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Revista Dr Plinio 128

Novembro de 2008

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Publicação Mensal Ano XI - Nº <strong>128</strong> Novembro de 2008<br />

Realeza e majestade<br />

de Cristo


S. Hollmann<br />

Q<br />

uando lemos a narração<br />

evangélica sobre<br />

o encontro de Jesus<br />

com seus primeiros discípulos,<br />

não podemos deixar<br />

de louvar a fidelidade<br />

de Santo André. Fiel<br />

a São João Batista, ele<br />

não hesitou um instante<br />

em obedecer à orientação<br />

do Precursor que lhes apontava<br />

o Cordeiro de Deus a<br />

ser seguido. Nosso Senhor<br />

era a realização da profecia<br />

do Batista. E Santo<br />

André, dócil à voz da<br />

graça, teve a glória<br />

de dar início à grandiosa<br />

história dos<br />

apóstolos.<br />

(Extraído de conferência<br />

em 30/11/1976)<br />

Santo André Apóstolo -<br />

Igreja de Santo André,<br />

Bayonne, França<br />

2


Sumário<br />

Publicação Mensal Ano XI - Nº <strong>128</strong> Novembro de 2008<br />

Ano XI - Nº <strong>128</strong> Novembro de 2008<br />

Realeza e majestade<br />

de Cristo<br />

Na capa, Cristo Rei -<br />

Museu do Prado,<br />

Madrid (Espanha)<br />

Foto: S. Hollmann<br />

As matérias extraídas<br />

de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

— designadas por “conferências” —<br />

são adaptadas para a linguagem<br />

escrita, sem revisão do autor<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />

propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />

CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />

INSC. - 115.227.674.110<br />

Diretor:<br />

Antonio Augusto Lisbôa Miranda<br />

Conselho Consultivo:<br />

Antonio Rodrigues Ferreira<br />

Carlos Augusto G. Picanço<br />

Jorge Eduardo G. Koury<br />

Editorial<br />

4 Apelo ao píncaro de santidade<br />

Da ta s n a v i d a d e u m c r u z a d o<br />

5 15 de novembro de 1958:<br />

A serviço da civilização cristã<br />

Do n a Lucilia<br />

6 Bondade, justiça e<br />

compaixão<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> c o m e n ta ...<br />

12 Viver em Maria<br />

Redação e Administração:<br />

Rua Santo Egídio, 418<br />

02461-010 S. Paulo - SP<br />

Tel: (11) 2236-1027<br />

E-mail: editora_retornarei@yahoo.com.br<br />

Impressão e acabamento:<br />

Pavagraf Editora Gráfica Ltda.<br />

Rua Barão do Serro Largo, 296<br />

03335-000 S. Paulo - SP<br />

Tel: (11) 6606-2409<br />

Preços da<br />

assinatura anual<br />

Comum .............. R$ 90,00<br />

Colaborador . . . . . . . . . . R$ 130,00<br />

Propulsor ............. R$ 260,00<br />

Grande Propulsor ...... R$ 430,00<br />

Exemplar avulso ....... R$ 12,00<br />

Serviço de Atendimento<br />

ao Assinante<br />

Tel./Fax: (11) 2236-1027<br />

16 Calendário dos Santos<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, a p ó s t o l o d o p u l c h r u m<br />

18 Ornato, elemento fundamental da vida<br />

“R-CR” e m p e r g u n ta s e r e s p o s ta s<br />

22 Contra-Revolução e o<br />

autêntico progresso<br />

O Sa n t o d o m ê s<br />

24 Reflexões em torno<br />

da Festa de Cristo Rei<br />

Lu z e s d a Civilização Cr i s t ã<br />

31 Sabedoria, certeza e contemplação<br />

Últ i m a p á g i n a<br />

36 Razão de nossa serenidade<br />

3


Editorial<br />

Apelo ao píncaro<br />

de santidade<br />

N<br />

o dia 1º de novembro a Igreja celebra a festa de Todos os Santos, com a qual procura, ao<br />

mesmo tempo, louvar aqueles que já se encontram no Céu e impetrar sua intercessão em<br />

favor dos que ainda peregrinam neste mundo.<br />

Com efeito, juntos a Maria Santíssima e aos coros angélicos, os bem-aventurados merecem o<br />

nosso culto e nos auxiliam, com suas preces, a alcançarmos nós mesmos a santidade para a qual<br />

fomos chamados. Um convite que, como sempre assinalou <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, não é privilégio de poucos,<br />

mas se estende a todos os homens. E esse anelo à perfeição se mostrará tanto mais necessário e<br />

intenso, quanto mais obstáculos lhe erga o mundo.<br />

Em artigo intitulado “O primado da Santidade”, assim nos exortava <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>:<br />

“Tenho para mim como indiscutível que, se em nossa época materializada e devassa, surgisse<br />

novamente um São Francisco de Assis, sua personalidade se imporia à admiração universal de<br />

um modo muito mais definitivo e rápido do que em qualquer época passada.<br />

“É certo que a virtuosa Idade Média, profundamente imbuída de espírito católico, estava muito<br />

mais apta a compreender devidamente o grande estigmatizado de Assis. Convém, no entanto,<br />

ponderar que, dado o próprio espírito católico e sua geral disseminação em todas as classes sociais,<br />

a sede de virtude, parcialmente saciada em cada indivíduo, era muito menos veemente do<br />

que nos dias desoladores em que vivemos.<br />

“O homem — disse certo escritor pagão — é um anjo decaído. E, por mais que nele imperem os<br />

vícios e defeitos da decadência, há sempre no seu coração, consciente ou inconsciente, uma grande<br />

nostalgia do Céu.<br />

“Se se perscrutar cuidadosamente qualquer coração humano, seja ele o de um santo, o<br />

de um sábio, o de um ignorante ou o de um detento de penitenciária, notar-se-á sempre a<br />

existência de sentimentos mais ou menos profundos, que anseiam por um grande ideal de<br />

pureza e de santidade.<br />

“Enquanto viveu a civilização cristã, a vida era uma série de altruísmos que colaboravam<br />

para a felicidade coletiva. Repudiado o Catolicismo como lei suprema das relações entre<br />

homens e povos, a vida passou a ser uma série de egoísmos que se combatem. Daí o homo<br />

homini lupus [o homem é o lobo do homem]. (...)<br />

“Por mais que o homem desça abaixo de si mesmo, sempre será sensível à influência irresistível<br />

da santidade, que lhe aplacará as paixões e lhe serenará a tirania dos vícios, como<br />

a música de Orfeu domava as feras” (Extraído do “Legionário” nº 96, de 21/4/1934).<br />

Continuamente fiel ao seu pensamento, como nos é dado acompanhar nas páginas desta<br />

revista, outra coisa não se vê em <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> que um apelo constante a que, pela misericordiosa<br />

intercessão de Maria e dos santos, alcancemos cada um de nós o píncaro da santidade.<br />

Dec l a r a ç ã o: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />

4


Data s n a v i d a d e u m c r u z a d o<br />

15 de novembro de 1958<br />

A serviço da<br />

civilização cristã<br />

Ao discursar no Congresso da Ordem<br />

Terceira do Carmo, em novembro de<br />

1958, salientou <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> a importância<br />

da consagração do carmelita a Nossa Senhora,<br />

como sendo o aspecto fundamental de sua vida<br />

religiosa. Consagração cujos efeitos espirituais<br />

deveriam crescer ao longo da existência<br />

de cada um, de modo a influenciar os ambientes<br />

da sociedade temporal nos quais aqueles se moviam.<br />

E concluía:<br />

A consagração a Nossa Senhora consiste em<br />

o homem dar-se a Ela. E, já que ele pode realizar<br />

em si, de algum modo, as virtudes que n’Ela<br />

refulgem, dar-se à Mãe de Deus é para o homem<br />

procurar imitá-La e também servi-La. O conhecimento<br />

de Nossa Senhora, a admiração por Nossa<br />

Senhora, a imitação e o serviço de Nossa Senhora<br />

são os elementos integrantes desta completa consagração<br />

a Ela que nós queremos verdadeiramente<br />

realizar.<br />

Mas daí passamos a uma pergunta: qual a influência<br />

exercida pelas condições peculiares à vida<br />

no século, no modo de vivermos nossa consagração?<br />

A vida no século deve ser tal que os mesmos<br />

princípios de beleza universal que revertem, em última<br />

análise, em princípios de moralidade e santidade<br />

universal, reflitam-se não só nas almas, mas<br />

em tudo aquilo que cerca o homem.<br />

Por uma misteriosa afinidade, as formas, os<br />

sons, as cores, os perfumes podem exprimir estados<br />

de espírito do homem. É necessário, pois,<br />

que reflitam estados de espírito virtuosos para a<br />

formação dos ambientes em que o homem encontre<br />

os recursos necessários para a sua santificação,<br />

imagens de Deus que lhe dêem o atrativo<br />

da virtude e o estimulem, por essa forma, a conhecer<br />

e a ter apetência daquela beleza incriada<br />

de Deus, que ele só verá face a face na glória<br />

dos Céus.<br />

Organizar uma ordem temporal que assim forme<br />

as almas e as convide para o Céu, eis uma alta<br />

missão dos leigos vivendo no século. Claro está<br />

que tal ordem temporal teria uma consonância<br />

profunda com a Revelação, os ensinamentos e as<br />

leis da Igreja, bem como com os ditames da verdadeira<br />

ciência. Ela seria, pois, o reinado de Jesus<br />

Cristo, o reinado de Maria na Terra.<br />

A esta altura podemos nos perguntar a nós mesmos:<br />

então, no nosso século, em que consiste o<br />

serviço de Nossa Senhora?<br />

Consiste em salvar as almas, por todos os meios<br />

lícitos dentre os quais queremos acentuar este: tomar<br />

todas as coisas, ordená-las dentro desse espírito<br />

e construir a cultura e a civilização cristã. Pois<br />

que uma e outra, sob certo aspecto, não são senão<br />

a disposição das coisas de maneira que elas sejam<br />

nesta vida o reflexo de Deus e orientem as almas<br />

para a vida eterna. Estar consagrado a Nossa Senhora<br />

e servi-La é sustentar, é promover e defender<br />

contra os seus adversários, a cultura e a civilização<br />

comparáveis àquela pérola preciosa que o homem<br />

deve procurar vendendo todas as coisas que<br />

tenha: cultura e civilização que são aquela paz na<br />

Terra prometida aos homens de boa vontade pelos<br />

Anjos de Belém, a única paz de Cristo no reinado<br />

de Maria.<br />

Assim, é não só um homem profundamente interior,<br />

mas soldado nato da cultura e da civilização<br />

cristã, todo verdadeiro terceiro carmelita que<br />

compreenda o que é a sua consagração. v<br />

(Extraído do “Mensageiro do Carmelo”<br />

nº especial, 1959)<br />

5


Do n a Lucilia<br />

Bondade, justiça<br />

e compaixão<br />

Ao recordar as manifestações de bondade que conheceu no<br />

seu tempo de moço, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> evoca um dos muitos episódios<br />

transcorridos em seu ambiente doméstico, nos quais sobressaía,<br />

aos seus olhos de filho, a figura de Dona Lucilia, caracterizada<br />

por um particular equilíbrio entre carinho, compaixão e justiça.<br />

Mais de uma vez, atendendo<br />

à curiosidade dos que<br />

me seguem, tenho lhes<br />

falado da bondade de mamãe. Creio,<br />

porém, não ter ainda salientado um<br />

aspecto desse predicado que tanto a<br />

distinguia, que era o elemento compaixão.<br />

Segundo o modo de entender do<br />

brasileiro, a bondade é uma disposição<br />

de alma emotiva. Essa emocionalidade<br />

provém de um sentimento<br />

de afeto e de enternecimento diante,<br />

sobretudo, de um ser humano, mas<br />

também em relação a outras criaturas,<br />

que sofram de qualquer carência<br />

e, por isso mesmo, se acham num estado<br />

de necessidade.<br />

Portanto, nessa concepção, a bondade<br />

seria a virtude pela qual, vendo-se<br />

o próximo padecer alguma privação,<br />

participa-se dessa dor e procura-se<br />

remediá-la. Antes de tudo,<br />

para socorrer o outro, mas também<br />

para aliviar a si próprio da tristeza<br />

que lhe causa o sofrimento alheio.<br />

Assim, na apreciação brasileira<br />

da bondade, a primazia é esse sentimento<br />

de compaixão, do qual aquela<br />

decorre. Ora, a bondade de mamãe<br />

muito se manifestava, e talvez principalmente,<br />

nessa acepção da palavra.<br />

Equilíbrio entre<br />

compaixão e justiça<br />

Convém frisar, entretanto, que essa<br />

compaixão não sobrepujava o senso<br />

de justiça, quando esta tinha de<br />

ser aplicada.<br />

Para nos atermos ao modo brasileiro<br />

de interpretar os conceitos —<br />

mais ainda no tempo de mamãe do<br />

que hoje — a justiça deriva eminentemente<br />

de um silogismo imperativo,<br />

a cujos ditames é preciso obedecer.<br />

Então, raciocinando-se com<br />

base nesses e naqueles argumentos,<br />

tal pessoa foi objeto de uma injustiça.<br />

Ainda que se tenha pena (atitude<br />

aliás muito característica do nosso<br />

povo) de quem praticou a injustiça,<br />

deve-se exigir que ele repare o mal<br />

cometido. Não raro, tendo de fazer<br />

violência sobre si mesmo.<br />

Imaginemos, por exemplo, uma<br />

criança de dez ou doze anos que tenha<br />

ofendido alguém com uma calúnia<br />

grave. A mãe a chama e lhe pergunta:<br />

— É verdade que você falou isso<br />

de fulano?<br />

— Sim, falei.<br />

— Pois saiba que essa sua mentira<br />

se chama calúnia, e é altamente injuriosa<br />

contra fulano.<br />

A criança se põe a chorar. A mãe,<br />

agindo de modo acertado, mostra-se<br />

irredutível:<br />

— Não tem choro. Agora você vai<br />

comparecer diante das pessoas junto<br />

às quais você caluniou fulano e pe-<br />

6


Dona Lucilia aos<br />

80 anos<br />

Arquivo revista<br />

7


Do n a Lucilia<br />

dir, a elas e a ele, publicamente desculpas<br />

pela sua mentira.<br />

A criança redobra o choro, mas<br />

obedece. O caluniado é, digamos, um<br />

homem muito mais velho que ela, e<br />

não pode ser atingido por uma mentirazinha<br />

pueril. Mas, a justiça deve<br />

ser reparada e, portanto, a criança é<br />

obrigada a se retratar. Tal lhe é exigido,<br />

antes de tudo, pela justiça; e em<br />

segundo lugar, para obrigá-la a sentir<br />

a dor da reparação e se convencer<br />

de que não deve repetir esse mau<br />

procedimento.<br />

Compreende-se que, nesse caso, a<br />

mãe e a pessoa ofendida tenham pena<br />

da criança, porque ela é débil, sofre<br />

com a repreensão, mas a justiça<br />

tem o direito de ser restabelecida e<br />

não pode ser preterida pela compaixão.<br />

O equilíbrio entre as duas virtudes<br />

tem de ser mantido. E essa harmonia<br />

eu notava muito na maneira<br />

de agir de mamãe, quando se via<br />

posta em circunstâncias análogas.<br />

Fotos: Arquivo revista<br />

Bondosa e compassiva<br />

para com as<br />

pessoas carentes<br />

Mas, pelo seu feitio preponderantemente<br />

bondoso, a compaixão ressaltava<br />

nas suas atitudes. E diversos<br />

fatos que mamãe nos contava,<br />

com inteira naturalidade, tornavam<br />

patente a sua solicitude para com o<br />

próximo, muitas vezes sendo obrigada<br />

a fazer sacrifícios não pequenos<br />

para dar ao outro um pouco de lenitivo<br />

na carência que padecia.<br />

Não se pode deixar de ver a lógica<br />

que a orientava. Uma vez que ela<br />

tem tanta compaixão, está na conseqüência<br />

que ela se sacrifique. Daí<br />

decorre, inclusive, o sentido da palavra<br />

“compaixão”: cum passio. Passio<br />

em latim quer dizer sofrimento: por<br />

exemplo, a Paixão de Nosso Senhor.<br />

Cum passio significa, pois, compaixão.<br />

Compassivo é aquele que se<br />

mostra sensível ao sofrimento do<br />

próximo.<br />

8


“Minha nota<br />

no exame ficou<br />

abaixo da média<br />

e eu receava uma<br />

censura veemente;<br />

porém, prevaleceu<br />

a bondade à moda<br />

brasileira...”<br />

Na página 8: <strong>Plinio</strong> aos 10 anos;<br />

acima, fachada do antigo Colégio<br />

São Luís e uma de suas classes<br />

Esse sentimento, volto a dizer, sobretudo<br />

no tempo de mamãe, era<br />

adquirido desde a mais tenra infância,<br />

e toda a vida de família se desenvolvia<br />

como que ungido por ele.<br />

Ou seja, era uma disposição de alma<br />

que se estendia facilmente aos parentes<br />

mais distantes: primos, sobrinhos,<br />

cunhados, até os parentes afins<br />

ou contraparentes. Isso determinava<br />

uma grande e desinteressada união<br />

da família.<br />

Exemplo da bondade<br />

dos antigos tempos<br />

Algo dessa bondade dos antigos<br />

tempos ainda me foi dado conhecer,<br />

vendo-a praticada a meu favor.<br />

Lembro-me de um fato característico<br />

nesse sentido.<br />

Quando eu era ainda menino,<br />

meus tios, irmãos e irmãs de mamãe,<br />

interessavam-se pela educação<br />

dos filhos dela, assim como ela pela<br />

dos sobrinhos. Um cuidado oriundo<br />

da idéia de que todos eram parentes<br />

estreitamente unidos, e deviam uns<br />

aos outros essa preocupação afetiva,<br />

carinhosa, pelo futuro dos membros<br />

mais novos da família.<br />

E naquela época, por volta de<br />

1920, no fim do ano todos os alunos<br />

de colégios particulares tinham de<br />

prestar exame num estabelecimento<br />

do governo, para efeitos de controle<br />

de qualidade de ensino. Eu, juntamente<br />

com um primo, fui fazer prova<br />

de aritimética, para a qual estudara<br />

com razoável empenho. Mas, talvez<br />

por muita ansiedade de minha<br />

parte, nervosismo de estudante, não<br />

me saí bem. Os cálculos não batiam,<br />

e desisti de prolongar aquela aflição.<br />

Fui o primeiro a entregar o exame<br />

aos professores, e me retirei da sala.<br />

Dirigi-me ao Jardim da Luz, próximo<br />

ao local, e ali fiquei passeando,<br />

à espera de meu primo.<br />

Quando este veio me encontrar,<br />

perguntei-lhe:<br />

— Então, qual foi a reação dos<br />

professores ao corrigirem a minha<br />

prova?<br />

— Olha, parece-me que sua situação<br />

não é das melhores.<br />

Na minha vã ilusão, posto que eu<br />

sabia ter errado quase tudo, ainda tinha<br />

esperanças de um resultado favorável.<br />

Insisti, e ele me disse:<br />

— Pela fisionomia dos examinadores<br />

ao correrem os olhos pela sua<br />

prova, não creio que você deva esperar<br />

um bom resultado.<br />

De fato, quando fui ver a nota que<br />

havia recebido, estava bem abaixo da<br />

média. Ou seja, tinha sido reprovado.<br />

Agora entra o aspecto compaixão<br />

daquele tempo. Meu primo e eu voltamos<br />

para nossas respectivas casas,<br />

9


Do n a Lucilia<br />

a dele era mais perto e, portanto,<br />

chegou antes de mim. Quando se encontrou<br />

com seu pai, irmão de mamãe,<br />

terá comentado o meu fracasso<br />

no exame.<br />

Ora, precisamente naqueles dias<br />

mamãe se achava muito mal de saúde.<br />

Então meu tio, preocupado com<br />

a repercussão que a notícia de minha<br />

nota poderia provocar no já debilitado<br />

estado físico dela, dirigiu-se imediatamente<br />

ao ginásio e pediu que<br />

fosse atendido pelos professores. Estes<br />

o receberam com muita gentileza,<br />

e ele se explicou:<br />

— Vim para verificar o exame de<br />

um sobrinho. Sei que não está bom,<br />

mas afinal de contas eu gostaria de<br />

lhes dizer que a mãe dele é minha irmã,<br />

e está num estado de saúde muito<br />

delicado. Se ela souber que seu filho<br />

teve uma nota ruim, pode piorar<br />

ainda mais, e eu quero evitar que isso<br />

aconteça.<br />

Eles foram muito atenciosos, procuraram<br />

minha prova no meio das<br />

outras, e a mostraram para meu tio:<br />

— Compreendemos a situação,<br />

mas lamentamos: veja o senhor mesmo,<br />

e se pergunte se poderia dar outra<br />

nota senão a que demos.<br />

Meu tio leu e viu que realmente<br />

não cabia outra avaliação. A nota<br />

dos professores tinha sido justa.<br />

Agradeceu a atenção que lhe dispensaram,<br />

e saiu de lá em direção à minha<br />

casa, onde ele mesmo deu a notícia<br />

a Dona Lucilia.<br />

de uma nota que eu modifiquei no<br />

meu boletim.<br />

Mas, mamãe percebeu que aquele<br />

mau resultado se devia mais a um<br />

nervosismo de minha parte do que<br />

a qualquer outro fator. Ela me tinha<br />

visto estudar muito, sabia de<br />

minha boa vontade e a aplicação<br />

que eu deitara para me<br />

sair bem nas provas. Em<br />

virtude disso, a atitude<br />

dela foi inteiramente<br />

diferente daquela<br />

tomada quan-<br />

O carinho de Dona<br />

Lucilia evita um castigo<br />

Qual foi a atitude de mamãe?<br />

Sem dúvida aquela nota representou<br />

uma má surpresa para ela,<br />

pois não podia esperar um resultado<br />

tão desfavorável. Eu, por minha<br />

vez, receava um pito, uma censura<br />

mais veemente, levantando a hipótese<br />

de me mandar para o internato<br />

do Colégio Caraça, como ela já havia<br />

feito anteriormente, por ocasião<br />

10


Fotos: G. Kralj / Arquivo revista<br />

mar um sorvete e se distrair um pouco<br />

na cidade.<br />

Dias depois era a festa do meu aniversário.<br />

Tudo transcorreu normalmente,<br />

sem nenhuma “sanção”. O<br />

mesmo se verificou no Natal, não havendo<br />

qualquer mudança na demonstração<br />

do afeto dela para comigo, por<br />

exemplo, dando-me presentes de valor<br />

menor aos do ano anterior ou coisa<br />

semelhante. Nada disso.<br />

No próximo exame, eu passaria<br />

com nota bem regular. Ela manifestou<br />

seu contentamento, sem me fazer<br />

grandes elogios. Tudo terminou<br />

em boa paz. Era o carinho à moda<br />

brasileira que evitava um castigo, e,<br />

dessa forma, só contribuiu para me<br />

aproximar ainda mais de mamãe.<br />

“Se o Sagrado Coração de Jesus é<br />

infinitamente melhor do que mamãe,<br />

como será sua bondade?!”<br />

Sagrado Coração de Jesus - Capela privada, Rio de Janeiro;<br />

Dona Lucilia no fim da década de 20, com sua neta<br />

do alterei a nota baixa que<br />

me haviam dado no Colégio<br />

São Luís.<br />

Para meu espanto, mamãe<br />

fez um comentário<br />

superficial, e em seguida<br />

me disse:<br />

— À tarde, você chama<br />

seu primo e vão os dois to-<br />

Compreendendo a<br />

infinita bondade do<br />

Coração de Jesus<br />

Para concluir, reitero o que já tive<br />

oportunidade de dizer: a bondade<br />

e a compaixão de mamãe eram reflexos<br />

da infinita misericórdia do Sagrado<br />

Coração de Jesus, e me foram<br />

de grande auxílio para compreender<br />

essa divina clemência que se debruça<br />

sobre cada homem.<br />

Eu costumava olhar para as imagens<br />

do Coração de Jesus e pensava:<br />

“Se Ele é infinitamente melhor do<br />

que mamãe, então como será a sua<br />

bondade?!” Era um ponto de partida<br />

para muitas meditações. Especialmente<br />

me comovia o considerar<br />

a transfixão do coração d’Ele pela<br />

lança de Longinos: “Depois de Ele<br />

ter feito pelos homens tudo quanto<br />

fez, ainda recebe no coração um golpe<br />

que Lhe tira todo o resto de sangue<br />

que podia ter dado. E, oh! maravilha,<br />

essa mistura de sangue e água<br />

ainda opera um último milagre aos<br />

pés da Cruz, pois curou a doença dos<br />

olhos do seu próprio algoz!”<br />

Essa bondade extrema, manifestada<br />

no momento mesmo em que o beneficiado<br />

O feria, tocava-me profundamente<br />

a alma. E eu pensava: “Essa<br />

é uma misericórdia infinita, incalculável,<br />

e está disposta a favorecer a todos,<br />

inclusive a mim. Eu, portanto,<br />

com inteira confiança, apesar de meus<br />

defeitos, devo caminhar até Ele!” v<br />

(Extraído de conferência<br />

em 20/9/1994)<br />

11


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> c o m e n ta ...<br />

Viver em Maria<br />

Conhecer e admirar as excelsas virtudes de Nossa Senhora,<br />

tendo-A continuamente em vista como nossa Mãe e<br />

misericordiosa advogada, é o meio de penetrarmos nesse<br />

“paraíso de Deus” e “jardim fechado” da Trindade — como nos<br />

ensina São Luís Grignion de Montfort no Tratado da Verdadeira<br />

Devoção à Santíssima Virgem, aqui comentado por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>.<br />

N<br />

a parte final de sua obra, São Luís Grignion<br />

enumera algumas práticas piedosas, interiores<br />

e exteriores, que o devoto de Nossa Senhora<br />

deveria cultivar para se unir ainda mais a Ela. Segundo<br />

o autor, seriam meios pelos quais podemos “viver<br />

em Maria” e “fazer todas as ações por, com e em Maria”.<br />

Aquela em quem o Altíssimo<br />

colocou sua glória suprema<br />

Leiamos São Luís:<br />

O Espírito Santo, pela boca dos Santos Padres, chama<br />

também a Santíssima Virgem: 1º a porta oriental, por onde<br />

o sumo sacerdote Jesus Cristo entra e vem ao mundo (cf.<br />

Ez 44, 2‐3); por ela entrou da primeira vez, e por ela virá<br />

da segunda; 2º O santuário da Divindade, o reclinatório da<br />

Santíssima Trindade, o trono de Deus, a cidade de Deus, o<br />

altar de Deus, o templo de Deus, o mundo de Deus. Todos<br />

estes diferentes epítetos e louvores são verdadeiros em relação<br />

às diversas maravilhas e graças que o Altíssimo realizou<br />

em Maria. Oh! que riqueza! que glória! que prazer! que<br />

felicidade poder entrar e habitar em Maria, em quem o Altíssimo<br />

colocou o trono de sua glória suprema!<br />

Mas quão difícil é a pecadores, como somos, alcançar<br />

a permissão e a capacidade e a luz para entrar em lugar<br />

tão alto e tão santo, guardado não por um querubim, como<br />

o antigo paraíso terrestre, mas pelo próprio Espírito Santo,<br />

que dele se tornou o Senhor absoluto e do qual diz: Hortus<br />

conclusus soror mea sponsa, hortus conclusus, fons signatus<br />

(Cant 4, 12). Maria é fechada; Maria é selada; os miseráveis<br />

filhos de Adão e Eva, expulsos do paraíso terrestre,<br />

só têm acesso a este outro paraíso por uma graça especial<br />

do Espírito Santo, a qual devem merecer (Tratado, nºs<br />

262 e 263).<br />

Ter sempre em vista as<br />

grandezas de Maria<br />

Conforme se depreende da interpretação desses tópicos,<br />

a alma que considera as maravilhas operadas por<br />

Deus em Nossa Senhora, percebe que Ela se assemelha a<br />

uma catedral, um santuário fechado, um jardim no qual<br />

somente se pode ingressar com a ajuda do dom divino.<br />

Que significa, pois, entrar em Nossa Senhora?<br />

Penso eu que se trata, exatamente, de ter continuamente<br />

em vista essas grandezas incomparáveis de Maria,<br />

inclusive as grandezas inconcebíveis e imensuráveis de<br />

sua misericórdia, em primeiro lugar. Segundo, em agir<br />

como alguém que se sabe filho d’Ela e que procura desenvolver<br />

sua vida espiritual em função dessas grandezas<br />

da Mãe de Deus e nossa.<br />

Mas, diz São Luís Grignion, essas riquezas são tais que<br />

um homem, com suas cogitações conspurcadas pelo pe-<br />

12


R. C. Branco<br />

Virgem da Anunciação -<br />

Igreja de Santa Maria do<br />

Castelo, Gênova (Itália)<br />

13


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> c o m e n ta ...<br />

cado original e suas faltas atuais, não é capaz de se elevar<br />

à altura delas. Então, acrescenta o autor, para isso importa<br />

que tenhamos o auxílio de uma graça especial do<br />

Espírito Santo, a graça da escravidão de amor à Santíssima<br />

Virgem, pela qual a entrada nesse jardim magnífico<br />

nos é franqueada.<br />

Maravilha insondável que preenche<br />

os espaços entre Ela e o fiel<br />

Outro ponto a se considerar é como devemos desenvolver<br />

nossa vida espiritual em função dessas grandezas<br />

de Nossa Senhora.<br />

Antes de tudo, como já se disse, nutrir uma entusiasmada<br />

admiração pelas perfeições de Maria Santíssima,<br />

procurando avivá-las na alma através de leituras<br />

de livros que no-las apresentam, e de modo eminente<br />

o próprio Tratado escrito por São Luís Grignion de<br />

Montfort.<br />

Tendo noção dessas grandezas, nunca se dirigir a Nossa<br />

Senhora a não ser com um sumo respeito, uma suma<br />

veneração e uma suma confiança. Como a uma criatura<br />

superexcelsa, altíssima, a mais alta de todas as criaturas<br />

abaixo de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas, porque a<br />

mais alta, também a mais benigna, a mais condescendente,<br />

a mais afável, a que mais desce até nós. Com efeito,<br />

sua grandeza é tal que preenche todos os espaços entre<br />

Ela e o resto da criação, tornando-A inteiramente acessível,<br />

amável, misericordiosa e condescendente para conosco.<br />

Ela é a mais disposta a perdoar, a mais disposta<br />

a atender, a que não se zanga nem se irrita nunca, a que<br />

nos quer sempre, por motivos elevadíssimos e invariáveis.<br />

Estreita intimidade materna<br />

Então, procuremos desenvolver nossa vida espiritual<br />

em função dessas verdades. Tenhamos a certeza de que,<br />

ao nos voltarmos para Nossa Senhora, estaremos levantando<br />

nossos olhos para muito alto, como quem contempla<br />

um horizonte longínquo, mas, ao mesmo tempo, admiramos<br />

o que há de mais próximo a nós. Porque nada,<br />

em toda a Criação, nos é mais chegado do que Maria,<br />

que nos envolve com uma intimidade materna da qual só<br />

não se pode dizer que é infinita.<br />

Em virtude desse vínculo estreitíssimo, a alma amará<br />

não apenas a grandeza de Nossa Senhora, mas tudo<br />

quanto dela é reflexo na criação: os monumentos que<br />

têm autêntica magnitude artística e cultural; o fulgor de<br />

um brilhante que lembra a pureza imaculada da Virgem;<br />

a coragem de um herói porque evoca a Rainha vitoriosa<br />

sobre o demônio, enfim, tudo quanto há de belo no mun-<br />

14


S. Hollmann<br />

Maria nos ama de um amor<br />

estável e completo; nada é<br />

capaz de extinguir sua vontade<br />

de nos fazer bem<br />

Notre-Dame de Paris - França<br />

do, espiritual ou material, tende a reforçar os laços de<br />

admiração e amor de uma alma com a Mãe de Deus.<br />

Afetos inimagináveis<br />

Contudo, a consideração dessas grandezas pode produzir<br />

na alma do devoto de Nossa Senhora um compreensível<br />

sentimento da própria pequenês: “Minha<br />

Mãe, sois tão formosa e admirável! E eu, quão pobre e<br />

miserável!”<br />

Não nos deixemos abater por esse pensamento, e nos<br />

lembremos do vínculo maior estabelecido entre a misericórdia<br />

materna d’Ela e cada um de seus filhos: “Apesar<br />

de tudo, tenho uma mãe que do alto do Céu olha com<br />

bondade e tristeza para minhas lacunas e que deseja me<br />

corrigir. Se eu pudesse Lhe falar e vê-La no momento<br />

em que considera meus pecados, eu me desfaria de ternura<br />

e pesar. Pois eu veria que Ela, embora não sendo<br />

complacente com minhas faltas, olha-me com um afeto<br />

tão imenso que não posso medir.”<br />

Trata-se de um afeto superior a todos os carinhos humanos<br />

aos quais estamos acostumados, porque procede<br />

do fato de Ela conhecer o próprio amor de Deus em relação<br />

a cada um de nós. Por assim dizer, Ela nos ama como<br />

nos ama o Criador, com um afeto que participa do<br />

amor que Ela mesma tem a Deus. Ou seja, um amor estável,<br />

profundo, completo. Por isso, Maria nos quer com<br />

uma benevolência que nenhuma infidelidade pode cansar<br />

nem fazer cessar. Nada é capaz de extinguir a vontade<br />

d’Ela de nos fazer bem. Pelo contrário, não deseja senão<br />

nos favorecer com benefícios maiores, com favores<br />

exuberantes.<br />

Tenhamos sempre presente essa noção da misericórdia<br />

de Nossa Senhora, durante todo o dia, nos momentos<br />

de alegria e de tristeza, de fidelidade ou de miséria, e saberemos<br />

como esperar, resistir, lutar. Assim se vive em<br />

Maria. Assim se habita nesse palácio maravilhoso, nesse<br />

jardim fechado. É ter Maria Santíssima continuamente,<br />

desse modo, presente diante de nós.<br />

v<br />

(Extraído de conferência em 16/6/1972)<br />

15


S. Hollmann<br />

Ca l e n d á r i o d o s Sa n t o s<br />

1. Comemoração de Todos os<br />

Santos.<br />

São Marcelo, Bispo de Paris,<br />

+ 410.<br />

2. Comemoração de todos os<br />

fiéis defuntos.<br />

3. São Martinho de Porres, + 1639.<br />

Irmão leigo da Ordem Dominicana,<br />

célebre por seus portentosos milagres<br />

e virtudes, cujo brilho atraía pessoas<br />

de todas as condições, inclusive o Vice-Rei<br />

do Peru, que o procuravam para<br />

pedir conselhos.<br />

4. São Carlos Borromeu, Arcebispo<br />

de Milão, + 1584.<br />

5. São Domingos Mao, presbítero<br />

dominicano, mártir no Tonkin<br />

(atual Vietnã), em 1888, por portar<br />

um rosário em público e pregar a fé<br />

ao povo dessa região.<br />

6. São Leonardo de Noblac,<br />

Eremita, + 545. Nascido na Gália,<br />

de pais nobres e amigos do Rei<br />

Clóvis (que foi seu padrinho de batismo).<br />

Seguiu os conselhos de São<br />

Remígio, Arcebispo de Reims, e se<br />

tornou eremita na região de Limoges.<br />

7. São Jacinto Castañeda e Vicente<br />

Le Quang Liem, mártires no<br />

Tonkin (Vietnã), em 1773.<br />

8. São Villeado de Bremen, Bispo<br />

de Bremen. Nascido na Inglaterra, sucedeu<br />

a São Bonifácio na evangelização<br />

da Frísia e Saxônia (Alemanha).<br />

9. Dedicação da Basílica Lateranense.<br />

São Vito, Bispo de Verdun, na<br />

Gália (hoje França), + 525.<br />

10. São Leão Magno, Papa e<br />

Doutor da Igreja, + 461.<br />

11. São Martinho de Tours, Bispo.<br />

Originário da Panônia (atual<br />

Hungria), foi Bispo de Tours na Gália.<br />

Morreu em Candes, em 397.<br />

12. São Macário de Aberdeen,<br />

Bispo na Ilha de Mull, na Escócia.<br />

Acredita-se que foi discípulo de<br />

São Columba, séc. VI.<br />

13. Santo Abão de Fleury, abade,<br />

+ 1004.<br />

14. Santos Nicolau Tavelic, Deodato<br />

Aribert, Estévão de Cúneo e<br />

Pedro de Narbone, religiosos da ordem<br />

dos Frades Menores, presbíteros<br />

e mártires, em Jerusalém, onde<br />

pregavam a fé cristã. Foram queimados<br />

vivos em 1391.<br />

15. Santo Alberto Magno, Bispo<br />

de Regensburg (Alemanha) e Doutor<br />

da Igreja, + <strong>128</strong>0. Religioso da<br />

Ordem Dominicana, foi mestre de<br />

São Tomás de Aquino.<br />

São Carlos Borromeo - Gruta de Manresa, Espanha<br />

16. Santa Inês de Assis, religiosa<br />

clarissa, + 1253. Seguiu, junto com<br />

16


* No v e m b ro *<br />

Santa Clara, os passos de São Francisco.<br />

17. Santa Isabel da Hungria,<br />

landgravina da Turíngia e terciária<br />

franciscana. Ao ficar viúva, dedicou-se<br />

às obras de caridade mais<br />

heróicas. Faleceu em 1231.<br />

18. Santa Filipina Duchesne, religiosa<br />

das Irmãs do Coração de Jesus,<br />

+ 1852. Depois de abandonar<br />

a França convulsionada pelas perseguições<br />

da Revolução Francesa,<br />

fundou um mosteiro em Missouri,<br />

nos Estados Unidos, além de<br />

numerosas escolas. Foi canonizada<br />

por João Paulo II em 1988.<br />

G. Kralj<br />

19. Santo Eudon, abade do mosteiro<br />

de Puy, na Aquitânia, + 720.<br />

20. São Bernward, Bispo de Hildesheim,<br />

na Saxônia alemã. Propiciou<br />

a vida monástica e reformou a<br />

vida do clero. Falecido em 1022.<br />

21. Apresentação da Bem-Aventurada<br />

Virgem Maria. Festa que se<br />

celebra desde o século VI no Oriente,<br />

e a partir do século XIV no Ocidente.<br />

Exalta o fato de a Mãe de<br />

Deus, em tenra idade, ter feito doação<br />

de si mesma ao Senhor, no Templo<br />

de Jerusalém.<br />

22. São Pedro Esqueda Ramírez,<br />

mártir da perseguição mexicana,<br />

+ 1927. Fundou uma escola de<br />

catequistas e se dedicou com fervor<br />

à catequese dos meninos. Conduzido<br />

diante do pelotão de fuzilamento,<br />

encontrou-se com alguns de seus<br />

pupilos que desejavam acompanhálo,<br />

e lhes disse: “Não deixem nunca<br />

de estudar o catecismo”.<br />

Santa Isabel da Hungria - Igreja São Francisco dos Penitentes, Rio de Janeiro<br />

23. Jesus Cristo Rei do Universo.<br />

Festa instaurada por Pio XI na Encíclica<br />

Quas Primas, no intuito de,<br />

com ela, pôr cobro “à peste que pervade<br />

a sociedade humana; a peste<br />

da nossa idade é o assim chamado<br />

laicismo, com seus erros e ímpios incentivos”.<br />

Ver artigo na página 24.<br />

24. Santo Hermógenes de Agrigento,<br />

Bispo, + 824.<br />

25. Santa Catarina de Alexandria,<br />

mártir, + 305.<br />

26. São Sirício, Papa. Ocupou a<br />

cátedra de Pedro entre 384 e 399.<br />

27. Nossa Senhora da Medalha<br />

Milagrosa. Neste dia, em 1830,<br />

Maria Santíssima apareceu a Santa<br />

Catarina Labouré, noviça vicentina,<br />

no convento da Rue du Bac,<br />

em Paris, pedindo-lhe cunhar medalhas<br />

que a representam espargindo<br />

graças.<br />

28. Santa Teodora de Rossano,<br />

+ 980. Abadessa de um mosteiro<br />

dessa cidade da Calábria. Foi discípula<br />

de São Nilo, o Jovem, e mestra<br />

na vida monástica.<br />

29. São Francisco Antônio Fasani,<br />

+ 1742. Presbítero e religioso<br />

dos Franciscanos Conventuais, distinguiu-se<br />

como grande pregador.<br />

30. 1º Domingo do Advento.<br />

Santo André, Apóstolo. O primeiro<br />

discípulo que seguiu Jesus no<br />

Jordão, e levou consigo seu irmão<br />

Pedro, o futuro primeiro Papa. É o<br />

padroeiro da Escócia.<br />

17


Ap ó s t o l o d o p u l c h r u m<br />

Ornato, elemento<br />

fundamental da vida<br />

Cultivar e promover o ornato como<br />

sendo uma expressão da infinita<br />

beleza do Criador é, segundo<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, valioso serviço que se<br />

presta ao próprio Deus. Em suas<br />

várias formas, o adorno torna a vida<br />

terrena mais suportável; é o verniz<br />

que “enfeita as condições por<br />

vezes árduas da existência humana<br />

exilada do paraíso”.<br />

G. Kralj<br />

N<br />

ão será exagero afirmar<br />

que, em diversos aspectos<br />

do mundo contemporâneo,<br />

a beleza do ornato cedeu<br />

lugar à insipidez do prático.<br />

Elementos da<br />

“doçura de viver”<br />

Nesse sentido, surpreendeu-me a<br />

objeção que ouvi, certa vez, contra<br />

os sabores dos cremes dentais. Por<br />

trivial que seja o exemplo, vem a propósito<br />

para ilustrar nosso assunto.<br />

Com efeito, censurava o objetante o<br />

fato de os produtores de dentifrícios<br />

introduzirem elementos variados para<br />

torná-los mais agradáveis. “Pura<br />

demagogia”, dizia ele, “pois bastaria<br />

que o creme tivesse as propriedades<br />

indispensáveis para limpar os dentes<br />

e precavê-los contra as cáries. A<br />

mistura de sabores visa unicamente<br />

explorar a sensibilidade degustativa<br />

das pessoas, levando-as a usar mais<br />

do que o necessário e, em conseqüência,<br />

aumentar a venda de seus produtos.<br />

Isso é uma fraude.”<br />

Objeção, como disse, surpreendente,<br />

pois a maioria das pessoas, ao<br />

escovar seus dentes, não se pergunta<br />

porque a pasta é agradável e lhe dei-<br />

18


xa o hálito saudável. Se fosse o contrário,<br />

sim, estranhariam.<br />

Penso eu que, no fundo, essa questão<br />

e outras semelhantes se relacionam<br />

com o que se chama em francês<br />

la douceur de vivre — a doçura de viver.<br />

Apóstolos do ornato,<br />

apóstolos de Deus<br />

Em última análise, se um fabricante<br />

de pasta de dente encontrasse<br />

um meio de torná-la mais saborosa,<br />

agiria bem, independente do lucro<br />

comercial, aliás legítimo, que o<br />

produto lhe granjeasse. Porque há<br />

um feitio de almas chamadas pela<br />

Providência a fazer parte dos servidores<br />

do ornato. Elas se comprazem<br />

em ornar a existência humana e até<br />

são capazes de fazer sacrifícios pessoais<br />

para ver a vida adornada enquanto<br />

adornada.<br />

Essa atitude tem sua mais alta razão<br />

de ser, se entendemos o ornato<br />

como uma expressão de algo que reflete<br />

a Deus. Duas quantidades que<br />

refletem uma terceira, refletem-se<br />

entre si. Ora, o ornato reflete uma<br />

coisa; esta reflete a Deus; logo, o ornato<br />

reflete a Deus. Portanto, ser um<br />

apóstolo do ornato é ser um apóstolo<br />

de Deus. Uma ilação, a meu ver,<br />

irretorquível.<br />

Polidez no trato<br />

social, antegozo do<br />

convívio no Céu<br />

Isso que se diz de uma simples<br />

pasta de dente aplica-se a outros e<br />

superiores aspectos da vida humana.<br />

Por exemplo, à polidez nas conversas<br />

e no trato social. Sem dúvida<br />

alguma, estes se tornam mais agradáveis<br />

e belos com a polidez.<br />

Quem ama a<br />

gentileza no<br />

relacionamento<br />

humano, ama a Deus<br />

e a ordem desejada<br />

por Ele<br />

Sagração de Cavaleiros da<br />

Ordem de São Luís (detalhe) -<br />

Versailles, França<br />

Quem ama a Deus, ama as manifestações<br />

do ornato no convívio<br />

dos homens, considerando-o inserido<br />

na ordem desejada pelo Criador.<br />

Assim, uma pessoa de influência<br />

que introduza nos costumes<br />

sociais de seu ambiente mais uma<br />

forma de ser amável, de fato está<br />

servindo a Deus.<br />

Alguém poderia, com acerto,<br />

observar que a gentileza no trato<br />

entre os homens é uma decorrência<br />

da virtude da caridade que de-<br />

19


Ap ó s t o l o d o p u l c h r u m<br />

vemos praticar uns em relação aos<br />

outros. Não há dúvida. Porém, não<br />

se pode omitir que é também ornato,<br />

que deve ser amado enquanto<br />

tal. Mais ainda. A polidez é ornato<br />

da caridade, e torna a vida social<br />

agradavelmente surportável, embeleza-a<br />

e a faz se assemelhar ao relacionamento<br />

dos bem-aventurados<br />

entre si e com Deus, no Céu. É,<br />

portanto, nesta Terra, um antegozo<br />

do convívio no Paraíso.<br />

Importância capital<br />

do ornato na vida<br />

Para concluirmos essas considerações,<br />

poderíamos nos voltar<br />

para a divina figura de Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo, ornamental<br />

por excelência, o ornato da criação.<br />

Quem lograsse fazer uma análise<br />

psicológica d’Ele, deduziria<br />

uma série de princípios de estética<br />

e de ornamento que abrangiriam<br />

toda a ordem do universo.<br />

Por exemplo, a Sagrada Face:<br />

é um compêndio da insondável<br />

beleza de Nosso Senhor e,<br />

portanto, do pulchrum de tudo<br />

quanto foi criado.<br />

E para atingirmos um píncaro de<br />

reflexões no qual seria difícil de se<br />

manter, pensemos na Transfiguração<br />

do Divino Mestre no alto do Tabor, a<br />

sua esplendorização, a manifestação<br />

do que havia n’Ele de belo, de bom e<br />

Em Nosso Senhor Jesus Cristo se<br />

manifestou o pulchrum de toda a<br />

criação, o apogeu da expressão do<br />

ornato revelado aos homens<br />

Vemos, por esses breves conceitos,<br />

como o ornato é de imensa importância<br />

para o homem enriquecer seu espírito<br />

e crescer no seu amor a Deus.<br />

O ornato realça a beleza das coisas,<br />

assim como o verniz salienta a<br />

nobreza e a qualidade de uma madeira.<br />

Tomemos um móvel de mogno,<br />

por exemplo. Na sua aparência<br />

rústica, ele terá uma riqueza pouco<br />

ou indefinidamente notada. Recebe<br />

uma demão de verniz, e sua prestigiosa<br />

feição confere categoria ao<br />

ambiente.<br />

Assim é o ornato, verniz do pulchrum,<br />

do belo, que enfeita as condições<br />

por vezes árduas da existência<br />

humana exilada do Éden. O enfeite<br />

ornamental, a arte decorativa, são,<br />

nesse sentido, elementos fundamentais<br />

da vida neste mundo.<br />

Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo, o ornato<br />

da criação<br />

20


de verdadeiro, o apogeu da expressão<br />

do ornato revelado aos homens.<br />

É dizer tudo.<br />

v<br />

(Extraído de conferência<br />

em 17/2/1989)<br />

À direita: Beau Dieu<br />

de Notre-Dame de<br />

Paris, França; abaixo:<br />

Transfiguração<br />

- Basílica de<br />

Santa Catarina<br />

de Alexandria,<br />

Galatina (Itália)<br />

Fotos: F. Lecaros / S. Hollmann<br />

21


“R-CR” e m p e r g u n ta s e r e s p o s ta s<br />

Contra-Revolução<br />

e o<br />

autêntico progresso<br />

Segundo <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, a Contra-Revolução é condição essencial<br />

para o desenvolvimento do verdadeiro progresso, isto é, o<br />

“reto aproveitamento das forças da natureza, conforme a Lei<br />

de Deus e a serviço do homem”. Antes de tudo, tal progresso<br />

deve promover os valores espirituais e, em conseqüência, a<br />

ascensão das almas rumo à perfeição moral.<br />

A Contra-Revolução é conservadora?<br />

“Em um sentido, sim, e profundamente. E em outro<br />

sentido, não, também profundamente.<br />

“Se se trata de conservar, do presente, algo que é bom<br />

e merece viver, a Contra-Revolução é conservadora.<br />

“Mas se se trata de perpetuar a situação híbrida em<br />

que nos encontramos, de sustar o processo revolucionário<br />

nesta etapa, mantendo-nos imóveis como uma estátua<br />

de sal, à margem do caminho da História e do Tempo,<br />

abraçados ao que há de bom e de mau em nosso século,<br />

procurando assim uma coexistência perpétua e harmônica<br />

do bem e do mal, a Contra-Revolução não é nem<br />

pode ser conservadora” (p. 102).<br />

Excessos contrários<br />

ao verdadeiro progresso<br />

A Contra-Revolução é progressista?<br />

“Sim, se o progresso for autêntico. E não, se for a marcha<br />

para a realização da utopia revolucionária” (p. 103).<br />

Em que consiste o autêntico progresso, em seu aspecto<br />

material?<br />

“Em seu aspecto material, consiste o verdadeiro progresso<br />

no reto aproveitamento das forças da natureza, segundo<br />

a Lei de Deus e a serviço do homem. Por isso, a Contra-Revolução<br />

não pactua com o tecnicismo hipertrofiado de hoje,<br />

com a adoração das novidades, das velocidades e das máquinas,<br />

nem com a deplorável tendência a organizar more<br />

mechanico a sociedade humana. Estes são excessos que Pio<br />

XII condenou com profundidade e precisão 1 ” (p. 103).<br />

Prevalência dos aspectos<br />

espirituais sobre os materiais<br />

E o progresso cristãmente entendido?<br />

“O progresso material de um povo [não é] o elemento<br />

capital do progresso cristãmente entendido. Consiste<br />

este, sobretudo, no pleno desenvolvimento de todas as<br />

suas potências de alma, e na ascensão dos homens rumo<br />

à perfeição moral (p. 103).<br />

22


F. Boulay / G. Kralj<br />

É próprio à Contra-Revolução estimular nos indivíduos um apreço<br />

muito maior pelos valores espirituais do que pelos materiais<br />

Angelus, por Edmond Massicote - Museu Château-Ramezay, Montreal (Canadá)<br />

Qual a concepção contra-revolucionária de progresso?<br />

“Uma concepção contra-revolucionária do progresso<br />

importa, pois, na prevalência dos aspectos espirituais<br />

deste sobre os aspectos materiais. Em conseqüência,<br />

é próprio à Contra-Revolução promover, entre<br />

os indivíduos e as multidões, um apreço muito maior<br />

por tudo quanto diz respeito à Religião verdadeira, à verdadeira<br />

filosofia, à verdadeira arte e à verdadeira literatura,<br />

do que pelo que se relaciona com o bem do corpo e<br />

o aproveitamento da matéria (p. 103-104).<br />

A Contra-Revolução sempre<br />

considera este mundo<br />

como uma passagem para o Céu<br />

Qual a diferença fundamental entre os conceitos revolucionário<br />

e contra-revolucionário de progresso?<br />

“Para demarcar a diferença entre os conceitos revolucionário<br />

e contra-revolucionário de progresso, importa<br />

notar que o último toma em consideração que este mundo<br />

será sempre um vale de lágrimas e uma passagem para<br />

o Céu. Ao passo que para o primeiro, o progresso deve<br />

fazer da terra um paraíso no qual o homem viva feliz,<br />

sem cogitar da eternidade.<br />

“Pela própria noção de reto progresso, vê-se que este<br />

tem por contrário o progresso da Revolução.<br />

“Assim, a Contra-Revolução é condição essencial<br />

para que seja preservado o desenvolvimento normal<br />

do verdadeiro progresso, e derrotada a utopia revolucionária,<br />

que de progresso só tem aparências falaciosas<br />

(p. 104) 2 .<br />

v<br />

1) Cf. Radiomensagem de Natal de 1957, Discorsi e Radiomessaggi,<br />

vol. XIX, p. 670.<br />

2) Para todas as citações: Revolução e Contra-Revolução, Editora<br />

Retornarei, São Paulo, 2002, 5ª edição em português,<br />

254 páginas.<br />

23


O Sa n t o d o m ê s<br />

Reflexões<br />

em torno da Festa<br />

de Cristo Rei<br />

Aproveitando a ocasião de uma Festa de Cristo Rei, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

comenta, enlevado, os diversos reluzimentos da infinita<br />

majestade de Nosso Senhor Jesus Cristo ao longo de sua<br />

passagem neste mundo. Majestade coroada nas glórias da<br />

Ressurreição e perpetuada nos grandiosos acontecimentos da<br />

Santa Igreja Católica Apostólica Romana.<br />

Ao considerarmos a celebração da realeza de<br />

Cristo e, pois, da majestade do Filho de Deus,<br />

creio ser conveniente voltarmos nossos olhos<br />

para um aspecto pouco ressaltado quando se aborda esse<br />

tema.<br />

Risco, dor e dever são<br />

inerentes à majestade<br />

Majestade, do latim major stare, significa estar acima,<br />

no píncaro. Devemos então começar por compreender<br />

que essa condição de supremacia envolve muita reflexão.<br />

Não uma reflexão qualquer, mas inspirada, iluminada e<br />

elevada pela graça. Esse teor de pensamento patenteia,<br />

à pessoa que se encontra nessa posição suprema, o dever,<br />

o risco e a dor inerentes à sua condição. Porque possuir<br />

majestade consiste também — e não na menor medida<br />

— em aceitar a dor, o risco, as obrigações com todos<br />

os seus ônus.<br />

Alguns espíritos contemporâneos, superficiais e avessos<br />

à reflexão, amigos das facilidades e inimigos da dor<br />

e do sofrimento, talvez se sintam contrariados com essa<br />

noção de majestade. Tal recusa, porém, não torna essa<br />

noção perempta, porque ela permanece invariável: se alguém<br />

se afasta dela, não é o conceito que decai, e sim esse<br />

alguém. Mais ou menos como um navio que afunda e,<br />

por isso, se distancia da luz do sol. Não é o astro que soçobra<br />

e desaparece, mas o navio. O sol continua a brilhar<br />

no alto dos céus.<br />

A majestade autêntica provém da Fé<br />

As grandes verdades e normas, os grandes princípios e<br />

planos, as grandes máximas e execuções são os aspectos<br />

por onde um homem, mesmo de condição comum, pode<br />

ter majestade. Portanto, essa majestade todo indivíduo<br />

deve desejar, sem nenhum prejuízo para a modéstia e a<br />

virtude da humildade que ele igualmente deve praticar.<br />

Pois, entendamos, a majestade não é uma faceirice como<br />

uma gravata ou um atavio que vestimos para mostrar<br />

aos outros: “Veja, chegou-me de Paris”. Não, a autêntica<br />

majestade não é enfeite, e nunca ensoberbece aquele<br />

que a possui. Pelo contrário, o indivíduo que tem majestade<br />

se sente sempre pequeno diante dela, compreende<br />

24


V. Toniolo<br />

Cristo Rei - Por Giotto, Pinacoteca Vaticana, Roma<br />

25


O Sa n t o d o m ê s<br />

que, por mais majestoso que seja, como simples indivíduo<br />

não é diferente de todo mortal. A majestade lhe vem<br />

da fé, da influência da Santa Igreja à qual ele se dispõe a<br />

aceitar. Se for honesto consigo mesmo, ele se perguntará<br />

sempre se levou sua própria majestade à altura para a<br />

qual foi criado.<br />

O Rei por excelência,<br />

crucificado e rejeitado<br />

Tocamos, então, no exemplo sublime que ilustra os<br />

conceitos acima considerados: Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo.<br />

Pensemos na majestade do Homem-Deus no Calvário,<br />

sentenciado, condenado e pregado na cruz. Sobre<br />

Ele recaíram as piores execrações possíveis. Era o rejeitado<br />

por excelência, como nenhum outro ser humano fora<br />

nem será. Durante três anos de sua vida pública, Nosso<br />

Senhor não fez senão procurar atrair os outros, manifestando-lhes<br />

uma sabedoria, uma misericórdia e uma<br />

bondade infinitas. Seu império sobre as forças da natureza<br />

tornou-se patente em mais de uma ocasião. Um poder<br />

capaz de levantar um morto sepultado há quatro dias<br />

e que já cheirava mal, com uma simples ordem: “Lázaro,<br />

sai para fora!”<br />

As tempestades agitam as águas do mar e, a uma palavra<br />

d’Ele, tudo serena. Falta vinho, Ele manda encher algumas<br />

bilhas de água e, quando o mordomo se põe a servir,<br />

espanta-se com a qualidade do vinho que é oferecido<br />

aos convidados das bodas de Caná. A multidão tem<br />

fome? Ele multiplica os pães e os peixes e ordena aos<br />

Apóstolos saciar aquela gente. A comida se verifica tanta<br />

que, com os restos, ainda enchem doze canastras.<br />

Por onde Nosso Senhor passava, maravilhas se sucediam.<br />

Poder, sabedoria, bondade e ternura insondáveis.<br />

Seu olhar, sua fisionomia, suas mãos e sua presença divinas<br />

estavam repletos de dons ofertados aos homens. O<br />

povo O proclama rei para em seguida rejeitá-Lo em favor<br />

do facínora Barrabás.<br />

Rejeição completa, na qual Nosso Senhor nada perdeu<br />

de sua majestade infinita, de sua distinção incomparável.<br />

Qualquer um que, de olhar límpido e isento de<br />

preconceitos, O visse pregado na cruz, ajoelhar-se-ia e<br />

diria: “Meu Rei!”<br />

Não houve nem haverá na História um monarca que<br />

tenha, sequer de longe, manifestado semelhante majestade.<br />

Grandeza régia do cadáver divino<br />

Nosso Senhor morre, alguns discípulos mais corajosos<br />

retiram o corpo d’Ele da cruz. Ao longo dos séculos,<br />

26


G. Kralj<br />

os pintores têm se empenhado em salientar um aspecto<br />

verdadeiro da descida da cruz, isto é, o corpo santíssimo<br />

de Jesus sujeito às leis da gravidade, sem vida, pendendo<br />

para onde o inclinam. Retirado do madeiro, o depositam<br />

no colo virginal de Maria Santíssima e o preparam para<br />

ser deixado na sepultura. Igualmente se esforçam os artistas<br />

em retratar a dor da Mãe e a inanição do Filho.<br />

Entretanto, se me fosse dado sugerir algo a um pintor<br />

ou escultor, pediria que encontrasse um meio de apresentar,<br />

na simplicidade e misérias extremas dessa Mãe e<br />

desse Filho, a sublime majestade de ambos: a régia grandeza<br />

do cadáver divino, e como Maria se sentia dignificada<br />

com aquele tesouro depositado no seu colo.<br />

Incomparável majestade<br />

da Ressurreição<br />

Pensemos, em seguida, na Ressurreição e naquilo que<br />

poderíamos chamar de “re-esplendor” da majestade de<br />

Nosso Senhor Jesus Cristo. No interior do jazigo, escuridão<br />

profunda. Mais majestoso do que todo o céu e do<br />

que toda a terra, ali repousa o corpo exangue do Redentor.<br />

Em determinado momento — imaginemos — a alma<br />

santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo a ele retorna e o<br />

revivifica, vencendo a morte.<br />

“Quisera que um artista<br />

soubesse exprimir a<br />

majestade do Filho morto e a<br />

Mãe sentindo-se dignificada<br />

com o Tesouro depositado<br />

sobre seu colo”<br />

Nossa Senhora da Piedade - Igreja<br />

da Candelária, Rio de Janeiro<br />

Se um relâmpago, mera descarga elétrica, pode ser<br />

majestoso; se o sol, cujo fulgor é produto de gases em<br />

combustão, tantas vezes nos parece envolto em majestade,<br />

que dizer da apoteose que terá sido a alma de Cristo<br />

voltando ao seu corpo?<br />

O tema é por demais elevado para nossas cogitações, e<br />

creio que pincel de artista algum seria capaz de representá-lo<br />

de maneira conveniente.<br />

27


O Sa n t o d o m ê s<br />

A pedra do sepulcro se move e o Senhor Glorioso<br />

abandona as trevas do túmulo para reaparecer na luz da<br />

vida. É a primeira festa de Páscoa da História da Igreja e<br />

que se repetirá, todos os anos, até o fim dos tempos. Majestade!<br />

Pentecostes e as catacumbas:<br />

exemplos perfeitos de majestade<br />

Poderíamos ainda evocar outras cenas que se seguiram<br />

à gloriosa Ressurreição do Rei Divino, as quais espargem<br />

reflexos de sua infinita majestade.<br />

Cenáculo. Nossa Senhora e os Apóstolos estão ali reunidos,<br />

recolhidos em oração e recordações dos ensinamentos<br />

do Mestre. Sentem que algo de extraordinário está por<br />

acontecer. Seus corações se inflamam a cada nova oração,<br />

a cada nova lembrança das palavras de Jesus. O ambiente<br />

se reveste de grandeza, e os discípulos se tomam de um<br />

encantamento crescente pela pessoa de Maria Santíssima,<br />

vendo n’Ela a imagem do Filho. Tudo reluz.<br />

Subitamente, quando pensam que atingiram o auge de<br />

suas cogitações, tudo ainda estava por vir: o Divino Espírito<br />

Santo aparece em forma de línguas de fogo e deita sobre<br />

cada um deles a plenitude de seus dons. Majestade!<br />

Muda a cena. Correm os séculos, e estamos nas catacumbas<br />

de Roma. Labirintos escavados no subsolo da ve-<br />

28


Fotos: V. Toniolo<br />

A divina majestade de Cristo<br />

glorioso se manifestará<br />

até o fim dos tempos,<br />

refletida na grandiosa<br />

história da Igreja<br />

sobre a face da Terra<br />

Cristo Ressurrecto - Pinacoteca Vaticana,<br />

Roma; Catacumba de Santa Domitila, Roma<br />

lha urbe. Terra onde os cristãos depositam os corpos inanimados<br />

dos seus mártires. Naqueles túneis vivem e transitam<br />

pessoas humildes e ilustres, ricos e estropiados, católicos<br />

de todas as condições que iam assistir a Missa celebrada<br />

pelo sucessor de Pedro.<br />

É uma noite de Natal, digamos. Noite comum para os<br />

romanos antigos, alguns dos quais se embriagavam em<br />

orgias; mas, lá embaixo, naquela cidade sob a cidade, entre<br />

paredes ornadas com pinturas primitivas que lembram<br />

cenas evangélicas, o Papa celebra o nascimento e a<br />

glória de Cristo.<br />

Exemplos perfeitos de majestade.<br />

Revestida de seu manto majestoso,<br />

a Igreja atravessa os séculos<br />

É a majestade da Fé, a majestade do sobrenatural professada<br />

até nas condições hostis e adversas das catacumbas,<br />

desafiando o martírio e a morte, enfrentando o império<br />

mais poderoso da Terra, admirando a pessoa do vigário<br />

daquele Cristo que adoram, com uma reverência<br />

tão grande que sua admiração ilumina aquele subterrâneo<br />

inteiro.<br />

Majestade das almas, e, mais ainda, majestade de<br />

Deus que de algum modo se comunica àqueles primeiros<br />

cristãos e brilha nos seus olhares e na suas demonstrações<br />

de Fé.<br />

Majestade primitiva da Igreja que continha em germe<br />

todas as majestades que ela manifestaria ao longo<br />

dos séculos, nas suas liturgias e na sua história, como<br />

uma rainha revestida de um imenso e precioso manto<br />

de beleza.<br />

v<br />

(Extraído de conferência em 27/11/1982)<br />

29


Lu z e s d a Civilização Cr i s t ã<br />

Sabedoria,<br />

Aexistência humana, entre<br />

outras coisas, é própria a ser<br />

objeto de uma análise que<br />

abarque todo o seu conjunto. Nesse<br />

sentido, há pessoas que passam pelo<br />

jogo da vida e nada compreendem.<br />

Outras, prestam demasiada atenção<br />

em si mesmas para se inteirar do restante<br />

da humanidade. Outras, ainda,<br />

embora sem se importarem tanto<br />

Fotos: V. Toniolo<br />

30


certeza e contemplação<br />

consigo, não atingem a síntese ideal<br />

que seria uma conjugação das melhores<br />

disposições com que se tomam os<br />

interesses individuais e os coletivos.<br />

Deve haver, portanto, diante da<br />

vida, uma noção e um conhecimento<br />

que sejam a arquitetura de todas<br />

as impressões que o quotidiano<br />

humano nos oferece, o qual tem<br />

de ser, por isso mesmo, observado<br />

e contemplado com sabedoria.<br />

Sabedoria e arquitetura estas que<br />

nos fazem compreender os supremos<br />

valores da vida e, por esse caminho,<br />

nos conduzem a conhecer<br />

algo a mais da infinita perfeição do<br />

Criador que dispôs assim a ordem<br />

terrena.<br />

Profetas de Aleijadinho -<br />

Congonhas do Campo,<br />

Minas Gerais<br />

31


Lu z e s d a Civilização Cr i s t ã<br />

A meu ver, magnífica expressão<br />

desse estado de espírito sábio e contemplativo<br />

são as esculturas dos profetas<br />

de Aleijadinho. Em todas aquelas<br />

fisionomias transparece essa visão<br />

do conjunto da existência humana,<br />

e aqueles olhos grandes, dir-seia<br />

abertos para um superior conhecimento<br />

da vida.<br />

Figuras de varões que nos transmitem<br />

a sensação da profunda certeza<br />

que os anima, certeza da missão<br />

que lhes foi confiada, certeza<br />

que os toma por inteiro e que passa<br />

pelo temperamento de cada um<br />

como o talento de um músico passa<br />

através do instrumento que ele toca.<br />

Um profeta daqueles, pelo seu<br />

porte, seu jeito, sua atitude, é uma<br />

orquestra de expressão de uma<br />

grande convicção que ressoa como<br />

uma sinfonia.<br />

32


Pelo seu porte, seu<br />

jeito, sua atitude,<br />

cada profeta exprime,<br />

qual orquestra que<br />

toca uma sinfonia,<br />

a grande convicção<br />

que o anima<br />

Profetas Daniel (esquerda) e Joel -<br />

Congonhas do Campo, Minas Gerais<br />

33


Lu z e s d a Civilização Cr i s t ã<br />

Sentimos nosso<br />

próprio ser elevado<br />

e protegido por<br />

aqueles grandes<br />

olhos que<br />

contemplam a vida...<br />

Profetas Joel e Isaías<br />

(direita) - Congonhas do<br />

Campo, Minas Gerais<br />

Diante deles, sentimos o nosso<br />

próprio ser como que deliciosamente<br />

invadido pela sua presença, por<br />

essa certeza, essa sabedoria e contemplação<br />

que eles exprimem, não<br />

para sermos censurados, mas elevados.<br />

Nós nos sentimos descansados,<br />

animados, afagados e protegidos.<br />

Sentimo-nos mais nós mesmos, porque<br />

ele está ali, profeta que contempla<br />

e compreende a vida. v<br />

(Extraído de conferências em<br />

18/5/1963 e 17/4/1977)<br />

34


35


G. Kralj<br />

Razão de<br />

nossa<br />

serenidade<br />

Mesmo em meio às tentações<br />

e aos sofrimentos<br />

inerentes à nossa vida<br />

mortal, devemos procurar manter<br />

nossa alma serena, tranqüila<br />

e jubilosa. Pois sobretudo nas horas<br />

de sofrimento e de tentação<br />

sempre poderemos contar com<br />

esse fator de paz fundamental:<br />

“Nossa Senhora estará comigo,<br />

ainda que eu não esteja com Ela.<br />

Não me abandonará nunca e me<br />

ajudará em todas as circunstâncias.<br />

Virá ao meu encontro com a<br />

exuberância de sua misericórdia,<br />

concedendo-me mais do que<br />

peço e mais do que Lhe retribuo,<br />

deixando-me pasmo e desconcertado<br />

diante de tudo o que Ela<br />

faz por mim.”<br />

(Extraído de conferência<br />

em 16/6/1972)<br />

A Virgem com o Menino -<br />

Basílica de São Marcos,<br />

Veneza (Itália)

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