, apostólico e romano<br />

era o principal. Assim, todas as<br />

obrigações para com o nome da família,<br />

como também para com sua<br />

tradição, tornavam-se secundárias.<br />

Servir a Deus era o que havia<br />

de mais importante. Contudo, para<br />

bem servi-Lo, era necessário devo-<br />

À esquerda, Conselheiro João Alfredo;<br />

à direita, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> na década de 30.<br />

Por ser sobrinho do<br />

Conselheiro João<br />

Alfredo, nossos<br />

familiares esperavam<br />

que eu me tornasse<br />

uma figura à<br />

semelhança dele...<br />

tar o devido respeito e cuidado pelas<br />

obrigações de família.<br />

Onde está a felicidade?<br />

Tal obrigação não era uma felicidade,<br />

mas antes um dever. A felicidade<br />

consistia na elevação piedosa e tranquila<br />

da alma, considerando os prazeres<br />

simples, despretensiosos e normais<br />

da existência. Pois a felicidade não está<br />

tanto nas grandes festas, quanto na boa<br />

ordenação da vida quotidiana; não está<br />

tão intensamente nas grandes viagens,<br />

quanto no bom aproveitamento dos lazeres<br />

comuns; nem mesmo nas grandes<br />

fortunas está a felicidade, mas sim em<br />

conferir um significado espiritual e moral<br />

ao prazer que se obtém.<br />

Essa é, sobretudo, a felicidade da<br />

alma temperante, tranquila e modesta.<br />

Uma felicidade capaz de ser sentida<br />

até no infortúnio quando se conserva<br />

o essencial: a consciência limpa diante<br />

de Deus, e um equilíbrio de alma que<br />

torne a vida digna de ser vivida.<br />

Correspondendo aos<br />

anseios da família<br />

Devido ao instinto materno, todas<br />

as mães anseiam que seus filhos ve-<br />

10


nham a desenvolver<br />

dotes e qualidades<br />

que os tornem ilustres<br />

e importantes.<br />

Em virtude disso,<br />

também Dona Lucilia<br />

almejava que eu<br />

pudesse ser um grande<br />

advogado, quem<br />

sabe de maior renome<br />

que seu próprio<br />

pai, o <strong>Dr</strong>. Antônio<br />

Ribeiro dos Santos.<br />

Ademais, por ser<br />

sobrinho do Conselheiro<br />

João Alfredo,<br />

nossos familiares esperavam<br />

que eu me<br />

tornasse uma figura<br />

à semelhança dele.<br />

Anos mais tarde,<br />

quando em 1932<br />

fui eleito deputado<br />

para a Constituinte,<br />

Dona Lucilia reagiu<br />

com uma tranquilidade<br />

de alma e<br />

uma serenidade impressionantes.<br />

Lembro-me<br />

de que em<br />

nenhum momento a<br />

vi exultante, muito embora soubesse<br />

que esse fato correspondia plenamente<br />

ao que ela esperava de seu filho,<br />

apenas aos 24 anos de idade.<br />

O dever acima das<br />

ebriedades da glória...<br />

Ocorreu então um tocante episódio<br />

com Dona Lucilia por ocasião de<br />

minha posse como deputado. A cerimônia<br />

fora realizada no Rio de Janeiro,<br />

e tantos foram os sacrifícios<br />

feitos por mamãe que sua presença<br />

era mais que merecida. Naturalmente,<br />

convidei meu pai e minha irmã<br />

para também irem, e rumamos todos<br />

para o Rio.<br />

No dia em que a Constituinte seria<br />

inaugurada, dirigimo-nos todos<br />

para o ato solene. Dona Lucilia, entretanto,<br />

possuía um certo incômodo<br />

nos pés devido a um reumatismo,<br />

o que não lhe permitia permanecer<br />

por muito tempo em pé. Por<br />

essa razão chegamos bem antes, e levei-a<br />

até uma galeria, local privativo<br />

do qual os deputados poderiam dispor<br />

para seus convidados.<br />

Começaram a soar as campainhas,<br />

indicando que a sessão inaugural<br />

da Constituinte iria começar.<br />

Tive de deixá-la, dirigindo-me<br />

apressadamente para o recinto dos<br />

deputados.<br />

Ficou-me então a dúvida se ela<br />

obtivera ou não o lugar que esperava.<br />

Quando cheguei ao local onde ficavam<br />

os deputados, ainda antes de<br />

entrar na bancada paulista, que era<br />

a primeira à direita da mesa do Presidente,<br />

coloqueime<br />

no meio do salão<br />

com o intuito de<br />

verificar se ela havia<br />

conseguido um bom<br />

lugar.<br />

Notei enfim que<br />

Dona Lucilia havia<br />

obtido um bom lugar,<br />

e quando a encontrei<br />

fiz um sinal<br />

para ela e tomei posição<br />

na bancada.<br />

Tempos depois<br />

Dona Lucilia fez o<br />

seguinte comentário:<br />

“Meu filho, sua<br />

mãe ficou muito alegre<br />

com sua eleição<br />

para deputado.<br />

Entretanto, significou<br />

muito mais para<br />

mim sua atenção de<br />

acenar com a mão,<br />

quando já estava embaixo,<br />

pois que naquela<br />

hora em que<br />

você poderia estar<br />

desvairado pela vaidade,<br />

lembrar-se de<br />

sua mãe e procurar<br />

ver se ela estava bem acomodada, indicava<br />

um feitio de alma e uma forma<br />

de carinho que vale muito mais<br />

que uma carreira de deputado.”<br />

Notei que ela assim pensava: “Caso<br />

possível, seja deputado, vá para<br />

a frente. Porém, esse não é o papel<br />

central da vida. Mais importante<br />

é ter uma noção do dever que fica<br />

acima das ebriedades da glória. E,<br />

consequentemente, ter para com sua<br />

mãe o grande reconhecimento que<br />

bem sei que você tem.”<br />

Creio que esse episódio torna patente<br />

qual era o feitio de espírito de<br />

Dona Lucilia.<br />

v<br />

(Extraído de conferência<br />

de 24/6/1973)<br />

11


O Santo do Mês<br />

–– * Agosto * ––<br />

1. XVIII Domingo do Tempo Comum.<br />

2. São Pedro Julião Eymard, Presbítero.<br />

Fundador dos Sacramentinos<br />

e ardoroso apóstolo da devoção eucarística.<br />

(séc. XIX)<br />

3. São Pedro de Agnani, Bispo.<br />

(+1105)<br />

4. São João Batista Maria Vianney,<br />

Presbítero. O célebre “Cura<br />

d’Ars”, por causa do nome da pequena<br />

cidade onde exerceu seu ministério<br />

como pároco durante 42<br />

anos. Em 1929, Pio XI o declarou<br />

padroeiro dos sacerdotes de todo o<br />

mundo. (1786-1859)<br />

5. Dedicação da Basílica de Santa<br />

Maria Maior. Num dia 5 de agosto,<br />

mês especialmente quente em Roma,<br />

nevou sobre o Monte Esquilino.<br />

Avisado do fenômeno, o Papa Libério<br />

se apresentou no lugar e mandou<br />

erigir ali a maior basílica dedicada à<br />

Mãe de Deus.<br />

6. Transfiguração do Senhor.<br />

(Festa)<br />

7. São Caetano de Thiene, Presbítero.<br />

(1480-1547)<br />

8. XIX Domingo do Tempo Comum.<br />

9. Santa Teresa Benedita da Cruz<br />

(Edith Stein). Virgem, carmelita<br />

descalça, mártir no campo de extermínio<br />

nazista. Padroeira da Europa<br />

junto com São Bento e Santos Cirilo<br />

e Metódio. (1891-1942)<br />

10. São Lourenço, Diácono e<br />

Mártir, sob Valeriano. (séc. III)<br />

11. Santo Equício, Abade. (+<br />

571)<br />

12. Santo Herculano, Bispo de<br />

Brescia. (séc. VI)<br />

13. São Benildo, Religioso dos Irmãos<br />

das Escolas Cristãs. Educador.<br />

(+ 1862)<br />

14. Santos Domingos Ibáñez de<br />

Erquicia, e Francisco Shoyemon<br />

Ambos da Ordem dominicana, foram<br />

martirizados no ano de 1633,<br />

em Nagasaki (Japão).<br />

15. XX Domingo do Tempo Comum.<br />

Solenidade da Assunção da Bemaventurada<br />

Virgem Maria. Este glorioso<br />

evento foi proclamado dogma<br />

de fé pelo Papa Pio XII, em 1º de<br />

novembro de 1950.<br />

16. Santo Estevão da Hungria.<br />

Converteu seu país ao catolicismo.<br />

(+1038)<br />

17. Santa Clara de Montefalco.<br />

Da ordem das Ermitãs de Santo<br />

Agostinho, teve grande devoção à<br />

Paixão de Cristo, cujos estigmas recebeu.<br />

(1268-1308)<br />

18. Santa Helena. Mãe do Imperador<br />

Constantino. (+ 330)<br />

19. São João Eudes. Presbítero e<br />

fundador da Congregação de Jesus e<br />

Maria. (+1680)<br />

20. São Bernardo de Claraval,<br />

Abade e Doutor da Igreja. Fundador<br />

dos cistercienses. Grande orador,<br />

pregador, missionário e apóstolo.<br />

(séc. XII-XIII)<br />

21. São Pio X, Papa. Governou a<br />

Igreja sob o lema Instaurare omnia in<br />

Christo: restaurar todas as coisas em<br />

Jesus Cristo. (1835-1914)<br />

22. XXI Domingo do Tempo Comum.<br />

23. Santa Rosa de Lima, Virgem.<br />

Da Ordem Terceira Dominicana, é a<br />

padroeira da América Latina. (séc.<br />

XVII)<br />

24. São Bartolomeu, Apóstolo.<br />

(Festa)<br />

25. São José de Calasanz, Presbítero.<br />

Fundou as Escolas Pias e a Ordem<br />

dos Irmãos que as regem, chamados<br />

“escolápios”. (+ 1648)<br />

26. São Melquisedec, Rei de Salém<br />

(hoje Jerusalém) e Sacerdote do<br />

Deus Altíssimo, Antigo Testamento.<br />

27. Santa Mônica. Mãe de Santo<br />

Agostinho, o “filho de suas lágrimas”.<br />

(séc. IV)<br />

28. Santo Agostinho, Bispo e Padre<br />

da Igreja. (354-430)<br />

29. XXII Domingo do Tempo Comum.<br />

30. São Fantino o Jovem, Monge.<br />

De origem macedônica, foi eremita<br />

na Calábria e na Grécia. (+ 1000)<br />

31. São Raimundo Nonato, Religioso<br />

Mercedário.<br />

12


23 de Agosto<br />

Santa Rosa de Lima<br />

Normalmente, imaginamos ser necessário arquitetar grandes planos,<br />

praticar ações dignas de louvor ou realizar vultosas obras<br />

para tornarmo-nos notáveis ante nosso tempo.<br />

Entretanto, uma jovem pode provar ao mundo como a santidade<br />

e o amor a Deus são de maior eficácia: Santa Rosa de Lima,<br />

Patrona da América.<br />

Fotos: T. Ring<br />

Santa Rosa de Lima<br />

N<br />

o livro “El verdadero rostro<br />

de los santos” 1 há alguns dados<br />

biográficos sobre Santa<br />

Rosa de Lima.<br />

“Nascida no dia 20 de março de<br />

1586, em Lima, Isabel Flores de Oliva<br />

— mais tarde conhecida como Rosa<br />

de Lima — era da antiga nobreza<br />

espanhola. Porém, quando ainda jovem,<br />

seus pais empobreceram.<br />

“Inclinada à vida religiosa desde a<br />

mais tenra idade, Santa Rosa sofreu<br />

contrariedades, sobretudo por parte de<br />

sua mãe, que se havia empenhado em<br />

casá-la.<br />

“Aos vinte anos fez-se Terceira Dominicana,<br />

sob a proteção de Santa<br />

Catarina de Siena. Vivia em uma cela<br />

no jardim da casa paterna e ajudava<br />

seus pais fazendo bordados e cuidando<br />

das flores que a família depois<br />

vendia.<br />

“No que se refere à mortificação,<br />

ninguém a superou. Certa vez, quando<br />

se achava acabrunhada por mil inquietações,<br />

ouviu a voz do Senhor que<br />

lhe dizia: ‘Aquele que deu a vida e o<br />

sangue por ti saberá cuidar também de<br />

teu corpo. As leis naturais foram criadas<br />

por ele e são para ele.’ Rosa destinava<br />

dez horas do dia à oração, dez<br />

horas ao trabalho, e apenas o que sobrava<br />

concedia ao sono.<br />

“A cada dia, no decurso de horas<br />

inteiras, via-se assaltada por terríveis<br />

tormentos, temendo que o Senhor a<br />

abandonara, considerando esse suplício<br />

pior do que a morte. Porém depois,<br />

sentia-se fortalecida por novas sensibilidades<br />

da graça divina.<br />

“A uma comissão de teólogos que<br />

a interrogava acerca de sua oração,<br />

confessou: ‘Rezar não me custa nenhum<br />

trabalho. Minhas energias concentram-se<br />

no meu interior como o<br />

ferro atraído pelo imã e se sentem embriagadas<br />

por tal doçura que nenhum<br />

mal é mais possível. Meu coração arde.<br />

Sinto a Deus em todo o meu ser<br />

e tenho absoluta certeza de sua adorável<br />

presença. Tal contemplação não<br />

me cansa, e minha única alegria é sentir<br />

Deus presente em minha alma. Verme<br />

privada d’Ele seria para mim um<br />

inferno e nada criado poderia consolar-me.’<br />

“O último pedido que saiu de seus<br />

lábios, na hora da morte, foi em benefício<br />

de sua mãe: ‘Senhor, deixo-a em<br />

vossas mãos. Dai-lhe forças, não per-<br />

13


O Santo do Mês<br />

A mortificação à qual se dedicava<br />

era particularmente preciosa para os<br />

tempos em que Santa Rosa viveu.<br />

A vinda dos ibéricos para a América<br />

colocava-os numa situação moral<br />

das mais perigosas. Encontrando<br />

aqui uma natureza tropical exuberante,<br />

com condições climáticas que<br />

infelizmente favoreciam a luxúria,<br />

muitos se deixavam dissolver num<br />

ambiente onde a vulgaridade e a corrupção<br />

moral debandavam.<br />

Ora, nestas circunstâncias, ela<br />

suscitava em torno de si o espírito<br />

de penitência e de mortificação.<br />

Com tal atitude, naturalmente, ela<br />

freou em grande parte a corrupção<br />

dos costumes e criou condições menos<br />

favoráveis à Revolução, o que<br />

determinou, por sua vez, uma marcha<br />

mais lenta desta em nosso continente.<br />

O admirável é que Deus não suscitou<br />

para a América inteira um granmitais<br />

que seu coração se dilacere de<br />

tristeza.’ Tão logo expirou, viu-se sua<br />

mãe tomada por um tal consolo e alegria<br />

que precisou retirar-se para ocultar<br />

a felicidade que seu rosto estampava.<br />

“Faleceu em 26 de agosto de 1617.”<br />

Família da antiga<br />

nobreza, porém<br />

empobrecida<br />

Vários aspectos da vida de Santa<br />

Rosa são dignos de comentário. Em<br />

primeiro lugar, o fato de pertencer a<br />

uma família nobre, porém empobrecida,<br />

é notável.<br />

À semelhança da Sagrada Família<br />

de Nazaré — a qual também<br />

não dispunha de recursos em abundância,<br />

mas era de estirpe real —,<br />

a família de Santa Rosa passava por<br />

uma situação sumamente penosa,<br />

difícil, e, a esse título, também sumamente<br />

abençoada, em que a dignidade<br />

da linhagem e do caráter deve<br />

brilhar sozinha, sem os recursos<br />

tão prestigiosos e tão úteis das riquezas.<br />

Compreende-se, de imediato, um<br />

traço da predileção divina.<br />

Santa Rosa - Paróquia São<br />

Domingos, Lima (Peru).<br />

Santa Rosa suscitava<br />

em torno de si o<br />

espírito de penitência<br />

e de mortificação.<br />

Assim, ela freava<br />

em grande parte<br />

a corrupção dos<br />

costumes em nosso<br />

continente.<br />

Símbolos da elevação<br />

de sua alma<br />

Há episódios na história dos santos<br />

permitidos pela Providência com<br />

a intenção de ornamentar a história<br />

de suas almas, e proporcionar que<br />

vejamos, através dessa beleza secundária<br />

e quase episódica, algo de mais<br />

profundo dentro da santidade, e de<br />

nos atrair à admiração para com a vida<br />

virtuosa.<br />

Sob esse aspecto, é muito bonito<br />

considerar Santa Rosa vivendo<br />

reclusa em uma cela, no jardim da<br />

casa paterna, e ajudando seus pais<br />

através da confecção de bordados<br />

e cuidando das flores que a família<br />

vendia.<br />

Eram bordados feitos por uma jovem<br />

santa, que se retirara para reclusão<br />

inteira, e na clausura também<br />

cultivava flores.<br />

Isso causa tal encanto ao início de<br />

sua vida, que não poderia deixar de<br />

ser comentado.<br />

Missão de caráter<br />

universal<br />

14


de pregador — Ele pôs, nas mais variadas<br />

partes, grandes pregadores,<br />

porém de âmbito restrito —,<br />

mas sim uma mulher que tivesse<br />

uma missão de caráter universal.<br />

Santa Rosa de Lima<br />

fez, no plano da comunhão<br />

dos santos, o necessário para<br />

salvar a América.<br />

Vemos o poder de uma alma<br />

entregue a Nossa Senhora,<br />

à misericórdia de Deus e à penitência.<br />

Sustentação nos<br />

sacrifícios, consolações<br />

na oração<br />

Essa posição é quase incompreensível<br />

caso não consideremos o que,<br />

em contrapartida, está dito por ela<br />

a respeito da oração. Durante a oração,<br />

Santa Rosa recebia consolações<br />

extraordinárias, sentindo um verdadeiro<br />

Céu na Terra durante dez horas<br />

por dia. E isso dava-lhe ânimo<br />

para suportar depois uma vida de<br />

dor e sofrimento.<br />

Vias de oração na<br />

santidade<br />

Entre os santos há semelhanças e<br />

dessemelhanças.<br />

Santa Teresinha do Menino Jesus<br />

dizia estar tão habituada ao sofrimento<br />

que, quando chegasse ao<br />

Céu, precisaria ela desabituar-se de<br />

padecer para se sentir verdadeiramente<br />

feliz. Nisto se vê uma enorme<br />

analogia com o conceito de Santa<br />

Rosa de Lima sobre o sacrifício.<br />

Porém, no que diz respeito às vias<br />

da oração, como eram diferentes!<br />

Santa Rosa de Lima sentia muita sensibilidade<br />

ao rezar; Santa Teresinha<br />

do Menino Jesus passou muitas vezes<br />

por aridez durante a oração.<br />

Entretanto, uma e outra oração<br />

eram igualmente aceitas por Nossa Senhora<br />

e encaminhadas a Deus Nosso<br />

Crânio de Santa Rosa de Lima.<br />

O admirável é que<br />

Deus não suscitou<br />

para a América<br />

inteira um grande<br />

pregador, mas sim<br />

uma mulher que<br />

tivesse uma missão de<br />

caráter universal.<br />

Senhor como sendo variantes de uma<br />

mesma coisa, inteiramente coerente e<br />

uniforme consigo mesmo: a santidade.<br />

Resignação, profunda<br />

paz de alma<br />

Uma observação de proveito para<br />

a vida espiritual é a seguinte: sabendo<br />

que sua mãe sofreria muito com<br />

sua morte, Santa Rosa pediu a Deus,<br />

então, que esta tivesse forças para<br />

resistir a tal dor.<br />

Pois bem, ela foi tão amplamente<br />

atendida, que a mãe não só teve<br />

força, mas também uma inexplicável<br />

alegria com a morte da filha.<br />

Como se pode explicar essa felicidade?<br />

É que a resignação cristã constitui<br />

uma tristeza com tais contrafortes<br />

de paz e de alegria, que há mais<br />

felicidade numa alma cristã profundamente<br />

triste — mas resignada<br />

— do que noutra repleta de uma<br />

alegria natural.<br />

A resignação cristã é<br />

filha da consolação<br />

Consolar, do latim consolare,<br />

significa dar força, ou seja, conceder<br />

capacidade de aguentar a dor.<br />

A verdadeira consolação consiste<br />

em robustecer a alma para aguentar o<br />

sofrimento.<br />

A resignação cristã é exatamente<br />

filha da consolação, filha da aceitação<br />

da dor. De maneira tal que essa consideração<br />

dá ao homem uma alegria<br />

superior em meio às suas tristezas.<br />

Então, à vista de considerações<br />

tão elevadas, a alma ao mesmo tempo<br />

deplora a morte e encontra uma<br />

estabilidade, uma fixidez em face dela,<br />

uma posição de equilíbrio. Isto se<br />

chama resignação cristã.<br />

A graça pode acentuar essa alegria<br />

que existe na resignação. E foi<br />

exatamente o que aconteceu com a<br />

mãe de Santa Rosa de Lima: ela recebeu<br />

tanta força, e sua alegria dentro<br />

da resignação foi de tal maneira<br />

acentuada pelo Divino Espírito Santo,<br />

que ela precisou se esconder para<br />

que não a julgassem mal.<br />

No que essa alegria consistia?<br />

Com certeza, uma participação da<br />

alegria de Santa Rosa que já estava<br />

inundada pelas felicidades celestes.<br />

Peçamos a Santa Rosa de Lima<br />

que interceda por nós, a fim de — à<br />

sua semelhança — termos a coragem<br />

de nos deixarmos fazer santos e assim<br />

realizarmos grandes obras.<br />

Estão aqui algumas considerações<br />

a respeito da vida de Santa Rosa<br />

de Lima.<br />

v<br />

(Extraído de conferências de<br />

29/8/1966 e 29/8/1967)<br />

1) Wilhelm Schamoni: Barcelona, 1951.<br />

15


Revolução e Contra-Revolução<br />

A Revolução<br />

hippie<br />

Ao responder perguntas de jovens<br />

participantes de seu Movimento, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

desmascara uma faceta revolucionária<br />

que ainda não tinha surgido quando da<br />

publicação de sua obra Revolução e Contra-<br />

Revolução: o hippismo 1 .<br />

V<br />

ários grupos de jovens de<br />

nosso Movimento pediramme<br />

que tratasse a respeito<br />

dos hippies.<br />

Os hippies são indivíduos que se<br />

colocam à margem da sociedade<br />

contemporânea, abandonam sua casa,<br />

sua classe social, deixam sua profissão<br />

e vivem em grupos de ambos<br />

os sexos — estou falando do hippie<br />

total, é claro, mas há formas de semi-hippie.<br />

Perambulam de um lado<br />

para outro, e se mantêm através de<br />

pequeno artesanato manual e coisas<br />

desse gênero.<br />

E, para bem marcar a sua ruptura<br />

com a sociedade, eles até se apresentam<br />

de um modo extravagante, completamente<br />

diferente do usado pelas<br />

outras pessoas. Não só de um modo<br />

diferente, mas eles usam penteado e<br />

roupas exatamente iguais aos que se<br />

tachariam de ridículos há anos atrás.<br />

Quer dizer, eles representam o auge<br />

do desafio à sociedade atual.<br />

Os hippies se diversificam em duas<br />

modalidades: pacíficos e agressivos.<br />

Os pacíficos distribuem flores, vivem<br />

sorrindo, são amáveis com todo<br />

o mundo. Os agressivos têm no<br />

Manson 2 e seus sequazes da Califórnia<br />

a sua expressão mais característica;<br />

é o crime levado ao seu paroxismo<br />

diabólico.<br />

Eles constituem de fato um todo,<br />

quer dizer, as atitudes pacíficas ou<br />

agressivas são seus métodos. Nunca<br />

ouvi falar — pode ser que haja, mas<br />

desconheço — de uma luta de uma<br />

facção de hippies contra outra.<br />

Seita atéia e anárquica<br />

Vista assim, na primeira consideração,<br />

a questão hippie deixa delinear-se<br />

atrás de si uma posição filosófica.<br />

Na realidade, os hippies constituem<br />

uma seita.<br />

Considera-se seita um conjunto<br />

de pessoas que se apartam, em<br />

graus ou formas diferentes, do modo<br />

de sentir comum e aberram das<br />

grandes verdades objetivas admitidas<br />

por todo o mundo. Formam<br />

16


Ao fundo, aspectos de<br />

grupos hippies; em destaque,<br />

Charles Manson.<br />

Fotos: S. Miyazaki/Anônimo


Revolução e Contra-Revolução<br />

uma espécie de partido apolítico de<br />

caráter ideológico dentro da sociedade,<br />

tendo uma diretoria — que<br />

evidentemente não precisa estar registrada<br />

em cartório —, ou uma liderança,<br />

a qual tem por fim conquistar<br />

adeptos e modificar a opinião<br />

dos outros.<br />

Os hippies correspondem inteiramente<br />

a esse conceito. Percebe-se<br />

que eles têm uma filosofia, uma técnica<br />

muito vasta.<br />

A filosofia dos hippies se poderia<br />

chamar, de um lado, inteiramente<br />

atéia e, de outro lado, completamente<br />

anarquista.<br />

Eles entendem que a sociedade<br />

contemporânea, com a sua superorganização,<br />

criou condições de existência<br />

insuportáveis para o homem,<br />

e por essa razão precisamos caminhar<br />

para o extremo oposto.<br />

Assim, desfeita essa superorganização,<br />

deve vir o caos, o completo<br />

desfibramento da estrutura social,<br />

para se constituírem bandos de pessoas<br />

vagueando sem nação, sem organização<br />

nem estruturas. Este é o<br />

objetivo visado pelos hippies.<br />

A moral católica<br />

virada pelo avesso<br />

Do ponto de vista humano, no<br />

que diz respeito ao interior do homem,<br />

eles pensam a mesma coisa.<br />

Assim como as leis e estruturas oprimiriam<br />

a sociedade, julgam eles que<br />

a inteligência e a vontade exercem<br />

no homem uma opressão ad intra, de<br />

dentro para fora.<br />

Nessas condições, defendem o<br />

completo espontaneísmo, segundo o<br />

qual o homem deve viver como acha<br />

agradável, sem fazer uma crítica racional<br />

daquilo que está realizando<br />

ou não, sem se coibir em nada e deixando-se<br />

vogar ao sabor das suas impressões<br />

e apetências de momento.<br />

Ou seja, é a Moral católica virada<br />

pelo avesso. Aquilo que chamamos<br />

de doutrina, de ortodoxia, para<br />

eles não vale nada. O homem deve<br />

ser completamente livre; é a total<br />

anarquia.<br />

Atitudes abobadas<br />

Assim, podemos analisar<br />

as maneiras dos hippies:<br />

caras revelando<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em frente<br />

a uma sede de<br />

seu movimento.<br />

uma idiotice de quem se deixa levar<br />

pela primeira impressão, olhos arregalados,<br />

cabelama revolta que nunca<br />

penteiam. Andam sem rumo definido;<br />

quando têm vontade de parar,<br />

sentam-se na beira de uma calçada<br />

e ficam olhando passar os automóveis,<br />

depois se deitam e rolam; se<br />

há algum rio próximo, para lá se dirigem,<br />

cospem na água, brincam, fazem<br />

barquinho etc.<br />

Não se lavam. Nunca ouvi alguma<br />

pessoa dizer: “Eu encontrei hoje<br />

um hippie limpíssimo.” Porque a<br />

limpeza é a ascese da pele. E o indivíduo<br />

completamente sensual tem<br />

horror até ao sabão, porque execra<br />

qualquer coerção. Pode ser que um<br />

dia lhe dê na cabeça nadar. Mas, ele<br />

entra na água a fim de brincar e não<br />

para se lavar, que é uma coisa completamente<br />

diferente.<br />

Neste horror há qualquer coisa de<br />

artificial. Eles andam despreocupados,<br />

como se fossem bobos. De fato<br />

é uma comédia. Ou pelos menos tem<br />

muito de comédia. Os hippies nunca,<br />

por exemplo, por bobeira, fazem alguma<br />

coisa contrária à causa deles.<br />

Eles têm uma política a qual seguem<br />

perfeitamente.<br />

Barbárie e hippismo<br />

Passarei agora a fazer a crítica ao<br />

hippismo.<br />

O hippie é o contrário da cultura,<br />

a qual supõe, exatamente, um domínio<br />

do homem sobre si para atingir,<br />

mesmo em termos laicos, um determinado<br />

grau de perfeição moral. A<br />

cultura exige estudo, esforço, raciocínio,<br />

discussão, método de pensamento,<br />

e supõe, portanto, uma ascese<br />

para encaixar o pensamento dentro<br />

desse método. Sem isso, não se<br />

concebe Filosofia, nem qualquer outra<br />

forma de ciência.<br />

Ele é também o oposto da civilização,<br />

que supõe normas decorrentes<br />

dos conhecimentos científicos de todas<br />

as ordens. São conhecimentos da<br />

18


ealidade objetiva que nos impõem<br />

modos de proceder, de gostar e<br />

de sentir.<br />

A forma perfeita do<br />

hippie é o índio. Há na<br />

pré-história do Brasil<br />

um fato que indica<br />

como eram nossos indígenas.<br />

Conta-se — mas<br />

é fato histórico —<br />

que Anchieta, ou algum<br />

outro jesuíta, batizou<br />

uma índia, a qual<br />

veio depois morar na aldeia<br />

de São Paulo. Durante<br />

vários anos foi muito piedosa,<br />

confessando-se e comungando com<br />

frequên cia.<br />

Certo dia, ela estava com a cara<br />

muito triste; o Padre Anchieta aproximou-se<br />

e perguntou-lhe:<br />

— Mas, então, por que você está<br />

tão triste?<br />

Diz ela:<br />

— Eu tenho vontade de comer<br />

um braço de uma criança tapuia!<br />

De certa forma, essa indígena era<br />

uma hippie.<br />

Poder-se-ia objetar: “Mas os hippies,<br />

por enquanto, não são todos assim.”<br />

Respondo: É bem verdade, porque<br />

eles têm certa velocidade adquirida<br />

ainda da antiga civilização.<br />

É mais ou menos como um<br />

trem que está correndo. Se a locomotiva<br />

para e solta os vagões, estes<br />

ainda andam um pouquinho<br />

até ficarem imóveis; eles têm a velocidade<br />

que a locomotiva lhes comunicou.<br />

Alguns hippies têm ainda não sei<br />

que restos de civilização. E também<br />

velhacarias, porque percebem<br />

que, caso se mostrem inteiros<br />

como são, a causa deles perderia<br />

muito. Assim mesmo, o caso do<br />

Manson e outras coisas parecidas<br />

representam a ala mais sincera do<br />

hippismo. Portanto, pode-se dizer<br />

que este é a barbárie.<br />

Jovem hippie<br />

O hippie quer que<br />

o ideal natural e<br />

sobrenatural da<br />

Igreja para o homem<br />

seja completamente<br />

negado. Podemos<br />

afirmar que o<br />

hippismo é o extremo<br />

oposto da santidade.<br />

Hippismo: extremo<br />

oposto do ideal católico<br />

Considerando a doutrina católica,<br />

o que devemos pensar do hippie?<br />

Se alguém quiser ter a ideia do<br />

que seja um santo, podemos dizerlhe:<br />

é o extremo oposto de tudo isso.<br />

Quer dizer, o hippie quer que o<br />

ideal natural e sobrenatural para o<br />

homem, o ideal da Igreja, seja completamente<br />

negado. Pode-se afirmar<br />

que o primeiro hippie foi Satanás, o<br />

qual não quis obedecer, e por isso foi<br />

belamente punido por São Miguel<br />

Arcanjo e pelos Anjos fiéis.<br />

Conclusão: o hippismo é o anarquismo<br />

que começa.<br />

Que relação existe entre o<br />

anarquismo e o comunismo?<br />

O anarquismo é a<br />

extrema ponta do comunismo.<br />

Segundo<br />

Marx, deveria haver<br />

um momento em que<br />

o Estado desapareceria,<br />

se tornaria inútil<br />

e o mundo todo viveria<br />

dirigido apenas por<br />

cooperativas, num regime<br />

anárquico, uma ordem de<br />

coisas humana onde a completa<br />

ausência de autoridade não produziria<br />

o caos.<br />

A sociedade contemporânea está<br />

sendo levada para o hippismo, por<br />

uma espécie de baldeação ideológica.<br />

Mas o jovem de nosso Movimento,<br />

portando-se de modo oposto ao<br />

do hippie, cria um impacto e um problema:<br />

“Qual a solução verdadeira?”<br />

Ele aponta um ideal definido de<br />

ordem, o qual está se apagando na<br />

cabeça de muitas pessoas, e impede<br />

que esse ideal se extinga. Assim, a<br />

baldeação para o anarquismo, que o<br />

hippismo quer, passa a ser uma espécie<br />

de processo laborioso com discussões.<br />

E a discussão não é possível,<br />

porque o hippismo não se sustenta<br />

racionalmente; nesse campo, é uma<br />

batalha perdida para ele. v<br />

(Extraído de conferência<br />

de 17/8/1970)<br />

1) A publicação da obra Revolução e<br />

Contra-Revolução deu-se no ano de<br />

1959, enquanto que o movimento hippie<br />

eclodiu pari passu com a revolução<br />

da Sorbonne, em maio de 1968.<br />

2) Charles Manson, o líder de um grupo<br />

assassino. Ver artigo na Folha de São<br />

Paulo, 14 de dezembro de 1969, “Prá<br />

frente, ao sopro da generosidade”.<br />

19


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

Quem encontra<br />

um amigo fiel, descobre<br />

um tesouro! - II<br />

A verdadeira<br />

amizade, baseada<br />

no amor a Deus, é<br />

capaz de qualquer<br />

coisa. Porém, qual<br />

é a pessoa que,<br />

com sabedoria,<br />

sabe apreciar o<br />

companheiro<br />

quando este<br />

o admoesta<br />

justamente?<br />

S. Hollmann<br />

Na pessoa de um desconhecido, São Martinho de Tours sacrifica metade<br />

de sua capa a Nosso Senhor Jesus Cristo - Museu de Cluny, Paris.<br />

Ohomem, quando sentimental,<br />

admira em quem preza<br />

como amigo os aspectos nos<br />

quais se vê refletido, à semelhança<br />

de um espelho no qual se lhe torna<br />

possível observar-se. Tais indivíduos<br />

se cultuam uns nos outros, egoisticamente;<br />

esquecem-se de que onde<br />

há egoísmo certamente não haverá<br />

amizade.<br />

20


A equivocada idéia de amizade<br />

caracterizava-se por uma afinidade<br />

completa de mentalidades.<br />

Duas pessoas eram amigas quando<br />

pensavam do mesmo modo e<br />

tinham uma benquerença proveniente<br />

do fato de ser uma o reflexo<br />

da outra.<br />

No que consistia<br />

a autêntica amizade?<br />

A amizade autêntica existe apenas<br />

quando se tem disposição interior<br />

para sacrificar-se pelo amigo.<br />

Caso contrário — quando o desejo<br />

de sofrer por outrem é nulo —,<br />

a amizade não será efetiva. Mesmo<br />

assim, o anseio de padecer por um<br />

amigo possuirá maior intensidade<br />

na medida em que seja vigoroso seu<br />

amor a Deus.<br />

Por uma amizade fundamentada<br />

em tal amor, deve-se ser capaz de<br />

todas as formas de sacrifício, como<br />

também de perdão a qualquer ofensa<br />

ou até mesmo a quaisquer traições<br />

recebidas.<br />

A finalidade principal da amizade<br />

não é de ser agradado ou bajulado<br />

por outrem. Considerando<br />

que o aspecto mais louvável de<br />

cada homem encontra-se no grau<br />

de união com Deus, o correto seria<br />

desejar a estima dos outros apenas<br />

quando houvéssemos trilhado<br />

as sendas do bem. Caso deixássemos<br />

de agir corretamente, não deveríamos<br />

aspirar à consideração de<br />

outrem.<br />

O mito da “alma irmã”<br />

Havia antigamente o mito da “alma<br />

irmã”, que consistia numa figura<br />

ideal, ou num reflexo perfeito, que<br />

as almas sentimentais faziam de si<br />

próprias em outrem a quem amavam<br />

romanticamente.<br />

Formavam elas, a seu próprio<br />

respeito, uma figura irreal, imaginando-se<br />

como seres extraordi-<br />

nários, entretanto, mal compreendidos<br />

e pouco apreciados. Quando<br />

encontravam alguém que havia<br />

percebido o seu valor, ansiavam<br />

naturalmente a proximidade dessa<br />

pessoa, que supunham lhes proporcionar<br />

a verdadeira felicidade.<br />

Contudo, havia acontecido o mesmo<br />

ao outro.<br />

Então, quando eram de sexos<br />

distintos, ficavam noivos. No primeiro<br />

período de noivado trocavam<br />

grandes confidências e incompreensões<br />

que sofreram na vida.<br />

Isso tudo culminava no casamento.<br />

A amizade autêntica<br />

existe apenas quando<br />

há disposição interior<br />

para sacrificar-se<br />

pelo amigo. Mesmo<br />

assim, o anseio de<br />

padecer por um<br />

amigo possuirá<br />

maior intensidade na<br />

medida em que seja<br />

vigoroso seu<br />

amor a Deus.<br />

Desfazendo o mito<br />

da “alma irmã”...<br />

Todavia, o mito da “alma irmã”<br />

despertava uma pergunta: Será realmente<br />

autêntica essa amizade? Caso<br />

seja autêntica, será então duradoura?<br />

Pois ainda que sejam semelhantes<br />

em alguns pontos, não se diferenciarão<br />

em outros? E quando<br />

verificarem as diferenças pontiagudas,<br />

essa amizade permanecerá?<br />

Ao prestar atenção em jovens casais<br />

de noivos, notei que nos primei-<br />

ros dias de noivado tinham muito<br />

para dizer um ao outro. Porém passados<br />

os primeiros dias...<br />

Amáveis até a<br />

completa decadência<br />

A verdadeira seiva da amizade<br />

encontra-se no amor a Deus. Assim,<br />

a definição de amigo bem poderia<br />

ser esta: aquele a quem se<br />

considera, ama-se e estima-se por<br />

amor a Deus. O restante não é senão<br />

egoísmo. Estimar alguém pela<br />

diversão que proporciona, ou<br />

pelas vantagens que concede, não<br />

é ser amigo. Pelo contrário, é ser<br />

egoísta.<br />

Alguém poderia objetar: “Os amigos<br />

que tenho são agradáveis, amáveis,<br />

e nunca me admoestam por nenhum<br />

defeito. Sempre se mostram<br />

com disposições de boa acolhida.<br />

Prefiro, portanto, estar com quem<br />

me seja agradável.”<br />

Perante tal afirmação, poderse-ia<br />

dizer: “É verdade. São estes<br />

os amigos que nunca corrigirão<br />

seus defeitos, e permitirão<br />

ademais sua completa decadência.<br />

Enfim, consentirão na sua perdição<br />

eterna. E quando não tiver<br />

utilidade alguma para eles, ainda<br />

o desprezarão. A isso você chama<br />

querer bem...?”<br />

Infelizmente, não eram raros os<br />

que possuíam esse equivocado conceito<br />

de amizade.<br />

“Alter Christus”<br />

Com os autênticos católicos, passa-se<br />

algo distinto. São amigos na<br />

medida em que partilham a mesma<br />

Fé Católica, Apostólica e Romana.<br />

Daí provém uma intensa união de<br />

mentalidades.<br />

Diferentes, mas não contrários,<br />

são os temperamentos e as psicologias<br />

dos diversos católicos: representam<br />

apenas um aspecto secundário<br />

em seu convívio. No con-<br />

21


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

S. Miyazaki<br />

vívio entre eles, o que há de mais<br />

importante é a Fé que possuem.<br />

Analisando-os, vê-se o varão observante<br />

dos Mandamentos e frequentador<br />

dos Sacramentos, que<br />

estima acima de tudo o caráter<br />

cristão que discerne em seus próximos.<br />

Desponta, então, uma diferença<br />

fundamental no modo de considerar<br />

a amizade: não é na admiração de<br />

uma qualidade comum a dois amigos<br />

que ela consiste, mas, principalmente,<br />

em uma semelhança com Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo.<br />

“Christianus alter Christus”; se é<br />

verdade que o cristão é um outro<br />

Cristo, nada há de mais gratificante<br />

A amizade não<br />

consiste na admiração<br />

de uma qualidade<br />

comum a dois amigos,<br />

mas, principalmente,<br />

em uma semelhança<br />

com Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo.<br />

do que poder afirmar: “Ele é como<br />

outro Cristo, é meu irmão!”<br />

Na repreensão,<br />

o verdadeiro afeto<br />

Segundo o venerável Tomás de<br />

Kempis, a verdadeira amizade baseia-se<br />

no amor a Deus, tanto para<br />

quem estima, quanto para quem<br />

é estimado. Deste modo, quando se<br />

progride na vida espiritual, não há<br />

ninguém mais alegre do que o verdadeiro<br />

amigo. Porém, quando se verifica<br />

uma decadência, não há ninguém<br />

mais temeroso.<br />

O verdadeiro amigo tem por<br />

obrigação recorrer aos menores indícios,<br />

examinar os mais peculiares<br />

aspectos, com o objetivo de prestar<br />

algum auxílio no momento de dificuldade.<br />

Indicando os devidos cuidados<br />

a serem tomados, como também<br />

as precauções a serem observadas,<br />

ele o repreende a fim de que<br />

seu companheiro não venha a soçobrar.<br />

Contudo, muitas vezes tais conselhos<br />

são ouvidos com ressentimento,<br />

pois atingem diretamente o amorpróprio.<br />

Assim, por mais que a retribuição<br />

pelo auxilio prestado seja o<br />

ressentimento, a consciência permanecerá<br />

em paz, pelo bem que foi realizado.<br />

Aquele que admoeste ao próximo,<br />

não pelo descabido desejo de corrigir<br />

continuamente — que é a mais vil<br />

das vaidades —, mas com o sincero<br />

desejo de estimular o progresso espiritual,<br />

pode-se considerar como verdadeiro<br />

amigo.<br />

A Sagrada Escritura afirma sabiamente:<br />

“Repreende o justo e ele<br />

te amará.” Quem possui a Sabedoria,<br />

quando corretamente repreendido,<br />

torna-se agradecido sem jamais<br />

guardar qualquer ressentimento.<br />

Ao contrário, quem se lamenta<br />

por ser admoestado, não possui a<br />

Sabedoria, pois na repreensão é que<br />

se mostra o valor do homem.<br />

22


Davi é repreendido pelo profeta Natã -<br />

Catedral de Colônia, Alemanha.<br />

S. Hollmann<br />

Advertência,<br />

mais valiosa<br />

que a congratulação<br />

Demonstrar afeto na repreensão<br />

é inteiramente cabível. Todavia, afirmar<br />

que é sobretudo na repreensão<br />

que se demonstra a estima, é dificultoso<br />

acreditar.<br />

Porém, mais do que se empenhar<br />

em mostrar-se alegre ou agradável,<br />

o verdadeiro amigo deve ansiar ser<br />

útil para a salvação de seu próximo.<br />

Obviamente, alegrar-se-á com o progresso<br />

daquele a quem deseja o bem.<br />

Contudo, alguém pode progredir sem<br />

que necessariamente o elogiem; mas,<br />

se está retrocedendo, caso não lhe seja<br />

apontada sua decadência, ele não<br />

Quem possui a<br />

Sabedoria, quando<br />

corretamente<br />

repreendido, tornase<br />

agradecido<br />

sem jamais<br />

guardar qualquer<br />

ressentimento.<br />

prosseguirá em<br />

seu processo?<br />

A palavra de advertência tornase<br />

evidentemente mais valiosa do<br />

que a de congratulação.<br />

Por isso Nossa Senhora concedeu<br />

ao venerável Tomás de Kempis palavras<br />

cheias de unção, para admoestar<br />

seus irmãos. Também a outros<br />

Ela poderá confiar essa edificante<br />

missão.<br />

Tanto os que corrigem, quanto os<br />

que são corrigidos, que Ela auxilie e<br />

proteja nas vias da virtude, rumo à<br />

glória no Céu.<br />

v<br />

(Extraído de conferências<br />

de 30/8/1968 e 5/4/1986)<br />

23


O elevado olhar teológico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

O Juízo Final<br />

e a trama<br />

da História<br />

Como será o Juízo Final?<br />

Cogitando a este respeito, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

aponta a relação existente entre o<br />

conjunto dos homens, a influência<br />

angélica na História e — no centro<br />

de tudo — a vida terrena de Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo.<br />

24


Afim de entendermos Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo enquanto<br />

Rei, Profeta e Pontífice,<br />

convém fazer uma espécie de ligação<br />

entre a História e o Juízo Final.<br />

Procuremos focalizar a cena do<br />

Juízo Universal, não de maneira puramente<br />

pictórica, figurativa, mas<br />

dando-lhe tanta realidade quanto<br />

possível, saindo da mera imaginação<br />

artística.<br />

Os cojuízes<br />

Creio que não devemos imaginar<br />

o Juízo à maneira terrena, onde<br />

Deus Nosso Senhor julga cada pessoa<br />

que desfila diante d’Ele, e todas<br />

as outras figuras permanecem mudas,<br />

não sabendo bem o que fazem<br />

dentro da cena. Isso não exprime a<br />

realidade inteira do Juízo Final.<br />

Diz Nosso Senhor aos Apóstolos:<br />

“Em verdade vos digo: no dia da renovação<br />

do mundo, quando o Filho<br />

do Homem estiver sentado no trono<br />

da glória, vós, que me haveis seguido,<br />

estareis sentados em doze tronos<br />

para julgar as doze tribos de Israel.” 1<br />

Como podemos nos representar essa<br />

cena?<br />

Nunca tive tempo de estudar isso;<br />

pensando de cá e de lá, elaborei<br />

algumas idéias que coloco evidentemente<br />

à apreciação da Teologia, do<br />

Magistério da Igreja. É provável que<br />

precisem ser retocadas em algum<br />

ponto; meu objetivo não é o de fixarme<br />

em pormenores, mas elaborar<br />

uma linha geral. Queira Deus que,<br />

pelo menos nessa linha geral, esteja<br />

tudo inteiramente certo.<br />

A História da salvação<br />

A linha geral é a seguinte: não devemos<br />

imaginar o Juízo como se nele<br />

fossem julgados apenas indivíduos,<br />

pois os atos que praticamos estão<br />

dentro da trama da História. Qualquer<br />

ação individual, por pequena<br />

que seja, atinge de algum modo a<br />

História, repercutindo na salvação<br />

ou na perdição de muitos<br />

homens.<br />

Assim, cada ação tem,<br />

além do individual, um alcance<br />

maior, de ordem coletiva.<br />

Quer dizer, deve ser considerada<br />

como elemento de uma<br />

grande batalha.<br />

Nossa própria luta individual<br />

não é apenas para fixação de<br />

nosso destino, mas um elemento<br />

da batalha entre Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo e Satanás, para a conquista<br />

das almas. E, no plano de Deus, esta<br />

conquista não é somente individual,<br />

mas trata-se de preencher — com as<br />

almas conquistadas — os tronos deixados<br />

vazios pelos anjos rebeldes. Tenho<br />

a impressão de que o julgamento<br />

deve dar‐se no contexto dessa batalha.<br />

Quer dizer, o julgamento individual<br />

constitui um elemento dentro<br />

dessa cena, mas não posso imaginar<br />

que seja só isso.<br />

Deus, centro da História<br />

Outro ponto essencial a considerar:<br />

a Lei de Deus que devemos observar<br />

tem fundamento na realidade<br />

metafísica, e possui uma beleza de<br />

caráter estético.<br />

No dia do Juízo Final o pecado<br />

que uma pessoa cometeu, por<br />

exemplo, insultando gratuitamente<br />

outra na rua, não será visto apenas<br />

enquanto consistindo uma injustiça<br />

praticada pela primeira contra a<br />

segunda; o caráter preponderante é<br />

a Lei que ela transgrediu, Deus enquanto<br />

insultado, e a ordem profunda<br />

dos fatos traumatizada pela atitude<br />

que tomou.<br />

Tudo será considerado em função<br />

do Absoluto, portanto de Deus,<br />

de Nosso Senhor Jesus Cristo, Pontífice,<br />

Rei e Profeta; poderíamos analisar<br />

como o pecado atinge cada um<br />

desses atributos, e [influencia] no<br />

conjunto da batalha.<br />

A ressurreição dos mortos -<br />

Museu de Cluny, Paris.<br />

Dessa forma, o menor pecado, como<br />

o menor ato de virtude, praticados<br />

nesta Terra, são vistos nesse contexto.<br />

Então, o Juízo Final é o julgamento<br />

que, devido às nossas limitações<br />

humanas, precisamos imaginar à<br />

maneira de um filme simultâneo de<br />

todas as ações, desde o começo até<br />

o fim do mundo, praticadas e vistas<br />

nessa perspectiva.<br />

Nada faz tanto bem ao senso moral<br />

do que ter isto diante dos olhos.<br />

Compreendo que esse quadro complicado<br />

não pode ser apresentado<br />

numa aula de catecismo; entretanto,<br />

dever-se-ia encaminhar os alunos<br />

para que possam depois entendê-lo,<br />

deixando umas pontas de trilho para<br />

explicá-las posteriormente.<br />

Creio que para dar aos acontecimentos<br />

essa morfologia, deve-se ter<br />

como centro a vida terrena de Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo e, depois, a História<br />

da Igreja.<br />

Crescendo em graça<br />

e santidade<br />

Recordo aqui uma teoria — seria<br />

preciso ver que fundamento tem na<br />

25


O elevado olhar teológico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

M. Shinoda<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> na década de 80.<br />

Teologia, mas julgo que alguma base<br />

possui, e não pequena — de que<br />

todos os fatos dessa luta são, em algum<br />

sentido, desdobramentos da batalha<br />

que Nosso Senhor teve em sua<br />

vida terrena.<br />

Lançarei agora uma hipótese para<br />

que seja discutida, ventilada e, desde<br />

já, estou pronto e com entusiasmo a<br />

ser retificado em nome da Igreja:<br />

Pela afirmação de que Nosso Senhor<br />

ia crescendo em graça e santidade<br />

perante Deus e os homens, entende-se<br />

que Ele tinha inteligência,<br />

vontade e sensibilidade na sua Humanidade<br />

Santíssima. Condicionado<br />

às várias idades pelas quais passava<br />

— não se sabe qual era o regime<br />

de revelações da Divindade com<br />

a Humanidade —, em sua Humanidade<br />

Ele ia aos poucos meditando,<br />

pensando, tendo em vista a situação<br />

do mundo, a História da salvação e<br />

até a própria Escritura. E a oração<br />

no Horto foi o ápice dessa cogitação.<br />

Percebe‐se — isso é tão santo —<br />

haver algo de verdadeiro nessa hipótese,<br />

e me agrada muito em meditar<br />

dessa forma.<br />

A mim me deslumbra considerar<br />

a natureza humana d’Ele crescendo<br />

e até recebendo revelações da própria<br />

Divindade, num regime interno<br />

de relações que é insondável, transcende<br />

a toda cogitação. Porque Ele<br />

se sabia Homem‐Deus, desde o primeiro<br />

instante de seu Ser. E, portanto,<br />

Rei, Profeta e Pontífice, conhecendo<br />

essa tríplice vocação ainda em<br />

criança. É lindíssimo cogitar como<br />

tudo isto foi evoluindo.<br />

Ele, com trinta e três anos, viveu<br />

todas as idades. Tudo quanto se poderia<br />

deduzir desse crescer do pensamento<br />

d’Ele é uma coisa fabulosa!<br />

Tenho impressão de que a linha geral<br />

da História é o crescer da Igreja<br />

até chegar aos últimos tempos, à sua<br />

perfeição final.<br />

Assim como Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo cresceu em graça e santidade até<br />

chegar o momento do consummatum<br />

est, também a Igreja vai crescendo.<br />

O acontecer humano não<br />

se cifra à mera “vidinha”<br />

À direita, o “Juízo final” - Notre<br />

Dame, Paris; abaixo, Pórtico do Juízo<br />

Final - Catedral de Amiens, França.<br />

Assim, todas as ações são, no fundo,<br />

julgadas capitalmente segundo<br />

esse nexo.<br />

Quer dizer, o Juízo Final é nesse<br />

ponto diferente do Juízo pessoal,<br />

que toma o indivíduo particularmente.<br />

A finalidade daquele é julgar os<br />

homens em conjunto, creio que para<br />

tornar sensível essa trama coletiva<br />

do acontecer humano, e promulgar<br />

solenemente as punições individuais<br />

que, postas no seu conjunto, são<br />

uma réplica nesse acontecer.<br />

Tenho impressão de que isso<br />

acentua muito a verdadeira finalidade<br />

da vida humana: o homem nasce<br />

para entrar nessa luta e ter nela o<br />

seu papel, nesse quadro. Se ele procura<br />

apenas salvar a sua própria alma<br />

— abstraindo ou sendo indiferente<br />

a esse quadro —, sua vida não<br />

corresponde ao próprio fim; isto é<br />

próprio do “heresia branca” 2 .<br />

Afirmou São Paulo: “...tornamonos<br />

um espetáculo para o mundo,<br />

para os anjos e a humanidade”. 3 Ou<br />

seja, todo o acontecer humano não<br />

se cifra à minha vidinha, pois o Céu<br />

está vendo essa luta continuamente.<br />

S. Hollmann<br />

S. Hollmann<br />

26


Sem compreender isso, não há vida<br />

espiritual bem levada, a meu ver.<br />

Mesmo a expressão muito boa “lutemos<br />

pela salvação das almas”, precisa<br />

ser vista com essa profundidade.<br />

Nosso Senhor agiu em sua vida<br />

terrena e continua atuando no Céu,<br />

como Cabeça do Corpo Místico, e o<br />

grande lutador até o fim do mundo é<br />

fundamentalmente Ele.<br />

Reversibilidade, luta dos<br />

anjos e dos homens<br />

“Em verdade vos digo:<br />

no dia da renovação<br />

do mundo, quando<br />

o Filho do Homem<br />

estiver sentado no<br />

trono da glória, vós<br />

estareis sentados em<br />

doze tronos para<br />

julgar as doze tribos<br />

de Israel.”<br />

Por causa da reversibilidade existente<br />

em toda a Criação, devemos<br />

imaginar que há uma analogia entre<br />

a luta dos anjos e essa.<br />

Os anjos nos ajudam, os demônios<br />

nos tentam, a mesma batalha<br />

continua. A esse título, cantar-se-á<br />

no dia do Juízo Final a glória de uns<br />

e se execrará a torpeza de outros, pela<br />

parte que tiveram no que na Terra<br />

se passou.<br />

Há aqui uma coisa para a qual<br />

nunca encontrei explicação e que<br />

enuncio apenas colateralmente: lanha-me<br />

a idéia de uma luta de anjos<br />

que não tem nada a ver com a da<br />

Terra. Essas reversibilidades me são<br />

essenciais.<br />

Sei que os anjos não podem mais<br />

crescer em mérito, e os demônios em<br />

culpa; mas eles fazem incontáveis<br />

coisas, respectivamente boas e más,<br />

ao longo desse tempo. E como a seu<br />

modo toda boa ação recebe um prêmio,<br />

e toda má ação um castigo, a intervenção<br />

deles nessa luta já deve ter<br />

sido premiada ou punida antes.<br />

Em algo eles participam das glórias<br />

dos vencedores ou da vergonha<br />

dos derrotados. Então, a esse título,<br />

toda a Criação entra no Juízo Final.<br />

Mais ainda, no fim do mundo,<br />

creio que serão lançadas no inferno<br />

todas as sujeiras da Terra, a qual ficará<br />

rebrilhando, repleta de ordem.<br />

Coruscar simultâneo ou<br />

sucessivo do Juízo Final<br />

Para compreendermos o sentimento<br />

que todos os bons terão em<br />

conjunto, no Juízo Final, consideremos<br />

um episódio qualquer, no<br />

qual se faça justiça. Por exemplo, o<br />

pai ou a mãe que dão algum presente<br />

ao filho bom, e castigam o<br />

outro ruim.<br />

Uma outra criança, que não tem<br />

nada a ver com o fato, assiste a cena<br />

e é tomada de uma profunda solidariedade<br />

com o ato de justiça:<br />

possui uma alegria, a qual não é a<br />

da criança que ganhou o brinquedo,<br />

mas uma alegria em estado de<br />

néctar.<br />

Teríamos, então, que imaginar as<br />

duas alegrias juntas: a do indivíduo<br />

que se sente posto na ordem universal,<br />

com a punição do mal, e, acima<br />

disso, a alegria por causa de Deus,<br />

que castigou. Esta é a melhor, o néctar.<br />

Se o Juízo fosse simultâneo, num<br />

só instante haveria um imenso hosanna<br />

de todos os bons; se sucessivo,<br />

um mar de deleites para os justos,<br />

vendo que em todas as coisas foram<br />

postos os pingos nos is. Tudo isso<br />

nos dá uma idéia do gáudio que os<br />

bons teriam.<br />

Compreendo que pode haver, no<br />

domínio ascético, certo risco de se<br />

entregar a essas considerações, porque<br />

facilmente o elemento inferior<br />

pode prevalecer sobre o superior.<br />

Mas desde que se faça isso ordenadamente,<br />

não existe esse perigo.<br />

O elemento inferior, que é legítimo,<br />

entra também; porque do contrário<br />

somos introduzidos um pouco<br />

na ordem dos fantasmas, do irreal.<br />

Precisamos compreender que entra<br />

a realidade global, para nos sentirmos<br />

atraídos por inteiro.<br />

Assim, poderíamos entender o coruscar<br />

simultâneo ou sucessivo do<br />

Juízo Final.<br />

v<br />

Continua no próximo número...<br />

(Extraído de conferência<br />

de 8/12/1982)<br />

1) Mt 19,28.<br />

2) Expressão metafórica criada por <strong>Dr</strong>.<br />

<strong>Plinio</strong> para designar a mentalidade<br />

sentimental que se manifesta na piedade,<br />

na cultura, na arte, etc. As pessoas<br />

por ela afetadas se tornam moles,<br />

medíocres, pouco propensas à<br />

fortaleza, assim como a tudo que signifique<br />

esplendor.<br />

3) 1Cor 4,9.<br />

27


De Maria Nunquam Satis<br />

Assunção de<br />

Nossa Senhora<br />

Quem seria capaz de imaginar a grandeza da<br />

Assunção de Nossa Senhora?<br />

Imaginando como seria a reação dos apóstolos ali<br />

presentes, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> procura recompor<br />

tão grandiosa cena.<br />

Fotos: G. Kralj, V. Toniolo<br />

Hoje se comemora a Assunção<br />

de Nossa Senhora, festa<br />

de todos os gáudios, do<br />

dia em que Nossa Senhora, ressurrecta,<br />

tendo abandonado sua condição<br />

mortal, sobe aos Céus levada pelos<br />

anjos. O Céu inteiro participou<br />

desta alegria.<br />

Que reflexão convém fazer a respeito<br />

da Assunção de Maria Santíssima?<br />

“Onde está o lugar<br />

para minha Mãe?”<br />

Imaginemos a noite de Natal. Ela<br />

continha um néctar, uma poesia, um<br />

encanto, propiciando um discernimento<br />

de espíritos por onde todo o<br />

mundo de certo modo sentia e conhecia<br />

a graça de Deus, pela qual<br />

Cristo descia como um orvalho do<br />

mais alto do Céu, ou seja, do claustro<br />

sacratíssimo de Nossa Senhora,<br />

e, sem transgredir a virgindade intacta<br />

e ilibada da Mãe, entrava nesta<br />

Terra. A Virgem teve um Filho e a<br />

Terra se extasiou.<br />

É realmente uma maravilha.<br />

Mas depois acontece outra maravilha.<br />

É a obra-prima da Criação que vai<br />

entrar no Céu. O que houve no reino<br />

do criado de mais alto foi a humanidade<br />

santíssima de Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo. Ele<br />

foi o primeiro a entrar no<br />

Paraíso, e no seu sulco foram<br />

as miríades de almas<br />

que estavam no<br />

limbo. Nunca teremos<br />

uma idéia suficiente<br />

nesta Terra a respeito<br />

da glória inimaginável<br />

da entrada de Nosso<br />

Senhor no Céu.<br />

Somos incapazes<br />

não só de descrever,<br />

mas de imaginar<br />

o que se passara<br />

28


Ao fundo, Assunção de Maria<br />

- Pinacoteca dos Museus<br />

Vaticanos, Roma. Abaixo, à<br />

direita , A coroação de Maria<br />

- Museu Capitolini, Roma; à<br />

esquerda, detalhe de Assunção<br />

- Museu Capitolini, Roma.<br />

29


De Maria Nunquam Satis<br />

S. Miyazaki<br />

no Tabor, quando o Divino Salvador<br />

ali foi glorificado. Pois bem, ao entrar<br />

no Paraíso, sua glória era incomparavelmente<br />

maior que a manifestada<br />

no Tabor. E a alegria dos habitantes<br />

do Céu não pode ser comparada<br />

com a dos que estavam no monte,<br />

vendo Nosso Senhor transfigurado,<br />

e pediam para fixar umas tendazinhas<br />

permanentemente.<br />

E, no esplendor do Céu, tendo<br />

festejado na sua humanidade o encontro<br />

com o Pai e com o Espírito,<br />

depois de tomar gloriosamente assento<br />

— sua natureza divina nunca<br />

deixou o Céu —, por assim dizer, seu<br />

pensamento deve ter sido: Onde está<br />

o lugar para minha Mãe?<br />

Imagino que Ele, então, começou<br />

a preparar tudo para o dia da Assunção<br />

de sua Mãe. Porque, depois da<br />

Ascensão, a maior festa do Céu foi<br />

inegavelmente a Assunção, durante<br />

a qual se poderia dizer que todo<br />

o universo estava numa alegria especial.<br />

Explicitação das glórias<br />

existentes em Maria<br />

Os Apóstolos, certamente, ficaram<br />

desolados com aquilo que a Igreja<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> durante uma<br />

conferência nos anos 80.<br />

S. Hollmann<br />

Dormição da Santíssima Virgem<br />

Maria - Museu do Prado, Madri.<br />

— mestra de todas as delicadezas —<br />

chama “dormitio Beatae Mariae Virginis”,<br />

a dormição da Santíssima Virgem<br />

Maria. Em português a palavra<br />

“dormição” não existe, exceto para se<br />

referir à morte de Nossa Senhora, a<br />

qual foi leve como um sono.<br />

Logo depois da dormição, os<br />

Apóstolos, ainda desolados, veem<br />

Maria Santíssima que ressurge.<br />

Imaginemos que a Assunção tenha<br />

ocorrido no próprio Tabor.<br />

Julgo que toda a glória existente<br />

em Maria Santíssima começou, então,<br />

a manifestar-se aos presentes,<br />

como outrora sucedera com Nosso<br />

Senhor no alto daquele mesmo monte.<br />

Todas as bondades, toda a suavidade,<br />

soberania, todo o domínio,<br />

atrativo, a virginal intransigência e<br />

firmeza, n’Ela se afirmavam de um<br />

modo esplêndido, e iam misteriosamente<br />

reluzindo e acentuandose.<br />

Tenho a impressão de que, quando<br />

isto se iniciou, as pessoas ali presentes<br />

lançaram exclamações, depois<br />

começaram a cantar e, por fim, o<br />

canto foi morrendo e, se assim se<br />

pudesse dizer, passou a zumbir,<br />

mas zumbir celestialmente, o silêncio<br />

de quem já não ousava<br />

dizer nada.<br />

Até certo momento<br />

as pessoas ainda se entreolhavam;<br />

depois, como<br />

que esquecendo haver<br />

outros perto delas, só<br />

olhavam para Nossa Senhora,<br />

a qual não cessava<br />

30


de manifestar sucessivamente quintessências<br />

de Si mesma. E tinham a<br />

impressão de que não era a Santíssima<br />

Virgem que ia subir, mas o céu<br />

desceria até Ela. Dir-se-ia que a cúpula<br />

celeste estava se tornando cada<br />

vez mais baixa e, se alguém estendesse<br />

a mão, tocaria com os dedos<br />

no azul!<br />

Certamente, a isto correspondeu,<br />

em determinado momento, uma<br />

sensação de tal veneração e inferioridade,<br />

mas ao mesmo tempo de tal<br />

intimidade, que cada um sentia Nossa<br />

Senhora dentro da própria alma,<br />

tão meiga, afagante, recomponente,<br />

tonificante, reparadora, e Mãe.<br />

“Embebidos” de<br />

Nossa Senhora...<br />

Os Apóstolos,<br />

certamente, ficaram<br />

desolados com aquilo<br />

que a Igreja —<br />

mestra de todas as<br />

delicadezas — chama<br />

“dormitio Beatae<br />

Mariae Virginis”,<br />

a dormição da<br />

Santíssima Virgem<br />

Maria.<br />

Algo de muito profundo operouse<br />

nas almas, onde a palavra de Deus<br />

penetra como um gládio com dois<br />

gumes. Ora, se lá entra a palavra de<br />

Deus, por que não penetraria o afeto<br />

da Mãe de Deus? E então todos<br />

se sentiam como que embebidos de<br />

Nossa Senhora, à maneira de um papel<br />

sobre o qual se põe azeite perfumado,<br />

e já não sabiam mais o que dizer.<br />

Em certo momento, começam<br />

os ares a se mover e os ventos como<br />

que a tomar formas que flutuam<br />

de um modo singular; definem-se figuras<br />

angélicas em torno de Maria<br />

Santíssima e o céu se revela sucessivamente<br />

cheio de anjos que cantam.<br />

Ela havia chegado ao auge de seu esplendor,<br />

mas, para mostrar que supera<br />

todos os anjos, o aumenta ainda<br />

mais até o indizível, de maneira que<br />

os próprios anjos se tornam pálidos,<br />

em comparação com Nossa Senhora.<br />

Os presentes acompanham com<br />

exclamações e não percebem que<br />

Ela perdeu toda a proporção com a<br />

Terra; é a hora da despedida...<br />

Maria Santíssima começa a mover-se,<br />

a olhá-los com um afeto, procurando<br />

transpor uma distância cada<br />

vez maior, e eles sentem que a separação<br />

está acontecendo. E ao mesmo<br />

tempo se entristecem e se alegram,<br />

choram e se extasiam, sentem-se no<br />

Céu e na Terra do exílio. Eles vão<br />

prestando atenção nos anjos, devido<br />

a seus cantos cada vez mais indizivelmente<br />

belos.<br />

Em certo momento, eles verificam<br />

que Nossa Senhora tinha desaparecido<br />

no vértice dos anjos, os<br />

quais revoam e cantam mais algum<br />

tanto para consolá-los. Depois vão<br />

sumindo gradualmente...<br />

Eles percebem, então, que estavam<br />

juntos, começam a se olhar e<br />

ficam quietos. De repente, um diz:<br />

“Vamos para casa?” E outro responde<br />

com voz suave: “Sim, pois já é tarde!”<br />

E começam a descer o Tabor.<br />

Caminhando, conversam entre si:<br />

“Lembra-se de tal coisa? Daquela<br />

cena? De tal outra beleza?” Quando<br />

dão acordo de si, estão todos cantando.<br />

E, ao se despedirem, eles se perguntam:<br />

“Quando nos reencontraremos<br />

para continuar relembrando<br />

aquelas maravilhas?” E comentam:<br />

“Há um modo de nos encontrarmos:<br />

sermos todos consoantes com Maria<br />

Santíssima. Ela estará conosco, e onde<br />

está Ela está Nosso Senhor.”<br />

Como veem, não ousei descrever<br />

Nossa Senhora, mas sim a reação daqueles<br />

que olhavam para Ela. Não<br />

acredito que alguém tenha — pelo<br />

menos, não sinto em mim — talento<br />

ou capacidade para descrevê-La em<br />

sua totalidade. Quem julga possuílos,<br />

se engana.<br />

Lembro-me do expediente empregado<br />

por Dante Alighieri no canto<br />

último da Divina Comédia. Depois<br />

de ter percorrido todo o Céu,<br />

ele se apresenta a Deus, mas não ousa<br />

olhar para o Lumen Incriado, que<br />

está brilhando. Então volta sua vista<br />

para Nossa Senhora e, nos olhos<br />

d’Ela, ele vê o lumen de Deus. E,<br />

com o famoso hino final à Santíssima<br />

Virgem, Dante termina a Divina<br />

Comédia. Assim, é justo que olhemos<br />

para as almas daqueles que viram<br />

Nossa Senhora subir ao Céu,<br />

para vermos o reflexo d’Ela. v<br />

(Extraído de conferência<br />

de 15/8/1980)<br />

31


Luzes da Civilização Cristã<br />

Fotos: F. Lecaros / M. Ferreira / G. Kralj / D. Domingues<br />

Onde está o auge do<br />

esplendor: na forma<br />

ou na cor? - II<br />

Após séculos de esplendor, de feeria de formas e<br />

cores, como foi possível abandonar o gótico em favor<br />

de outros estilos? Entretanto, apesar de relegado a<br />

segundo plano em favor do estilo clássico, das ruínas<br />

do Ancien Régime ressurgiu a arte gótica.<br />

As considerações que fizemos<br />

sobre a forma, a cor, em<br />

síntese, sobre o estilo gótico<br />

existente na Catedral de Orvieto,<br />

nos levam a analisar algo colateral,<br />

mas que também possui grande<br />

importância para a História: Como<br />

explicar que, em determinado momento,<br />

as almas se tornaram de tal<br />

maneira incompreensíveis para com<br />

o gótico, que durante séculos não se<br />

Muitas das obras clássicas revelam<br />

incontestável talento — seria errado<br />

não reconhecê-lo —, mas também<br />

demonstram, de modo espantoso,<br />

uma falta de piedade sob vários<br />

aspectos. Como realizaram todas essas<br />

coisas que parecem ignorar completamente<br />

as impressionantes obras<br />

da arquitetura medieval?<br />

Tudo quanto a Idade Média realizara<br />

em matéria de arte estava esconstruíram<br />

mais edifícios nesse estilo?<br />

Mais ainda, ergueram-se incontáveis<br />

igrejas, mosteiros, abadias,<br />

edifícios públicos, residências particulares<br />

em estilo clássico, com os<br />

antigos arcos em semicírculo ou<br />

a linha reta dos pórticos, porém<br />

nunca em estilo gótico, o qual permaneceu<br />

esquecido durante séculos.<br />

32


Nas páginas desta seção:<br />

diversos aspectos da arte gótica.<br />

quecido em favor das figuras nada<br />

combativas, ou sérias, apresentadas<br />

pela Renascença.<br />

Havendo um caminho tão bem<br />

trilhado por medievais de inegável<br />

gênio, como os grandes da Renascença<br />

não pensaram em continuálo?<br />

E tenham revolvido o pó das ruínas<br />

clássicas, arrancadas debaixo da<br />

terra, ou esqueléticas em sua superfície,<br />

e restaurado uma antiguidade<br />

que o Cristianismo havia de muito<br />

superado?<br />

Qual é o estado de espírito de<br />

quem, passando diante de edifícios<br />

góticos, não se encanta, mas<br />

se desvanece de admiração para<br />

com os monumentos da era clássica?<br />

Sem negar de forma alguma a<br />

Tudo quanto a Idade Média<br />

realizara em matéria de arte<br />

estava esquecido em favor<br />

das figuras nada combativas<br />

ou sérias, apresentadas<br />

pela Renascença. Como<br />

realizaram-se tais obras<br />

que parecem ignorar a<br />

arquitetura medieval?<br />

beleza dos monumentos da Renascença,<br />

se compararmos uma com a<br />

outra...<br />

Das ruínas, um<br />

novo gótico<br />

O gótico, incontestável por sua<br />

beleza, permaneceu, entretanto, sepultado<br />

no esquecimento durante<br />

todo o período do Ancien Régime,<br />

período em que desabrochou a arte<br />

barroca.<br />

Suponhamos que houvesse nessa<br />

época alguns entusiastas pelo gótico<br />

em Orvieto, os quais começassem<br />

a fazer propaganda de sua catedral<br />

para que o povo a compreendesse,<br />

a amasse e passasse a produzir<br />

coisas em continuidade com<br />

o gótico, e não com o estilo renascentista.<br />

Eles procurariam os “medievalizáveis”<br />

em Orvieto, para à<br />

33


Luzes da Civilização Cristã<br />

O gótico, incontestável<br />

por sua beleza,<br />

permaneceu,<br />

entretanto, sepultado<br />

no esquecimento<br />

durante todo o período<br />

do Ancien Régime,<br />

enquanto desabrochava<br />

a arte barroca.<br />

noite, no reflexo do luar, comentar<br />

a igreja.<br />

Imaginemos que eles organizassem<br />

um apostolado de difusão, de<br />

simpatia por esse estilo e, ao cabo<br />

de alguns anos de trabalho, conseguissem,<br />

em Orvieto, cinquenta<br />

pessoas entusiasmadas pela catedral,<br />

e mais umas mil com simpatia<br />

por ela. E todos a olhassem<br />

com uma saudade sonolenta e risonha:<br />

“É mesmo bonita, não é?”<br />

Explode a Revolução Francesa.<br />

Aproxima-se o Diretório, surge Napoleão,<br />

não obstante volta a realeza<br />

S. Miyazaki<br />

34


York, a Basílica de Quebec, como<br />

também a própria Catedral<br />

de São Paulo, e quantas igrejas,<br />

ainda que pequenas, com<br />

reminiscências góticas, em terras<br />

onde, durante a Idade Média,<br />

só havia índios!<br />

Ainda um último<br />

aspecto<br />

na pessoa dos Bourbons, e a História<br />

continua seu curso. Entretanto,<br />

por coincidência ou não,<br />

pela Europa inteira começa a renascer<br />

o gosto pelo gótico.<br />

O Conselho de Estado de<br />

Luís XVI havia decretado o arrasamento<br />

da Catedral de Notre-Dame,<br />

para fazer ali uma<br />

igreja em estilo grego, como<br />

digna de ser a catedral de Paris;<br />

pois julgavam o gótico indigno<br />

para tal.<br />

Passando pelo palco da História<br />

as figuras de Robespierre,<br />

Danton, Marat, ouvindo-se nos<br />

gongos do passado o “Ça ira”,<br />

“La carmagnole”, a “Marseillaise”,<br />

o troar dos canhões de Napoleão<br />

a derrubar coisas veneráveis<br />

pela Europa inteira, e eis<br />

que das ruínas emerge um estado<br />

de alma simpático ao gótico!<br />

Assistimos, então, à restauração<br />

de inúmeros monumentos<br />

góticos, e os estudos desse estilo<br />

florescerem. Edifícios góticos se<br />

constroem, não só na Europa,<br />

mas na América, como a Catedral<br />

de Saint Patrick, em Nova<br />

Vista de lado, percebe-se sob<br />

outro ângulo o esplendor da fachada,<br />

um pouco menos vistoso,<br />

pois a luz dos mosaicos não incide<br />

tão diretamente sobre quem<br />

está olhando. Por isso, possui<br />

uma forma de pulcritude, que<br />

não é a evidência viçosa, mas a<br />

discrição nobre do belo, o qual<br />

não se proclama, mas se insinua.<br />

Essa forma de beleza tem o encanto<br />

do que é insinuado, enquanto a outra<br />

possui o esplendor do que é proclamado.<br />

Nas fotografias da Catedral de<br />

Orvieto, sempre há algo que nos<br />

chama a atenção: elas procuram isolar<br />

a catedral completamente do<br />

contexto. Isso é inteiramente compreensível,<br />

pois ela não permite vizinhança,<br />

exceto de outros edifícios<br />

também em estilo gótico.<br />

Pode-se ter uma pequena idéia<br />

disso, considerando como os edifícios<br />

que existem à sua volta são<br />

mesquinhos, e até depreciados em<br />

relação à catedral. A catedral, como<br />

que, diz a eles: “Vós me ignorais?<br />

Mais ainda eu vos ignoro! Se<br />

não me quereis olhar e reconhecer<br />

minha beleza, ela aqui está de pé<br />

para vos julgar. Um dia prestareis<br />

conta ao Juiz eterno, deste estado<br />

de alma que está no fundo de vós.<br />

Quanto a mim, minha conversa é<br />

com o sol, com as estrelas e com<br />

Deus!”<br />

v<br />

(Extraído de Conferência<br />

de 23/1/1981)<br />

35


Vossos olhos<br />

misericordiosos a nós volvei<br />

Nossa Senhora da<br />

misericórdia - Igreja<br />

do Santíssimo<br />

Sacramento,<br />

Cracóvia (Polônia).<br />

G. Kralj<br />

C<br />

om um olhar de recriminação, mas cheio de misericórdia, Nosso Senhor converteu São Pedro.<br />

Também Nossa Senhora tem olhos de misericórdia, e um olhar seu pode salvar-nos.<br />

Este é o sentido da Salve-Rainha: Olhai a miséria de nossa situação, atendei a penúria<br />

em que estamos. Tende pena de nós, Vós que sois nossa advogada.<br />

É preciso pedirmos, invocarmos, insistirmos que estes olhos se voltem para nós.<br />

(Extraído de conferência de 24/5/1965)

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