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Publicação Mensal Ano XII - Nº <strong>132</strong> Março de 2009<br />
Amor a<br />
toda forma de bem
São José - Oratório de São<br />
José, Montreal, Canadá<br />
F. Boulay/G. Kralj<br />
De todas as gloriosas palavras sobre São José, outras não dizem tanto quanto a simples<br />
afirmação de que foi esposo de Nossa Senhora e pai legal de Nosso Senhor Jesus Cristo.<br />
Pois Deus, tão magnificiente no predestinar, modelar e cumular de graças a Mãe do<br />
Verbo Encarnado, se-lo-ia menos no escolher e formar o homem destinado por Ele a ser esposo<br />
dessa Virgem Mãe e pai jurídico desse Filho?<br />
2<br />
(Extraído de conferência em 19/6/1966)
Sumário<br />
Publicação Mensal Ano XII - Nº <strong>132</strong> Março de 2009<br />
Ano XII - Nº <strong>132</strong> Março de 2009<br />
Amor a<br />
toda forma de bem<br />
Na capa,<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1993<br />
Foto: S. Miyasaki<br />
As matérias extraídas<br />
de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
— designadas por “conferências” —<br />
são adaptadas para a linguagem<br />
escrita, sem revisão do autor<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />
propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />
CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />
INSC. - 115.227.674.110<br />
Diretor:<br />
Antonio Augusto Lisbôa Miranda<br />
Editorial<br />
4 Eloqüente contraste<br />
Datas na vida de um cruzado<br />
5 19 de março de 1934:<br />
Homenagem ao Apóstolo do Brasil<br />
Dona Lucilia<br />
6 Dama paulista de outrora<br />
Conselho Consultivo:<br />
Antonio Rodrigues Ferreira<br />
Carlos Augusto G. Picanço<br />
Jorge Eduardo G. Koury<br />
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
10 Tempo de reflexão e de<br />
contrição<br />
Redação e Administração:<br />
Rua Santo Egídio, 418<br />
02461-010 S. Paulo - SP<br />
Tel: (11) 2236-1027<br />
E-mail: editora_retornarei@yahoo.com.br<br />
Impressão e acabamento:<br />
Pavagraf Editora Gráfica Ltda.<br />
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03335-000 S. Paulo - SP<br />
Tel: (11) 2606-2409<br />
14 Calendário dos Santos<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
16 Vigilância e oração<br />
“R-CR” em perguntas e respostas<br />
22 Contra-Revolução e sociedade temporal<br />
Preços da<br />
assinatura anual<br />
Comum . . . . . . . . . . . . . . R$ 90,00<br />
Colaborador . . . . . . . . . . R$ 130,00<br />
Propulsor . . . . . . . . . . . . . R$ 260,00<br />
Grande Propulsor . . . . . . R$ 430,00<br />
Exemplar avulso . . . . . . . R$ 12,00<br />
Serviço de Atendimento<br />
ao Assinante<br />
Tel./Fax: (11) 2236-1027<br />
O Santo do mês<br />
24 São Clemente Maria Hofbauer<br />
e a lição do “rio chinês”<br />
Luzes da Civilização Cristã<br />
30 Delicadeza e severidade<br />
Última página<br />
36 Sorridente misericórdia<br />
3
Editorial<br />
Eloqüente contraste<br />
Omês de março se inicia com o primeiro domingo da Quaresma. Tempo destinado pela Igreja para a penitência<br />
e para impetrarmos graças especiais a Deus. Período próprio, pois, à mortificação dos sentidos, em união<br />
com os padecimentos de Nosso Senhor Jesus Cristo, em memória dos quarenta dias de jejum praticado por<br />
Ele no deserto.<br />
Ora, costumes nascidos na decadência da Cristandade medieval implantaram, nos dias que antecedem a Quartafeira<br />
de Cinzas, os folguedos de Carnaval. Estes, ao longo dos tempos, foram se degenerando até os atuais e inqualificáveis<br />
desregramentos.<br />
Em 1935, quando tais festejos ainda se achavam longe dos desmandos de hoje, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, já influente líder católico,<br />
ressaltava a benemérita iniciativa da Igreja de congregar os jovens, nesses dias, para um retiro espiritual. E salientava<br />
o contraste entre as festas que as ruas daquele tempo viviam, e a atitude desses moços e moças dispostos a<br />
praticar louvável penitência:<br />
“Enquanto a imprensa diária consagra longas colunas ao noticiário dos festejos carnavalescos, com grande abundância<br />
de detalhes sobre os mais insignificantes bailes de várzea, que se desenrolarão neste São Paulo oficialmente<br />
enlouquecido por três dias, todas as referências ao retiro promovido pela Federação Mariana são cuidadosamente<br />
relegadas para pequenas notícias nas seções religiosas.<br />
“Por quê? Dos dois fatos, nos tristes dias que vivemos, qual o mais digno de atenção e de louvor: que uma população,<br />
oficialmente estimulada para isto, se entregue aos prazeres fáceis do Carnaval, ou que uma numerosa mocidade,<br />
vencendo a resistência do ambiente, renuncie a todos estes prazeres, tão atraentes quando se é jovem, para se entregar<br />
voluntariamente à austeridade de um retiro espiritual? (...)<br />
“[Nos desfiles do Carnaval], alguns usam máscaras de pano ou papelão. Mas a grande maioria usa a máscara de<br />
carne do seu próprio rosto. Todas estas máscaras riem. E não poderiam deixar de rir, uma vez que é preciso rir no<br />
Carnaval. Atrás destas máscaras, porém, algumas almas choram, muitas bocejam entediadas, outras se contraem ansiosas,<br />
e outras mantêm a impassibilidade das irremediáveis desilusões. Poucas riem de verdade. E, quando riem,<br />
não sabem os prantos que estão acumulando para amanhã... No seu pedestal, o Rei Momo ri sempre; poucos, porém,<br />
percebem porque ri. Ele, porém, o sabe. Ele ri da cegueira humana.<br />
“Passemos, subitamente, para o Liceu Coração de Jesus. Centenas de moços. No silêncio da noite, terminam-se<br />
as últimas orações. “‘Perdoai, Senhor, os pecados do mundo. Aceitai o sacrifício que Vos oferecemos na manhã de<br />
nossa vida. É o sacrifício dos divertimentos que poderíamos fazer sem Vos ofender, mas de que não nos aproveitamos<br />
para resgatar os pecados dos que Vos ofendem. É o sacrifício, também, dos divertimentos que Vos ofenderiam,<br />
e que, por isto mesmo, nós queremos afastar para muito longe. Aceitai, ó Pai de misericórdia, a reparação que depositamos<br />
sobre vosso altar. Muitos riem, outros choram, quase todos, rindo ou chorando, pecam porque sofrem ou se<br />
divertem longe de Vós. Quando suportamos no silêncio o riso dos que não compreenderam nossa piedade, perdoai<br />
Senhor, as gargalhadas dos que Vos insultam no deboche e na imoralidade.<br />
“‘Quando choramos com lágrimas amargas nossos pecados, aliviai, Senhor, as dores dos que sofrem longe de Vós.<br />
Quando ouvirmos as palavras do sacerdote que nos prega o retiro, fazei, Senhor, que seus ecos penetrem, sobre forma<br />
de íntimas inspirações, até o âmago de tantos corações que não Vos querem ouvir. Quando, enfim, descansarmos<br />
no sono das consciências tranqüilas, dai um pouco de nossa paz àquelas almas que se agitam longe de Vós, procurando<br />
no pecado uma felicidade que só em Vós se pode encontrar.<br />
“‘Perdoai, Senhor, perdoai nossa Pátria. Para vô-Lo pedir, não Vos trazemos, nós, corpos gastos pela vida ou almas<br />
maculadas pelo pecado. É a manhã de nossa vida que oferecemos, é o nosso sacrificium vespertinum. Senhor! É<br />
o Brasil de amanhã que Vos fala. Perdoai o Brasil de hoje!’”<br />
(Transcrito do “Legionário”, de 3/3/1935)<br />
Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />
de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />
na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />
outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />
4
Datas na vida de um cruzado<br />
19 de março de 1934<br />
Homenagem ao<br />
Apóstolo do Brasil<br />
Há 75 anos, quando deputado na Assembléia<br />
Nacional Constituinte, <strong>Dr</strong>.<br />
<strong>Plinio</strong> julgou oportuno homenagear o<br />
Bem-aventurado José de Anchieta, cujo IV centenário<br />
de nascimento se aproximava. Persuadindo<br />
dessa necessidade a maior parte de sua<br />
bancada, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> foi por esta escolhido para<br />
discursar em louvor ao Apóstolo do Brasil. Assim,<br />
no dia 19 de março subiu à tribuna da Câmara<br />
e pronunciou ardorosas palavras, das quais<br />
transcrevemos a seguir alguns excertos:<br />
Nem o esquecimento nem a calúnia empanam<br />
o brilho da glória de Anchieta, que é hoje o sol<br />
que fulgura no zenite da História Brasileira. Seu<br />
vulto se ergue nas cabeceiras de nossa História,<br />
presidindo à formação da nacionalidade com<br />
seu vigor de herói e com sua virtude de santo.<br />
As figuras congêneres que vemos na nascente<br />
de um grande número de nações famosas, brilham,<br />
em geral, num ardor agressivo de heróis selvagens<br />
e implacáveis, conquistando a celebridade<br />
ora em guerras justas, ora em inqualificáveis rapinas.<br />
Sua existência é discutida, e suas grandezas<br />
são fantasias tecidas pelo orgulho nacionalista,<br />
que se dissipam inteiramente pelo estudo imparcial<br />
da História..<br />
Anchieta, pelo contrário, entrou para a História<br />
em um carro de triunfo que não era puxado<br />
por prisioneiros e vencidos, e nem a dor figurou<br />
no seu cortejo, nem os hinos de guerra celebraram<br />
seu triunfo e nem as armaduras foram seu<br />
paramento. Serviu-lhe de traje a túnica branca de<br />
sua inocência imaculada. Constituía-lhe o cortejo<br />
pacífico uma raça que arrancara da vida selvagem<br />
e defendera contra o cativeiro, e uma Nação<br />
inteira, que ajudara a construir para a maior<br />
glória de Deus, abrandando o rancor dos homens<br />
e das feras, na realização da promessa evangélica:<br />
Bem-aventurados os mansos, que possuirão<br />
a terra.<br />
Mas eu disse mal, quando afirmei que a dor não<br />
figurara no seu cortejo triunfal: era ela o nimbo que<br />
o aureolava. Era a dor cristã do pelicano, que enche<br />
de amargura o mártir e o Santo, mas banha em suavidade<br />
quantos dele se acercam. Ele passara sua<br />
vida a distribuir rosas... e os espinhos, guardara-os<br />
para si, nas labutas do apostolado.<br />
Em Anchieta, vas electionis [vaso de eleição],<br />
brotara uma flor de virtude, e esta flor, ele a semeou<br />
por todo o Brasil: é a mansidão suave ligada<br />
à energia serena mas inexorável, que é o eixo de<br />
nossa alma.<br />
Na Ilha das Canárias, refere Celso Vieira em<br />
seu livro sobre Anchieta, há um monte de cujo<br />
cume o excursionista pode contemplar, graças a<br />
um curioso fenômeno visual, a figura [do Beato]<br />
projetada em sete cores sobre o céu, numa visão<br />
magnífica de glória. Ele é vulto culminante de nossa<br />
História. E o fenômeno visual que Celso Vieira<br />
descreve, outra coisa não é senão o símbolo grandioso<br />
do seu destino, e da Nação que haveria de<br />
fundar.<br />
No momento presente, o Brasil atingiu, no seu<br />
roteiro histórico, uma culminância de onde se divisam<br />
ao mesmo tempo, sendas tortuosas que conduzem<br />
para vales sombrios, e caminhos luminosos<br />
para novas escaladas.<br />
Convém, pois, que nesta hora de tremendas responsabilidades,<br />
retemperemos nossa fibra na contemplação<br />
reconhecida do maior vulto de nosso<br />
passado, e que, desviando nossos olhares dos abismos<br />
que nos solicitam, olhemos para o alto num<br />
gesto de confiança em Deus, antevendo, projetada<br />
em sete cores sobre o céu do futuro, a nossa Pátria<br />
engrandecida pela plena realização de sua missão<br />
histórica providencial.<br />
v<br />
5
Dona Lucilia<br />
Dama paulista<br />
de outrora<br />
Ao nos descrever o temperamento e a forma de ser de sua<br />
mãe, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> salienta o afeto e a delicadeza de alma com<br />
que ela se relacionava, e a atitude que tomava perante a vida:<br />
um sentir-se a todo momento na presença de Deus para,<br />
no fim da existência terrena, apresentar-se ao Criador com<br />
todos os sacrifícios aceitos e a Ele oferecidos.<br />
Para melhor se compreender<br />
a personalidade de mamãe,<br />
é preciso tomar em consideração<br />
ter sido ela, fundamentalmente,<br />
uma senhora do século XIX, como<br />
aquele tempo entendia o modo<br />
de ser que uma senhora devia manifestar.<br />
O que em nada desmerece<br />
as características das damas nascidas<br />
nessa quadra histórica, pois a<br />
excelsa Santa Teresinha do Menino<br />
Jesus, nos seus escritos, na sua conduta<br />
antes de se tornar carmelita, e<br />
mesmo depois de ter ingressado no<br />
convento, portou-se em tudo como<br />
uma moça francesa do século XIX.<br />
As poesias da santa, os cânticos compostos<br />
por ela, seus desenhos e sua<br />
linguagem, eram próprios da jovem<br />
dos idos de 1880, assim como o pai<br />
dela, Sr. Martin, percebe-se pelas suas<br />
fotografias, era o típico Monsieur<br />
daquela época.<br />
Donde, o ponto de partida para<br />
se entender mamãe é situá-la como<br />
uma senhora nascida e formada, na<br />
sua mocidade, no século XIX.<br />
Invulgar maturidade<br />
de espírito<br />
Essa característica, somada a outras<br />
peculiaridades, faziam dela<br />
uma pessoa cuja mentalidade dir-seia<br />
muito anterior à da sua geração.<br />
Por exemplo, no convívio doméstico,<br />
Dona Lucilia conversava com a mãe<br />
dela quase como se fossem da mesma<br />
idade. Por outro lado, em relação<br />
à irmã seis anos mais nova, tratavam-se<br />
como se entre elas houvesse<br />
um valo divisório. Quer dizer, mamãe<br />
demonstrava possuir mais afinidade<br />
com as coisas e pessoas do tempo<br />
de minha avó — portanto, na flor<br />
do século XIX — do que com as de<br />
sua época ou pouco mais novas.<br />
Um fato ilustra bem essa situação.<br />
Nas primeiras décadas do século<br />
XX, muitas mulheres começaram<br />
a aderir à moda de cortar os cabelos,<br />
deixando-os bem curtos, junto<br />
ao queixo. Algumas parentes de mamãe,<br />
inclusive suas irmãs mais novas,<br />
logo adotaram o penteado em<br />
voga. Dona Lucilia, porém, nunca<br />
cortou os cabelos, e faleceu usando<br />
os cabelos compridos, como era típico<br />
das senhoras do século anterior.<br />
Basta analisar, aliás, fotografias<br />
dela tiradas quando tinha seus 35<br />
anos, e posteriores, para se perceber<br />
tratar-se de uma pessoa da Belle<br />
6
Arquivo revista<br />
Dona Lucilia<br />
em 1906<br />
7
Dona Lucilia<br />
Époque, que atingira uma maturidade<br />
de espírito maior do que o comum<br />
das mulheres de sua geração.<br />
Características da<br />
antiga dama paulista<br />
Poder-se-ia então perguntar como<br />
se apresentava uma senhora da aristocracia<br />
paulista do século XIX, como<br />
era mamãe.<br />
Eu diria que era uma senhora<br />
afeita, de maneira acentuada, ao âmbito<br />
doméstico. Passava a maior parte<br />
de seu tempo em casa, gostava de<br />
cuidar das coisas do lar, ausentandose<br />
poucas vezes para acompanhar as<br />
filhas. Duas ou três vezes por ano assistia<br />
a algum espetáculo de gala, especialmente<br />
quando atores estrangeiros<br />
encenavam peças no Teatro<br />
Municipal.<br />
A par desses eventos, a vida social<br />
consistia em visitas a amigos e parentes,<br />
nos moldes de outrora. Chegava-se<br />
à casa, tocava-se a campainha,<br />
a governanta ou outra ajudante<br />
aparecia:<br />
— Pois não?<br />
— Dona fulana está?<br />
— Ah, sim, por favor, entre. Vou<br />
avisar que a senhora a espera.<br />
A anfitriã se fazia aguardar durante<br />
alguns minutos de estilo, e então<br />
surgia, afável e acolhedora.<br />
— Ah! Bom dia! Como vai a senhora?<br />
Quanto gosto em recebê-la!<br />
— Vou bem, e a senhora, como<br />
está? E os seus filhos, como vão?<br />
Sentavam-se, e durante duas ou<br />
três horas desenrolava-se aquela<br />
conversa de visitas, entretenidas para<br />
elas e — devo dizê-lo — bem menos<br />
para os filhos e acompanhantes...<br />
Seja como for, mamãe recebia<br />
e fazia tais visitas, agradava-se com<br />
elas e à noite, durante o jantar, prolongava<br />
aquela satisfação comentando<br />
tais e tais aspectos, esse ou aquele<br />
fato aventado durante o encontro da<br />
manhã ou da tarde.<br />
Assim era ela, o seu ambiente, o<br />
tempo no qual nasceu e cresceu, e<br />
cujas influências marcaram sua vida.<br />
Agora, cumpre assinalar também<br />
o papel de uma senhora com essas<br />
características, dentro do convívio<br />
doméstico. Ela devia demonstrar<br />
uma forma de inteligência por onde<br />
compreendesse os imponderáveis do<br />
caráter, do temperamento, da tradição,<br />
da missão e do estilo da sua família.<br />
Compreendendo isso, eralhe<br />
dado representar nesse conjunto,<br />
com sutileza, o equilíbrio afetivo.<br />
Esse era o papel da senhora.<br />
Equilíbrio comunicativo<br />
Daí se perceber em mamãe um<br />
modo de ser pelo qual estava com a<br />
alma sempre franqueada para uma<br />
comunicação de equilíbrio emocional<br />
elevado. Ou seja, para aquelas<br />
pessoas que conviviam com ela, Do-<br />
Fotos: Arquivo revista/J. S. Dias<br />
8
Formada na<br />
mentalidade das<br />
antigas gerações,<br />
mamãe procurava<br />
sempre mostrar seu<br />
estado de espírito<br />
afetivo, desejoso de se<br />
comunicar e de ser<br />
aceito pelo próximo<br />
Dona Lucilia aos 91 anos; na<br />
página 8: sua mãe, Dona<br />
Gabriela, em 1912<br />
na Lucilia participava esse estado de<br />
espírito e lhes oferecia beneficiar-se<br />
do seu equilíbrio comunicativo.<br />
Entendamos o que chamo aqui<br />
de equilíbrio. As últimas fotografias<br />
de mamãe nos falam muito dessa<br />
característica. Nelas se nota ressaltado,<br />
sobretudo, um estado afetivo,<br />
desejoso de se comunicar, de<br />
ser aceito pelo próximo. Esse estado<br />
afetivo, por sua vez, contém muitas<br />
disposições de alma. Por exemplo,<br />
vendo-a, sentimo-nos em presença<br />
da boa mãe de família. Noutra<br />
ordem de idéias, percebe-se<br />
que é uma pessoa para quem a vida<br />
transcorreu inteira, conforme os<br />
desígnios de Deus, sob o amparo de<br />
Maria Santíssima. É uma pessoa vivida,<br />
que considera o sacrifício da<br />
existência consumado. Está pronta<br />
para morrer.<br />
Assim como o sacerdote, ao término<br />
da celebração eucarística, diz: Ite<br />
missae est, (“ide em paz, a Missa terminou”),<br />
assim mamãe, no fim de sua<br />
vida, podia afimar: Oblatio facta est. A<br />
oblação dela está feita. Não lhe resta<br />
mais o que viver,<br />
É o oferecimento, repassado de<br />
serenidade, de quem sofreu tudo e,<br />
do outro lado do sacrifício, encontrou<br />
a paz.<br />
v<br />
(Extraído de conferência<br />
em 21/4/1977)<br />
9
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
Tempo de reflexão<br />
e de contrição<br />
Quaresma de 1938. Aparecia na França o primeiro número<br />
de um jornal católico cujo programa inicial se assemelhava à<br />
orientação dada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> ao “Legionário”, a tribuna<br />
em que expressava seu amor à Igreja e ao Papado. Assim,<br />
aproveitando o ensejo do período litúrgico próprio à<br />
meditação e à penitência, escreveu o artigo transcrito a<br />
seguir, no qual dirige aos católicos brasileiros um vibrante<br />
apelo para que honrem sua autêntica condição de membros<br />
da Esposa Mística de Cristo.<br />
N<br />
ão podemos deixar de fazer alguns comentários<br />
a respeito do programa com que apareceu,<br />
[em Paris], o primeiro número do hebdomadário<br />
Temps Présent. Considerado em si, esse programa<br />
resume de modo tão fiel o pensamento das Encíclicas<br />
e coincide de tal maneira com a orientação do Legionário,<br />
que julgamos indispensável levá‐lo ao conhecimento<br />
de nossos leitores. Se Temps Présent vier a se manifestar<br />
católico não só na aparência, mas na sincera,<br />
obediente, íntima e afetuosa união de pensamento e de<br />
ação com o Papa, seja este nosso artigo uma homenagem<br />
àquela folha. Se, pelo contrario, Temps Présent não é católico<br />
ou — o que seria pior — é apenas pseudo‐católico,<br />
servimo‐nos de suas palavras como uma homenagem que<br />
o erro presta à verdade.<br />
O programa, como dissemos, é excelente. A prática<br />
demonstrará qual a interpretação e a aplicação que receberá<br />
de seus autores. Fazendo reserva quanto a esta segunda<br />
parte, é de nosso dever elogiar a primeira.<br />
Os princípios sociais da Igreja<br />
pedem uma realização concreta<br />
Começa Temps Présent por acentuar uma grande verdade:<br />
os princípios sociais da Igreja não foram traçados<br />
para permanecerem eternamente no mundo das idéias,<br />
sem realização concreta. É preciso, finalmente, descer da<br />
teoria à realidade e fazer com que a vida concreta das sociedades<br />
modernas seja realmente animada pela doutrina<br />
católica. Que as nuvens densas da palavra de Deus,<br />
portadoras da fecundidade, chovam efetivamente sobre<br />
a terra sedenta, penetrando‐a até nas suas camadas mais<br />
profundas, a fim de fazer com que sua fertilidade potencial<br />
se transforme em esplêndida colheita.<br />
10
Multidão de fiéis<br />
reunidos na Praça de<br />
São Pedro, Roma, para<br />
celebrar o Domingo de<br />
Ramos com o Papa<br />
D. Domingues<br />
11
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
Já se foi, para os católicos, o tempo dos congressos e das<br />
reuniões meramente doutrinárias. Ao estudo sólido e sério<br />
da doutrina, é preciso aliar um conhecimento objetivo, claro,<br />
preciso, da realidade. E a este duplo estudo é preciso<br />
aliar uma ação viva, enérgica, eficaz e profunda. Sem isto,<br />
os católicos no século XX não terão cumprido o seu dever.<br />
Todo católico é um portador<br />
de Cristo em si<br />
Esta ação supõe e exige a participação efetiva dos católicos,<br />
não apenas na vida política, mas nos setores mais<br />
importantes da economia e das atividades intelectuais.<br />
Todo o católico é um Christophorus, isto é, um portador<br />
de Cristo em si, ele O leva onde quer que vá. E<br />
onde ele se recusa a ir, o Cristo Salvador e Redentor,<br />
muitas vezes, deixa de entrar.<br />
A presença é, pois, um dever para o católico, e a ausência,<br />
uma traição. E esta regra é tão absoluta e tão grave<br />
que só comporta uma restrição ainda mais grave e mais<br />
absoluta: o interesse de sua própria salvação e santificação.<br />
Um católico só tem o direito e, mais do que isto, o dever<br />
de estar ausente dos lugares onde corra risco sua santificação,<br />
a juízo exclusivo de seu diretor espiritual.<br />
A necessária união dos católicos<br />
A este princípio verídico e eficaz, Temps Présent faz<br />
seguir outro. A união dos católicos deve existir em todos<br />
os pontos em que se tenha pronunciado a Igreja.<br />
No entanto, a aplicação prática dos princípios católicos<br />
podem ter licitamente opiniões divergentes.<br />
Isto posto, é incontestável que, se os católicos se mantiverem<br />
em irredutível divergência nestes pontos, sua<br />
união para o trabalho pelos pontos fundamentais nunca<br />
será conseguida.<br />
A união dos católicos é um escopo que todos devem<br />
almejar. Mas qual o meio para evitar divergências que<br />
a prática, inevitavelmente, suscitará?<br />
A resposta, Temps Présent a dá magistralmente. Em<br />
primeiro lugar, a caridade que coloca o amor de Deus e<br />
de sua Igreja acima de todas e quaisquer opiniões políticas<br />
ou econômicas, e que inspira a benignidade no trato<br />
com todos, mas especialmente com os irmãos na Fé. Em<br />
segundo lugar, o senso católico. Se todos os católicos tiverem<br />
verdadeiramente o espírito da Igreja, incontestável<br />
é que eles estarão unidos, não apenas nos pontos fundamentais<br />
da Fé e da moral, mas ainda em uma multidão<br />
de outros pontos que a Igreja deixa entregues ao juízo<br />
dos fiéis. Se, entre os católicos, reinar a paz de Cristo no<br />
amor de Cristo, estará andado meio caminho para a realização<br />
do Reino de Cristo no mundo inteiro.<br />
O católico deve conhecer bem a<br />
realidade de seu tempo, e aliar<br />
à sua sincera piedade uma ação<br />
enérgica e eficaz, mantendose<br />
numa inteira fidelidade à<br />
Hierarquia da Igreja<br />
À direita: O Papa Bento XVI preside uma ordenação<br />
episcopal na Basílica de São Pedro<br />
Agir sempre com a<br />
aquiescência da Igreja<br />
Não para aí a fecunda exposição de princípios. É incontestável,<br />
diz Temps Présent, que há muitos assuntos<br />
em que os católicos deverão agir como tais, sem agir<br />
em nome da Igreja, posto que em nome desta só se pode<br />
pronunciar quem tem a necessária autoridade da Hierarquia<br />
Eclesiástica.<br />
É preciso, pois, que os católicos, chamando sobre si toda<br />
a responsabilidade em assuntos em que o Episcopado<br />
não queira intervir, guardem, no entanto, em relação a este,<br />
toda a docilidade necessária para ensarilhar as armas,<br />
depor as mochilas e abaixar a bandeira ao mínimo sinal do<br />
Episcopado. Bem como que mude de rumos a qualquer<br />
momento, desde que o Episcopado assim pense.<br />
Agir com a aquiescência da Igreja, e com o espírito<br />
da Igreja, sem agir em nome da Igreja, é linha de conduta<br />
que se tivesse sido adotada em ocasiões anteriores, teria<br />
salvo não só a França, mas o Brasil, de crises cujos dolorosos<br />
efeitos se farão sentir talvez durante séculos inteiros.<br />
A Santa Sé e a pátria,<br />
objetos de nosso amor<br />
Aí ficam os princípios. Quem conhece o trabalho do Legionário<br />
poderá ver até que ponto eles correspondem exatamente<br />
à nossa linha de conduta. E quem conhece de perto<br />
nossa vida política, econômica, intelectual e, sobretudo, religiosa,<br />
poderá dizer como essa linha de conduta é aconselhada<br />
e até imposta pelas circunstâncias em que vivemos.<br />
Deixamos expressamente para o fim um último traço<br />
de analogia entre o programa de Temps Présent e o nosso.<br />
Temps Présent é irredutivelmente alheio a partidos políticos,<br />
procurando criticar o mal ou aplaudir o bem onde quer<br />
que o encontre. (...) O princípio em si é profundamente ver-<br />
12
D. Domingues<br />
dadeiro. Sirva ele de motivo de reflexão para os que gostariam<br />
de pintar no Legionário cores partidárias de diversos<br />
matizes, quando suas únicas cores são o branco, o amarelo<br />
e o verde que se encontram nas bandeiras da Santa Sé e do<br />
Brasil, porque são estes os únicos objetos de seu amor.<br />
Cumpre executarmos<br />
esse programa<br />
A Quaresma é um tempo de reflexão e de contrição.<br />
Reflitamos sobre a magnífica síntese de nossos deveres<br />
para com a Igreja e a Pátria, que publicou Temps Présent.<br />
E depois, façamos nossa emenda e nossa penitência.<br />
Se todos os católicos do Brasil executassem este programa,<br />
quanta glória extrínseca para Deus! Quanta grandeza<br />
para nossa Pátria!<br />
Mas se tu, leitor, achas que todos os católicos deveriam<br />
cumprir este programa, porque não dás o teu primeiro<br />
passo neste caminho, arrastando os outros católicos<br />
pela oração, pelo exemplo, pela palavra?<br />
(Extraído do “Legionário” de 13/3/1938.<br />
Título e subtítulos nossos.)<br />
13
S. Hollmann<br />
Calendário dos Santos<br />
1. 2º Domingo da Quaresma.<br />
São Rosendo, abade e bispo,<br />
+ 977. Nasceu em Mondonhedo,<br />
na Galícia (Espanha), e se tornou<br />
bispo dessa cidade. Tendo renunciado<br />
ao episcopado, entrou no<br />
mosteiro de Celanova, ao qual presidiu<br />
mais tarde, como abade.<br />
2. Santa Inês de Praga, abadessa,<br />
+ 1282. Filha do Rei Ottokar,<br />
da Boêmia, construiu e fundou um<br />
mosteiro sob a regra de Santa Clara<br />
de Assis.<br />
Santa Ângela da Cruz (Guerrero<br />
González), + 1932. Fundadora<br />
do Instituto das Irmãs da Cruz, em<br />
Sevilha, Espanha.<br />
5. São Gerásimo, eremita, +<br />
475. Dirigiu uma escola de vida<br />
monástica, na ribeira do Jordão,<br />
Palestina.<br />
6. São Fridolino, séc. VIII. Originário<br />
da Irlanda, peregrinou pela<br />
França e foi fundador e abade de<br />
um mosteiro em Säckingen, na antiga<br />
Helvécia (hoje Suíça).<br />
7. Santas Perpétua e Felicidade,<br />
mártires em Cartago sob o imperador<br />
Septímio Severo, em 203.<br />
8. 2º Domingo da Quaresma.<br />
São João de Deus, religioso e<br />
fundador da Ordem dos Hospitalários,<br />
+ 1550. Originário de Portugal,<br />
morreu em Granada, Espanha.<br />
9. Santos Pedro Ch’oe Hyong<br />
e João Batista Chon Chang-un,<br />
mártires na Coréia, em 1866. Eram<br />
pais de família, mas dedicaram-se<br />
a ministrar o Batismo, evangelizar<br />
e publicar livros católicos.<br />
14. Santa Paulina, religiosa, em<br />
Fulda, na Alemanha, + 1107.<br />
15. 3º Domingo da Quaresma.<br />
São Clemente Maria Hofbauer,<br />
sacerdote e religioso redentorista, +<br />
1820. Empreendeu admirável apostolado<br />
na Áustria e trabalhou pela<br />
reforma da disciplina eclesiástica.<br />
Converteu muitos cientistas à Fé<br />
Católica. Ver artigo na página 24.<br />
16. São João Sordi ou Cacciafronte,<br />
monge, bispo e mártir em<br />
defesa da liberdade da Igreja, em<br />
Veneza, + 1181.<br />
17. São João Sarkander, presbítero<br />
e mártir na Morávia, + 1620. Por<br />
negar-se a violar o segredo de confissão,<br />
foi submetido ao suplício da<br />
roda, do qual sobreviveu. Porém,<br />
encarcerado, morreu um mês depois,<br />
em conseqüência dos tormentos<br />
que lhe haviam sido infligidos.<br />
Santa Ângela da Cruz<br />
3. Santa Cunegunda, Imperatriz<br />
e, mais tarde, religiosa, + 1040.<br />
Nascida na Hungria, casou-se com<br />
o imperador do Sacro Império Romano-alemão,<br />
Santo Henrique.<br />
Após a morte deste, em 1024, entrou<br />
como religiosa no mosteiro<br />
beneditino de Kaffungen, que ela<br />
mesma havia construído.<br />
4. São Basino, monge e bispo, da<br />
família dos duques do reino da Austrásia.<br />
Elevado a Bispo de Treveris<br />
(Trier), aprovou a fundação do Mosteiro<br />
de Epternach, realizada por<br />
santa Irmina. Faleceu em 705.<br />
10. São Simplício, Papa, +<br />
483. Convocou um Concílio para<br />
condenar os erros de Eutiques,<br />
na época em que os bárbaros<br />
devastavam a Itália e a própria<br />
Roma.<br />
11. São Constantino, Rei da Escócia<br />
e mártir. Foi discípulo do<br />
grande evangelizador da Irlanda e<br />
da Escócia, São Columba.<br />
12. Santo Inocêncio I, Papa, + 417.<br />
Defendeu São João Crisóstomo,<br />
e apoiou São Jerônimo e Santo<br />
Agostinho.<br />
13. Santos Ramiro e seus doze<br />
companheiros, monges e mártires<br />
em León, na Espanha, vítimas dos<br />
arianos, no século VI.<br />
G. Kralj<br />
São João de Deus<br />
18. Santos João Thules, presbítero<br />
e Rogério Wrenn, mártires em<br />
Lancaster, na Inglaterra, no tempo da<br />
perseguição do rei Jacobo I, + 1616.<br />
19. São José, esposo da Santíssima<br />
Virgem Maria. Padroeiro da<br />
Igreja Universal.<br />
20. Santo Herbert de Derwentwater,<br />
anacoreta inglês, + 687.<br />
14
* Março *<br />
S. Hollmann<br />
Anunciação - Museu da Catedral de Aachen, Alemanha<br />
21. Santo Endeu, abade de um<br />
cenóbio na ilha de Aran, Irlanda,<br />
+ 542. Seu mosteiro, escrínio de<br />
virtudes, foi um dos motivos pelos<br />
quais a Irlanda passou a ser chamada<br />
“Ilha dos Santos”.<br />
22. 4º Domingo da Quaresma.<br />
São Paulo de Narbonne, bispo e<br />
mártir, apóstolo da Gália, séc. III.<br />
23. São Pedro Higgins, religioso<br />
presbítero da Ordem de Pregadores<br />
(dominicanos) e mártir, + 1642. Enforcado<br />
sem processo prévio, por fidelidade<br />
à Igreja, perto de Dublin, na<br />
Irlanda, sob o reinado de Carlos I.<br />
24. São Maccartemio (Macartan),<br />
primeiro Bispo de Clogher,<br />
na Hibérnia (atual Irlanda),<br />
do qual se acredita ter sido<br />
discípulo de São Patrício, e por este<br />
ordenado Bispo.<br />
25. Solenidade da Anunciação<br />
do Senhor.<br />
26. Santo Eutíquio, subdiácono<br />
e mártir na Alexandria sob o imperador<br />
Constâncio e o bispo ariano<br />
Jorge, + 356.<br />
27. São Ruperto, abade e Bispo<br />
de Salzburg (Áustria), + 718.<br />
28. São Cirilo, diácono e mártir,<br />
em Heliópolis da Fenícia (hoje Líbano),<br />
+ 362.<br />
29. 5º Domingo da Quaresma.<br />
São Guilherme Tempier, Bispo<br />
de Poitiers (França), + 1197.<br />
30. São Pedro de Valladolid Regalado,<br />
presbítero religioso da ordem<br />
dos Frades Menores (franciscanos),<br />
notável pela sua humildade<br />
e penitência, + 1456.<br />
31. São Benjamim, diácono e<br />
mártir, em Argol, na Pérsia, + 420.<br />
15
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
Vigilância<br />
e oração<br />
“Tomai o elmo da salvação e a<br />
espada do espírito, que é a palavra de<br />
Deus; orando continuamente em espírito<br />
com toda a sorte de orações e súplicas,<br />
e vigiando nisto mesmo com toda a<br />
perseverança”, recomenda-nos com<br />
inflamada solicitude o Apóstolo São<br />
Paulo. Baseado em tal ensinamento, <strong>Dr</strong>.<br />
<strong>Plinio</strong> nos alenta a enfrentarmos com<br />
determinação as provações interiores e<br />
exteriores que encontramos em nossa<br />
busca da santidade.<br />
Enganam-se os que pensam<br />
que o Novo Testamento<br />
abriu para nós a era de uma<br />
vida espiritual sem lutas. Pelo contrário,<br />
São Paulo põe diante de nossos<br />
olhos a perspectiva de uma luta<br />
incessante do homem contra suas inclinações<br />
inferiores, luta esta tão dolorosa<br />
que o Apóstolo chega a compará-la<br />
ao pior dos martírios, isto é,<br />
à Crucifixão:<br />
Digo-vos pois: Andai segundo o<br />
Espírito e não satisfareis os desejos<br />
da carne. Porque a carne tem desejos<br />
contrários ao espírito, e o espírito,<br />
desejos contrários à carne; porque estas<br />
coisas são contrárias entre si, para<br />
que não façais tudo aquilo que quereis.<br />
Se vós, porém, sois guiados pelo<br />
Espírito, não estais debaixo da lei.<br />
Ora, as obras da carne são manifestas,<br />
são a fornicação, a impureza, a<br />
desonestidade, a luxúria, a idolatria,<br />
os malefícios, as inimizades, as contendas,<br />
as rivalidades, as iras, as rixas,<br />
as discórdias, as seitas, as inve-<br />
16
Crucifixão - Via<br />
Sacra, Lourdes,<br />
França<br />
E. Salas<br />
17
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
Fotos: S. Hollmann/R.C.Branco<br />
18
“Somos cercados de dificuldades, mas não desesperamos; somos<br />
abatidos, mas não perecemos, trazendo sempre em nosso corpo<br />
a mortificação de Jesus, para que também a vida d’Ele se<br />
manifeste em nossa carne mortal”<br />
À esquerda: Coroação de espinhos - Catedral de Huesca (Espanha);<br />
abaixo: São Paulo, Basílica do Vaticano, Roma<br />
jas, os homicídios, a embriaguez, as<br />
glotonerias, e outras coisas semelhantes,<br />
sobre as quais vos previno,<br />
como já vos disse, que os que fazem<br />
tais coisas não possuirão o reino de<br />
Deus. Ao contrário, o fruto do Espírito<br />
é a caridade, o gozo, a paz, a paciência,<br />
a benignidade, a bondade, a<br />
longanimidade, a mansidão, a fidelidade,<br />
a modéstia, a continência, a<br />
castidade. Contra estas coisas não há<br />
lei. E os que são de Cristo crucificaram<br />
a sua própria carne com os vícios<br />
e concupiscências. Se vivemos<br />
pelo Espírito, conduzamo-nos também<br />
pelo Espírito (Gal 5, 16-25).<br />
Velar pelo frágil edifício<br />
da santificação<br />
E com quanto cuidado deve o<br />
cristão velar pelo edifício sempre<br />
frágil de sua santificação, posto à<br />
prova por toda a sorte de provações<br />
interiores e exteriores! Leiamos este<br />
texto:<br />
Temos, porém, este tesouro em vasos<br />
de barro, para que a superioridade<br />
da virtude seja de Deus e não de<br />
nós. Em tudo sofremos tribulação,<br />
mas não somos oprimidos; somos cercados<br />
de dificuldades, mas não desesperamos;<br />
somos perseguidos, mas não<br />
desamparados; somos abatidos, mas<br />
não perecemos; trazendo sempre em<br />
nosso corpo a mortificação de Jesus,<br />
para que também a vida de Jesus se<br />
manifeste nos nossos corpos. Porque<br />
nós que vivemos somos continuamente<br />
entregues à morte por amor de Jesus,<br />
para que também a vida de Jesus<br />
se manifeste em nossa carne mortal. A<br />
morte, pois, opera em nós, e a vida em<br />
vós (2 Cor 4, 7-12). Este último versículo<br />
quer dizer que São Paulo morria<br />
a si mesmo para dar a vida espiritual<br />
aos outros. A virtude, de que se<br />
19
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
fala acima, é a virtude da pregação,<br />
isto é, a virtude do apostolado.<br />
Sem a luta interior não<br />
se chega à glória do Céu<br />
É orgulho ou ingenuidade imaginar<br />
que não encontramos terríveis<br />
relutâncias interiores:<br />
Efetivamente, nós sabemos que a<br />
lei é espiritual; mas eu sou carnal, vendido<br />
ao pecado. Porque não entendo o<br />
que faço; não faço o bem que quero,<br />
mas o mal que aborreço, esse é que faço<br />
(Rom 7, 14-15).<br />
Porque eu sei que em mim, isto é, na<br />
minha carne, não habita o bem. Porque<br />
o querer está ao meu alcance; mas<br />
não acho o meio de o fazer perfeitamente.<br />
Porque eu não faço o bem que quero,<br />
mas o mal que não quero (Ibid 18-19).<br />
Eu encontro, pois, esta lei em mim:<br />
quando quero fazer o bem, o mal está<br />
junto de mim; porque me deleito na<br />
lei de Deus, segundo o homem interior;<br />
mas vejo nos meus membros outra<br />
lei que se opõe à lei do meu espírito,<br />
e que me faz escravo da lei do pecado,<br />
que está nos meus membros. Infeliz<br />
de mim. Quem me livrará deste<br />
corpo de morte? (Rom 7, 21-24).<br />
É dura esta luta, mas sem ela não<br />
se chega a glória:<br />
Se (somos) filhos, também (somos)<br />
herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros<br />
de Cristo; mas isto se sofremos<br />
com ele, para ser com ele glorificados<br />
(Rom. 8, 17).<br />
Só as obras de apostolado, sem a<br />
mortificação, não bastam para este fim:<br />
Quanto a mim, corro, não como<br />
à ventura; combato, não como quem<br />
açoita o ar; mas castigo o meu corpo<br />
e o reduzo à escravidão, para que não<br />
suceda que, tendo pregado aos outros,<br />
eu mesmo venha a ser réprobo (1 Cor<br />
9, 26-27).<br />
Vigiar e orar<br />
continuamente<br />
Seja, pois, de vigilância nossa vida<br />
interior:<br />
Aquele pois que crê estar de pé, veja,<br />
não caia” (1 Cor 10, 12).<br />
A conclusão, portanto, não pode<br />
deixar de ser esta:<br />
S. Hollmann<br />
20
“Se somos filhos, também somos herdeiros<br />
de Deus e co-herdeiros de Cristo;<br />
mas isto se sofrermos com Ele, para ser<br />
com Ele glorificados”<br />
Na página 20: São Paulo trabalha no seu moinho - Vitral da<br />
Basílica de Saint-Denis, França;<br />
à direita: São Paulo - Museu da Catedral de Pisa, Itália<br />
Irmãos, fortalecei-vos no Senhor<br />
e no poder da sua virtude. Revestivos<br />
da armadura de Deus, para que<br />
possais resistir às ciladas do demônio.<br />
Porque nós não temos que lutar<br />
(somente) contra a carne e o sangue,<br />
mas sim contra os principados<br />
e potestades, contra os dominadores<br />
deste mundo tenebroso, contra os<br />
espíritos malignos (espalhados) pelos<br />
ares. Portanto, tomai a armadura<br />
de Deus, para que possais resistir no<br />
dia mau, e ficar de pé depois de ter<br />
vencido tudo.<br />
Estai, pois, firmes, tendo cingido<br />
os vossos rins com a verdade, e vestido<br />
a couraça da justiça, e tendo os<br />
pés calçados para ir anunciar o<br />
Evangelho de paz; sobretudo tomai<br />
o escudo da fé com que possais apagar<br />
todos os dardos inflamados do<br />
maligno; tomai o elmo da salvação<br />
e a espada do espírito, que é<br />
a palavra de Deus; orando<br />
continuamente em espírito<br />
com toda a sorte de orações e<br />
súplicas, e vigiando nisto mesmo<br />
com toda a perseverança,<br />
rogando por todos os santos e<br />
por mim, para que me seja dado<br />
abrir a minha boca e pregar<br />
com liberdade o mistério do<br />
Evangelho, do qual eu, mesmo<br />
com as algemas, sou embaixador, e<br />
para que eu fale corajosamente dele<br />
como devo (Efes 6, 10-<br />
20). v<br />
(Transcrito de “Em<br />
defesa da Ação Católica”,<br />
Editora Ave<br />
Maria, São Paulo,<br />
1943, 5ª parte)<br />
21
“R-CR” em perguntas e respostas<br />
Contra-Revolução<br />
e sociedade temporal<br />
Sendo a principal causa da Revolução de ordem moral, e não<br />
sócio-econômica, o contra-revolucionário deve deitar especial<br />
ênfase em fazer compreender às classes mais elevadas a<br />
obrigação que têm de não favorecer, pelo exemplo de uma vida<br />
desregrada, a desedificação do conjunto da sociedade.<br />
Qual é o fim supremo da Contra-Revolução?<br />
O “fim supremo da Contra-Revolução [é] a instauração<br />
do Reinado de Nosso Senhor Jesus Cristo” (p. 135).<br />
Em que sentido as obras de caridade, serviço social, assistência<br />
social, associações de patrões, de operários, etc,.<br />
são auxiliares da Contra-Revolução?<br />
“Na medida em que (...) normalizam a vida econômica<br />
e social, [essas obras] prejudicam o desenvolvimento<br />
do processo revolucionário. E, neste sentido, são ipso<br />
facto , e ainda que de modo apenas implícito e indireto,<br />
auxiliares preciosos da Contra-Revolução” (p. 135).<br />
A principal causa da Revolução<br />
é moral e religiosa<br />
A miséria é a principal causa da Revolução?<br />
“O espírito de Revolução não nasce sobretudo da miséria.<br />
Sua raiz é moral, e portanto religiosa 1 . Assim, é preciso<br />
que nas obras de que tratamos se fomente, em toda a<br />
medida em que a natureza especial de cada uma o comporte,<br />
a formação religiosa e moral, com especial cuidado<br />
no que diz respeito à premunição das almas contra o vírus<br />
revolucionário, tão forte em nossos dias” (p. 136).<br />
Mas a Igreja não deve extirpar todas as misérias humanas?<br />
“A Igreja, Mãe compassiva, estimula tudo quanto<br />
possa trazer alívio às misérias humanas. Ela não nutre<br />
a ilusão de que as eliminará todas. E prega uma santa<br />
conformidade com a doença, a pobreza e outras privações”<br />
(p. 136).<br />
O argumento amistoso muitas vezes<br />
é ineficaz contra a Revolução<br />
A bondade sempre desarma a maldade humana?<br />
“Seria errado supor que a bondade desarma sempre<br />
a maldade humana. Nem sequer os benefícios incontáveis<br />
de Nosso Senhor em sua vida terrena conseguiram<br />
evitar o ódio que Lhe tiveram os maus. Assim, embora<br />
na luta contra a Revolução se deva de preferência<br />
guiar e esclarecer amistosamente os espíritos, é patente<br />
que um combate direto e expresso contra as várias formas<br />
desta — o comunismo, por exemplo — por todos<br />
os meios justos e legais, é lícito e, geralmente, até indispensável”<br />
(pp. 136-137).<br />
Comparáveis ao sal que não salga<br />
Nesse contexto, o que o contra-revolucionário deve lembrar<br />
às classes elevadas?<br />
“Altamente cioso do direito de propriedade, [o contrarevolucionário]<br />
deve, entretanto, lembrar às classes elevadas<br />
que não lhes basta combater a Revolução nos campos<br />
em que esta lhes ataca as vantagens, e paradoxalmente fa-<br />
22
vorecê-la — como tantas vezes se vê — pelas palavras ou<br />
pelo exemplo, em todos os outros terrenos, como a vida<br />
de família, as praias, piscinas, e outras diversões, as atividades<br />
intelectuais, artísticas, etc. Um operariado que lhes<br />
siga o exemplo e lhes aceite as idéias revolucionárias será<br />
forçosamente utilizado pela Revolução contra as elites ‘semicontra-revolucionárias’”<br />
(p. 137).<br />
As classes altas, utilizando maneiras e trajes vulgares,<br />
desarmam a Revolução?<br />
“Será igualmente nocivo à aristocracia e à burguesia<br />
vulgarizar-se nas maneiras e nos trajes, para desarmar a<br />
Revolução. Uma autoridade social que se degrada é,<br />
também ela, comparável ao sal que não salga. Só serve<br />
para ser atirada à rua e sobre ela pisarem os transeuntes<br />
2 . Fá-lo-ão, na maioria dos casos, as multidões cheias<br />
de desprezo” (p. 137 – 138) 3 .<br />
v<br />
1) Leão XIII, Encíclica Graves de Communi, de 18/1/1901. Paris:<br />
Bonne Presse, vol. VI, p. 212.<br />
2) Mt 5, 13.<br />
3) Para todos os tópicos: Revolução e Contra-Revolução, São<br />
Paulo, Editora Retornarei, 2002, 5ª edição em português,<br />
254 páginas.<br />
No cinquentenário da<br />
obra mestra do<br />
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nova edição de<br />
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“Uma obra magistral cujos ensinamentos<br />
deveriam ser difundidos até fazê-los penetrar<br />
na consciência de todos os que se sintam<br />
verdadeiramente católicos.”<br />
Pe. Anastasio Gutiérrez, CMF<br />
Pedidos à<br />
Editora Retornarei Ltda.<br />
(11) 2236-1027<br />
23
O Santo do mês<br />
São Clemente Maria<br />
Hofbauer<br />
e a lição do “rio chinês”<br />
Arrostando um quotidiano semeado de ziguezagues, onde<br />
o caminho traçado pela Providência parecia mudar a todo<br />
momento, São Clemente Maria Hofbauer (1751-1821) se manteve<br />
incólume na Fé. Firmeza esta muito admirada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>,<br />
cujos comentários à vida do santo redentorista o exaltam<br />
como exemplo de constância e confiança diante das aparentes<br />
contradições no cumprimento do chamado divino.<br />
Avida de São Clemente Maria Hofbauer se reveste<br />
de um interesse particular, pelo fato de nos<br />
servir como exemplo de confiança e perseverança<br />
no meio das adversidades.<br />
Com efeito, sua existência se compõe de dois aspectos.<br />
Primeiro, uma longa trajetória de “rio chinês” 1 , na<br />
qual ele, homem inteligente e dotado de maravilhoso poder<br />
de atração e de persuasão, parecia fadado a uma vida<br />
quebrada, errada, fracassada. Dir-se-ia que a Providência<br />
o chamou para algo superior, mas orientou seus passos<br />
num rumo diverso, fazendo-o conhecer, larga e dolorosamente,<br />
as vias tortuosas de um ziguezague aparentemente<br />
incompreensível.<br />
O segundo aspecto é o da vitória sobre o primeiro.<br />
Após uma série curiosa de circunstâncias, tudo se transforma<br />
nos dez últimos anos da vida de São Clemente. Ele<br />
se viu transferido para Viena, cidade‐chave dos acontecimentos<br />
políticos e sociais europeus do seu tempo, e ali esse<br />
homem, até então posto à margem, exerceu profunda<br />
influência nas almas de pessoas igualmente chaves, e realizou<br />
assim a missão para qual fora suscitado por Deus.<br />
Após sua morte, em idade não muito avançada, multiplicaram‐se<br />
os milagres operados por sua intercessão.<br />
Abriu-se o inquérito de sua existência, sua santidade foi<br />
comprovada e a Santa Sé o canonizou. É o grande São<br />
Clemente Maria Hofbauer.<br />
Piedoso desde menino<br />
Ele nasceu no território do antigo Império Austro‐Húngaro,<br />
cuja capital era Viena, debaixo de certo ponto de vista<br />
o centro de gravidade da Europa. Seu pai, de origem<br />
tcheca, era um homem de condições bastante modestas, e<br />
mudou-se com a família para Viena, à procura de melho-<br />
24
São Clemente Maria<br />
Hofbauer - Igreja Nossa<br />
Senhora do Perpétuo<br />
Socorro, Roma<br />
G. Kralj<br />
25
O Santo do mês<br />
res oportunidades. O jovem Clemente contribuía para aumentar<br />
o orçamento doméstico: levantava-se de madrugada<br />
e, nas primeiras horas do dia, punha-se a distribuir pães<br />
pelas ruas de Viena que despertava.<br />
Pelo que consta em suas biografias, foi desde menino<br />
muito piedoso e devoto da Santíssima Virgem. Freqüentava<br />
os sacramentos, e levava uma existência modelar,<br />
ocupada, semeada de trabalhos, na qual a graça lhe<br />
falava e atuava na alma.<br />
Assim, enquanto entregava os pães, Clemente refletia,<br />
dava-se a meditações cujo fundo, pode-se entrever, era<br />
essencialmente religioso e que o amadureciam para, em<br />
determinado momento, encontrar sua vocação.<br />
Eremita nas florestas européias<br />
Após algum tempo desse cotidiano de esforços e reflexões,<br />
e ainda durante seus afanosos dias, através da ajuda<br />
de benfeitores que se interessaram por ele, São Clemente<br />
pôde cursar a universidade, e se mostrava aluno<br />
muito estudioso.<br />
A Providência, porém, reservava-lhe o “rio chinês”.<br />
Certa ocasião a graça lhe bate à porta da alma: “Tu serás<br />
ministro de Deus. Interrompe teu curso acadêmico<br />
e dirige seus passos para a vida sacerdotal”. E no intuito<br />
de prepará-lo para ingressar nessas novas vias, Nosso<br />
Senhor o inspirou a se tornar eremita. Naquele tempo,<br />
a Europa era muito menos povoada, havia regiões sil-<br />
Sentiu o chamado à vida<br />
sacerdotal, precedido por um<br />
período de mortificação e<br />
isolamento nas florestas européias<br />
São Clemente Hofbauer e uma vista da<br />
Floresta Negra, na Alemanha<br />
Fotos: S. Hollmann/©SantieBeati.it<br />
26
Fotos: R.C.Branco/©SantieBeati.it<br />
vestres mais abundantes do que em nossos dias, e os desejosos<br />
de se retirarem do mundo iam viver nas florestas,<br />
como outrora viviam os eremitas nas tebaidas do Egito.<br />
Na congregação redentorista<br />
Após um tempo de isolamento, São Clemente Hofbauer<br />
se depara novamente com o “rio chinês”. Movido<br />
pela graça, ele procura outro eremita que habitava pela<br />
mesma região, e lhe disse: “Irmão Hübl (era o nome do<br />
amigo), façamos uma peregrinação a Roma, a pé, porque<br />
lá nos espera um maior chamado de Deus”. Hübl aceitou.<br />
Partiram, atravessando aqueles desfiladeiros, vales e<br />
montanhas, correndo toda espécie de perigos, até alcançarem<br />
a Cidade Eterna, onde se hospedaram numa pensão<br />
qualquer. No dia seguinte, pela manhã, decidiram ir<br />
à Missa. São Clemente disse ao companheiro: “Roma<br />
é tão grande, tem centenas de igrejas, e não sabemos a<br />
qual ir. Então, a igreja cujo sino ouvirmos em primeiro<br />
lugar, é aquela onde assistiremos a Missa. Vamos esperar<br />
que ali haja algo da Providência para nós.”<br />
Dali a pouco, no meio do silêncio de uma Roma ainda<br />
sonolenta, o eco de um sino se fez ouvir. Os dois logo se<br />
puseram a caminho em direção ao local de onde partia o<br />
som, e encontraram uma pequena igreja. Entraram e se<br />
sentiram inundados de consolação ao participar da cele-<br />
São Clemente Hofbauer (direita) e<br />
Santo Afonso de Ligório aos pés de Nossa<br />
Senhora do Perpétuo Socorro; no alto, a<br />
casa mãe dos redentoristas, em Roma<br />
27
O Santo do mês<br />
bração eucarística. Todo o ambiente lhes pareceu muito<br />
piedoso. Era uma igreja dos padres redentoristas, filhos<br />
de Santo Afonso de Ligório.<br />
Ao término da Missa, São Clemente e o amigo procuraram<br />
se informar a respeito da instituição que cuidava daquele<br />
templo, e lhes explicaram tratar-se de uma obra destinada<br />
a difundir em todas as classes sociais a doutrina católica<br />
e a religião, por meio da oratória e da pregação.<br />
São Clemente sentiu que era aquele o chamado de<br />
Deus. Solicitou um encontro com o superior daquela comunidade,<br />
e expôs a este os seus anseios.<br />
— Ora, então o senhor acaba de encontrar o que procura<br />
— respondeu-lhe o padre. — A vocação que deseja<br />
abraçar é essa, ela realiza seus desejos.<br />
— Quer dizer que o senhor nos aceita como noviços<br />
redentoristas?<br />
— Aceito!<br />
Após uma certa relutância de Hübl, os dois ingressaram<br />
na ordem redentorista. Mais uma lição do “rio chinês”:<br />
seria normal que ambos estivessem de pleno acordo,<br />
e o amigo fosse um poderoso auxiliar para São Clemente.<br />
Pelo contrário, tornou-se naquele momento um<br />
fardo. Se São Clemente desistisse, provavelmente terse-ia<br />
mudado a história da congregação redendorista e<br />
de uma importante obra da Igreja. Não desistiu. Insistiu,<br />
perseverou, convenceu o amigo.<br />
Precioso ensinamento para nós. Se quisermos andar<br />
depressa rumo ao mar em que acaba o “rio chinês”, carreguemo-nos<br />
de fardos. Suportemos tudo, sejamos amáveis<br />
para com os ingratos, e o nosso objetivo caminhará em direção<br />
a nós. A distância rumo ao mar se encurta, se aceitarmos<br />
escolhos nas nossas costas. Aceitemos as atrapalhações,<br />
como Nosso Senhor Jesus Cristo aceitou a cruz.<br />
De cidade em cidade, fazendo o bem<br />
Entram na congregação redentoristas, são ordenados<br />
padres, e recebem do superior geral a incumbência de<br />
fundar uma casa e fazer apostolado em Varsóvia, na Polônia.<br />
Ali, acompanhados de um terceiro, hospedam-se<br />
nas dependências de um convento quase em ruínas, onde<br />
quatro padres de uma ordem em extinção lhes deram<br />
abrigo. O lugar era uma velha tapera. São Clemente e os<br />
dois companheiros começaram a trabalhar, a pregar missões,<br />
e atraíram o povo. O velho convento encheu-se de<br />
gente, o fervor reverdeceu nas almas, e a vida de piedade<br />
se desenvolvia naquela região.<br />
Foi o bastante para incomodar as autoridades civis<br />
e anticlericais sob cujo governo eles se achavam. Não<br />
demorou para que viesse um decreto ordenando o fechamento<br />
do convento. São Clemente consulta o geral<br />
dos redentoristas, e recebe a resposta: “Partam para a<br />
Suíça, procurem as cidades católicas e ali se estabeleçam.<br />
Se forem expulsos de um lugar, dirijam-se para<br />
outro. E assim vão passando de cidade em cidade, fazendo<br />
o bem”.<br />
Não é difícil compreender que vida de ziguezague e de<br />
vaivens que tal programa anunciava. E assim foi, literalmente.<br />
Estabeleciam-se numa cidade, pregavam, colocavam<br />
a vida religiosa do povo em ordem, e, pouco depois,<br />
uma ordem do governo local os expulsava.<br />
Anos e anos de apostolado transcorreram dessa maneira.<br />
Por toda a parte aonde ia, São Clemente fazia o<br />
bem, e muito bem. Mas, a Providência permitia que logo<br />
fosse removido, à semelhança de uma plantação que<br />
o agricultor é obrigado a transferir de terra para terra,<br />
sem que nenhuma produza todos os frutos que se era de<br />
se desejar. São Clemente passou, na aparência, fazendo<br />
ninharias fracassadas ao longo de mais ou menos vinte<br />
anos de sua vida.<br />
No centro do movimento romântico<br />
Afinal de contas, depois de percorrem as cidades católicas<br />
da Suíça, recebem ordem do superior geral de retornarem<br />
a Viena.<br />
De volta à capital do império, São Clemente começou<br />
a prestar assistência religiosa nessa e naquela igreja, num<br />
convento e noutro, e, a partir daí, a ter uma certa influência<br />
nos meios católicos vienenses.<br />
As vias da Providência, através de sendas<br />
tortuosas, o encaminharam para aquela<br />
situação. Depois de tanto labutar<br />
em terrenos menos férteis, São<br />
Clemente Maria Hofbauer<br />
R.C.Branco<br />
28
Imagem de São<br />
Clemente Maria<br />
Hofbauer na fachada<br />
da Igreja de Nossa<br />
Senhora do Perpétuo<br />
Socorro, Roma<br />
se viu posto no próprio centro de um movimento que,<br />
naquele tempo, ia tomando conta da Europa, e que tinha<br />
em Viena um de seus principais focos de irradiação: o<br />
chamado movimento romântico. De tal maneira que alguns<br />
homens, cujos nomes se acham nos compêndios de<br />
Filosofia, tornaram-se comensais de São Clemente, porque<br />
foram por este convertidos.<br />
O apostolado do santo tomava envergadura e alcançava<br />
ótimos resultados. Aquelas celebridades anunciavam<br />
sua conversão e passavam a ser excelentes católicos,<br />
militantes, empenhando-se em atrair outros para<br />
a Igreja.<br />
Por razões de vida social, esses intelectuais eram<br />
ligados a pessoas da nobreza de Viena e, sobretudo,<br />
de Budapeste. Assim, estabeleceram-se assíduas<br />
relações entre São Clemente Hofbauer e os nobres<br />
húngaros, donde também resultaram inúmeras<br />
conversões.<br />
Com isso, o movimento romântico mudou de figura e<br />
passou a ser organizado por São Clemente, de propósitio,<br />
para dar uma orientação católica aos rumos do império<br />
austro-húngaro. Ele procurou constituir uma obra,<br />
não predominantemente de padres, mas de leigos postos<br />
em situações estratégicas na vida social e política, alguns<br />
com altos cargos diretivos, que tinham por missão trabalhar<br />
no respectivo meio de maneira a formar um grupo<br />
católico de irradiação. Através dessa influência, poderiam<br />
alcançar o objetivo que os norteava, ou seja, alicerçar<br />
a sociedade nos fundamentos da doutrina católica<br />
apostólica romana.<br />
Ação de presença no apostolado<br />
É interessante salientar um aspecto do apostolado de<br />
São Clemente Maria Hofbauer: o modo como ele convertia<br />
as pessoas.<br />
Pelas narrações de sua vida, percebe-se que São Clemente<br />
era uma inteligência pouco acima da média, em<br />
comparação — note-se — com os filósofos e pensadores<br />
inteligentíssimos que se deixavam convencer por ele.<br />
Então, alguns redentoristas, curiosos de saber o “método”<br />
empregado pelo santo, procuravam esses convertidos<br />
e lhes perguntavam como as coisas tinham se passado,<br />
se eles haviam se tocado por um jogo da razão ou por<br />
uma ação da graça.<br />
Resposta: “Pela razão e pela graça. Clemente argumenta<br />
muito bem. Mas, além disso (e vem aqui o papel<br />
da graça), há algo nele de indefinido que nos toca<br />
no mais fundo da alma, fazendo-nos compreender a argumentação<br />
dele e, ao mesmo tempo, nos comovendo a<br />
respeito dessa argumentação. De maneira que ele não é<br />
um mero professor que atrai e convence, mas também<br />
um formador que move para a ação”.<br />
Os inquiridores insistiam: “Como assim, algo indefinido?”<br />
Os outros diziam: “Pelo modo de Clemente falar, pela<br />
sua personalidade imponente e influente, pela sua extrema<br />
bondade. Enfim, porque ele é ele. Não sabemos explicar<br />
exatamente como é, mas é assim! E estamos persuadidos.”<br />
São Clemente tinha, portanto, sua boa e santa influência<br />
afirmada. A missão para a qual a Providência o suscitara<br />
estava cumprida. Pouco depois ele entregaria sua alma<br />
ao Criador. Obediente à vontade divina, submeteuse<br />
aos sofrimentos do “rio chinês”. Mas, após ter provado<br />
todo o seu desinteresse e sua submissão caminhando<br />
nessa via sem sentido, num momento tudo se lhe abriu<br />
para que realizasse seu chamado.<br />
Esta é, para todos nós, a grande lição da vida de São<br />
Clemente Maria Hoffbauer.<br />
v<br />
(Extraído de conferência em 19/12/1990)<br />
1) Imagem usada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> para significar as idas e vindas<br />
numa determinada trajetória, até se atingir o objetivo desejado,<br />
assim como certos rios chineses que dão muitas voltas<br />
antes de alcançar o oceano.<br />
29
Luzes da Civilização Cristã<br />
G. Kralj<br />
Delicadeza<br />
e severidade<br />
30
Creio que uma das características<br />
fundamentais do homem<br />
da Idade Média era possuir<br />
um estado de espírito afeito aos<br />
longos e serenos recolhimentos, durante<br />
os quais sua alma deambulava,<br />
com todas as suas possibilidades<br />
e faculdades, por todas as espécies<br />
de realidades. E sem nunca manifestar<br />
a menor complacência para<br />
com o mal, observava as várias formas<br />
de bem, na sua imensa diversidade,<br />
amando-as todas, nas suas diferenças,<br />
flexibilidades, elasticidades<br />
e contradições aparentes. A partir<br />
dessa contemplação, ele era capaz<br />
de todas as formas de ternura, paciência,<br />
delicadeza, suavidade, como<br />
operação prévia, entre outras, para<br />
ser capaz também de todas as formas<br />
de santa e necessária austeridade.<br />
Escultura em marfim, Idade Média - Museu<br />
Metropolitan de Nova York; iluminura medieval -<br />
Museu Amedeo Lia, La Spezia, Itália<br />
31
Luzes da Civilização Cristã<br />
Fotos: G. Kralj<br />
O medieval podia, portanto, com<br />
essa serenidade e esse equilíbrio,<br />
com posição imensamente compreensiva<br />
diante das diferentes formas<br />
de bem, tirar uma conclusão: “Essas<br />
variedades me conduzem à certeza<br />
plena de que existe, para além delas,<br />
o absoluto, Deus Nosso Senhor,<br />
Criador de todas as coisas”.<br />
Expressões de um espírito assim<br />
reluzem nas obras da Idade Média,<br />
nas iluminuras e esculturas que nos<br />
A alma medieval<br />
fazia suas<br />
todas as formas<br />
de bem<br />
Marfim esculpido e<br />
iluminura, medievais - Museu<br />
Metropolitan de Nova York<br />
apresentam tantas figuras e personagens<br />
daquela época, imbuídas de uma<br />
profunda tranquilidade: o carpinteiro<br />
serrando uma madeira, uma borboleta<br />
esvoaçando em torno de uma flor,<br />
um raio de sol que incide sobre um<br />
cordeirinho a pastar no prado maravilhoso.<br />
Noutras imagens, tem-se o<br />
riacho correndo sob uma pontezinha,<br />
um cisne que passa, a trepadeira que<br />
cai junto à janela de uma casinhola<br />
que parece feita de pão de mel, e em<br />
32
33
Luzes da Civilização Cristã<br />
Fotos: G. Kralj<br />
Junto com a<br />
admiração e o<br />
amor ao bem,<br />
uma extrema<br />
recusa ao que lhe<br />
era contrário<br />
Iluminura e escultura em<br />
marfim, Idade Média - Museu<br />
Metropolitan de Nova York<br />
cujas flores brincam as abelhas. Tratam-se<br />
de símbolos de formas de bem<br />
que devem nos deliciar, e que se harmonizavam<br />
e constituíam um conjunto<br />
equilibrado com virtudes aparentemente<br />
opostas, como a fortaleza e a<br />
severidade.<br />
A alma medieval, contemplando<br />
o fato miúdo da vida cotidiana, detinha-se,<br />
encantava-se, deleitava-se<br />
com tudo e fazia inteiramente suas<br />
todas as formas de bem. Ao mesmo<br />
tempo, excluía com vigor o que era<br />
mal e contrário àquilo que admirara.<br />
Por essa atitude, chegava a outra<br />
conclusão: “Estou aberto, enlevado<br />
e propenso à admiração diante de<br />
qualquer forma de bem. Ficaria inconsolável<br />
se a menor dessas manifestações<br />
de beleza conforme à Beleza<br />
absoluta desaparecesse da face da<br />
Terra. E repudio, com inteira firmeza,<br />
o que lhes seja contrário e intente<br />
eliminá-las do mundo.”<br />
A meu ver, soube o homem da<br />
Idade Média, no auge de seu florescimento<br />
espiritual, praticar de modo<br />
exemplar essa espécie de admiração<br />
e amor omnímodos para com todas<br />
as formas de bem, e deduzir dessa<br />
atitude uma extrema recusa ao mal<br />
que procurava acabar com aquelas<br />
maravilhas.<br />
v<br />
(Extraído de conferência em<br />
23/9/1974)<br />
34
35
H. Grados<br />
A Virgem e o<br />
Menino - Basílica de<br />
Santo Antônio de<br />
Pádua, Pádua, Itália<br />
Sorridente misericórdia<br />
Os sentimentos da piedade católica, sempre corroborados pela Santa<br />
Igreja, não têm invocações suficientes para nos inculcar a idéia da misericórdia<br />
e da maternal liberalidade de Nossa Senhora, disposta a<br />
todo momento a nos alcançar graças especiais, a nos obter dons excelentes do<br />
Céu e, assim, convidar-nos a amá-La cada vez mais. Por isso, nunca devemos<br />
desviar nossos corações da clemência risonha e solícita da Virgem para conosco,<br />
e nela depositar inteira confiança.<br />
(Extraído de conferência em 24/9/1965)