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Publicação Mensal Ano XIII - Nº <strong>144</strong> Março de 2010<br />
Despretensão e apostolado
São Domingos<br />
Sávio. Basílica de<br />
Maria Auxiliadora -<br />
Turin, Itália<br />
V. Domingues<br />
Alegre apóstolo da seriedade<br />
Considerado a obra prima da educação Salesiana,<br />
Domingos Sávio, eminentemente piedoso e<br />
cumpridor de seus deveres, foi o grande discípulo<br />
de São João Bosco. Vivendo em fins do século XIX, doze<br />
anos de idade foram suficientes para demonstrar sua<br />
vida exemplar na prática das virtudes e na observância<br />
da Lei de Deus.<br />
Sendo uma época em que tomava livre curso o ateísmo<br />
e a anti-religiosidade, penetrando até mesmo na<br />
mentalidade e na formação das crianças, São Domingos<br />
foi um admirável apóstolo da seriedade. Mostrando<br />
uma sabedoria muito superior à sua idade provou<br />
possuir uma compreensão profundamente séria e sobrenatural,<br />
baseada na Fé, de tudo quanto devia realizar.<br />
Difundiu em torno de si uma atmosfera de compostura,<br />
seriedade e calma, que entretanto não fazia com<br />
que as crianças deixassem de serem autênticas, proporcionando<br />
um meio de reflexão e de compostura. Opondo-se,<br />
portanto, ao traço característico da Revolução na<br />
infância, que é a falta de educação e de cerimonial; que<br />
faz dos indivíduos, quando forem homens formados, os<br />
adversários de todas as tradições de um tempo em que<br />
se cultivava a seriedade e a cerimônia.<br />
(Extraído de conferência de 9/3/1973)<br />
2
Sumário<br />
Publicação Mensal Ano XIII - Nº <strong>144</strong> Março de 2010<br />
Ano XIII - Nº <strong>144</strong> Março de 2010<br />
Despretensão e apostolado<br />
Na capa, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
após uma de suas<br />
conferências para<br />
jovens participantes<br />
de seu movimento.<br />
Foto: S. Miyazaki.<br />
As matérias extraídas<br />
de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
— designadas por “conferências” —<br />
são adaptadas para a linguagem<br />
escrita, sem revisão do autor<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />
propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />
CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />
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Editorial<br />
4 O elemento dinâmico do apostolado<br />
Datas na vida de um cruzado<br />
5 Março de 1940:<br />
Presidente da Ação Católica<br />
Dona Lucilia<br />
6 Carinho brasileiro evitando castigos...<br />
O Santo do mês<br />
10 17 de Março: São Patrício<br />
Ardoroso devoto da Eucaristia<br />
16 Corpo, Sangue,<br />
Alma e Divindade...<br />
O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
20 A ordem natural e os Dez Mandamentos<br />
De Maria Nunquam Satis<br />
26 O mais doloroso adeus<br />
Preços da<br />
assinatura anual<br />
Comum . . . . . . . . . . . . . . R$ 90,00<br />
Colaborador . . . . . . . . . . R$ 130,00<br />
Propulsor . . . . . . . . . . . . . R$ 260,00<br />
Grande Propulsor . . . . . . R$ 430,00<br />
Exemplar avulso . . . . . . . R$ 12,00<br />
Serviço de Atendimento<br />
ao Assinante<br />
Tel./Fax: (11) 2236-1027<br />
“R-CR” em perguntas e respostas<br />
30 Revolução, filha do pecado<br />
Luzes da Civilização Cristã<br />
32 Homens-torre!<br />
Última página<br />
36 Que mãe dá uma serpente ao filho que lhe pede pão?<br />
3
Editorial<br />
O elemento dinâmico<br />
do apostolado<br />
N<br />
osso apostolado surtiu algum efeito? Houve almas que se afervoraram, mudaram suas vidas<br />
ou abandonaram as vias do pecado?<br />
Quantas vezes, ao empreender uma atividade apostólica, julgamos realizar grandes<br />
obras por ter formulado idéias acertadas, falado de forma atraente, escrito palavras sublimes...<br />
Contudo, nos esquecemos de um importante detalhe: “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me<br />
enviou não o atrair.” 1 Todo bem que possamos realizar, origina-se numa iniciativa do próprio Deus,<br />
o qual move as almas no sentido de estas aceitarem a virtude por Ele proposta.<br />
Da leitura da célebre obra de Jean-Baptiste Chautard (1858-1935), “A alma de todo o apostolado”,<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> hauriu valiosos ensinamentos com os quais formou seus jovens seguidores:<br />
“O livro de Dom Chautard, A alma de todo apostolado, mostra com extrema clareza que o apostolado<br />
praticado por quem procura atuar manifestando unicamente seus dotes pessoais, com desejo<br />
de atrair a admiração das pessoas ou adquirir influência e prestígio a propósito de sua ação apostólica,<br />
não conta com as bênçãos de Deus.<br />
“Sendo a ação apostólica fundamentalmente uma obra de Deus, o apóstolo não é senão um veículo<br />
da graça. Ora, Deus não a dá ao apóstolo vaidoso, de modo que a atuação deste resultará estéril.<br />
“Não tenhamos ilusão: se formos orgulhosos, nossas ações serão estéreis, pois, onde a graça de<br />
Deus não está presente, não existe verdadeiro apostolado.<br />
“Consideremos a loucura do apóstolo vaidoso: Pessoas que abandonaram tudo para entregar-se<br />
à vida apostólica sem ter fecundidade alguma... Haverá uma frustração pior do que esta? O homem<br />
vaidoso, orgulhoso, é um apóstolo fracassado. Fazer apostolado com vaidade é tão inócuo quanto<br />
desenvolver uma batalha de artilharia sem pólvora.<br />
“Se considerarmos um homem humilde, veremos nele um apóstolo perfeito; e, em seu apostolado,<br />
por vezes, resultados surpreendentes. De modo que se quisermos fecundidade em nosso apostolado,<br />
tratemos de fazê-lo exclusivamente por amor a Deus, sem desejo de aparecer diante dos outros,<br />
nem de ser importantes, mas considerando unicamente a causa de Nossa Senhora.<br />
“O apostolado seriamente conduzido exige esta renúncia completa. Procedendo assim, nosso<br />
apostolado será um canal de graças.”<br />
(Extraído de conferências de 13/9/1966 e 19/4/1967)<br />
1) Jo. 6,44.<br />
Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />
de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />
na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />
outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />
4
Datas na vida de um cruzado<br />
Março de 1940<br />
Presidente<br />
da Ação Católica<br />
Em onze de março de 1940, reunido o Clero<br />
da Arquidiocese de São Paulo, Sua Excelência<br />
Reverendíssima Dom José Gaspar<br />
de Affonseca e Silva, Arcebispo Metropolitano,<br />
anunciou a nomeação de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> como presidente<br />
da Junta Arquidiocesana da Ação Católica.<br />
Dias depois, em “O Legionário”, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
expôs o programa da nova Junta sob o lema: Ut<br />
omnes unum sint.<br />
Nomeada a primeira Junta Arquidiocesana<br />
da Ação Católica, natural é que os leitores do<br />
“Legionário” tenham curiosidade em conhecer<br />
seu programa.<br />
Nosso programa se resume em um lema que<br />
aceitamos com entusiasmo, porque nos é ditado<br />
pela própria natureza das coisas estabelecida<br />
pela Providência. É o dístico que se encontra no<br />
brasão de armas do Exmo. Sr. Arcebispo Metropolitano:<br />
“Para que todos sejam um”.<br />
O conhecimento mais elementar dos Santos<br />
Evangelhos mostra o ardor extremo com que<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo pedia para a Igreja,<br />
e recomendava aos fiéis, a união. Pode-se, mesmo,<br />
afirmar que poucas preces brotaram dos lábios<br />
divinos com ardor igual.<br />
A razão é simples, como deve ser concebida<br />
segundo a doutrina dos Santos Evangelhos, está<br />
no cerne da própria missão de Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo no mundo. Como Salvador, veio Ele<br />
restabelecer o vínculo de união da graça que estava<br />
partido desde o pecado original. E, ao mesmo<br />
tempo, unir na abundância exuberante das<br />
graças da Nova Aliança todos os fiéis entre si,<br />
recomendando-lhes que trabalhassem por unir a<br />
si todo o gênero humano, no aprisco único, sob<br />
o báculo do único Pastor. União do homem a<br />
Deus, dos fiéis à Igreja, dos filhos da Igreja entre<br />
si, e dos infiéis ao Corpo Místico de Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo, nisto se pode resumir a<br />
obra do Divino Salvador.<br />
No que me diz pessoalmente respeito, a primeira<br />
execução que devo dar ao lema do Exmo.<br />
Sr. Arcebispo é referente à minha união interior<br />
com Deus Nosso Senhor. Que a intensidade dos<br />
trabalhos não faça minguar mas, pelo contrário,<br />
crescer em mim a intensidade da vida interior,<br />
que minha piedade se torne mais ardente e minha<br />
vida de oração mais autêntica, eis a primeira<br />
de minhas preocupações, que menciono apenas<br />
para pedir, neste sentido, a tantas almas piedosas<br />
que lêem O Legionário, o apoio de suas orações.<br />
Porque se neste terreno não houver progresso,<br />
terei implicitamente traído a confiança<br />
de meu Pastor, tornando sem frutos reais e sem<br />
mérito diante de Deus meu apostolado.<br />
Essa união a Nosso Senhor tem como condição<br />
e como consequência necessária uma<br />
união cada vez maior com a Santa Igreja de<br />
Deus. Mas a Santa Igreja está muito longe de<br />
ser um ente abstrato. Estar unido à Igreja é<br />
estar unido ao Papa e ao Arcebispo, bem como<br />
a todas as demais autoridades eclesiásticas<br />
constituídas acima de mim. Estar unido à Autoridade<br />
é obedecer-lhe amorosamente, exatamente,<br />
fielmente. Errando-se com a autoridade,<br />
acerta-se. Acertando-se sem ela ou contra<br />
ela, erra-se...<br />
Unidos todos nós à Igreja, estaremos unidos<br />
entre nós. O conhecimento do que seja<br />
a Igreja, o amor à Igreja, obediente à Igreja,<br />
eis a medula de todo e qualquer programa de<br />
união.<br />
Sejamos um na oração, um na vida interior,<br />
um no modo de pensar, de sentir e de viver, e<br />
necessariamente seremos um na hora do combate.<br />
Esse grande exército, assim unido, poderá<br />
infundir terror no adversário e, o que é muito<br />
mais importante, atrair sobre si a abundância<br />
das bênçãos de Deus.<br />
(Extraído d’O Legionário de 17/3/1940)<br />
5
Dona Lucilia<br />
Carinho brasileiro<br />
evitando castigos...<br />
O entrelaçamento<br />
entre justiça e<br />
compaixão deve ser<br />
muito matizado,<br />
pois a compaixão<br />
tende a dominar<br />
a própria justiça.<br />
Narrando<br />
um fato ilustrativo<br />
da bondade dos<br />
antigos tempos,<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> recorda<br />
o “carinho<br />
brasileiro” de Dona<br />
Lucilia ao evitar<br />
um castigo que<br />
talvez entre outros<br />
povos não fosse<br />
possível impedir...<br />
No português falado no<br />
Brasil, a bondade é uma<br />
disposição de alma emotiva.<br />
Essa emocionalidade provém<br />
de um sentimento de afeto e de enternecimento,<br />
diante de alguma pessoa<br />
que sofra de qualquer carência, a<br />
qual, portanto, se encontra num certo<br />
estado de necessidade.<br />
A bondade é, nesse sentido, uma<br />
virtude pela qual, vendo-se outro sofrer<br />
por carência, participa-se desta<br />
Dona Lucilia.<br />
Arquivo revista<br />
6
dor. Por causa disso, a pessoa bondosa<br />
quer ajudar a remediar a carência<br />
do outro para, antes de tudo, fazer-lhe<br />
o bem e aliviar-se da tristeza<br />
que lhe causa o mal sofrido pelo outro.<br />
Na apreciação brasileira da bondade,<br />
a primazia ou sua causa é esse<br />
sentimento de compaixão do qual<br />
ela decorre. E mamãe era muitíssimo<br />
boa, também — e talvez principalmente<br />
— nesse sentido da palavra.<br />
O entrelaçamento entre<br />
a justiça e a compaixão<br />
Naturalmente isso mudou, e a<br />
bondade não tem mais esse sentido<br />
para o homem da rua.<br />
Sobretudo no tempo de mamãe, e<br />
em boa medida também quando eu<br />
era jovem, a justiça eminentemente<br />
derivava de um raciocínio e de um<br />
silogismo. Um silogismo imperativo,<br />
a cujos ditames é preciso obedecer:<br />
considerando isso, aquilo e aquilo<br />
outro, fulano foi objeto de uma injustiça.<br />
Ainda que se tenha pena — isso é<br />
muito característico — de quem praticou<br />
a injustiça, deve-se exigir que<br />
ele reponha a justiça ferida. Mas, às<br />
vezes, essa exigência é feita com uma<br />
verdadeira violência sobre si.<br />
Suponhamos que uma criança de<br />
uns dez anos tenha proferido uma<br />
calúnia grave contra alguém. Sua<br />
mãe chama-a e diz:<br />
— Você falou isso de fulano?<br />
— Falei.<br />
— Você sabe que isso se chama<br />
calúnia?<br />
— Nháááamm!!! (põe-se a chorar).<br />
— Não tem choro. Você agora,<br />
diante de várias pessoas, vai pedir<br />
publicamente desculpas ao caluniado<br />
(a criança chora ainda mais).<br />
O caluniado é um homem forte,<br />
possante, já maduro, e não pode<br />
ser atingido por uma caluniazinha<br />
de uma criança; mas a justiça é a justiça,<br />
e a criança é obrigada a retificar.<br />
Exige-se isso dela, antes de tudo<br />
pela justiça e, em segundo lugar, para<br />
que, sentindo a dor da reparação,<br />
não seja caluniadora.<br />
Nesse caso a mãe tem grande pena<br />
da criança, porque é débil, está<br />
sofrendo, mas a obriga a reparar em<br />
nome da justiça.<br />
Paradigma de<br />
pessoa bondosa com<br />
relação às carentes<br />
Eu esperava um pito,<br />
mas a atitude dela<br />
foi inteiramente<br />
diferente...Ela falou<br />
um pouquinho, e<br />
depois acrescentou:<br />
“À tarde vá com seu<br />
primo tomar um<br />
sorvete na cidade,<br />
para se distrair.”<br />
to e gosto, que nem se percebia estar<br />
sendo quase injusta consigo mesma.<br />
Por algum lado isso é eminentemente<br />
lógico: tendo ela tanta compaixão,<br />
como consequência ela se sacrificava.<br />
A palavra “compaixão” provém<br />
do latim. Passio quer dizer sofrimento:<br />
Paixão de Nosso Senhor... Cum<br />
passio significa compaixão. É compassivo<br />
aquele que é sensível ao sofrimento<br />
dos outros.<br />
Esse sentimento, pelo que tenho<br />
podido observar, era naquele tempo,<br />
por assim dizer, pré-natal: a criança<br />
já no claustro materno começava<br />
a adquirir tendências para tal senti<br />
Mamãe, por pura bondade, para<br />
minorar o sofrimento do próximo,<br />
fazia sacrifícios com tanto afemento.<br />
Não creio ser isto verdade,<br />
mas é a impressão que se tinha.<br />
E o modo de toda a família se tratar<br />
era esse, estendendo-se facilmente<br />
aos primos, aos parentes afins —<br />
pessoas casadas com parentes — e<br />
assim por diante. Isso fazia com que<br />
houvesse grande união nas famílias<br />
e muita flexibilidade. Ninguém iria<br />
lembrar a algum parente: “Olha, em<br />
tal ocasião eu te fiz tal favor.” Prestavam-se<br />
obséquios de modo desinteressado.<br />
Meus tios, irmãos e irmãs de mamãe,<br />
intrometiam-se muito na minha<br />
educação e na de minha irmã. E<br />
minha mãe também se preocupava<br />
com a educação de seus sobrinhos.<br />
Isso se fazia por afeto e provinha do<br />
sentimento de que todos eram irmãos.<br />
Apuros de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> num<br />
exame de Aritmética<br />
Eis um fato característico, ocorrido<br />
quando eu tinha 13, 14 anos de<br />
idade:<br />
Todos os alunos dos colégios particulares,<br />
no final do ano letivo, precisavam<br />
fazer exames num estabelecimento<br />
do Governo, para averiguar<br />
se aqueles estavam facilitando as<br />
aprovações a fim de ter mais alunos.<br />
Sempre fui fraco em Aritmética.<br />
Certa vez tive que fazer exame dessa<br />
matéria num estabelecimento do<br />
Governo, num ambiente mais ou<br />
menos pomposo: os examinadores<br />
em geral eram homens de certa posse,<br />
ocupando importantes cargos políticos,<br />
tais como deputados, senadores.<br />
Passei de manhã pela casa de um<br />
irmão de mamãe para encontrar-me<br />
com um filho dele e irmos juntos para<br />
o exame. Meu tio estava tomando<br />
o café da manhã e lendo um jornal.<br />
Entrei e disse-lhe:<br />
— Bom dia, titio!<br />
Ele me olhou e fez uma brincadeira<br />
— não amarga, mas um simples<br />
7
Dona Lucilia<br />
gracejo — em razão do visível medo<br />
com que eu estava de fazer o exame.<br />
Não entendi o gracejo e perguntei<br />
ao Reizinho 1 qual seu significado.<br />
Tendo me explicado, eu ri e nos dirigimos<br />
para o local do exame.<br />
Lá chegando, notei que na mesma<br />
sala havia duas turmas prestando<br />
exames sobre matérias diferentes:<br />
uma de Aritmética — na qual eu<br />
estava — e outra de Trigonometria.<br />
Então o examinador disse com<br />
muita pompa: “Os examinandos de<br />
Aritmética levantem o braço. Vou<br />
escrever na lousa as questões de<br />
Aritmética.”<br />
E anotou três exercícios para se<br />
fazer cálculos: “Tal número, multiplicado<br />
por tanto, qual o resultado?”<br />
Coisas dessa profundidade...<br />
Arquivo revista<br />
<strong>Plinio</strong> com<br />
traje escolar<br />
Depois, no outro lado da lousa,<br />
escreveu os problemas de Trigonometria,<br />
muito complicados, os quais<br />
não entendi, nem me esforcei para<br />
compreender, pois nada tinham a<br />
ver comigo.<br />
E dediquei-me ao meu exame<br />
de Aritmética com tanto empenho<br />
que errei tudo! Quer dizer, eu estava<br />
nervoso, pois ainda não tinha<br />
aprendido a não torcer. O pior foi<br />
que, quando tirei a prova para saber<br />
se os resultados estavam certos,<br />
verifiquei estarem todos errados.<br />
Tentei refazer, mas eu não<br />
conseguia acertar. Então, pensei o<br />
seguinte:<br />
“Já que não resolvo os problemas<br />
de Aritmética, vou solucionar os de<br />
Trigonometria.”<br />
Copiei-os no papel e tentei resolvê-los.<br />
Pode-se imaginar o que sucedeu...<br />
E, por absurdo, fui o primeiro<br />
das turmas a terminar a prova. Saí e<br />
fui passear no Jardim da Luz, próximo<br />
à Igreja de Nossa Senhora Auxiliadora<br />
que, naquela época, era um<br />
bairro de famílias, à espera do irmão<br />
do Reizinho, que fazia exame<br />
na mesma turma que eu. Tínhamos<br />
combinado encontrarmo-nos no Jardim<br />
da Luz. Quando ele apareceu,<br />
perguntei-lhe:<br />
— Entreguei minha prova para os<br />
professores. Qual foi a reação deles?<br />
— Olhe, sua situação não está<br />
boa...<br />
Eu tinha alguma consciência de<br />
que tinha errado, mas uma esperança<br />
de ter acertado.<br />
Então eu disse:<br />
— Mas como não está boa?!<br />
— Não sei o que você escreveu,<br />
mas quando você saiu, tendo sido o<br />
primeiro a entregar a prova — a banca<br />
de examinadores era constituída<br />
por um presidente e dois assistentes<br />
—, o presidente deu-a a um dos professores.<br />
Este olhou-a um instante,<br />
riu, e pôs uma nota, que não sei qual<br />
tenha sido, e passou-a para o outro.<br />
Este fez a mesma coisa. Depois o<br />
próprio presidente deu a nota. Todos<br />
riram. E riram bastante.<br />
Pensei comigo mesmo: “Estou<br />
colocado numa situação meio difícil...”<br />
E resolvi esperar para ver qual<br />
era a nota, tendo ainda alguma esperança<br />
de ser aprovado. Resultado:<br />
“Zero!”<br />
Voltamos, então, para casa. Meu<br />
primo chegou antes à residência dele,<br />
que ficava mais próxima do local<br />
do exame.<br />
O carinho brasileiro<br />
evitando um castigo<br />
que talvez em outros<br />
povos se desse<br />
Agora, veremos a compaixão que<br />
existia naquele tempo. É um fatinho<br />
bem característico.<br />
Mamãe andava mal de saúde. O<br />
irmão dela mandou vir um automóvel,<br />
foi ao ginásio e pediu para<br />
falar com os professores. Disseram-lhe<br />
não ser possível porque<br />
era contra a lei receber pessoas<br />
enquanto estavam corrigindo provas.<br />
Naturalmente, porque fariam<br />
um pedido, etc. Meu tio, que era<br />
um homem muito mandão, deu ordem<br />
para abrir a sala; o bedel ficou<br />
sem jeito, abriu a porta e ele<br />
entrou.<br />
— Oh, Doutor! O que há?<br />
Ele disse:<br />
— Vim aqui para ver a prova de<br />
um sobrinho. Já sei que não está<br />
boa, mas a mãe dele é minha irmã<br />
e está com o estado de saúde muito<br />
delicado. Se ela souber que seu filho<br />
teve uma nota ruim, isso pode fazer<br />
mal para sua saúde.<br />
— Como chama seu sobrinho?<br />
— <strong>Plinio</strong> Corrêa de Oliveira.<br />
Eles tomaram o maço das provas,<br />
retiraram a minha e disseram, dando<br />
risada:<br />
— Veja se o senhor conseguiria<br />
dar outra nota que não essa.<br />
8
T. Ring<br />
Meu tio leu e verificou que não<br />
se justificava qualquer reclamação.<br />
Agradeceu a atenção e retirou-se.<br />
Depois comunicaram a mamãe a<br />
nota. Ela ficou muito chocada, pois<br />
considerava isso uma vergonha, e<br />
imediatamente pensava no futuro:<br />
“O que vai dar esse rapaz? Se nessa<br />
idade ele faz uma besteira dessas<br />
com a Aritmética, quando tiver trinta<br />
anos como poderá dirigir negócios,<br />
um escritório de Advocacia...<br />
Como uma cabeça dessas vai fazer<br />
qualquer coisa? Estou colocada<br />
diante de um abismo.”<br />
O abismo era eu.<br />
Eu esperava um pito e uma ameaça<br />
de ser transferido para o Colégio<br />
Caraça, em Minas Gerais. Mas ela<br />
percebeu ter havido de minha parte<br />
um estado nervoso qualquer que explicava<br />
isso, porque observara eu estudar<br />
bastante. Então, vendo minha<br />
boa vontade, minha retidão, a atitude<br />
dela foi inteiramente diferente<br />
daquela tomada quando eu colocara<br />
no boletim nota dez. Ela falou um<br />
pouquinho, e depois acrescentou:<br />
— À tarde, vá com seu primo tomar<br />
um sorvete na cidade, para se<br />
distrair um pouco.<br />
Eu caí das nuvens.<br />
Depois veio a festa de meu aniversário,<br />
inteiramente normal, sem<br />
nenhuma sanção econômica ou de<br />
qualquer outra natureza. No Natal,<br />
A bondade de<br />
Dona Lucilia ajudoume<br />
muito a amar a<br />
Deus. Quando eu<br />
olhava para as<br />
imagens do Coração<br />
de Jesus, pensava:<br />
“Ele é infinitamente<br />
melhor do que ela;<br />
como será então Sua<br />
bondade?<br />
os presentes foram idênticos, quer<br />
dizer, valendo a mesma coisa que<br />
nos anos anteriores.<br />
E ela quase não me apertava para<br />
estudar. Às vezes entrava na minha<br />
sala e dizia:<br />
— Filhão, está muito cacete o estudo<br />
que você está fazendo?<br />
Fiz depois o exame e passei com<br />
nota bem regular. Nunca tive jeito<br />
para Matemática. Ela não elogiou,<br />
mas me agradou muito, disse que<br />
estava contente, etc. E assim tudo<br />
transcorreu em boa paz.<br />
É o carinho brasileiro evitando<br />
um castigo que em outros povos talvez<br />
se desse. E feito assim aproximou-me<br />
ainda mais dela.<br />
Eu poderia contar muitos outros<br />
fatos ilustrativos da compaixão de<br />
mamãe.<br />
Bondade do Sagrado<br />
Coração de Jesus<br />
A bondade de Dona Lucilia ajudou-me<br />
muito a amar a Deus.<br />
Quando eu olhava para as imagens<br />
do Coração de Jesus, pensava:<br />
“Ele é infinitamente melhor do que<br />
ela; como será então Sua bondade?”<br />
Era um ponto de partida para<br />
muitas meditações. Sobretudo quando<br />
eu meditava no Sagrado Coração<br />
transpassado por Longinos, o que<br />
me causava uma pena enorme:<br />
“Então, depois de Ele ter feito pelos<br />
homens tudo quanto fez, levar no<br />
Coração uma lancetada... Acabou<br />
dando até depois de morto!”<br />
Depois de morto, é verdade, mas<br />
presente de algum modo. Porque<br />
Ele curou — por aquela mistura de<br />
sangue com água que saiu do Sagrado<br />
Corpo d’Ele — o tal Longinos,<br />
que era meio cego.<br />
Essa bondade de curar um indivíduo<br />
qualquer na hora em que este<br />
mete uma lança no Coração d’Ele,<br />
me comovia enormemente. E eu pensava:<br />
“Se o Sagrado Coração de Jesus<br />
é assim, teve tal bondade nessa hora,<br />
Sagrado Coração de Jesus.<br />
a bondade d’Ele é incalculável, e inclusive<br />
tem misericórdia de mim. Eu,<br />
portanto, apesar de meus defeitos, devo<br />
caminhar com confiança até Ele.”<br />
Antes de encerrar essas considerações,<br />
julgo oportuno lembrar este<br />
raciocínio:<br />
Se realmente eu sou bom e tenho<br />
pena dos que sofrem, devo sobretudo<br />
condoer-me dos que sofrem injustiça.<br />
Portanto, a minha bondade<br />
leva à combatividade. Porque, vendo<br />
alguém sofrendo injustiça, preciso<br />
entrar na luta para fazê-la cessar.<br />
Assim, não se é bom quando não se<br />
é também combativo.<br />
Diz a Ladainha do Sagrado Coração<br />
de Jesus: “Coração de Jesus, paciente<br />
e de muita misericórdia, tende<br />
pena de mim.” Em esfera individual,<br />
uma pessoa pode pedir: “Coração de<br />
Jesus, paciente e de muita misericórdia,<br />
fazei de mim um leão na defesa<br />
de vossa Igreja tão perseguida.”<br />
(Extraído de conferência<br />
de 20/9/1994)<br />
1) Apelido dado familiarmente a um primo<br />
e íntimo amigo de <strong>Plinio</strong>.<br />
9
O Santo do Mês<br />
1. Santo Albino, Bispo de Angers,<br />
França. (+496-550)<br />
2. Santa Inês de Praga. Franciscana.<br />
Filha do Rei Ottokar I da Boêmia,<br />
prima de Santa Isabel da Hungria.<br />
Ingressou no mosteiro de Clarissas,<br />
em Praga, onde cultivou a<br />
meditação da Paixão de Nosso Senhor,<br />
e ali morreu após muitos sofrimentos<br />
e insignes atos de caridade.<br />
(1205-1282)<br />
3. São Marino e Santo Astério, <br />
Mártires. O primeiro, soldado, e o<br />
segundo, senador, ambos martirizados<br />
em Cesareia da Palestina, durante<br />
a perseguição de Valeriano.<br />
(+260)<br />
4. São Casimiro. (séc. XV)<br />
5. Santo Adriano, Mártir. Em Cesaréia,<br />
na Palestina, durante a perseguição<br />
do Imperador Diocleciano,<br />
foi morto pela espada.<br />
6. Santo Olegário, Bispo de Tarragona<br />
e Barcelona, na Espanha.<br />
(1059-1137)<br />
7. III Domingo da Quaresma.<br />
Santas Perpétua e Felicidade, <br />
Mártires em Cartago, África. Perpétua<br />
era de origem nobre e mãe<br />
de um recém-nascido. Felicidade,<br />
sua escrava, deu à luz uma menina<br />
no cárcere, pouco antes do martírio.<br />
(séc. III)<br />
8. Santo Unfrido, Bispo de Thérouanne,<br />
na França. (+871)<br />
9. São Domingos Sávio. Aluno<br />
exemplar de Dom Bosco, atingiu a<br />
–– * Março * ––<br />
santidade ainda jovem, vindo a morrer<br />
aos 15 anos. (1842-1857)<br />
10. São Macário, Bispo de Jerusalém,<br />
contemporâneo da Imperatriz<br />
Santa Helena. Construiu a Igreja<br />
do Santo Sepulcro. (+335)<br />
11. Santo Eulógio de Córdoba, <br />
presbítero e mártir. (800-859)<br />
12. São Rodrigo de Córdoba, <br />
Mártir. (+857)<br />
13. São Leandro de Sevilha, Bispo.<br />
Pregou contra o arianismo e converteu<br />
muitos à Fé católica. (+600)<br />
14. IV Domingo da Quaresma<br />
15. Santa Luísa de Marillac. Fundadora,<br />
junto com São Vicente de<br />
Paula, das Filhas da Caridade (Vicentinas).<br />
(1591-1660)<br />
16. Santo Heriberto, Bispo de<br />
Colônia, na Alemanha. (+1021)<br />
17. São Patrício.<br />
São João Sarkander, Mártir. Sacerdote<br />
jesuíta da Silésia, foi encarcerado<br />
em Olomuc, na Morávia, torturado<br />
até a morte por ódio à Fé.<br />
Canonizado em 1995.<br />
18. Santo Eduardo, Mártir, Rei<br />
da Inglaterra. (+979)<br />
19. Solenidade de São José, Esposo<br />
de Maria Santíssima e Pai legal<br />
do Menino Jesus.<br />
20. São Cutberto de Lindsfarme.<br />
Sendo pastor, entrou no mosteiro inglês<br />
de Melrose, do qual se tornou<br />
abade. Mais tarde foi eleito Bispo de<br />
Lindsfarme, porém pouco durou seu<br />
episcopado: após dois anos, retornou<br />
ao isolamento monástico para,<br />
alguns meses depois, entregar sua alma<br />
ao Criador. (+687)<br />
21. V Domingo da Quaresma.<br />
22. São Nicolas Owen, Mártir. Inglês,<br />
coadjutor da Companhia de Jesus.<br />
(+1606)<br />
23. São Turíbio de Mongrovejo.<br />
Arcebispo de Lima, Peru, pertenceu<br />
à Ordem Dominicana. (1538-1606)<br />
24. Santa Catarina da Suécia, <br />
abadessa. Filha de Santa Brígida,<br />
compartilhou com esta a vida religiosa.<br />
(133 1- 1381)<br />
25. Solenidade da Anunciação do<br />
Senhor. O Arcanjo Gabriel anunciou<br />
a Maria sua excelsa missão de<br />
se tornar a Mãe de Deus.<br />
26. São Becário, abade. (+685)<br />
27. São Ruperto, Bispo de Works,<br />
e mais tarde de Salzburg, na Áustria.<br />
28. Domingo de Ramos.<br />
29. São Ludolfo, Bispo e Mártir.<br />
(séc. XIII)<br />
30. São João Clímaco. Abade<br />
no Sinai, autor da “Escada da Perfeição”,<br />
sobre a santidade cristã.<br />
(+649)<br />
31. São Benjamin, Diácono e<br />
Mártir. Martirizado na antiga Pérsia.<br />
(+421)<br />
Fotos: G. Kralj / S. Hollmann / F. Boulay<br />
10
17 de Março<br />
São Patrício<br />
Bela “esmeralda encastoada no mar”, a<br />
Irlanda, pelo apostolado de São Patrício,<br />
tornou-se a “Ilha dos Santos”. Ameaçando<br />
chefes piratas e expulsando demônios com<br />
Fé e destemor, São Patrício foi um exímio<br />
discípulo do Senhor nessas terras de missão.<br />
N<br />
o dia dezessete de março,<br />
comemora-se a festa de<br />
São Patrício.<br />
No livro de Hello 1 , “A fisionomia<br />
dos santos”, há alguns dados biográficos<br />
magníficos a respeito da figura<br />
dele.<br />
“São Patrício é, sem dúvida alguma,<br />
um dos santos de vida mais extraordinária<br />
que se conhece. Aos doze<br />
anos foi raptado por piratas e levado<br />
para a Irlanda.”<br />
Vale lembrar que quem era raptado<br />
por piratas tornava-se escravo.<br />
“Ali foi feito pastor, recebendo o<br />
dom da oração. Ajoelhava-se no meio<br />
do campo e rezava, cercado por seus<br />
animais.”<br />
Esmeralda encastoada<br />
no mar<br />
A grama da Irlanda é extraordinariamente<br />
verde e cobre grande parte<br />
do país. Por isso, os poetas antigos<br />
diziam que a Irlanda era como uma<br />
esmeralda encastoada no mar, ao<br />
norte da Europa.<br />
Imaginemos a bonita cena: São<br />
Patrício, pequeno, mas já com fisionomia<br />
de santo, pastorzinho pobre<br />
e humilde, rezando sobre a relva<br />
esplendidamente verde da Irlanda,<br />
e os animais fazendo círculo em<br />
torno dele, para protegê-lo ou a contemplá-lo.<br />
Cenas semelhantes eram<br />
comuns na hagiografia da Idade Média,<br />
constituindo fioretti 2 , servindo<br />
para iluminuras, vitrais de catedral,<br />
etc. A história e a fantasia nelas se<br />
reúnem para a realização de um aspecto<br />
magnífico do poder da oração,<br />
bem como da candura, da inocência,<br />
quando fortalecida por carismas vindos<br />
de Deus.<br />
“Depois de seis anos, ele sai dessa<br />
região, fazendo várias viagens cheias<br />
de peripécias, mas se tornou novamente<br />
escravo.”<br />
Depois de seis anos dessa forma<br />
pastoril tão encantadora, ele consegue<br />
fugir, mas se torna escravo de<br />
novo.<br />
“Enfim, chegou ao mosteiro de São<br />
Martinho de Tours. E como sempre<br />
sentira que sua vocação estava na Irlanda,<br />
partiu para evangelizá-la. Mas<br />
tal era a via estranha pela qual Patrício<br />
era conduzido que, apesar de seus<br />
desejos, de sua santidade, de seu zelo e<br />
11
O Santo do Mês<br />
do chamamento sobrenatural por ele<br />
recebido, fracassou completamente.<br />
Foi tratado como inimigo.”<br />
Provação dos santos<br />
Vemos como Deus prova os seus<br />
santos, fazendo com que caminhem<br />
por uma série de lados, sem conseguirem<br />
o objetivo que o próprio<br />
Deus tem em vista. Em determinado<br />
momento, esse objetivo lhes vem<br />
às mãos.<br />
Compreendemos, assim, que nosso<br />
Movimento sofra dificuldades, como<br />
é natural que em nosso apostolado<br />
tenhamos revezes. Os santos progridem<br />
assim. Os não-santos progridem<br />
rapidamente nas suas obras<br />
de pseudoapostolado; o verdadeiro<br />
apostolado somente é feito por<br />
quem é santo ou, pelo menos, tende<br />
para a santidade e a admira com todas<br />
as veras de sua alma.<br />
“Ainda não chegara a hora, a Irlanda<br />
não estava pronta. Patrício volta à<br />
Gália onde passa três anos sob a direção<br />
de São Germano de Auxerre. Depois<br />
se retira para a solidão da ilha de<br />
Arles.”<br />
Quanto esse homem viaja e quantas<br />
curvas tem sua vida antes de voltar<br />
para a Irlanda! Ele vai para a Gália,<br />
onde aprende com um santo as vias<br />
da vida espiritual, torna-se eremita,<br />
depois se distancia ainda mais da Irlanda<br />
porque se dirige para Roma...<br />
“...onde o Papa São Celestino lhe<br />
dá a bênção apostólica. E ele retoma<br />
então o caminho da Irlanda, aí aportando<br />
em 432. Logo dirigiu-se à assembléia<br />
geral dos guerreiros da Hibérnia.”<br />
Hibérnia era o antigo nome da Irlanda.<br />
Pregou a Fé com<br />
destemor<br />
Imaginemos como seria bonita,<br />
em meio à natureza suave da Irlanda,<br />
uma assembléia geral de guerreiros<br />
para deliberar a respeito das<br />
coisas da nação. Os guerreiros eram<br />
os nobres que compareciam a essas<br />
assembléias revestidos de suas<br />
armas. E quando havia dificuldades<br />
nas votações, brigavam entre si<br />
utilizando essas armas. Era regime<br />
de barbárie. Às assembléias comparecia<br />
também o colégio dos druidas,<br />
sacerdotes pagãos da Gália e<br />
da Irlanda, que pertenciam, então,<br />
à mesma raça.<br />
Ali se apresentou São Patrício,<br />
que atacou de frente o centro religioso<br />
e político da nação. Perante todos<br />
os seus inimigos agrupados, pregou<br />
ele a Fé. Que destemor! Nada<br />
de meias medidas, de panos quentes,<br />
de recuos; ele era um santo e tinha o<br />
poder dos santos.<br />
“A partir desse momento, as maravilhas<br />
se sucederam com rapidez.<br />
Houve conversões de famílias reais inteiras.”<br />
Anjos no Céu se<br />
inclinam para ouvir<br />
os bardos da Terra<br />
Naturalmente, “famílias reais”<br />
significam federações de tribos. Não<br />
podemos pensar, por exemplo, em<br />
princesas como as filhas de Luís XV<br />
pintadas por Nattier, mas em nossa<br />
Paraguaçu 3 : as “princesas reais” de<br />
então eram umas Paraguaçus louras,<br />
mas autênticas Paraguaçus.<br />
Enfim, devemos imaginar a selvageria<br />
dessas hordas e São Patrício<br />
dizendo-lhes todas as verdades.<br />
Ele desperta admiração; os guerreiros<br />
começam a ficar pensativos, depois<br />
contritos, as mulheres a mudar<br />
de atitude. Famílias reais inteiras são<br />
batizadas, seguidas das respectivas<br />
tribos. Que cena linda!<br />
“A Irlanda se transforma rapidamente<br />
na ilha dos santos. Naquela terra<br />
onde outrora fora escravo, Patrício<br />
anda agora como conquistador triunfante.<br />
Reis, povos e também poetas<br />
vêm a ele.”<br />
A Irlanda é uma das mais antigas<br />
pátrias da poesia.<br />
A cítara, uma pequena harpa,<br />
com a qual cantavam os bardos irlandeses<br />
e do País de Gales, faz parte<br />
da bandeira da Irlanda. O maior<br />
cantor que houve na Irlanda tornou-se<br />
cristão.<br />
“O Homero da Hibérnia<br />
inclinou os velhos<br />
heróis ante o estandarte<br />
do Deus<br />
São Patrício. Catedral<br />
de Lisieux - França.<br />
12
desconhecido. Então, diz um velho<br />
autor, os cantos dos bardos ficaram<br />
tão belos, com a conversão lucraram<br />
tanto em sua beleza, que os Anjos de<br />
Deus se inclinavam na beira do Céu<br />
para escutá-los.”<br />
Como é linda essa idéia de os bardos<br />
cantando na Terra; e no Céu, aberto<br />
como se fosse uma clarabóia,<br />
revoadas de Anjos ouvindo<br />
aquelas vozes. Isso tem<br />
uma indiscutível poesia,<br />
com um aroma<br />
e uma força de<br />
atração verdadeiramente extraordinários.<br />
Como bem disse certa vez Montalembert<br />
4 , a Idade Média foi a “doce<br />
primavera da Fé”. Tudo isso se parece<br />
com a primavera: é uma energia<br />
que surge, com todo o dinamismo<br />
para crescer, vencendo todos os<br />
Ele enfrentou os<br />
perigos e mostrou<br />
os desígnios de<br />
misericórdia da<br />
Providência.<br />
Se pudéssemos<br />
imitar São Patrício,<br />
como tudo seria<br />
mais simples! Não<br />
precisaríamos nem de<br />
burocracia, nem de<br />
máquinas.<br />
obstáculos, iluminando tudo como o<br />
sol nascente, ou como uma boa estação<br />
do ano que vai entrando.<br />
Como é diferente o dinamismo<br />
desse apostolado com a situação que<br />
hoje vemos!<br />
Ameaça a um<br />
chefe pirata<br />
“Entretanto, as invasões dos piratas<br />
desolavam a Irlanda. Patrício escreveu<br />
a Corotido, chefe da quadrilha.”<br />
Esses piratas vinham da Dinamarca,<br />
da Noruega e da Suécia —<br />
quão mudadas daquele tempo para<br />
cá! — e eram chamados reis do mar.<br />
Nações inteiras, em naus — com<br />
proas monumentais, velas bonitas<br />
— singravam com rapidez os mares<br />
e desciam em hordas pelas praias,<br />
devastando os povos, as plantações.<br />
Então, para um tal Corotido, ou Corótido<br />
— não sei como se pronuncia<br />
— nosso santo escreveu o seguinte:<br />
“Patrício, pecador ignorante, mas<br />
coroado Bispo de Hibérnia...”<br />
Quão linda a idéia de que o bispo<br />
é coroado como um rei!<br />
“... refugiado entre as nações bárbaras<br />
por causa de seu amor a Deus,<br />
escrevo de próprio punho estas letras<br />
para serem transmitidas aos soldados<br />
do tirano.<br />
“A misericórdia divina que eu<br />
amo não me obriga a agir assim, para<br />
defender aqueles mesmos que não<br />
há muito me fizeram cativo e trucidaram<br />
os servos e as servas de meu<br />
pai?”<br />
Quer dizer, ele enfrentou perigos<br />
e mostrou os desígnios de misericórdia<br />
da Providência.<br />
Ele prediz que a realeza de seus<br />
inimigos será menos estável que a<br />
nuvem e a fumaça.<br />
“Em presença de Deus e dos seus<br />
santos — acrescenta Patrício — atesto<br />
que o futuro será tal qual eu previ.”<br />
Ele, portanto, os ameaça dizendo<br />
que não adianta atacar, porque vão<br />
perder o que estavam querendo conquistar.<br />
“Alguns meses depois, Corotido,<br />
acometido de alucinação mental,<br />
morria no desespero.”<br />
Podemos imaginar o desespero de<br />
Corotido, matando pessoas e depois<br />
se golpeando a si mesmo, porque ficara<br />
louco. Era o resultado da maldição<br />
de São Patrício.<br />
“Os inimigos de Patrício caíam<br />
mortos, os amigos ressuscitavam. Os<br />
túmulos pareciam um domínio sobre<br />
o qual ele tinha direito.”<br />
Assim se converte um povo! Se<br />
pudéssemos imitar São Patrício, como<br />
tudo seria mais simples! Não<br />
precisaríamos nem de burocracia,<br />
nem de máquinas. Bastaria irmos à<br />
sepultura de Dom Vital e de outras<br />
pessoas virtuosas para ressuscitá-los.<br />
E muita coisa mudaria. Mas a nós isso<br />
não foi dado.<br />
Quando se tem esse direito sobre<br />
os túmulos, abre-se e fecha-se a<br />
13
O Santo do Mês<br />
porta da morte dessa forma, o que<br />
mais é necessário?<br />
Poder sobre os<br />
demônios<br />
“Quando de sua chegada à Irlanda,<br />
os demônios, diz um historiador<br />
do século XII, fizeram um círculo<br />
com que cingiam toda a ilha para<br />
lhe barrarem a passagem. Patrício<br />
levantou a mão direita, fez o sinal<br />
da cruz e passou adiante.”<br />
Lindo tema para uma iluminura:<br />
um barquinho em cuja proa<br />
está São Patrício, fragilzinho,<br />
tendo um pé colocado para frente<br />
e outro para trás, um halo de<br />
santidade, e uma sarabanda de<br />
demônios correndo. Para pintar<br />
os demônios, pediríamos o auxílio<br />
da arte moderna que realmente<br />
os representa como eles são.<br />
E ao lado, outro quadrinho: São<br />
Patrício dando uma bênção, e os<br />
demônios, com fogo saindo de<br />
suas pernas, caem de ponta-cabeça<br />
dentro do mar; e monstros<br />
marinhos fugindo espavoridos de<br />
todos os lados — porque os demônios<br />
até aos monstros causam<br />
horror. Outras cenas: o barquinho<br />
de São Patrício ancorando<br />
sereno; ele descendo, amarrando<br />
a pequena embarcação e penetrando<br />
na Irlanda. Lamento não<br />
saber pintar iluminuras para representar<br />
coisas dessas.<br />
“Depois derrubou o ídolo do sol,<br />
ao qual as crianças, como ao antigo<br />
Moloch, eram oferecidas em sacrifício.”<br />
Isso eu gostaria muito mais de<br />
pintar: um ídolo horrendo, em pé,<br />
numa atitude sanguinária, diante<br />
do qual há adoradores infames;<br />
uma mãe que entrega espavorida<br />
seu filhinho; ao lado, restos de cadáveres<br />
de crianças mortas; e São<br />
Patrício que chega. Segundo quadro:<br />
o santo faz uso da palavra com<br />
São Patrício. Basílica de<br />
Montreal - Canadá.<br />
14
veemência. Terceiro: ele derruba o<br />
ídolo. Quarto: a população festeja.<br />
Assim é que se tocam as coisas para<br />
frente. Mas para isso é preciso ser<br />
santo.<br />
O bastão de São<br />
Patrício enxotou<br />
serpentes da Irlanda<br />
Certa vez perguntaram a Napoleão<br />
— pode-se imaginar quão cretino<br />
era o indivíduo que fez tal indagação<br />
— por que ele não se fazia<br />
aclamar como deus. Napoleão respondeu:<br />
“Olhe, meu caro, depois<br />
de Jesus Cristo, só há um jeito para<br />
alguém ser deus: tomar a cruz, subir<br />
ao Calvário e fazer-se crucificar.<br />
E eu não tenho vontade disso. Porque<br />
depois d’Ele ninguém toma a sério<br />
outro deus.” É bem verdade. Assim<br />
também, para fazer essas coisas<br />
é preciso ser santo. Se quiséssemos<br />
verdadeiramente ser santos, talvez<br />
pudéssemos realizá-las.<br />
Continua Hello:<br />
“Atribui-se ao bastão de São Patrício<br />
o poder de enxotar as serpentes.”<br />
Parece que esses animais são desconhecidos<br />
na Irlanda, e sua ausência<br />
é atribuída a uma bênção particular:<br />
a bênção do bastão que São<br />
Patrício segurou nas mãos.<br />
Por que não pedimos um pouco<br />
dessa relíquia para o Brasil? Positivamente,<br />
é falta de imaginação. Poder-se-ia<br />
andar tranquilamente pelos<br />
matos, com a cruz de São Patrício<br />
na ponta de um bastão.<br />
Propulsor, em<br />
escala mundial, da<br />
vida da Igreja<br />
te. Assim também São Patrício, no céu<br />
e nos mares da Irlanda.”<br />
Essa história coloca diante de<br />
nossos olhos uma dessas figuras de<br />
fundadores e evangelizadores de povos,<br />
de homens da destra de Deus.<br />
Há certas pessoas que Deus escolhe<br />
a fim de fazer um apostolado<br />
circunscrito e pequeno. Para isso são<br />
eficientes e poderosas, pois o Deus<br />
lhes dá as graças necessárias. Porém,<br />
tais pessoas não são muito salientes<br />
por suas obras. No período de<br />
evangelização da Europa, houve um<br />
grande número de santos e de santas<br />
Há santos que são<br />
propulsores da vida<br />
da Igreja, em escala<br />
mundial. Esses são<br />
propriamente os<br />
homens da destra de<br />
Deus: eles aceleram a<br />
marcha da História e<br />
o progresso da Igreja.<br />
que fundaram cristandades em lugares<br />
onde haveria de futuro dioceses<br />
— alguns desses santos se tornaram<br />
diretamente seus bispos — e foram<br />
patronos desses locais.<br />
Seus sepulcros ficam nesses lugares,<br />
onde se celebram seus cultos,<br />
às vezes com peregrinações. Dir-seia<br />
que eles são animadores desse aspecto<br />
riquíssimo da Igreja, como de<br />
toda grande sociedade, que é a vida<br />
regional.<br />
Mas há outros santos que são propulsores<br />
da vida da Igreja, em escala<br />
mundial. E esses são propriamente<br />
os homens da destra de Deus. Os<br />
obstáculos parecem insignificantes<br />
diante deles. Tais santos realizam<br />
coisas que nunca ninguém poderia<br />
imaginar, fazendo acelerar muito a<br />
“A figura desse santo assemelha-se<br />
um pouco a um navio que se distancia<br />
da pátria: durante algum tempo<br />
pode ser visto distintamente; mas depois,<br />
ele parece desaparecer quando o<br />
céu e o mar se confundem no horizonmarcha<br />
da História e o progresso da<br />
Igreja. Isto se pode dizer de São Patrício<br />
e também da nação irlandesa.<br />
A Revolução conspurca<br />
até as coisas mais<br />
esplêndidas<br />
Os irlandeses participaram da<br />
ação missionária do império de Carlos<br />
Magno, evangelizando a França,<br />
a Holanda e, sobretudo, a Alemanha.<br />
A Irlanda foi um ponto de irradiação<br />
extraordinário da Religião<br />
Católica nesta época, mais ou menos<br />
como, séculos depois, a Península<br />
Ibérica, da qual partiu a evangelização<br />
de toda a América Latina,<br />
parte da África e regiões da Ásia.<br />
Tal qual aconteceu com a Península<br />
Ibérica, depois se apagou a glória<br />
internacional da Irlanda, mas algo<br />
de sua fidelidade restou. Espanha<br />
e Portugal — este último em<br />
medida infelizmente menor — têm<br />
resistido a toda espécie de tentativas<br />
para obrigá-los a apostatar. Na<br />
Espanha houve até resistência a<br />
uma terrível revolução comunista, e<br />
a Irlanda sofreu perseguições atrozes,<br />
mas não apostatou, como prêmio<br />
pelo fato de ter sido uma nação<br />
apostólica, e continua firme para a<br />
glória de Deus.<br />
Isso é bonito, edificante, e eleva<br />
os nossos corações.<br />
(Extraído de conferências de<br />
18/3/1966 e 16/3/1967)<br />
1) Ernest Hello, escritor francês. 1828-<br />
1885. Não possuímos referência exata<br />
da ficha original usada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>.<br />
2) Termo retirado da coletânea de histórias<br />
de São Francisco de Assis intitulada<br />
I Fioretti (As florzinhas).<br />
3) Índia tupinambá, esposa de Diogo Álvares<br />
Correia (Caramuru).<br />
4) Charles de Montalembert, 1810-1870.<br />
15
Ardoroso devoto da Eucaristia<br />
Corpo, Sangue,<br />
Alma e Divindade...<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo, realmente presente na Sagrada Eucaristia,<br />
entra em contato conosco de um modo todo especial: de alma a alma!<br />
Cristo vem a nós quando comungamos. Nas páginas a seguir,<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> nos sugere um modo eficaz e piedoso para<br />
bem aproveitarmos as graças que recebemos neste divino convívio.<br />
Quando eu era menino, nas<br />
aulas de catecismo perguntava-se<br />
à criança se ela cria<br />
que Nosso Senhor Jesus Cristo estava<br />
realmente presente na Sagrada<br />
Eucaristia. Ela deveria dar uma resposta<br />
que me ficou até hoje nos ouvidos,<br />
muito bonita, como eram as<br />
respostas do catecismo: “Creio que<br />
Ele está presente em Corpo, Sangue,<br />
Alma e Divindade.”<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo não<br />
possui corpo humano e alma divina:<br />
sua Alma é humana como a nossa.<br />
Se Ele não tivesse alma humana, não<br />
seria verdadeiramente homem. Ele é<br />
Homem-Deus, com duas naturezas,<br />
a humana e a divina, estando a humana<br />
hipostaticamente unida à Segunda<br />
Pessoa da Santíssima Trindade.<br />
Para bem comungarmos, devemos<br />
ter presente a seguinte verdade:<br />
não vemos Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo, mas Ele está presente<br />
na Sagrada Eucaristia como esteve<br />
na Casa de Nazaré, em Betânia —<br />
com Marta e Maria —, nos braços<br />
sagrados da Santíssima Virgem, na<br />
Cruz.<br />
E na Comunhão Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo penetra em nós.<br />
Caro Christi, caro Mariæ<br />
Qual é a força da presença de<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo em nós<br />
quando comungamos?<br />
Imaginemos Nosso Senhor no<br />
seio imaculado e puríssimo de Nossa<br />
Senhora. A Santíssima Virgem,<br />
pelo fenômeno natural da geração,<br />
foi Lhe dando elementos para que<br />
seu Corpo se constituísse. Sendo<br />
Deus, desde o primeiro instante de<br />
sua Encarnação Ele possuía inteligência,<br />
mantinha comunicação direta,<br />
altíssima e insondável com a Santíssima<br />
Trindade, e recebia continuamente<br />
o culto de Nossa Senhora,<br />
a qual sabia que o Redentor estava<br />
presente n’Ela. Durante os meses da<br />
gestação, Nossa Senhora ia formando<br />
o Corpo de Jesus e fazia atos de<br />
adoração, de amor, cada vez maiores,<br />
porque conhecia o processo pelo<br />
qual Ele estava passando.<br />
A Carne e o Sangue Sagrados<br />
d’Ele eram carne e sangue imaculados<br />
de Maria Santíssima.<br />
Caro Christi, caro Mariæ, dizem os<br />
teólogos: a Carne de Jesus Cristo é a<br />
carne de Maria. A presença física de<br />
Nosso Senhor no claustro imaculado<br />
da Santíssima Virgem era tão íntima,<br />
interna, que determinava como que<br />
uma interpenetração das almas, assim<br />
como havia uma interpenetração<br />
dos corpos. E isso tornava a presença<br />
d’Ele extraordinariamente fecunda<br />
para sustentar ainda mais aquela<br />
montanha luminosa e cristalina de<br />
santidade que foi Nossa Senhora.<br />
Cristo presente em nós<br />
pela Sagrada Eucaristia<br />
Através da analogia com a presença<br />
de Nosso Senhor Jesus Cristo<br />
no claustro de Maria Santíssima, podemos,<br />
então, compreender o que é<br />
a presença eucarística em nós.<br />
Ele entra em nós e, enquanto permanece,<br />
há uma ação d’Ele sobre todo<br />
o nosso ser. E como o nosso ser é<br />
composto de corpo e alma, Ele misteriosamente<br />
entra em contato santificante<br />
com nossa alma. E sendo<br />
nossa alma o que temos de mais alto,<br />
mais nobre, mais essencial, essa é a<br />
16
em-aventurança extraordinária que<br />
cada um de nós recebe no momento<br />
em que comunga.<br />
Durante o período em que as<br />
sagradas espécies ficam em nós<br />
sem se corromperem pelo fenômeno<br />
da digestão, temos Nosso<br />
Senhor presente em nós,<br />
agindo misteriosamente em<br />
nossa alma.<br />
Para compreendermos a<br />
ação de Nosso Senhor sobre<br />
nossa alma durante a Comunhão,<br />
recordo um fato muito<br />
bonito, narrado pelo Evangelho<br />
1 .<br />
Jesus estava andando, e<br />
uma mulher enferma que queria<br />
ser curada por Ele, vendo<br />
aquela turbamulta em torno<br />
do Divino Mestre, desejosa de ouvi-Lo<br />
e vê-Lo ou ficar livre de alguma<br />
doença, não pôde chegar pela<br />
frente. Então, ela, por detrás tocou<br />
na túnica sagrada d’Ele. Nesse momento,<br />
Jesus voltou-se e perguntou:<br />
“Quem tocou em Mim?”, porque —<br />
diz o Evangelho — sentiu que uma<br />
virtude tinha saído d’Ele e passado<br />
para outra pessoa.<br />
Quer dizer, Ele percebia que uma<br />
força — nesse caso, evidentemente,<br />
tratava-se de uma força vital — que<br />
saía d’Ele e, transmitida para aquela<br />
mulher, curou-a.<br />
Ora, se uma pessoa com Fé, tocando<br />
em Sua túnica podia ser curada,<br />
o que significa recebê-Lo inteiro<br />
dentro de nós? É uma graça que não<br />
se pode medir.<br />
Contato de alma a alma<br />
Imaginemos uma pessoa que vai<br />
todos os dias à casa de alguém e com<br />
ele conversa. Se for uma pessoa distinta,<br />
preclara, eminente, santa, honrará<br />
a casa. Muito mais importante<br />
do que isso será o convívio de alma<br />
a alma. Conversam, e alguma coisa<br />
do talento, da nobreza, da excelência,<br />
das virtudes ou da santidade da<br />
alma do visitante é comunicada ao<br />
visitado.<br />
Em grau imensamente maior, a<br />
Sagrada Comunhão nos proporciona<br />
esses bens, porque Nosso Senhor<br />
tem um contato conosco muito mais<br />
íntimo do que um visitante em nossa<br />
casa. Entrar no nosso corpo e ter<br />
ali esse contato de alma é como que<br />
uma interpenetração.<br />
Suponhamos que Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo entrasse agora neste auditório.<br />
Teríamos a reação a mais viva<br />
possível: todos nós nos prosternaríamos<br />
para dar passagem a Ele!<br />
O Evangelho nos fala das várias<br />
atitudes de Nosso Senhor. Aquelas<br />
que mais me tocam são de duas espécies.<br />
Uma é quando Ele se dirige ao<br />
Padre Eterno; suas palavras são lindíssimas,<br />
humílimas. Ele é Deus, mas<br />
também Homem. E se víssemos um<br />
homem como nós rezar a Deus daquele<br />
modo, com aquela humildade,<br />
Última Ceia.<br />
Paray le Monial - França<br />
mas ao mesmo tempo com aquela intimidade,<br />
nos sentiríamos nesse sulco<br />
de luz, quase que transportados para<br />
o interior da Santíssima Trindade.<br />
Imaginemos que Ele ficasse aqui sobre<br />
o estrado deste auditório e, como<br />
diz o Evangelho, postos os olhos<br />
no céu, elevasse a voz dizendo: “Meu<br />
Pai…” e começasse a rezar...<br />
Para mim, as orações de Nosso<br />
Senhor são mais bonitas do que seus<br />
sermões e de tudo quanto Ele fez. É<br />
natural, pois falando com o Pai Eterno,<br />
Ele diria coisas mais belas do<br />
que para nós, a quem Jesus disse palavras<br />
tão admiráveis que até o fim<br />
do mundo não se terá acabado de estudá-las.<br />
Suponhamos ainda que, além de<br />
rezar, Ele olhasse e dirigisse palavras<br />
a Nossa Senhora — para mim<br />
é a segunda coisa mais tocante. O<br />
último olhar do Redentor para Ela<br />
do alto da Cruz, que coisa maravi<br />
Fotos: J. Dias / S. Hollmann /<br />
Arquivo revista<br />
17
Ardoroso devoto da Eucaristia<br />
Nossa Senhora do Santíssimo<br />
Sacramento. Minas Gerais - Brasil.<br />
lhosa! Eles se entreolharam e disseram,<br />
um para o outro, coisas indicativas<br />
do máximo do respectivo convívio.<br />
Nunca se saberá até o fim do<br />
mundo qual foi o esplendor dessa<br />
troca de olhares!<br />
Se víssemos aqui Nosso Senhor<br />
falar com o Padre Eterno e depois<br />
com Nossa Senhora, faríamos deste<br />
local uma capela.<br />
Eu dizia ser necessário considerarmos<br />
Quem vamos receber e<br />
a imensa honra, o benefício incalculável<br />
a nós concedido por Aquele<br />
que assim entra em nós e se digna<br />
de estabelecer conosco aquela<br />
união.<br />
Bondosa visita<br />
to. Muitas vezes as pessoas<br />
passam diante do templo<br />
e ninguém para para<br />
rezar, e Ele está ali à espera<br />
de alguém que venha<br />
comungar. O Redentor,<br />
então, se dá a qualquer<br />
um, entra em seu corpo e<br />
toma contato com sua alma<br />
para fazer-lhe o bem.<br />
São Pedro disse a respeito<br />
de Nosso Senhor esta<br />
frase que me pareceu<br />
muito bonita, de uma simplicidade<br />
e profundidade<br />
assombrosas: “Pertransiit<br />
benefaciendum — Ele<br />
passou fazendo por toda<br />
parte o bem” 2 . Nos lugares<br />
aonde ia, as pessoas<br />
mais pecadoras eram por<br />
Ele recebidas com bondade.<br />
Assim, durante a Comunhão<br />
devemos ter confiança<br />
de que Ele não é<br />
um juiz severo, mas um pai bondoso,<br />
um médico infinitamente poderoso e<br />
desejoso de nos perdoar.<br />
Agirá de acordo com a condição<br />
de escravo de Nossa Senhora, segundo<br />
a espiritualidade de São Luís<br />
Maria Grignion de Montfort, quem<br />
se preparar para a Comunhão em<br />
união com Ela, pedindo-Lhe as graças<br />
necessárias. É assim que eu me<br />
preparo, dizendo à Santíssima Virgem:<br />
“Minha Mãe, preparai-me Vós<br />
para esta Comunhão, pondo-me na<br />
alma todas as boas idéias, todos os<br />
bons impulsos, para eu ter presente<br />
o que vai acontecer de extraordinário<br />
e a imensa honra que receberei.<br />
Porque rezastes, vosso Filho virá<br />
a mim.”<br />
Em união com Nossa Senhora tudo<br />
se consegue.<br />
Consideremos agora a entrada de<br />
Nosso Senhor em nós.<br />
Antes da comunhão, se diz: “Senhor,<br />
eu não sou digno de que entreis<br />
em minha morada, mas dizei<br />
uma palavra e serei salvo.” Quer di<br />
Não devemos ter apenas a sensação<br />
da honra, mas também da bondade.<br />
Nosso Senhor, na Sagrada Eucaristia,<br />
fica horas e horas sozinho,<br />
trancado num tabernáculo, isolado,<br />
numa capela onde apenas arde a<br />
lamparina do Santíssimo Sacramenzer,<br />
sou indigno de comungar, mas<br />
sede Vós o ornato da casa onde deveis<br />
entrar, enchei-a das luzes dignas<br />
de Vos receber. Recebida a partícula<br />
em nossa língua, fazemos um ato<br />
de adoração e imediatamente a deglutimos.<br />
Métodos para bem<br />
aproveitar a Comunhão<br />
Há, entre outros, dois métodos de<br />
comungar. Um deles consiste em ter<br />
algum pensamento que nos tomou<br />
o espírito, nos interessou tanto que,<br />
durante o tempo de ação de graças,<br />
continuamos a desenvolvê-lo 3 .<br />
Existe outro método que eu, por<br />
cautela, sempre emprego quando sigo<br />
o primeiro. Às vezes, preparo-me<br />
para a Comunhão muito rapidamente,<br />
porque há tanto tempo comungo<br />
diariamente que essas idéias facilmente<br />
se me tornam presentes.<br />
Ao receber a hóstia, mesmo tendo<br />
o pensamento focalizado em algum<br />
ponto relacionado com a Sagrada<br />
Eucaristia, faço os atos que a seguir<br />
explicarei.<br />
Filosoficamente, os atos de culto<br />
que um homem pode prestar a Deus<br />
são: adoração, ação de graças, reparação<br />
e petição. Ainda que sumariamente,<br />
devemos realizar esses quatro<br />
atos por meio de Nossa Senhora,<br />
quer dizer, pedir-Lhe que os faça<br />
conosco.<br />
Adoração<br />
Por exemplo, quanto à adoração:<br />
“Minha Mãe, sei que minha adoração<br />
não é nada em comparação com<br />
a vossa. Adorai Nosso Senhor junto<br />
comigo!”<br />
Maria Santíssima atende meu pedido.<br />
Então, devo imaginar como<br />
Ela, no Céu, está adorando a Ele<br />
presente em mim. Mas não se trata<br />
de uma imaginação; é uma coisa real<br />
que devo tornar presente ao meu<br />
espírito.<br />
18
Consideremos agora algo um tanto<br />
mais complicado, mas que espero<br />
tornar claro. Há vários modos de<br />
compreender esta adoração. Um deles<br />
pode ser assim formulado: Nossa<br />
Senhora é a síntese das santidades<br />
de todas as pessoas boas que<br />
houve, há e haverá na Terra até o<br />
fim do mundo. Ou seja, a forma de<br />
santidade de cada uma, Ela possui<br />
de um modo excelso, inimaginável.<br />
Cada pessoa é diferente da outra, e<br />
uma alma que se salvou, em algo dará<br />
glória a Deus como ninguém o fez<br />
antes, durante, nem depois da vida<br />
dela. Cada um dos que estão neste<br />
auditório, desde o mais jovenzinho<br />
até eu que sou o mais velho, é capaz<br />
de adorar a Deus, fazer ação de graças,<br />
reparação e petição de um modo<br />
como só ele realizaria. E Nossa Senhora<br />
possui, à maneira d’Ela, todos<br />
esses modos.<br />
Podemos, então, fazer-Lhe um<br />
pedido assim:<br />
“Minha Mãe, entre vossas excelsitudes<br />
incontáveis há uma perfeição<br />
por onde fazeis de modo sublimíssimo<br />
aquilo que especificamente eu<br />
realizo. E no vosso modo de adorar<br />
a Deus existe um filão que é a arquiperfeição<br />
do meu modo de fazê-lo.<br />
“Então, eu me uno a Vós para<br />
adorar vosso Divino Filho, como<br />
se eu estivesse falando ao Redentor<br />
com um alto-falante celeste. Ainda<br />
que fosse gago e rouco, minha voz se<br />
tornaria encantadora porque passou<br />
a ser vossa voz, ó minha Mãe.<br />
“Vou agora adorá-Lo, e Vós, ao<br />
mesmo tempo, o fareis de modo insondavelmente<br />
perfeito.”<br />
Podemos, durante a Comunhão,<br />
adorar Nosso Senhor em algum dos<br />
aspectos de sua vida terrena. Admiro<br />
e adoro, de modo especial, o mistério<br />
da agonia no Horto das Oliveiras,<br />
quando houve a crucifixão de<br />
sua Alma sagrada.<br />
Então, adoremos a Nosso Senhor,<br />
lembrando-nos, por exemplo, de<br />
sua agonia no Horto ou nos braços<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em período de recolhimento para as orações.<br />
de Nossa Senhora, ou simplesmente<br />
enquanto Ele tendo a bondade de<br />
vir visitar-me. Eu O adoro em união<br />
com a Santíssima Virgem, a qual, em<br />
certo sentido, é arqui-eu mesmo.<br />
Há uma outra maneira de fazer<br />
adoração, considerando como Nossa<br />
Senhora adora o Divino Salvador de<br />
um modo insondável, como nenhuma<br />
pessoa foi capaz de fazê-lo.<br />
Podemos, então, dizer: “Meu<br />
Deus, eu quereria Vos adorar como<br />
Nossa Senhora Vos adora. Aceitai<br />
minha boa vontade. Ofereço-Vos toda<br />
a adoração que Ela tem por Vós.”<br />
Repetindo. No primeiro modo,<br />
referi-me a Nossa Senhora adorando<br />
o Divino Salvador exatamente —<br />
se assim se pode dizer — na linha em<br />
que eu adoro.<br />
Mas Ela não se limita a isso, pois<br />
contém todas as adorações do presente,<br />
do passado e do futuro da humanidade,<br />
inclusive as adorações<br />
dos que pecaram e não adoraram.<br />
Assim, posso pedir à Santíssima Virgem<br />
que não ofereça a Ele apenas o<br />
meu modo, mas o d’Ela de adorar,<br />
dizendo a Nosso Senhor:<br />
“Senhor, Vós vindes agora à minha<br />
casa. Muito mais do que a mim<br />
mesmo, tenho uma boa surpresa<br />
para Vos oferecer. Aqui está vossa<br />
Mãe, adorando-Vos não do único<br />
modo como sei adorar, mas de todos<br />
os modos de adorações, em todos os<br />
tempos e lugares, inclusive das que<br />
não foram feitas, as quais estão Vos<br />
sendo apresentadas por Ela em meu<br />
nome. Ó meu Senhor, é um presente<br />
verdadeiramente régio!”<br />
São dois modos, como a face e o<br />
reverso de uma medalha.<br />
É possível que, pela graça obtida<br />
por Nossa Senhora, o que estou dizendo<br />
lhes toque a alma. Porém, não<br />
se trata de meras expansões sentimentais,<br />
mas tudo é raciocinado como<br />
os elos de uma cadeia. E se não<br />
fosse raciocinado, para mim não haveria<br />
beleza. Explicações onde não<br />
entra o raciocínio claro, certo, controlado,<br />
sério, afinado com a doutrina<br />
da Igreja, à qual nos entregamos<br />
com toda a alma, não valem nada.<br />
Devem elas estar conformes à razão<br />
controlada pela Fé. Se for puro sentimento,<br />
não admito.<br />
De fato, estou desenvolvendo<br />
aqui uma tese.<br />
v<br />
Continua no próximo número...<br />
(Extraído de conferência<br />
de 16/7/1977)<br />
1) Mc 5, 30.<br />
2) At 10, 38.<br />
3) Conferir <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, nº 143, página 17.<br />
19
O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
A ordem natural e os<br />
Dez Mandamentos<br />
Resumindo toda a ordem natural em apenas dez<br />
princípios sublimíssimos, no alto do Sinai, em meio<br />
aos raios e toques de trombetas angélicas, Deus<br />
entregou as tábuas da Lei a Moisés.<br />
Arquivo revista<br />
Muitas pessoas queixamse:<br />
“Oh, vida dura! Oh,<br />
vida complicada! Oh, vida<br />
difícil!” Até certo ponto — e eu<br />
diria que em larga medida — elas<br />
têm razão, porque nossa existência<br />
transcorre num vale de lágrimas.<br />
Chora-se porque se sofre.<br />
Mas é verdade também que a vida<br />
oferece suaves e doces compensações,<br />
desde que se saiba procurá-las<br />
onde realmente estão. Assim, aprende-se<br />
a ver nela determinados aspectos<br />
que compensam sua dureza, dando-lhe<br />
um sentido e um bem-estar<br />
interior que o homem moderno não<br />
conhece.<br />
Pela bondade de Nossa Senhora,<br />
um dos lenitivos que encontrei<br />
ao longo de minha vida foi o Tratado<br />
de Direito Natural, de Taparelli<br />
d’Azeglio<br />
O homem: ápice e rei da<br />
criação material<br />
Lendo tal Tratado, encontrei explicação<br />
para algo que eu nunca conseguira<br />
explicitar adequadamente: a<br />
razão de ser dos Mandamentos.<br />
Eles me pareciam resplandecentes,<br />
fulgurantes; mas, por que razão<br />
eles se me apresentavam tão belos?<br />
Eu percebia ser lindo proceder<br />
de acordo com a Lei estabelecida<br />
por Deus, mas isto não me satisfazia.<br />
Sendo tão bonitos, era impossível<br />
não possuírem um fundamento<br />
racional, cognoscível ao homem.<br />
Qual era sua razão mais profunda?<br />
Deus poderia ter estabelecido outros<br />
Mandamentos? Terá, então, Deus<br />
agido arbitrariamente, promulgando<br />
estes e não outros?<br />
Ora, Deus criou o Céu e a Terra;<br />
os animais, os vegetais e os minerais;<br />
os anjos e os homens. A cada<br />
um destes seres Ele deu uma natureza<br />
própria, colocando-os em movimento<br />
em perfeita colaboração com<br />
a ordem do universo.<br />
Os animais e os vegetais, por<br />
exemplo, são de tal maneira ordenados<br />
que uns e outros se desenvolvem<br />
20
sem trazer dano para outras espécies.<br />
Mesmo quando uma fera devora<br />
outra — algo que até parece uma<br />
agressão selvagem —, vê-se que isto<br />
está na ordem da natureza. É a boa<br />
ordenação posta por Deus em todas<br />
as coisas.<br />
No ápice e na realeza da Criação<br />
material Deus colocou o homem.<br />
Adão tinha de tal maneira o conhecimento<br />
e o poder sobre a natureza<br />
que, quando foi criado, todos os animais<br />
desfilaram diante dele. Imaginemos<br />
a beleza desse desfile: os animais<br />
passam e recebem de Adão o<br />
nome mais adequado segundo a sua<br />
espécie. Deus o colocou como o seu<br />
lugar-tenente, seu representante na<br />
Terra.<br />
Estando no ápice da Criação,<br />
Adão tinha obrigação de agir de<br />
acordo com a sua própria natureza,<br />
de modo que a ordenação estabelecida<br />
pelo Criador se verificasse nele<br />
com mais perfeição do que em todas<br />
as outras criaturas visíveis.<br />
Assim, ele atuaria conforme a natureza<br />
de todos os seres e poria em<br />
funcionamento essa imensa perfeição<br />
que vem a ser a Criação. Pacífica,<br />
tranquila, facilmente ele governaria<br />
toda a Terra, como príncipe<br />
herdeiro de Deus.<br />
Pecado, a violação da<br />
ordem natural<br />
Porém, Adão violou a ordem natural<br />
de relações entre o Criador e<br />
ele, cometendo o que se chama pecado.<br />
Agiu em desacordo com sua<br />
natureza criada e, sobretudo, com a<br />
natureza de Deus. Conhecendo-O e<br />
tendo d’Ele recebido inúmeras provas<br />
de bondade, Adão, entretanto,<br />
pecou contra Deus!<br />
O que é então o pecado? É um<br />
ato de revolta contra Deus, que o<br />
homem praticou violando a ordem<br />
por Ele instituída.<br />
Examinando então os Dez Mandamentos,<br />
numa rápida inspeção de<br />
horizontes, percebemos o que eles<br />
têm de profundo: são conseqüência<br />
da ordem natural das coisas posta<br />
por Deus.<br />
Os Dez Mandamentos<br />
A Lei imposta por Deus é bela<br />
e ordenada. Ela compreende dois<br />
grupos de Mandamentos: os que<br />
dizem respeito ao relacionamento<br />
do homem com Deus e os que tratam<br />
das relações dos homens entre<br />
si. Três Mandamentos pertencem<br />
ao primeiro grupo, sete ao<br />
segundo.<br />
Quanto ao primeiro grupo,<br />
analisando-o, facilmente<br />
conclui-se sua objetividade:<br />
sendo o Criador infinitamente<br />
superior aos<br />
homens, devemos amá-<br />
Lo sobre todas as coisas,<br />
não tomar o seu Santo<br />
Nome em vão e guardar<br />
os dias a Ele consagrados;<br />
estes são exatamente<br />
os três Mandamentos<br />
que se referem ao primeiro<br />
grupo.<br />
Analisemos alguns dos<br />
Mandamentos de ambos os<br />
grupos.<br />
Não tomar seu Santo<br />
Nome em vão<br />
O que quer dizer “não tomar<br />
o seu Santo Nome em vão”?<br />
Significa nunca pronunciar<br />
o Nome de Deus, a não ser havendo<br />
uma razão à altura. Então,<br />
nunca blasfemar — é o arquétipo<br />
de tomar o Nome de Deus erradamente<br />
— nem empregar seu<br />
Nome numa conversa sem que seja<br />
razoável, porque Ele é tão supremo<br />
e sagrado, que usá-Lo sem necessidade<br />
já significa faltar-Lhe com<br />
o respeito.<br />
Este preceito também se refere de<br />
algum modo àqueles que têm uma<br />
Sergio Hollmann<br />
21
O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
particular relação com o Altíssimo<br />
e, por causa disso, também às coisas<br />
sagradas as quais não podemos<br />
mencionar em vão, nem fazer brincadeiras,<br />
gracejos, porque elas participam<br />
de certa forma da dignidade<br />
de Deus.<br />
Antes de tudo, o mais suave e santo<br />
dos nomes, usado pelo Homem-<br />
Deus: o Santíssimo Nome de Jesus!<br />
E depois, o mais doce e acessível<br />
dos nomes utilizado pela mais sublime<br />
das meras criaturas: o dulcíssimo<br />
Nome de Maria. São nomes que<br />
não podem ser empregados em vão.<br />
É preciso haver uma razão para usá-<br />
Los com respeito porque, do contrário,<br />
peca-se.<br />
E, por conexão, também os nomes<br />
de pessoas, de instituições que<br />
merecem o devido respeito. Entre<br />
nós é costume, sempre que se fala<br />
de uma pessoa eclesiástica, mencio<br />
O pecado<br />
é um ato<br />
de revolta<br />
contra Deus,<br />
que o homem<br />
pratica<br />
violando a<br />
ordem por Ele<br />
instituída.<br />
nar o título antes de indicar o nome:<br />
Padre, Cônego, Monsenhor, Dom,<br />
Cardeal. Porque o nome da pessoa,<br />
pela função sagrada por ela exercida,<br />
se tornou tão respeitável que<br />
não deve ser usado sem o respectivo<br />
título.<br />
É mais ou menos como numa família<br />
bem constituída: quando os filhos<br />
falam do pai, da mãe, não dizem<br />
o fulano ou a fulana, mas papai<br />
ou mamãe. E, referindo-se a um<br />
tio ou uma tia, tio Fulano ou tia Fulana,<br />
pelo respeito especial que lhes<br />
devem.<br />
Terceiro Mandamento:<br />
Guardar os dias de festa<br />
Acho o terceiro Mandamento<br />
uma linda coisa, uma espécie de imposto<br />
que Deus cobra dos homens.<br />
O Criador quer que o homem Lhe<br />
consagre um dia por semana, ou seja,<br />
nesse dia, não cuide de ganhar dinheiro.<br />
O que há de Sabedoria dentro disso<br />
é verdadeiramente extraordinário!<br />
Não cuidar de ganhar dinheiro<br />
e não pensar no dinheiro que vai<br />
Arquivo revista<br />
22
Estando no ápice da<br />
Criação, Adão tinha<br />
por obrigação agir de<br />
acordo com a sua<br />
própria natureza, de<br />
modo que a ordenação<br />
estabelecida pelo<br />
Criador se verificasse<br />
nele com mais<br />
perfeição do que<br />
em todas as outras<br />
criaturas visíveis.<br />
obter no dia seguinte. Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo diria mais tarde: “Olhai<br />
os lírios dos campos, que não tecem<br />
nem fiam, entretanto nem Salomão<br />
em toda a sua glória se vestiu como<br />
eles!” 1<br />
Consideremos a bondade de<br />
Deus. Ele tira da vida limitada do<br />
homem um sétimo dia, mas precisamente<br />
isso Ele lhe dá sob a forma<br />
de repouso... É bem à maneira divina!<br />
No momento mesmo em que faz<br />
a pessoa dar-Lhe algo, Deus põe na<br />
mão dela algo muito maior do que<br />
aquilo por ela doado: é o descanso,<br />
a distensão, o dia do Senhor. Como<br />
que lhe dizendo: “Pare, reze, eleve o<br />
seu espírito.”<br />
Quantas pessoas há que, no domingo,<br />
preocupam-se apenas em<br />
conservar sua saúde com a distensão<br />
própria deste dia!<br />
Enquanto o Criador lhe cobra, o<br />
homem se vê inundado por um novo<br />
dom de Deus. Já imaginaram a tristeza<br />
de uma vida em que nunca houvesse<br />
domingos?<br />
Estes são dias que vêm acompanhados<br />
de uma bênção, de qualquer<br />
coisa de festivo, fazendo com que já<br />
no sábado se comece a respirar uma<br />
atmosfera especial. E aos domingos<br />
de manhã, quando se acorda, tem-se<br />
uma impressão de certa clemência<br />
de Deus, de uma distensão: “Agora<br />
chegou a sua vez de descansar;<br />
pare, não tenha preocupações...” É<br />
a bondade de Deus pairando sobre<br />
cada ser, fazendo-lhe sentir que Ele<br />
é Pai. Quanta beleza há nisso!<br />
É conforme a ordem natural das<br />
coisas que Deus possa cobrar do homem<br />
esse dia. Está na ordem da<br />
bondade de Deus que Ele “pague”<br />
desse modo maravilhoso o que o homem<br />
dá.<br />
Honrar pai e mãe!<br />
Está na natureza das coisas o seguinte:<br />
nossa alma é criada diretamente<br />
por Deus e insuflada por Ele<br />
no corpo que nossos pais geraram.<br />
A ação principal é de Deus. Nossos<br />
pais, quando nos geraram,<br />
cumpriram a intenção que está<br />
na ordem natural, tendo um<br />
filho. E se eu não posso, de<br />
nenhum modo, ofender a<br />
Deus, que criou minha alma,<br />
por uma razão menor,<br />
mas quão verdadeira,<br />
não devo ofender os<br />
meus pais que geraram<br />
meu corpo.<br />
Lembro-me de que<br />
um livro de piedade<br />
apresenta um exemplo<br />
muito bem calculado,<br />
de um artista que<br />
esculpisse uma figura<br />
em pedra; e no momento<br />
em que a estátua<br />
estivesse concluída,<br />
ela desse uma bofetada<br />
no escultor. Este<br />
se sentiria ultrajado.<br />
É natural, pois ele<br />
é a causa da estátua.<br />
Ora, o filho é muito<br />
mais feito pelos pais<br />
do que uma estátua<br />
por um escultor. Então,<br />
“honrarás pai e<br />
mãe”.<br />
T. Ring<br />
23
O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
E o pátrio poder é um padrão de<br />
todos os poderes que há na Terra, os<br />
quais, quando bem compreendidos e<br />
bem exercidos, têm algo de paterno.<br />
Quem exerce o poder deve governar<br />
paternalmente o súdito, e este precisa<br />
obedecer filialmente. Razão pela<br />
qual se deve prestar toda a honra<br />
àqueles que estão constituídos em<br />
poder. Do contrário, se transgride o<br />
Mandamento: “honrarás pai e mãe”.<br />
Honrar pai e mãe não significa<br />
apenas obedecer, mas prestar respeito.<br />
Merecem respeito também os<br />
que estão constituídos em dignidade:<br />
o superior de uma ordem religiosa, o<br />
chefe de um exército, o reitor de uma<br />
universidade, quem dirige qualquer<br />
espécie de organização.<br />
Não matarás!<br />
Quinto Mandamento: Não matarás!<br />
Quem não percebe que o homem<br />
não tem o direito de matar<br />
outro homem? Quem tira a vida de<br />
outro abusa de sua própria natureza<br />
e atenta contra a natureza do outro.<br />
Caim quando matou Abel, vendo-o<br />
morto, saiu correndo e por toda<br />
parte aonde ia, sentia o castigo<br />
de Deus pesar sobre ele. Por quê?<br />
Matou seu irmão, matou outro homem.<br />
O homem não tem o direito de<br />
matar aquele que é semelhante a ele.<br />
Matando uma pessoa, o assassino<br />
presumiu ser o que ele não é. Além<br />
disso, cometeu outro mal: tirou a vida<br />
que está na natureza da vítima<br />
possuí-la. Se espancar um outro, o<br />
indivíduo comete um pecado que está<br />
nas encostas do “não matarás”.<br />
Não pecar contra a<br />
castidade; não cobiçar<br />
a mulher do próximo!<br />
Sexto e nono Mandamentos: Não<br />
pecar contra a castidade; não cobiçar<br />
a mulher do próximo.<br />
Honrar pai e mãe<br />
não significa apenas<br />
obedecê-los, mas<br />
prestar-lhes respeito.<br />
Merecem respeito<br />
também os que estão<br />
constituídos em<br />
dignidade: o superior<br />
de uma ordem<br />
religiosa, o reitor de<br />
uma uiversidade,<br />
quem dirige<br />
qualquer espécie de<br />
organização.<br />
O que é a castidade? Como se<br />
prova que ela não deve ser violada?<br />
O que isto tem a ver com a ordem<br />
natural das coisas?<br />
A castidade tem dois graus: a matrimonial<br />
e a castidade perfeita.<br />
A castidade matrimonial é a daqueles<br />
que contraem casamento, e<br />
desta maneira assumem o encargo<br />
de multiplicar a espécie humana e de<br />
educar os seus próprios filhos. Esta<br />
é a obrigação inerente ao casamento.<br />
A castidade perfeita é própria aos<br />
que não são casados.<br />
Mas o fim de ter filhos traz consigo<br />
a obrigação de educá-los. Realmente<br />
a Providência dotou os pais<br />
de recursos incomparáveis para educar<br />
os seus próprios filhos. O senso<br />
psicológico das mães, por exemplo,<br />
é uma coisa extraordinária... A mãe<br />
mais analfabeta, devido a seu instinto<br />
materno, conhece regras de pedagogia<br />
que os técnicos de repartições não<br />
conhecem. Porém, a educação dos filhos<br />
somente é bem feita em conjunto,<br />
pelo pai e pela mãe. Aqueles precisam<br />
ser conduzidos pela doçura da<br />
mãe e pela severidade do pai.<br />
Para exercerem bem essa tarefa,<br />
eles não podem separar-se. Portanto,<br />
o casamento deve ser monogâmico<br />
e indissolúvel.<br />
Castidade perfeita até ao casamento,<br />
fidelidade conjugal são princípios<br />
contidos no “não pecarás contra<br />
a castidade”. E mais ainda no<br />
preceito especial “não cobiçarás a<br />
mulher do próximo”, que é o nono<br />
Mandamento.<br />
O nono Mandamento, por sua<br />
vez, enfatiza um ponto: não se pode<br />
nem pensar em ter a mulher do próximo.<br />
Quer dizer, em assunto de pureza,<br />
como, aliás, em todas as matérias,<br />
não se deve nem cogitar em pecar.<br />
Quem pensa em pecar, já pecou!<br />
Não furtarás;<br />
não cobiçaras as<br />
coisas alheias<br />
O homem é dono de si mesmo.<br />
Sendo dono de si mesmo, ele é dono<br />
de sua capacidade de trabalho. Sendo<br />
dono de sua capacidade de trabalho,<br />
ele é dono do fruto de seu trabalho.<br />
Se alguém, por exemplo, que se<br />
põe a vaguear por um sertão qualquer,<br />
encontra frutas pendentes de<br />
várias árvores que não pertencem a<br />
ninguém, colhe um bom número delas<br />
e faz para si uma matalotagem,<br />
ele se torna dono desta, pois é fruto<br />
de seu trabalho. Porque as frutas<br />
pendentes da árvore sem dono estão<br />
postas lá por Deus para que alguém<br />
delas se aproprie. Uma pessoa por<br />
ali passou, se apropriou e realizou<br />
trabalho, que é uma razão a mais,<br />
além dessa destinação primeira.<br />
Aquilo ficou dela porque<br />
é dona de si mesma. E<br />
ninguém tem o direito<br />
de tirar para si<br />
algo de que o outro<br />
se apropriou,<br />
pois seria um<br />
furto.<br />
Recentemente<br />
eu estava<br />
lendo<br />
Arquivo revista<br />
24
Examinando os dez<br />
mandamentos,<br />
numa rápida inspeção<br />
de horizontes,<br />
percebemos o que eles<br />
têm de profundo:<br />
são consequência da<br />
ordem natural<br />
das coisas<br />
posta por Deus.<br />
num livro de Elaine Sanceau 2 uma<br />
descrição muito divertida da chegada<br />
dos portugueses a uma ilha, onde<br />
havia índios. Para alegrar os nativos<br />
eles distribuíam gorros vermelhos.<br />
O que um índio fazia com um gorro<br />
vermelho, não compreendo... Enfim,<br />
havia outras coisas engraçadíssimas.<br />
Quando foram embora da ilha,<br />
eles colocaram uma Cruz enorme, e<br />
aos pés da Cruz as armas do rei de<br />
Portugal. Aquela terra não tinha dono,<br />
porque índio no estado selvagem<br />
tem uma capacidade de possuir limitada<br />
— o que se poderia provar numa<br />
outra longa demonstração. Chega<br />
uma nação civilizada, Portugal, e<br />
coloca ali uma Cruz: é de Jesus Cristo!<br />
E as armas de Portugal: é do rei<br />
de Portugal! É inteiramente normal.<br />
Este nosso país estava como um fruto<br />
pendente; passou por cá Pedro<br />
Álvares Cabral e o colheu... É verdade<br />
que colheu um fruto enorme...<br />
Viva Portugal!<br />
Além de proibir o roubo, Deus<br />
ordena não cobiçarmos os bens<br />
alheios.<br />
Por exemplo, estando diante<br />
de uma loja onde se vende<br />
água-de-colônia, e vendo<br />
aproximar-se um homem<br />
que compra um frasco,<br />
quem fica com vontade<br />
excessiva de possuir este<br />
objeto, sem ter condições<br />
financeiras para<br />
tal, e o cobiça, peca<br />
contra o décimo<br />
mandamento. Mas se<br />
ele tiver dinheiro para<br />
comprar, não comete<br />
pecado.<br />
Quando se procede mal, então,<br />
cobiçando os bens do próximo?<br />
Quando se vê alguém ter bens que<br />
não se pode adquirir, e fica-se com<br />
raiva do próximo porque ele os tem.<br />
Oitavo mandamento<br />
Não levantar falso testemunho!<br />
A razão desse preceito entra pelos<br />
olhos de tal maneira que não precisamos<br />
justificá-lo. Se uma pessoa se<br />
comunica com outra, é para dizer a<br />
verdade. A voz foi dada para dizer<br />
a verdade, e a mentira é contrária à<br />
ordem natural. Portanto, deturpa a<br />
finalidade da palavra quem mente:<br />
não se pode levantar falso testemunho.<br />
***<br />
Eis aí uma exposição abreviada<br />
sobre a relação entre a ordem natural<br />
e os Dez Mandamentos. Assim<br />
compreendemos o pensamento de<br />
Santo Agostinho: “Um Estado onde<br />
todas as pessoas observassem os Dez<br />
Mandamentos chegaria ao seu fastígio,<br />
porque a ordem da natureza feita<br />
à imagem de Deus, expressão de<br />
sua vontade, sua sabedoria, foi obedecida<br />
e tudo prospera.” v<br />
(Extraído de conferência de<br />
17/3/1984)<br />
1) Lc. 12,27<br />
2) Elaine Sanceau. Historiadora de origem<br />
francesa, porém, nascida na Inglaterra.<br />
Em 1930 passou a residir em<br />
Portugal e lá escreveu inúmeras obras<br />
que narram as aventuras portuguesas<br />
em além-mar. (1896-1978)<br />
25
De Maria Nunquam Satis<br />
O mais doloroso<br />
adeus<br />
Quando Maria Santíssima levou o<br />
Menino Jesus ao Templo a fim de<br />
apresentá-lo ao Senhor, Simeão,<br />
dirigindo-se a Ela, profetizou que um<br />
gládio de dor Lhe transpassaria a alma.<br />
Ao meditar na Paixão de Cristo, <strong>Dr</strong>.<br />
<strong>Plinio</strong> contempla o cumprimento deste<br />
prenúncio e a extrema angústia de Maria<br />
ao ver o padecimento de seu Divino<br />
Filho.<br />
Fotos: T. Ring<br />
ALei do Antigo Testamento<br />
estabelecia que, completados<br />
quarenta dias do nascimento<br />
de um filho primogênito, este<br />
deveria ser levado ao Templo a<br />
fim de ser resgatado; também a mãe<br />
da criança deveria ser purificada na<br />
mesma ocasião.<br />
Apesar de ser Mãe do Homem-<br />
Deus e concebida sem o pecado original<br />
— portanto, isenta de tal obrigação<br />
—, Nossa Senhora, por respeito<br />
à Lei e à tradição, desejou apresentar<br />
a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade<br />
no Templo de Jerusalém.<br />
A apresentação<br />
do Menino Jesus<br />
no Templo<br />
Lá se deu o episódio mais marcante<br />
da história do Templo: o próprio<br />
Deus encarnado visita aquele ambiente<br />
de oração e recolhimento. Naquele<br />
instante, os anjos, cheios de alegria,<br />
pervadiram o edifício sagrado.<br />
Porém, Nossa Senhora ali entrou<br />
sem que ninguém notasse tão grande<br />
presença.<br />
Simeão, o Profeta escolhido por<br />
Deus para esta ocasião, recebendo o<br />
Menino nos braços, louvou a Deus,<br />
dizendo: “Agora, Senhor, deixai o<br />
vosso servo ir em paz, segundo a vossa<br />
palavra. Porque os meus olhos viram<br />
a vossa salvação que preparastes<br />
diante de todos os povos.” 1<br />
Maria Santíssima ouvia as palavras<br />
daquele ancião que, profetizando<br />
o futuro do Menino, acrescentou:<br />
“Eis que este menino está destinado<br />
a ser uma causa de queda e de soerguimento<br />
para muitos homens em<br />
Israel, e a ser um sinal que provoca<br />
26
Apresentação do Menino Jesus no Templo. Pro-Catedral de Hamilton - Canadá<br />
rá contradições, a fim de serem revelados<br />
os pensamentos de muitos corações.<br />
E uma espada transpassará a<br />
tua alma.” 2<br />
Também Ana, a Profetisa, cantara<br />
as glórias do Divino-Menino. Por<br />
inspiração, ambos souberam o que<br />
somente São José e a Virgem Maria<br />
sabiam: o Menino era o Filho de<br />
Deus.<br />
Coração de Maria,<br />
transpassado<br />
por um gládio de dor!<br />
Pois bem, passaram-se os anos e<br />
o cumprimento da profecia de Simeão<br />
se aproximava — “uma espada<br />
transpassará a tua alma”...<br />
Chegou, enfim, o momento em<br />
que Ele — já homem maduro, aos<br />
trinta anos de idade — despediu-se<br />
Apesar de ser Mãe<br />
do Homem-Deus<br />
e concebida sem<br />
o pecado original,<br />
Nossa Senhora<br />
desejou apresentar a<br />
Segunda Pessoa da<br />
Santíssima Trindade<br />
no Templo de<br />
Jerusalém.<br />
de sua Mãe e partiu para pregar a<br />
bondade, maravilhar os homens, e...<br />
por eles ser crucificado! Era o doloroso<br />
adeus!<br />
Pode-se imaginar o que foi esse<br />
adeus: Nossa Senhora, indo à porta<br />
da casa e fitando-O; com o olhar,<br />
Ela acompanha seu Filho afastar-Se<br />
pela estrada.<br />
A partir daquele instante Ela permaneceu<br />
sozinha. Para consolá-La,<br />
os anjos cantavam. Mas, de que valiam<br />
essas canções em comparação<br />
com um olhar ou uma manifestação<br />
do carinho de Jesus por sua Mãe?<br />
Ouvir o eco de seus pés divinos sobre<br />
o pobre assoalho da casa santa<br />
enchia a alma de Maria de contentamento<br />
mais do que qualquer concerto<br />
angélico!<br />
Quem haveria de remediar essa<br />
ausência?<br />
A criatura zelando<br />
pelo Criador<br />
Outro episódio doloroso ainda se<br />
daria: o encontro de Maria com Je<br />
27
De Maria Nunquam Satis<br />
sus no caminho do Calvário. Apesar<br />
de não ser narrado pelos Evangelistas,<br />
creio ser o mais pungente que<br />
houve na Terra!<br />
A vocação de ser a Mãe do Verbo<br />
encarnado, pedia de Nossa Senhora<br />
uma perfeita aceitação das dores<br />
e angústias como as que Ela sofreu<br />
nesse doloroso encontro.<br />
Maria Santíssima recebeu do Padre<br />
Eterno a missão de conceber o<br />
Verbo de Deus — o que Ela realizou<br />
esplendidamente. Porém, a missão<br />
de concebê-Lo compreendia também<br />
a de gestá-Lo. E grande foi o<br />
cuidado que Ela dispensou a seu Divino<br />
Filho, para que tudo se realizasse<br />
de forma adequada, conveniente<br />
e santa.<br />
Pode-se imaginar o gáudio de Maria<br />
Santíssima ao sentir em Si mesma<br />
o Filho de Deus que se movimentava<br />
ainda antes de nascer; a santa comunicação<br />
existente entre ambos realizava-se<br />
através das inúmeras orações<br />
e meditações feitas por Ela, incessantemente.<br />
Nosso Senhor estava<br />
no interior d’Ela assim como está em<br />
alguém que O recebe condignamente<br />
no Santíssimo Sacramento.<br />
O período iniciado pela primeira<br />
reflexão de Nossa Senhora a respeito<br />
do Salvador, chegou a seu termo<br />
no momento em que Ele nasceu e,<br />
pela primeira vez, os olhares d’Eles<br />
se cruzaram. O rosto d’Ele era ainda<br />
pequeno, cheio de inocência, mas<br />
já com semblante de Rei e Mestre.<br />
Tal era a intensidade de sobrenatural<br />
que se irradiava ao seu redor, que<br />
à sua proximidade qualquer enfermo<br />
de corpo ou de alma poderia sanarse<br />
imediatamente.<br />
Quando Adão e Eva pecaram,<br />
comendo o fruto proibido, seus<br />
olhos se abriram e Deus teve de confeccionar<br />
para eles os primeiros trajes.<br />
Entretanto, quando o Menino<br />
Jesus nasceu, Maria Santíssima<br />
vestiu o Criador: agora, era a criatura<br />
humana quem vestia o próprio<br />
Deus!<br />
Por que me abandonaste?<br />
Após o nascimento do Menino-Deus,<br />
Nossa Senhora tinha como<br />
missão educá-Lo e formá-Lo<br />
até que Ele chegasse à maturidade.<br />
Mas isto não bastava: quando Jesus<br />
atingiu a idade perfeita, Ela teve<br />
de acompanhá-Lo ao Calvário para,<br />
aos pés da Cruz, receber o último<br />
olhar d’Ele.<br />
Ao cabo dos trinta e três anos<br />
de maravilhamento de Maria por<br />
seu Divino Filho, e de adoração cada<br />
vez mais ardorosa e incessante,<br />
tudo desfechou na paixão e morte<br />
d’Ele.<br />
No momento em que Nosso Senhor<br />
rendeu seu espírito ao Padre<br />
Eterno, dizendo “meus Deus, meus<br />
Deus, por que me abandonaste?”,<br />
Maria, estando presente, certamente<br />
O ouviu. Qual não terá sido a repercussão<br />
desse sofrimento no coração<br />
de uma mãe? Sobretudo, d’Aquela<br />
Mãe para com Aquele Filho. Momentos<br />
depois, Ele inclinou a cabeça<br />
e rendeu seu espírito.<br />
Nossa Senhora viu o Corpo de<br />
seu Filho repleto de feridas, já não<br />
mais trajando aquela túnica inocentíssima<br />
— que se diria feita de raios<br />
No momento em<br />
que Nosso Senhor<br />
rendeu seu espírito<br />
ao Padre Eterno,<br />
dizendo “meu Deus,<br />
meu Deus, por que<br />
me abandonaste?”,<br />
Maria, estando<br />
presente, o ouviu.<br />
Qual não terá sido<br />
a repercussão desse<br />
sofrimento no coração<br />
de uma mãe?<br />
Nossa Senhora das Dores.<br />
28
de luz — que Ela mesma confeccionara.<br />
Imaginemos a dor da Mãe<br />
contemplando o Filho que sofria<br />
tão grande despojamento!<br />
Enquanto José de Arimateia e<br />
Nicodemos preparavam os bálsamos<br />
para cobrir as feridas do Divino<br />
Mestre, Maria Santíssima O sustentava<br />
em seus braços virginais.<br />
Paz em meio à<br />
amargura<br />
Ela viu a realização do desejo de<br />
Jesus de entregar a última gota de<br />
seu Sangue pela humanidade, quando<br />
a lança de Longinos penetrou o<br />
lado do Salvador. Nossa Senhora<br />
contemplou aquele flanco ferido e,<br />
certamente, rezou: “Coração de Jesus<br />
perfurado pela lança, tende piedade<br />
e nós!”<br />
Como era costume entre os judeus,<br />
envolveram o Corpo Sagrado<br />
de Jesus num sudário. Finda a preparação<br />
do cadáver, aquele divino<br />
Corpo foi depositado na sepultura.<br />
Rolaram a lápide que fechava a sepultura;<br />
tudo estava acabado, a morte<br />
reinava!<br />
Após esses momentos de extrema<br />
dor, Nossa Senhora voltou para<br />
casa acompanhada por seu novo<br />
filho, o Apóstolo virgem. As santas<br />
mulheres que A seguiam não se<br />
continham em prantos, e Ela, ao invés<br />
de ser consolada, precisava consolá-las.<br />
Imagino que, acompanhados por<br />
Nossa Senhora, os Apóstolos e discípulos<br />
dirigiram-se para o cenáculo.<br />
Lá rezavam e choravam. Maria Santíssima<br />
deve ter permanecido em silêncio,<br />
pacífica e serenamente lembrando-se<br />
dos fatos ocorridos. Assim<br />
se cumpriam as palavras proféticas<br />
do livro de Isaías: “Ecce in pace<br />
amaritudo mea amaríssima — Eis na<br />
paz a minha amargura enormemente<br />
amarga.” 3<br />
Comparados com o tamanho da<br />
amargura de Maria, os oceanos são<br />
Após estes momentos<br />
de extrema dor,<br />
Nossa Senhora<br />
voltou para casa<br />
acompanhada por<br />
seu novo filho, o<br />
Apóstolo virgem.<br />
As santas mulheres<br />
que A seguiam não<br />
se continham em<br />
prantos, e Ela, ao<br />
invés de ser consolada,<br />
precisava consolá-las.<br />
pequenos, o suficiente para caberem<br />
na concha de uma mão!<br />
Para que se faça a<br />
vossa Vontade<br />
Em meio a tantas dores pelas<br />
quais Ela passava, havia uma consolação:<br />
Quem obteve a redenção para<br />
o gênero humano senão o Filho que<br />
Ela concebeu? Ele — o Redentor e<br />
fonte de toda Graça — caso não tivesse<br />
morrido na Cruz, não redimiria<br />
a pobre humanidade pecadora.<br />
Essa torrente de Graças que jorra<br />
sobre a humanidade abriu-se para os<br />
homens a partir do momento em<br />
que Ela disse: “Fiat mihi secundum<br />
verbum tuum!”; e abundou sobre o<br />
mundo quando Maria deu seu consentimento<br />
a fim de que Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo morresse na<br />
Cruz.<br />
v<br />
1) Lc. 2,29-32.<br />
2) Lc. 2,34-35.<br />
3) Is. 38,17.<br />
(Extraído de conferência<br />
de 2/2/1985)<br />
29
“R-CR” em perguntas e respostas<br />
Revolução,<br />
filha do pecado<br />
30<br />
Acompanhemos <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em mais um trecho de sua obra “Revolução<br />
e Contra-Revolução”. No presente artigo ele nos mostra como<br />
subestimando a existência do pecado e eliminando das consciências<br />
a distinção entre bem e mal, a Revolução pretende negar a Redenção<br />
operada por Nosso Senhor Jesus Cristo.<br />
S. Hollmann
H<br />
á alguma relação entre pecado<br />
e Revolução?<br />
“Dentre os múltiplos aspectos<br />
da Revolução, é importante ressaltar<br />
que ela induz seus filhos a subestimarem<br />
ou negarem as noções de<br />
bem e mal, de pecado original e Redenção”<br />
(p. 86-87)<br />
Por que a Revolução não quer que<br />
se fale de pecado?<br />
“A Revolução é, como vimos, filha<br />
do pecado. Mas, se ela o reconhecesse,<br />
desmascarar-se-ia e se voltaria<br />
contra sua própria causa.<br />
“Explica-se, assim, por que a Revolução<br />
tende, não só a passar sob silêncio<br />
a raiz de pecado da qual brotou,<br />
mas a negar a própria noção do<br />
pecado. Negação radical, que inclui<br />
tanto a culpa original quanto a<br />
atual” (p. 87).<br />
De que modo essa negação do pecado<br />
se realiza?<br />
Ela “se efetua principalmente:<br />
— Por sistemas filosóficos ou jurídicos<br />
que negam a validade e a existência<br />
de qualquer Lei moral ou dão<br />
a esta os fundamentos vãos e ridículos<br />
do laicismo.<br />
— Pelos mil processos de propaganda<br />
que criam nas multidões um<br />
estado de alma em que, sem se afirmar<br />
diretamente que a moral não<br />
existe, se faz abstração dela, e toda a<br />
veneração devida à virtude é tributada<br />
a ídolos como o ouro, o trabalho,<br />
a eficiência, o êxito, a segurança, a<br />
saúde, a beleza física, a força muscular,<br />
o gozo dos sentidos, etc.” (p. 87).<br />
Qual a consequência de tudo isso?<br />
“É a própria noção de pecado,<br />
a distinção mesma entre o bem e o<br />
mal, que a Revolução vai destruindo<br />
no homem contemporâneo. E, ipso<br />
facto, vai ela negando a Redenção de<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo, que, sem<br />
o pecado, se torna incompreensível e<br />
perde qualquer relação lógica com a<br />
História e a vida” (p. 87-88).<br />
Em sua etapa liberal, como a Revolução<br />
subestimou ou negou o pecado?<br />
“Na fase liberal e individualista,<br />
ela ensinou que o homem é dotado<br />
de uma razão infalível, de uma<br />
vontade forte e de paixões sem desregramentos.<br />
Daí uma concepção da<br />
ordem humana, em que o indivíduo,<br />
reputado um ente perfeito, era tudo,<br />
e o Estado nada, ou quase nada,<br />
um mal necessário... provisoriamente<br />
necessário, talvez. Foi o período<br />
em que se pensava que a causa única<br />
de todos os erros e crimes era a ignorância.<br />
Abrir escolas era fechar prisões.<br />
O dogma básico destas ilusões<br />
foi a conceição imaculada do indivíduo”<br />
(p. 88).<br />
“É a própria noção<br />
de pecado que a<br />
Revolução vai<br />
destruindo no homem<br />
contemporâneo. E,<br />
ipso facto, vai ela<br />
negando a Redenção<br />
de Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo, que,<br />
sem o pecado, perde<br />
qualquer relação<br />
lógica com a História<br />
e a vida”<br />
Diante do fracasso dessa concepção,<br />
que fez a Revolução?<br />
“Em vez de reconhecer seu erro,<br />
ela o substituiu por outro. Foi a conceição<br />
imaculada das massas e do<br />
Estado. Os indivíduos são propensos<br />
ao egoísmo e podem errar. Mas as<br />
massas acertam sempre, e jamais se<br />
deixam levar pelas paixões. Seu impecável<br />
meio de expressão, o sufrágio<br />
universal, do qual decorrem os<br />
parlamentos impregnados de pensamento<br />
socialista, ou a vontade forte<br />
de um ditador carismático, que guia<br />
sempre as massas para a realização<br />
da vontade delas” (p. 89).<br />
Em suma, em quem a Revolução<br />
confia?<br />
“De qualquer maneira, depositando<br />
toda a sua confiança no indivíduo<br />
considerado isoladamente,<br />
nas massas, ou no Estado, é no homem<br />
que a Revolução confia. Autosuficiente<br />
pela ciência e pela técnica,<br />
pode ele resolver todos os seus<br />
problemas, eliminar a dor, a pobreza,<br />
a ignorância, a insegurança, enfim<br />
tudo aquilo a que chamamos<br />
efeito do pecado original ou atual”<br />
(p. 89-90).<br />
Em que consiste a utopia para a<br />
qual a Revolução nos vai conduzindo?<br />
“Um mundo em cujo seio as pátrias<br />
unificadas numa República Universal<br />
não sejam senão denominações<br />
geográficas, um mundo sem desigualdades<br />
sociais nem econômicas,<br />
dirigido pela ciência e pela técnica,<br />
pela propaganda e pela psicologia,<br />
para realizar, sem o sobrenatural,<br />
a felicidade definitiva do homem: eis<br />
a utopia para a qual a Revolução nos<br />
vai encaminhado” (p. 90).<br />
Nesse quadro, qual o papel da Redenção<br />
de Cristo?<br />
“Nesse mundo, a Redenção de<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo nada tem<br />
a fazer. Pois o homem terá superado<br />
o mal pela ciência e terá transformado<br />
a terra em um ‘céu’ tecnicamente<br />
delicioso. E pelo prolongamento indefinido<br />
da vida esperará vencer um<br />
dia a morte” (p. 90) 1 .<br />
Com o presente artigo concluímos<br />
a publicação de trechos do livro<br />
“Revolução e Contra-Revolução”.<br />
Passaremos a publicar comentários<br />
feitos por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> aos temas<br />
desenvolvidos em seu livro.<br />
1) Para todas as referências: “Revolução<br />
e Contra-Revolução”, Editora Retornarei,<br />
São Paulo, 5ª edição em português,<br />
254 páginas.<br />
31
Luzes da Civilização Crista<br />
Homens-torre!<br />
Uma bela torre<br />
medieval posta<br />
ao lado de um<br />
simples edifício<br />
tem a capacidade<br />
de ressaltar a<br />
beleza e aumentar<br />
a importância<br />
deste. <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>,<br />
com agudo senso<br />
de reversibilidades,<br />
transpõe este<br />
princípio para o<br />
papel de certos<br />
homens na História.<br />
N<br />
ão raras vezes, encontramo-nos<br />
enlevados ao considerar<br />
os admiráveis monumentos<br />
da arquitetura gótica como,<br />
por exemplo, uma torre audaciosa<br />
e imponente de uma catedral<br />
ou de um castelo.<br />
Há um princípio peculiar que,<br />
aplicado nessas circunstâncias, resulta<br />
infalível: qualquer coisa posta em<br />
torno destas altaneiras edificações,<br />
por pouco de beleza que possua, parece<br />
tomar um esplendor incomum,<br />
ainda que seja em algo desproporcionado<br />
ao monumento que a sustenta.<br />
32
Tomado um elemento<br />
muito belo, por menor<br />
que seja a beleza<br />
dos outros que o<br />
circundam, o primeiro<br />
espalha em torno de si<br />
a sua grandiosidade.<br />
Torre de Belém -<br />
Portugal<br />
33
Luzes da Civilização Crista<br />
A beleza de uma torre está ligada<br />
a vários fatores: as proporções entre<br />
a largura e a altura, o tamanho<br />
de sua base e a maneira de seu acabamento.<br />
Quando essas proporções<br />
estão harmonizadas entre si, há uma<br />
bela torre. Sobretudo quando ela é<br />
feita de um material valioso, como<br />
o granito, de pedras resistentes e duradouras,<br />
então a torre lucra ainda<br />
mais em esplendor.<br />
Imaginemos a imensa torre de<br />
uma catedral em construção. Apenas<br />
a torre está inteiramente terminada,<br />
o restante da construção ainda<br />
está por se fazer e, por isso, quase<br />
não há nada edificado a sua volta.<br />
Entretanto, uma primeira capela pequenina,<br />
esboço da futura construção<br />
imponente, levanta-se como que<br />
aconchegada junto à torre. Embora<br />
a torre seja enorme em relação à pequena<br />
capela, existe um jogo de proporções<br />
pelo qual a capelinha fica<br />
encantadora, apoiada na torre monumental:<br />
é o esplendor da desproporção!<br />
Podíamos também imaginar uma<br />
construção de tamanho médio, a<br />
qual tivesse alguma proporção com<br />
a torre e, de algum modo, a complementasse.<br />
Este edifício, caso não<br />
houvesse a torre, seria comum, mas<br />
porque está ao lado de um torreão<br />
imponente, adquire uma beleza e<br />
um encanto próprios. A torre é que<br />
o realça, mas, de certa forma, ele<br />
também realça a torre.<br />
Tomado um elemento muito belo,<br />
por menor que seja a beleza dos outros<br />
que o circundam, o primeiro espalha<br />
em torno de si a sua grandiosidade.<br />
***<br />
O que se dá com torres na arquitetura,<br />
dá-se também na História<br />
com personagens. Aparecem na<br />
História certos homens que são como<br />
torres. Alguns são esguios e se<br />
elevam com finura, inteligência e<br />
subtileza, como minaretes. Outros,<br />
pelo contrário, são atarracados e<br />
A Providência pode<br />
suscitar repentinamente<br />
um santo que se eleve<br />
admiravelmente como<br />
padrão de perfeição<br />
espiritual para determinada<br />
época; ele personifica<br />
a virtude de sua era.<br />
Abaixo, campanário da Basílica<br />
de Santa Francisca Romana;<br />
à esquerda, Carlos Magno -<br />
Basílica de Lujan, Argentina.<br />
34
Catedral de Colônia - Alemanha<br />
fortes, parecendo<br />
garras que se elevam<br />
até ao Céu. Outros,<br />
ainda, são proporcionados,<br />
nobres, equilibrados<br />
e parecem marcar a<br />
cadência dos tempos e<br />
a ordem das coisas, como<br />
o Imperador Carlos<br />
Magno.<br />
O Grande Carlos é<br />
a grande torre a partir<br />
da qual se construiu<br />
toda a muralha do<br />
Ocidente Cristão.<br />
Respeitado por todos<br />
os homens — até<br />
por aqueles que o odiavam<br />
—, ele realçou as<br />
qualidades de seus súditos.<br />
Roland, Olivier,<br />
Turpin... tantos outros,<br />
foram tudo quanto<br />
lhes coube ser porque<br />
estavam juntos dele.<br />
É verdade que a glória<br />
dele se enriqueceu<br />
com os feitos de seus homens. Contudo,<br />
o que ele proporcionou aos<br />
seus foi muito mais do que aquilo<br />
que recebeu deles. Ele não é célebre<br />
por causa dos outros, mas os outros<br />
são célebres por causa dele. E<br />
dele se irradia uma determinada luz<br />
que cobre o seu século e o seu entourage<br />
com esplendor.<br />
Pode-se dizer, em nível mais modesto,<br />
que há grandes personagens<br />
que aparecem na História de um<br />
povo, dos quais se tem impressão<br />
que todas as forças vivas da nação<br />
concorreram para produzir aquela<br />
figura; porém, quando passar a<br />
sua época, a nação entrará num período<br />
de “cansaço”, tal foi o esforço<br />
empregado para acompanhá-la.<br />
Durante algum tempo, a nação viverá<br />
agradavelmente da glória do<br />
passado. Até que — sendo uma nação<br />
amada por Deus — apareçam<br />
novamente personagens marcantes.<br />
Na esfera sobrenatural isto também<br />
ocorre: em determinado lugar,<br />
a Providência suscita repentinamente<br />
um santo. Este se ergue admiravelmente<br />
como padrão de perfeição<br />
espiritual para determinada época;<br />
ele, como que, personifica a virtude<br />
de sua era.<br />
Isto de tal maneira é assim que,<br />
quando entra em cena alguém que<br />
teve um contato especial com um<br />
destes santos, as pessoas dirão: “Ele<br />
foi discípulo de São tal”, ou então,<br />
“a este, São Fulano tocou com a mão<br />
na cabeça quando era pequeno”. São<br />
repercussões e ressonâncias daquela<br />
santidade que se multiplicam pelos<br />
tempos, fazendo com que as figuras<br />
ou as recordações religiosas mais<br />
augustas fiquem interligadas àquela<br />
marcante figura.<br />
Assim são os personagens capazes<br />
de personificar torres. São construções<br />
seguras nas quais os homens de<br />
sua época podem apoiar-se, tomando-os<br />
como guias seguros e fortes.<br />
(Extraído de conferência<br />
de 21/12/1984)<br />
35
Que mãe dá uma serpente<br />
ao filho que lhe pede pão?<br />
Virgem Pastora.<br />
Paróquia de<br />
Sant’Ana<br />
- Sevilha,<br />
Espanha.<br />
S. Hollmann<br />
N<br />
osso Senhor incitava seus discípulos à oração<br />
e à súplica, afirmando: “Qual é o pai a quem<br />
o filho pedindo um pão, dá-lhe uma pedra?”<br />
Não se poderia imaginar outra atitude do pai para o<br />
filho, senão conceder aquilo que lhe é solicitado. Entretanto,<br />
se um pai não nega uma súplica filial, muito menos<br />
a negará uma mãe. Qual é a mãe que diante do filho que<br />
lhe pede pão, dá-lhe uma serpente? Se uma mulher tomasse<br />
esta atitude, não seria digna de ser chamada mãe.<br />
Nossa mãe é Nossa Senhora! Ela é um oceano insondável<br />
de excelências morais e modelo de misericórdia inconcebíveis<br />
pela mente humana. Por isso deve-se ter a<br />
convicção de que se receberá o que se pediu, pois a seu<br />
Divino Filho Ela apresenta os pedidos que lhe são feitos.<br />
E pedindo, Ela obtêm!<br />
(Extraído de conferência de 7/2/1991)