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Revista Dr Plinio 110

Maio de 2007

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Publicação Mensal Ano X - Nº <strong>110</strong> Maio de 2007<br />

90 anos de<br />

um maternal apelo


Frei Galvão - Convento<br />

da Luz, São Paulo<br />

T. Ring<br />

Animam suam in manibus suis semper tenens — reza a inscrição na lápide de<br />

mármore sob a qual repousam os restos de Frei Galvão, no Convento da Luz. Simples e<br />

supremo elogio de quem dominou a própria alma e traçou para si um caminho de salvação.<br />

Sensível à voz de Nosso Senhor Jesus Cristo, obedeceu em tudo à vontade d’Ele, custasse o<br />

que lhe custasse, doesse ou não doesse, e assim alcançou a perfeição para a qual foi chamado.<br />

(Extraído de conferência em 10/2/1989.<br />

Em visita ao Brasil, o Papa Bento XVI canonizou,<br />

no dia 11 de maio, este santo nascido em nosso país:<br />

Santo Antônio de Sant’Ana Galvão.)


Sumário<br />

Publicação Mensal Ano X - Nº <strong>110</strong> Maio de 2007<br />

Ano X - Nº <strong>110</strong> Maio de 2007<br />

90 anos de<br />

um maternal apelo<br />

Na capa,<br />

imagem de Nossa<br />

Senhora de Fátima<br />

Foto: T. Ring<br />

As matérias extraídas<br />

de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

— designadas por “conferências” —<br />

são adaptadas para a linguagem<br />

escrita, sem revisão do autor<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />

propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />

CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />

INSC. - 115.227.674.<strong>110</strong><br />

Editorial<br />

4 “Opus tuum fac!”<br />

Dona Lucilia<br />

6 Retidão e calma<br />

Diretor:<br />

Antonio Augusto Lisbôa Miranda<br />

Conselho Consultivo:<br />

Antonio Rodrigues Ferreira<br />

Carlos Augusto G. Picanço<br />

Jorge Eduardo G. Koury<br />

Redação e Administração:<br />

Rua Santo Egídio, 418<br />

02461-010 S. Paulo - SP<br />

Tel: (11) 6236-1027<br />

E-mail: editora_retornarei@yahoo.com.br<br />

Impressão e acabamento:<br />

Pavagraf Editora Gráfica Ltda.<br />

Rua Barão do Serro Largo, 296<br />

03335-000 S. Paulo - SP<br />

Tel: (11) 6606-2409<br />

Preços da<br />

assinatura anual<br />

Comum . . . . . . . . . . . . . . R$ 85,00<br />

Colaborador . . . . . . . . . . R$ 120,00<br />

Propulsor . . . . . . . . . . . . . R$ 240,00<br />

Grande Propulsor . . . . . . R$ 400,00<br />

Exemplar avulso . . . . . . . R$ 11,00<br />

Serviço de Atendimento<br />

ao Assinante<br />

Tel./Fax: (11) 6236-1027<br />

Eco fidelíssimo da Igreja<br />

10 Ascese da Companhia de Jesus — III<br />

Renunciar-se a si próprio para seguir o Redentor<br />

16 Calendário dos Santos<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

18 A consagração ao Imaculado<br />

Coração de Maria<br />

“R-CR” em perguntas e respostas<br />

24 Características da Revolução<br />

O Santo do mês<br />

26 A expansiva piedade<br />

de São Crispim de Viterbo<br />

Luzes da Civilização Cristã<br />

31 Como um relógio...<br />

Última página<br />

36 Não endureçamos nossos corações


Editorial<br />

“Opus tuum fac!”<br />

Há 90 anos, na manhã de 13 de maio de 1917, Nossa Senhora aparecia a três pastorinhos portugueses<br />

que cuidavam de suas ovelhas nas relvas da Serra do Aire, próximo de Fátima. A mensagem<br />

da Mãe de Deus, dirigida então a um mundo conturbado pela Grande Guerra, repercute<br />

até os dias de hoje, conservando toda a sua grave e misericordiosa instância: “Se querem a paz,<br />

rezem o Terço todos os dias; deixem de ofender a Deus, já tão ofendido”. Nas aparições seguintes,<br />

pedirá ainda a Rainha do Céu e da Terra que os povos se consagrassem ao seu Coração Imaculado,<br />

manancial de dádivas e clemências divinas.<br />

Dócil em atender a tais pedidos de Nossa Senhora foi <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, o qual, não uma, mas muitas vezes<br />

frisou a necessidade de o fazermos, com os inestimáveis benefícios que dessa obediência nos adviriam:<br />

“Aparecendo aos pastores de Fátima — escreveu ele — a Virgem Santíssima prometeu as maiores<br />

graças, como fruto da consagração a seu Imaculado Coração. Inútil insistir sobre a importância<br />

de uma promessa d’Aquela a quem a Igreja chama Virgo Fidelis. Em rigor, porém, por mais confortadora<br />

que essa promessa seja, ela não é indispensável. Com efeito, Nossa Senhora é Mãe. Qual a mãe<br />

zelosa, que ouviria distraidamente, negligentemente as carícias de seus filhos? Qual a mãe que diante<br />

de sua família, toda reunida para lhe tributar homenagem, houvesse de desviar indiferente o pensamento,<br />

e houvesse de retribuir com a máxima frieza interior, a todo o carinho de que estivesse sendo<br />

objeto? Tendo diante de si [um povo inteiro], Maria Santíssima haveria de se mostrar indiferente<br />

a essa consagração? Haveria de fechar os olhos a nossos propósitos e recusar nossa súplica?<br />

“Evidentemente, jamais. E por mais profunda que fosse a excelência de disposições do melhor e<br />

do mais santo dos povos, em se consagrar a Maria Santíssima, ainda muito mais profunda é a deliberação<br />

d’Ela em aceitar e corresponder à nossa consagração. De onde se deduz, tudo bem pesado, que<br />

o fruto da consagração é o estabelecimento de um vínculo real e especial entre o Coração de Maria e<br />

nós” (Legionário, de 15/7/1945).<br />

Esta união com a Virgem Santíssima, procurou <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> estreitá-la de modo solene ao promover,<br />

há 40 anos — em maio de 1967 —, juntamente com os seguidores de sua obra, uma renovação da<br />

consagração ao Imaculado Coração de Maria, segundo o método de São Luís Grignion de Montfort.<br />

Por meio deste ato, repassado de bênçãos, celebraram o cinqüentenário das aparições de Fátima.<br />

No dia seguinte àquela cerimônia, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> assim comentou seu significado mais profundo: “Numa<br />

sede séria e digna, reuniram-se homens numa atitude de recolhimento, de devoção, de apetência<br />

dos maiores dons do espírito e, notadamente, do mais alto desses bens que é a comunicação de alma<br />

com Nossa Senhora, Medianeira de todas as Graças e canal que Deus desejou tornar necessário para<br />

que todos chegássemos a Ele.<br />

“Ora, no Céu, onde nossas ações e preces são conhecidas, Maria Santíssima, os anjos e os santos<br />

acompanharam a trajetória de nosso movimento, bem como os passos de cada um de nós na vida espiritual<br />

até a realização da cerimônia de ontem, em que se colheu, de alguma maneira, o fruto dessa<br />

caminhada numa reafirmação de nossa consagração a Nossa Senhora.<br />

“Ontem, os anjos e os santos como que recapitularam o nosso passado e constataram, com enlevo,<br />

até que ponto os desígnios de Deus a nosso respeito, pelos rogos de Maria, se realizaram. Mas,<br />

de outro lado, viram como desígnios ainda maiores nos estão reservados. Poder-se-ia então conjeturar<br />

que, terminado o ato solene, depois de o Céu inteiro tê-lo contemplado com aquela forma de admiração<br />

que o imensamente grande tem em relação ao imensamente pequeno, aquela forma de compaixão<br />

que do alto da bem-aventurança eterna se nutre para com quem se acha exposto aos riscos


Arquivo revista<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em fins da década de 60<br />

terrenos, os anjos e os santos tenham dirigido a Nossa Senhora esta súplica: Opus tuum fac! Senhora e<br />

Mãe, completai a vossa obra que nestes começastes. Levai-a até o termo, para vossa glória!<br />

“Eis a oração que eles provavelmente fizeram em nosso favor, e a qual devemos repetir em nossas<br />

preces, apresentando as nossas almas com suas qualidades e lacunas, nossas realizações e atividades,<br />

rogando ao Imaculado Coração de Maria: opus tuum fac!” (Conferência em 1/6/1967).<br />

* * *<br />

O presente mês de maio, mês de Maria, a melhor de todas as Mães, e marco histórico das aparições<br />

de Fátima, reveste-se também de particular significado para o povo brasileiro, quando nosso<br />

país recebe a augusta visita do Sumo Pontífice Bento XVI. Às incontáveis manifestações de amor e<br />

entusiasmo une-se a “<strong>Revista</strong> <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>”. E o faz evocando ainda palavras desse ardoroso devoto do<br />

Papa:<br />

“Como de direito, o máximo de nosso filial afeto voa aos pés do Santo Padre. Ubi Christus ibi Deus;<br />

ubi Ecclesia ibi Christus; ubi Petrus ibi Ecclesia. Só nos unimos a Deus em Nosso Senhor Jesus Cristo,<br />

verdadeiro Homem e verdadeiro Deus. Só nos unimos a Jesus Cristo na Santa Igreja Católica, Apostólica,<br />

Romana que é o próprio Corpo Místico do Senhor. E só estaremos unidos a Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo, mediante uma união sobrenaturalmente forte, união de vida e de morte, à Cátedra de São<br />

Pedro. Onde está Pedro, aí está a Igreja de Deus” (Legionário n. 706, 17/2/1946).<br />

Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.


Dona Lucilia<br />

Retidão e calma<br />

Dona Lucilia me fazia perceber,<br />

continuamente, a<br />

beleza da retidão. De modo<br />

especial, ela o manifestava através<br />

do olhar, muito expressivo nesse<br />

sentido. Mais. Além de ressaltar o<br />

que existe de belo na retidão, davame<br />

a conhecer o repouso e a serenidade<br />

que a alma humana experimenta<br />

ao ser reta.<br />

Preocupação na calma<br />

No próprio exemplo de mamãe,<br />

ao se analisar as fotografias dela, pode-se<br />

constatar essa verdade. Mesmo<br />

naquelas em que aparece preocupada,<br />

não se nota qualquer agitação<br />

de sua parte. Pelo contrário, o<br />

olhar continua a transmitir uma disposição<br />

de espírito inteiramente serena.<br />

A preocupação com calma representa,<br />

aliás, um grande equilíbrio<br />

de alma. Qualquer homem, nesta<br />

terra de exílio, passa por preocupações.<br />

Uma coisa, porém, é ficar<br />

preocupado, outra é deixar-se tomar<br />

de nervosismo, ansiedades, etc. Atitudes<br />

estas que mamãe procurava, e<br />

conseguia, afastar de seu coração.<br />

Alma sofredora,<br />

repousando na paz<br />

Maneira peculiar de se perceber<br />

a paz que havia na alma de Dª Lucilia<br />

era observá-la enquanto dormia.<br />

Com a intimidade de filho, naturalmente,<br />

eu a vi inúmeras vezes<br />

nos seus momentos de repouso. Viaa<br />

também na hora em que despertava,<br />

sobretudo no meu tempo de menino<br />

e adolescente, quando me despedia<br />

dela antes de ir para o colégio:<br />

não fazia cerimônia, acordavaa<br />

e com ela trocava uns minutos de<br />

prosa. Depois que fiquei mais velho,<br />

moderei um tanto esse hábito. Mas,<br />

naquela época, depois de tirá-la do<br />

seu justo descanso, perguntava-lhe:<br />

— Meu bem, bom dia, como vai a<br />

senhora?<br />

E eu notava que, nela, a passagem<br />

do repouso para o estado de acordada<br />

era serena, e com o primeiro<br />

olhar já todo aberto para a realidade<br />

à sua volta. Tinha-se a impressão<br />

de que o sono dela era profundo,<br />

restaurador, reparador. A tal ponto<br />

que eu a fitava e me vinha este pen-<br />

Arquivo revista


Dona Lucilia em 1968;<br />

na página anterior,<br />

<strong>Plinio</strong> aos 8 anos<br />

J. C. Dias<br />

“Mamãe me fazia perceber<br />

a beleza da retidão, e ela o<br />

manifestava de modo especial<br />

através de seu olhar muito<br />

expressivo nesse sentido”


Dona Lucilia<br />

Dona Lucilia aos 80 anos;<br />

na página seguinte,<br />

seus dois filhos, Rosé<br />

e <strong>Plinio</strong>, em 1912<br />

Fotos: Arquivo revista<br />

“Ela nunca fazia<br />

comparações com os outros,<br />

a não ser quando<br />

se tratava de uma boa<br />

emulação na virtude, a fim<br />

de educar os filhos”


samento: “Como deve<br />

ser agradável dormir o sono<br />

dela”. Mamãe, aliás, costumava<br />

dizer que o sono era um imenso<br />

benefício que Deus concede aos<br />

homens, porque suspende sobre estes<br />

as infelicidades da vida.<br />

Via, então, uma alma à qual não<br />

eram poupados sofrimentos, mas<br />

que sabia dormir na paz. Portanto,<br />

muito distante de ser uma alma agitada<br />

e nervosa por causa das preocupações<br />

que sempre nos colhem ao<br />

longo da existência terrena.<br />

Emulação na virtude<br />

para formar os filhos<br />

A esse propósito, acredito ser<br />

oportuno ponderar que uma das atitudes<br />

que mais aflige o homem é a<br />

inveja. E esta nasce das comparações.<br />

A experiência na vida espiritual<br />

nos mostra que o costume de nos<br />

compararmos com os outros é um<br />

dos erros mais funestos que se pode<br />

cometer. Fazendo-o, logo nascem a<br />

inveja, as feridas do orgulho, as más<br />

ambições, e uma cascata de desejos<br />

perniciosos que, não raro, darão entrada<br />

às tentações contra a virtude<br />

da pureza.<br />

Ora, essa forma de comparação<br />

é algo que nunca vi em Dª Lucilia,<br />

fosse em relação a ela, fosse em relação<br />

aos filhos. A única ocasião<br />

em que ela se permitia<br />

de nos comparar com outros<br />

era quando nos passava alguma<br />

repreensão. Se havia uma<br />

criança que procedia melhor do<br />

que nós em determinado ponto, ela<br />

então a apontava como exemplo e<br />

dizia: “Veja tal pessoa!”<br />

Tratava-se, porém, de uma boa<br />

e compreensível emulação na virtude,<br />

própria a nos educar. A não<br />

ser essa atitude formativa, ela jamais<br />

se comparava, nem a nós, com<br />

ninguém.<br />

Era uma disposição de espírito<br />

em tudo coerente com a serena<br />

e invariável retidão de sua alma. v<br />

(Extraído de conferência<br />

em 13/6/1982)


Eco fidelíssimo da Igreja<br />

Ascese da Companhia de Jesus — III<br />

Renunciar-se a<br />

si próprio para seguir<br />

o Redentor<br />

Após um retiro espiritual, o objetivo de alcançar a santidade,<br />

sob o impulso da graça de Deus, implica em que as verdades<br />

tão corajosamente meditadas e as resoluções tão generosamente<br />

tomadas sejam levadas até o fim, consoante os ditames propostos<br />

pelos Exercícios de Santo Inácio de Loyola. Com esse ensinamento,<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> conclui sua conferência no marco das celebrações do<br />

IV Centenário da Companhia de Jesus.<br />

As verdades claras e simples,<br />

afirmadas nos Exercícios<br />

Espirituais nem por<br />

isso deixam de ser profundas e fundamentais.<br />

Constituem elas os grandes<br />

princípios que devem dirigir toda<br />

a conduta do cristão. Por isto, é<br />

incontável o número de conseqüências<br />

que nelas pode encontrar o retirante.<br />

Questões terríveis e<br />

luminosas que<br />

elevam a alma<br />

Daí um longo trabalho — fecundo<br />

somente se for pessoal — que o<br />

retirante deve levar a cabo: a fixação<br />

das linhas ideais de toda a existência<br />

cristãmente vivida. Qual a conduta<br />

que deve ter em sua vida familiar,<br />

social, profissional, política, o<br />

homem persuadido de que foi criado<br />

para a glória de Deus? Quais os<br />

deveres que essa grande verdade, ao<br />

mesmo tempo tão terrível e tão suave,<br />

lhe impõe para com a Igreja, as<br />

almas, a civilização cristã? Que perderá<br />

ele ao transgredir estes deveres,<br />

ou ao lhes dar um desempenho superficial<br />

e fraudulento? Que lucrará<br />

com sua prática honesta e integral?<br />

Qual a razão que precisa movê-lo<br />

a cumprir estas obrigações por<br />

puro amor de Deus, abstração feita<br />

até mesmo das punições ou das recompensas<br />

eternas? Questões terríveis<br />

e luminosas, as quais, se de um<br />

lado mostram ao homem, por vezes,<br />

uma longa jornada a vencer nos caminhos<br />

ásperos da santificação, de<br />

outro lhe franqueiam o acesso a píncaros<br />

dourados pelo sol, radiantes<br />

de glória e de grandeza, certamente<br />

muito diversos dos vales lamacentos<br />

ou das grotas sombrias em que se<br />

arrasta habitualmente a fragilidade<br />

humana.<br />

Diz Santo Agostinho que “Deus<br />

não deixa a fragilidade sem remédio,<br />

nem a culpa sem punição”. Esta fra-<br />

10


se admirável encontra nos Exercícios<br />

de Santo Inácio sua plena demonstração.<br />

“Deus que nos criou<br />

sem nós, não<br />

nos salvará sem nós”<br />

Fala-se muito, em nossos dias, da<br />

debilidade humana e, certamente,<br />

o aspecto das ruínas generalizadas<br />

que nos circundam sugere, a todo o<br />

passo, a lembrança de nossas misérias.<br />

Mas os espíritos vãos que a toda<br />

hora se comprazem em lembrar<br />

nossa fragilidade, não têm em vista<br />

que “Deus não a deixa sem remédio”.<br />

Portanto, se somos fracos, temos<br />

culpa por nossa fraqueza. Se o<br />

homem é fraco, a graça é forte. Sem<br />

Jesus Cristo, ele “nada pode fazer”.<br />

Porém, fortalecido pelo Senhor, “tudo<br />

pode n’Aquele que o conforta”.<br />

Assim, por mais duros que sejam<br />

os deveres — discernidos por nosso<br />

olhar quando iluminado pelos clarões<br />

por vezes implacáveis, que se<br />

desprendem dos Exercícios de Santo<br />

Inácio — não há em nossa fraqueza<br />

qualquer desculpa que legitime<br />

nossos recuos, nossa covardia e<br />

nossos indefinidos estacionamentos<br />

nos abismos do pecado, ou nos charcos<br />

da mediocridade. Conhecendo<br />

S. Hollmann<br />

Os Exercícios de<br />

Santo Inácio<br />

nos demonstram<br />

claramente<br />

que “Deus não deixa<br />

a fragilidade sem<br />

remédio nem a culpa<br />

sem punição”<br />

Santo Inácio de Loyola – Santuário<br />

de Loyola, Guipúzcoa (Espanha)<br />

11


Eco fidelíssimo da Igreja<br />

G. Kralj<br />

toda a necessidade do socorro divino,<br />

Santo Inácio aconselha reiteradamente<br />

a prece, no período dos<br />

Exercícios Espirituais. Mas, a<br />

oração não basta. Como diz<br />

Santo Agostinho, “Deus que<br />

nos criou sem nós, não nos salvará<br />

sem nós”. Santo Inácio<br />

pede, quer, exige uma cooperação<br />

fiel de todas as potências<br />

de nossa alma para<br />

a obra da salvação e santificação.<br />

De nada valerão seus<br />

Exercícios aos retirantes<br />

dispostos a ver apenas as<br />

verdades cômodas. De<br />

valor igualmente nulo<br />

serão para aqueles<br />

que, tendo atingido<br />

o ideal de uma vida<br />

cristã comum, ou uma existência<br />

inteiramente santificada pela prática<br />

da perfeição, não se entregarem resolutamente<br />

à segunda tarefa, consistente<br />

no confronto implacável da<br />

vida que levam, das resoluções que<br />

haviam formado, dos projetos que vinham<br />

nutrindo, com a linha de conduta<br />

que acabamos de traçar.<br />

O motivo de tanto ódio<br />

aos exercícios espirituais<br />

Sem qualquer receio de erro, pode-se<br />

afirmar que nesta dolorosa<br />

operação se acha o motivo profundo<br />

de tantas animadversões que os<br />

Exercícios de Santo Inácio têm suscitado.<br />

Com efeito, a alma pecadora<br />

que não quer regenerar-se odeia estes<br />

processos de cura espiritual; e à<br />

alma tíbia, não desejando subir mais<br />

alto nas vias da santificação, repugna<br />

este método que põe a nu, de modo<br />

tão inclemente e vigoroso, os remorsos<br />

que se extinguiam discretamente,<br />

sob as cinzas de uma longa vida<br />

de piedade toda feita do cumpri-<br />

12


Seguindo o<br />

ensinamento de Santo<br />

Agostinho , Santo<br />

Inácio exige uma<br />

cooperação fiel de todas<br />

as potências de nossa<br />

alma para a obra da<br />

santificação<br />

Na página anterior, Santo<br />

Agostinho - Museu Metropolitan,<br />

Nova York; abaixo: à direita,<br />

Santo Inácio se despede de<br />

sua família; à esquerda, assiste<br />

a Missa com seus primeiros<br />

discípulos - Santuário de<br />

Loyola, Guipúzcoa (Espanha)<br />

mento de deveres sem importância,<br />

de minúsculos progressos sem significação<br />

real. Almas fracas, almas<br />

míopes, que não cumprem os pequenos<br />

deveres nem realizam os diminutos<br />

progressos como meio para chegar<br />

aos grandes, mas como uma evasão<br />

dissimulada, um álibi inútil, procurando<br />

enganar sua consciência e o<br />

próprio Deus. Certamente, pelo despeito<br />

causados por estas verdades<br />

aos que as rejeitam, explica-se em<br />

última análise o ódio militante que<br />

se ergue não raras vezes contra os<br />

Exercícios de Santo Inácio. Mas este<br />

ódio é o que (...) a Igreja sem cessar<br />

despertará entre os filhos da serpente,<br />

irredutivelmente adversários dos<br />

filhos da Virgem.<br />

Cumpre estabelecer<br />

resoluções<br />

Terminada a tarefa do exame de<br />

consciência, ainda há outra. É a formação<br />

das resoluções. Não basta que<br />

a vontade conceba propósitos genéricos<br />

e imprecisos, ou engendre apenas<br />

veleidades ineficazes. Santo Inácio<br />

quer propósitos firmes e fecundos,<br />

que recaem sobre objetos determinados<br />

e precisos, e, com esta salutar<br />

recomendação, mais uma vez tolhe<br />

ele os subterfúgios conscientes<br />

ou inconscientes dos retirantes pusi-<br />

Fotos: S. Hollmann<br />

13


Eco fidelíssimo da Igreja<br />

lânimes. É preciso chegar até o fim,<br />

traduzir em atos as verdades tão corajosamente<br />

meditadas, as resoluções<br />

tão generosamente tomadas.<br />

Mas os atos só nascerão das resoluções<br />

firmes e precisas, nítidas e práticas,<br />

cujo cumprimento só se realiza<br />

com todas as previdências concretas<br />

e particularíssimas, que cada situação<br />

especial exigir.<br />

Ordenar a sensibilidade<br />

para alcançar a perfeição<br />

Mas... e a sensibilidade? Quantas<br />

vezes geme um pobre coração humano<br />

ao passar por esta via de angústia<br />

que conduz à santidade! Quanta<br />

renúncia dolorosa! Quanta ruptura<br />

trágica! Quanto heroísmo incrivelmente<br />

pesado é por vezes necessário<br />

para o prosseguimento nas vias<br />

luminosas, mas ásperas, da santificação!<br />

Santo Inácio não seria o grande<br />

Doutor da vida espiritual que foi,<br />

se não se preocupasse com a sensibilidade.<br />

Erram, e de modo frisante,<br />

os que supõem que a ascética inaciana<br />

implica na extinção da sensibilidade<br />

humana. Em quantos trechos<br />

de seus Exercícios, exige Santo Inácio<br />

de Loyola que se faça o que ele<br />

chama a “composição de lugar”? E o<br />

que é essa prática senão um meio de<br />

que ele se serve para impressionar a<br />

sensibilidade, facilitando-lhe assim<br />

a obediência ao império da razão e<br />

da vontade? Não recomenda Santo<br />

Inácio que meditemos apenas sobre<br />

as grandes verdades, mas recomponhamos<br />

os quadros das cenas; quer<br />

que vejamos, ouçamos, sintamos pela<br />

imaginação tudo quanto ele nos<br />

manda meditar. E, assim, tende ele<br />

a substituir na imaginação e na sensibilidade<br />

as impressões que arrastam<br />

para o pecado, por aquelas que<br />

levam ao Céu.<br />

Os Exercícios de<br />

Santo Inácio nos<br />

colocam diante<br />

do dever de reprimir<br />

sem piedade e sem<br />

falsa misericórdia os<br />

caprichos infundados<br />

que o pecado original<br />

deixou em nossa<br />

sensibilidade<br />

Abaixo e na página seguinte,<br />

cenas da vida de Santo Inácio -<br />

Gruta de Manresa, Espanha<br />

Fotos: S. Hollmann<br />

14


Se se pensa, pois, que a sensibilidade<br />

ocupa na ascética inaciana um<br />

lugar de ré condenada ao patíbulo,<br />

erra-se. Mas é certo — e nisto está<br />

uma das mais salientes características<br />

da espiritualidade de Santo Inácio<br />

— que, talvez melhor do que ninguém,<br />

ele põe claramente o homem<br />

diante do dever de reprimir sem piedade,<br />

de abater sem falsa misericórdia,<br />

de abafar sem vacilações nem<br />

recuos, os movimentos desordenados,<br />

os caprichos infundados, as petulâncias<br />

criminosas ou os sentimentalismos<br />

mórbidos que o pecado original<br />

deixou em nossa sensibilidade.<br />

Disse Nosso Senhor que o homem<br />

deve renunciar-se a si próprio<br />

para segui-Lo. Sem esta renúncia,<br />

não há santificação possível. E a escola<br />

que pretendesse articular uma<br />

escada que chegasse ao Céu sem essa<br />

renúncia teria, na realidade, aberto<br />

mais um abismo para atirar as almas<br />

ao inferno.<br />

“Ponde Jesus no vosso<br />

caminho de espinhos”<br />

Falei-vos, meus senhores, com<br />

aquela franqueza que caracteriza os<br />

próprios Exercícios Espirituais. Deverei<br />

dizer-vos que, assim procedendo,<br />

tive a antecipada certeza de que<br />

não obteria aplausos unânimes, nem<br />

simpatias gerais, senão deste nobre<br />

auditório, ao menos daqueles a<br />

quem chegar depois de impressa, esta<br />

singela palestra. Muitos são em<br />

nossa época os que se revoltam contra<br />

o dever, porque se insurgiram temerariamente<br />

contra toda a lei e todo<br />

o freio. Como agradar-lhes, fazendo<br />

a descrição de um método<br />

espiritual que é o mais eficaz para<br />

reintegrar o homem na prática dos<br />

mandamentos e no cumprimento<br />

dos deveres? Não menos numerosos<br />

são os amigos das meias verdades,<br />

das “verdades” adocicadas, simpáticas,<br />

polidas, incapazes de inquietar<br />

a quem quer que seja, e aptas a proporcionar<br />

a um auditório alguns minutos<br />

de delicado prazer intelectual.<br />

Suponho que não poucos defensores<br />

da verdade estremecem quando<br />

a vêem, inteiriça e sem véus, erguer-se<br />

aos olhos do mundo. Entretanto,<br />

não consistem em dissimulações<br />

ou recuos os métodos da Igreja.<br />

Quem segue a Jesus Cristo não deve<br />

temer as perseguições que vierem<br />

ao seu encalço. Almas retas, almas<br />

nobres, almas sedentas de verdade e<br />

de bem, é a vós que me dirijo. Vossa<br />

vida será, talvez, repleta de fardos e<br />

dores, e tereis possivelmente receio<br />

de acrescentar a tantos fardos mais<br />

um, a tantas dores mais uma.<br />

Houve uma alma contemplativa,<br />

provada por mil sofrimentos, que se<br />

viu em sonhos percorrendo um caminho<br />

cheio de cardos, no qual seus<br />

pés se laceravam cruelmente. Apareceu,<br />

entretanto, o Salvador, e começou<br />

a seguir o mesmo trajeto. E<br />

por toda a parte onde seus divinos<br />

pés pousavam, ficava uma marca impressa<br />

no solo. A alma contemplativa<br />

fez sobre estas sacratíssimas pegadas<br />

seu caminho, e conseguiu andar<br />

com desenvoltura e sem dores, pela<br />

estrada onde há pouco conseguia<br />

apenas arrastar-se.<br />

Ponde Jesus no vosso caminho de<br />

espinhos, segui suas pegadas e vereis<br />

como se mitigarão os sofrimentos<br />

que não conseguistes suportar,<br />

ou suportareis as dores que não for<br />

possível mitigar. <br />

v<br />

(Extraído dos Anais do<br />

IV Centenário da Companhia de<br />

Jesus, Ministério da Educação e<br />

Saúde, Serviço de Documentação,<br />

1946, pp. 369-382.)<br />

15


Calendário dos Santos<br />

1. São José Operário. Festa instituída<br />

em 1955 pelo Papa Pio XII<br />

para celebrar o dia do trabalho sob<br />

a luz da humildade e dignidade do<br />

pai nutrício de Jesus.<br />

2. Santo Atanásio, Bispo e Doutor<br />

da Igreja, 295-373. Nascido<br />

em Alexandria do Egito, e Bispo<br />

desta cidade, defendeu a fé católica<br />

contra a heresia ariana. Por<br />

sua ortodoxia, foi desterrado cinco<br />

vezes por quatro imperadores.<br />

Propugnou o ideal do monaquismo<br />

e escreveu a biografia de Santo<br />

Antão.<br />

3. São Filipe e São Tiago, Apóstolos,<br />

séc. I. Naturais de Betsaida,<br />

como São Pedro e Santo André,<br />

foram discípulos de São João<br />

Batista, antes de seguir o chamado<br />

de Jesus (Jo 1, 43-44).<br />

Sepultados juntos na Basílica<br />

dos Doze Apóstolos em<br />

Roma, razão pela qual a memória<br />

de ambos é celebrada<br />

na mesma data.<br />

4. São Floriano, soldado e<br />

Mártir, + 304. Martirizado<br />

em Llorch, na Áustria.<br />

G. Kralj<br />

8. São Desiderato, Bispo, + 550.<br />

Bispo de Bourges, na França.<br />

9. São Pacômio, 287-347. Monge<br />

egípcio, criador do estilo de vida<br />

chamado “cenobita”, ou seja, de<br />

religiosos vivendo em comunidade.<br />

Quando morreu, os mosteiros eram<br />

nove, incluindo um feminino.<br />

10. Santo Antonino, Bispo de<br />

Florença, dominicano, +1459.<br />

11. Santo Inácio de Iaconi, 1701-<br />

1781. Religioso capuchinho na Sardenha.<br />

12. Santos Nereu e Aquileu, Mártires,<br />

séc. I. Dois jovens martirizados<br />

sob o imperador romano Diocleciano.<br />

Algumas versões dizem<br />

que foram discípulos de São Paulo;<br />

outras, que eram soldados. Desterrados<br />

a uma ilha, por serem cristãos,<br />

morreram de fome e penúria.<br />

13. 5º Domingo de Páscoa.<br />

Nossa Senhora de Fátima. Neste<br />

ano comemora-se o 90º aniversário<br />

das aparições de Nossa Senhora em<br />

Fátima, Portugal, aos pastorinhos<br />

Lúcia e Beatos Francisco e Jacinta.<br />

14. São Matias, Apóstolo, séc. I.<br />

15. Santo Isidro, + 1130. Isidro<br />

de Merlo y Quintana era um camponês<br />

de uma aldeia perto de Madrid,<br />

que se santificou no trabalho e<br />

na assídua oração.<br />

16. Santo Honorato (Honoré),<br />

Bispo de Amiens, + 653.<br />

17. São Pascual Bailón,<br />

1540-1592. Irmão leigo franciscano,<br />

do convento de Loreto<br />

(Itália).<br />

18. São João I, Papa e<br />

Mártir, + 526. Nascido em<br />

Toscana, foi eleito Papa em<br />

523. Morreu no cárcere, em<br />

Ravena.<br />

5. Santa Irene de Lecce,<br />

Mártir, + 272.<br />

6. 4º Domingo de Páscoa.<br />

Santo Henrique Kaczorowski,<br />

Mártir, + 1942. Superior<br />

do Seminário de Wloclawek,<br />

na Polônia, foi levado<br />

pelos nazistas para o<br />

campo de concentração de<br />

Dachau. Em 6 de maio de<br />

1942 foi assassinado na câmara<br />

de gás.<br />

7. Santa Flávia Domitila,<br />

Mártir romana, séc. I.<br />

São Bernardino de Sena<br />

19. São Crispim de Viterbo,<br />

Irmão leigo capuchinho,<br />

1668-1750. (Ver artigo na página<br />

26.)<br />

São Pedro Murrone (Celestino<br />

V), eremita e Papa,<br />

1215-1296. Renunciou ao<br />

Pontificado cinco meses depois<br />

de ter sido eleito, e voltou<br />

a ser eremita na região<br />

italiana de Abruzzi.<br />

20. 6º Domingo de Páscoa<br />

e Ascensão do Senhor.<br />

São Bernardino de Sena,<br />

Frade franciscano, + 1444.<br />

16


* Maio *<br />

Reformou a sua ordem e divulgou a<br />

devoção ao Nome de Jesus.<br />

21. São Cristobal Magallanes<br />

(1869-1927) e 24 companheiros,<br />

Mártires na perseguição religiosa<br />

no México. Beatificados pelo Papa<br />

João Paulo II em 22 de novembro<br />

de 1992, festa de Cristo Rei, no<br />

ano do Vº centenário da evangelização<br />

da América. Foram canonizados<br />

em 21 de maio, na Praça São<br />

Pedro de Roma.<br />

V. Domingues<br />

22. Santa Rita de Cássia, 1381-<br />

1457. Após enviuvar, tornou-se religiosa<br />

agostiniana.<br />

23. São João Batista de Rossi,<br />

1698-1764. Presbítero, cônego em<br />

Roma e fundador da Pia União dos<br />

Sacerdotes Seculares, que teve vários<br />

santos em sua história.<br />

24. Maria Auxiliadora. São Pio<br />

V acrescentou na Ladainha de Nossa<br />

Senhora a invocação Auxilium<br />

Christianorum, pela vitória de Lepanto.<br />

Mais tarde, o Papa Pio VII,<br />

cumprindo uma promessa, instituiu<br />

esta festa em 1814 para comemorar<br />

a sua libertação das mãos de Napoleão.<br />

Maria Auxiliadora foi a grande<br />

protetora de São João Bosco.<br />

25. São Gregório VII, Papa, 1020-<br />

1085. O célebre monge beneditino<br />

Hildebrando, inspirador de diversos<br />

Papas, foi eleito para o trono de Pedro<br />

em 1083. Grande reformador,<br />

lutou contra a intromissão do imperador<br />

na vida da Igreja, na chamada<br />

“guerra das investiduras”.<br />

26. São Felipe Neri, Presbítero,<br />

1515-1595. Apóstolo da caridade na<br />

Cidade Eterna.<br />

27. Domingo de Pentecostes.<br />

São João Bosco diante de Nossa Senhora Auxiliadora<br />

Santo Agostinho de Canterbury,<br />

Bispo, 546-604.<br />

28. Santo Emilio, Mártir. Teria<br />

sido Bispo de Cagliari, Sardenha,<br />

no séc. I.<br />

29. São Máximo, Bispo de Verona,<br />

séc. IV.<br />

30. Santa Joana d’Arc, Virgem,<br />

1412-1431. Pastora de Donremy<br />

(França), levada pelas vozes de<br />

Santa Catarina e Santa Margarida a<br />

ser heroína nacional contra a ocupação<br />

inglesa. Morreu na fogueira,<br />

em Rouen.<br />

31. Visitação da Bem-Aventurada<br />

Virgem Maria. “Naqueles dias,<br />

Maria se levantou e foi às pressas às<br />

montanhas, a uma cidade de Judá.<br />

Entrou em casa de Zacarias e saudou<br />

Isabel. Ora, apenas Isabel ouviu<br />

a saudação de Maria, a criança<br />

estremeceu no seu seio; e Isabel ficou<br />

cheia do Espírito Santo. E exclamou<br />

em alta voz: Bendita és tu<br />

entre as mulheres e bendito é o fruto<br />

do teu ventre” (Lc 1, 39-42).<br />

17


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

A consagração ao<br />

Imaculado<br />

Coração de Maria<br />

“Jesus quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado<br />

Coração. A quem a abraçar, prometo a salvação; e serão queridas<br />

de Deus estas almas, como flores postas por Mim a adornar<br />

o seu trono” — afirmou a Santíssima Virgem em Fátima, há 90 anos.<br />

Como <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> nos mostra a seguir, esse maternal e consolador<br />

apelo de Nossa Senhora conserva, mais do que nunca,<br />

toda a sua atualidade.<br />

Fiéis à admirável vocação de seu Bem-aventurado<br />

Fundador, os Padres do Coração de Maria estão<br />

desenvolvendo um intenso trabalho no sentido<br />

de promover o maior número de consagrações ao Coração<br />

Imaculado da Mãe de Deus, consoante, aliás, o precedente<br />

do Santo Padre Pio XII, que lhe consagrou todo o mundo.<br />

Refletido e profundo ato de piedade<br />

Uma das características da devoção que devemos tributar<br />

a Nossa Senhora, consiste sem dúvida em ser terna.<br />

Entretanto, a devoção não se faz só de ternura, de<br />

efusões sentimentais e afetivas. Para ser sólida, é preciso<br />

que se funde em conhecimentos precisos, exatos, lógicos.<br />

Só da Verdade bem conhecida pode sair o amor durável<br />

e sincero. A piedade deve ser firmada no estudo da<br />

doutrina católica. É aí que ela há de encontrar seu melhor<br />

fundamento, sua verdadeira raiz.<br />

Quando a Igreja promove a consagração de Nações,<br />

Dioceses, famílias ou pessoas ao Coração Sacratíssimo<br />

de Jesus, ou ao Imaculado Coração de Maria, tem em<br />

vista que as criaturas assim consagradas formulem a re-<br />

18


Imaculado Coração<br />

de Maria - Catedral de<br />

Barcelona, Espanha;<br />

ao fundo, o Santuário<br />

de Fátima, Portugal<br />

Fotos: S. Hollmann / V. Domingues<br />

19


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

solução de pertencer de modo particular ao Coração de<br />

Jesus ou ao Coração de Maria, obedecendo-Lhes mais<br />

fielmente as leis, tomando-Os mais perfeitamente por<br />

modelos, e, reciprocamente, recebendo de modo todo<br />

especial sua particular e vigilante atenção. Assim, a Consagração<br />

não é um mero rito, uma fórmula vaga, a ser recitada<br />

em momento de emoção piedosa. Ela é antes de<br />

tudo um ato refletido, deliberado, voluntário e profundo,<br />

que implica no propósito de uma mais perfeita integração<br />

na doutrina e na vida da Santa Igreja Católica, o que<br />

é o único modo real de pertencer a Jesus e a Maria.<br />

Compreende-se facilmente que este ato tanto pode<br />

ser feito por pessoas da mais alta virtude, quanto por<br />

almas que ainda estão nos primeiros passos da vida espiritual.<br />

A uns e a outros, será utilíssimo, porque atrairá<br />

para quem o faz uma proteção toda especial da Providência,<br />

e, com isto, garantias particularíssimas de salvação.<br />

Meio mais rápido e fácil de se unir<br />

ao Sagrado Coração de Jesus<br />

Nosso povo compreende facilmente que alguém se<br />

consagre ao Sacratíssimo Coração de Jesus. Essa magnífica<br />

prática já tem sido posta em ação freqüentemente,<br />

e, graças a Deus, são numerosas as famílias que, hoje, se<br />

encontram consagradas ao Coração de Jesus, com o que<br />

manifestam o propósito de conformar toda a sua existência<br />

com o Sagrado Coração de Jesus, vivendo vida verdadeiramente<br />

piedosa e cristã, santificando os deveres de<br />

estado, vivendo-os com espírito intensamente sobrenatural<br />

e mortificado, e recomendando-se especialmente, para<br />

o êxito de tais propósitos bem como para a obtenção<br />

de todas as graças, ao Coração Divino que é a fonte, por<br />

excelência, de todo bem.<br />

Entretanto, é menos freqüente que se compreenda entre<br />

nós a consagração ao Coração Imaculado de Maria.<br />

R. C. Branco<br />

A consagração<br />

ao Imaculado<br />

Coração de Maria<br />

é um precioso e<br />

admirável<br />

complemento da<br />

que se faz<br />

ao Sacratíssimo<br />

Coração de Jesus<br />

À esquerda, um dos locais<br />

das aparições de Nossa<br />

Senhora em Fátima, em 1917;<br />

na página seguinte, Virgem com<br />

o Menino Jesus mostrando o<br />

Sagrado Coração - Paróquia<br />

de Tournus, França<br />

20


S. Hollmann<br />

21


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

Não faltará, talvez, quem veja em um e outro ato alguma<br />

antinomia. Como pertencer ao mesmo tempo a dois senhores,<br />

obedecer a dois corações? Uma consagração não<br />

contradirá ou anulará a outra?<br />

Nada de mais inconsistente. A consagração ao Imaculado<br />

Coração de Maria é um complemento da que se faz<br />

ao Coração Sacratíssimo de Jesus; não um complemento<br />

supérfluo, por certo, mas um complemento precioso<br />

e admirável, que dá à Consagração ao Coração de Jesus<br />

uma realidade e uma plenitude admiráveis.<br />

O Coração de Maria é por excelência o reino do Coração<br />

de Jesus. A união de ambos os Corações é tão perfeita<br />

que há escritores que por assim dizer os fundem em<br />

um só, referindo-se ao Coração de Jesus e de Maria. Toda<br />

a piedade marial assenta sobre esta verdade fundamental<br />

de que Maria Santíssima é o canal pelo qual se<br />

chega a Jesus, é a porta, a vida, o caminho por excelência,<br />

onde com maior segurança, mais rapidez, mais facilidade,<br />

encontramos Nosso Senhor Jesus Cristo. Assim,<br />

a consagração ao Imaculado Coração de Maria é o meio<br />

mais seguro, mais fácil, mais rápido de conseguirmos a<br />

consagração ao Coração Sagrado de Jesus.<br />

Com efeito, pronunciar um ato de consagração é fácil.<br />

Consagrar-se sinceramente, seriamente, a fundo, é muito<br />

mais difícil. Para conseguirmos as condições necessárias<br />

para uma perfeita consagração a Nosso Senhor nada<br />

mais perfeito, mais seguro, mais útil do que consagrarmo-nos<br />

a Maria Santíssima.<br />

O Cristocentrismo consiste em ter a Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo como centro de tudo. Ora, só será verdadeiro<br />

o Cristocentrismo que nos conduz ao centro pelo verdadeiro<br />

caminho. E esse caminho é Nossa Senhora.<br />

Fotos: S. Hollmann<br />

22


O Coração de Maria é o reino<br />

por excelência do Coração de<br />

Jesus e o caminho verdadeiro<br />

que nos conduz a Ele<br />

Arquivo revista<br />

Sagrado Coração de Jesus (detalhe) -<br />

Paróquia de Santillana del Mar,<br />

Santander (Espanha); Imaculado<br />

Coração de Maria (detalhe) - Catedral<br />

de Barcelona, Espanha; à direita, o<br />

Papa Pio XII que consagrou o mundo<br />

inteiro ao Coração de Maria<br />

Mais atual do que nunca<br />

A consagração ao Coração Imaculado de Maria é mais<br />

atual do que nunca. Mais do que nunca, o mundo atribulado<br />

por mil vicissitudes de toda ordem, precisa de um<br />

coração materno que dele se condoa. Mais do que nunca,<br />

pois, torna-se necessário que apelemos para o coração<br />

de nossa Mãe, que imploremos, fazendo tanger suas<br />

fibras mais sensíveis, suas cordas mais íntimas, toda a sua<br />

misericórdia, todo o seu amor, toda a sua assistência.<br />

Se o Santo Padre Pio XII consagrou o mundo inteiro<br />

ao Coração de Maria, imitemos seu gesto, completemo-lo<br />

por assim dizer, consagrando-nos sem reservas ao<br />

mesmo Coração Imaculado. Estaremos dentro dos desejos<br />

do Papa, dentro das vias da Providência Divina. v<br />

(Transcrito da revista Ave Maria,<br />

n. 31, julho de 1943)<br />

23


“R-CR” em perguntas e respostas<br />

Características da<br />

Revolução<br />

Processo cinco vezes secular, a Revolução tem sua raiz nos problemas<br />

de alma mais profundos, de onde se estende para todos os aspectos da<br />

personalidade do homem contemporâneo e todas as suas atividades.<br />

E nesse pernicioso afã de desordem manifesta ela, como nos aponta<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, algumas características fundamentais.<br />

Quais os principais aspectos da Revolução?<br />

Designando a Revolução com o termo “crise”, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

afirma: “Por mais profundos que sejam os fatores de<br />

diversificação dessa crise nos vários países hodiernos, ela<br />

conserva, sempre, cinco caracteres capitais”: é universal,<br />

una, total, dominante e processiva (pp. 22 e ss.).<br />

Como um grande incêndio<br />

Por que a Revolução é universal?<br />

“Essa crise é universal. Não há hoje povo que não esteja<br />

atingido por ela, em grau maior ou menor” (p. 22).<br />

Em que sentido a Revolução é una?<br />

“Essa crise é una. Isto é, não se trata de um conjunto<br />

de crises que se desenvolvem paralela e autonomamente<br />

em cada país, ligadas entre si por algumas analogias mais<br />

ou menos relevantes.<br />

“Quando ocorre um incêndio numa floresta, não é<br />

possível considerar o fenômeno como se fosse mil incêndios<br />

autônomos e paralelos, de mil árvores vizinhas umas<br />

das outras. A unidade do fenômeno “combustão”, exercendo‐se<br />

sobre a unidade viva que é a floresta, e a circunstância<br />

de que a grande força de expansão das chamas<br />

resulta de um calor no qual se fundem e se multiplicam<br />

as incontáveis chamas das diversas árvores, tudo, enfim,<br />

contribui para que o incêndio da floresta seja um fato<br />

único, englobando numa realidade total os mil incêndios<br />

parciais, por mais diferente, aliás, que cada um destes<br />

seja em seus acidentes” (pp. 22-23).<br />

Depois da crise,<br />

restam vestígios de Cristandade<br />

Explique a unicidade da Revolução que atingiu a Cristandade.<br />

“A Cristandade ocidental constituiu um só todo, que<br />

transcendia os vários países cristãos, sem os absorver. Nessa<br />

unidade viva se operou uma crise que acabou por atingi‐la<br />

toda inteira, pelo calor somado e, mais do que isto,<br />

fundido, das sempre mais numerosas crises locais que há<br />

séculos se vêm interpenetrando e entreajudando ininterruptamente.<br />

Em conseqüência, a Cristandade, enquanto<br />

família de Estados oficialmente católicos, de há muito cessou<br />

de existir. Dela restam como vestígios os povos ocidentais<br />

e cristãos. E todos se encontram presentemente<br />

em agonia sob a ação deste mesmo mal” (p. 23).<br />

Rainha à qual obedecem<br />

as forças do caos<br />

Por que a Revolução é total?<br />

“Considerada em um dado país, essa crise se desenvolve<br />

numa zona de problemas tão profunda, que ela se<br />

prolonga ou se desdobra, pela própria ordem das coisas,<br />

em todas as potências da alma, em todos os campos<br />

da cultura, em todos os domínios, enfim, da ação do homem”<br />

(p. 24).<br />

Face aos acontecimentos caóticos atuais, como explicar<br />

que a Revolução seja dominante?<br />

24


“Encarados superficialmente, os acontecimentos dos<br />

nossos dias parecem um emaranhado caótico e inextricável,<br />

e de fato o são de muitos pontos de vista.<br />

“Entretanto, podem‐se discernir resultantes, profundamente<br />

coerentes e vigorosas, da conjunção de tantas<br />

forças desvairadas, desde que estas sejam consideradas<br />

do ângulo da grande crise de que tratamos.<br />

“Com efeito, ao impulso dessas forças em delírio, as<br />

nações ocidentais vão sendo gradualmente impelidas para<br />

um estado de coisas que se vai delineando igual em todas<br />

elas, e diametralmente oposto à civilização cristã.<br />

“De onde se vê que essa crise é como uma rainha a<br />

que todas as forças do caos servem como instrumentos<br />

eficientes e dóceis” (p. 24) 1 .<br />

v<br />

Os vestígios da<br />

Cristandade<br />

ocidental agonizam<br />

sob o devastador<br />

avanço<br />

da Revolução<br />

Catedral de<br />

Notre Dame de Paris<br />

1 ) Editora Retornarei, São Paulo, 2002, 5ª edição em português.<br />

S. Hollmann<br />

25


O Santo do mês<br />

A expansiva piedade de<br />

São Crispim de Viterbo<br />

Hino de exaltação à<br />

virtude da humildade,<br />

a vida deste santo<br />

italiano constitui uma<br />

iluminura na qual se<br />

retrata a inocência<br />

medieval aliada à<br />

santidade franciscana.<br />

Comentários de<br />

<strong>Dr</strong>.<strong>Plinio</strong>.<br />

Alguns episódios da vida de<br />

São Crispim de Viterbo [ver<br />

quadro anexo], irmão leigo capuchinho,<br />

despertam nossa admiração<br />

pela extrema piedade que neles se revela.<br />

Fez da cozinha<br />

conventual um lugar<br />

de devoção mariana<br />

Nascido em 1668, foi consagrado desde a<br />

idade de 5 anos a Nossa Senhora, por quem<br />

teve especial devoção durante toda a sua<br />

existência. Tendo ingressado na Ordem dos<br />

capuchinhos, quis ficar entre os irmãos leigos,<br />

tomando como modelo São Félix de<br />

Cantalício.<br />

No mosteiro, trabalhava nos jardins,<br />

fazia compras, cuidava dos doentes, pas-<br />

26


Fachada da Catedral de<br />

Orvieto, Itália; santos da<br />

Ordem de São Francisco<br />

Fotos: G. Azurmendi / V. Toniolo<br />

27


O Santo do mês<br />

sando as noites em oração e nas práticas de penitência.<br />

Ao ser encarregado da cozinha, nesta erigiu um altar à<br />

Santíssima Virgem. Aí era visitado por grandes senhores,<br />

cardeais e pelo próprio Papa Clemente XI que, certa vez,<br />

ali foi venerar a imagem da Mãe de Deus.<br />

Chamo a atenção para a piedade contagiosa de um autêntico<br />

irmão leigo capuchinho. Era tão comunicativa que<br />

os grandes da época, tanto os da Igreja quanto os da sociedade<br />

temporal, dirigiam-se a esse altar erguido na cozinha<br />

do mosteiro, atraídos que eram pela devoção do santo.<br />

Nossa Senhora concedeu-lhe o dom dos milagres. Certa<br />

vez, tendo curado uma pessoa chegada ao Sumo Pontífice,<br />

o médico afirmou: “Vossos remédios têm mais virtude<br />

que os nossos”. E o santo respondeu: “Senhor, sois<br />

um médico sábio e a cidade de Roma vos reconhece como<br />

tal. Mas, a Santíssima Virgem é muito mais sábia do<br />

que vós todos, médicos do mundo!”<br />

O bom odor de Jesus Cristo, em Orvieto<br />

Como irmão encarregado da despensa do convento,<br />

logo tornou-se estimado na cidade de Orvieto. O governador<br />

conversava com ele, e o Cardeal-Bispo da sua diocese<br />

detinha a carruagem em que ia para se entreter com<br />

o pobre frade na rua.<br />

Imagine-se tais cenas encantadoras! Orvieto, já então<br />

cidade de certa importância na Itália, com sua linda catedral<br />

gótica, cuja fachada reluz ornada de lindos mosaicos<br />

coloridos. Fim de tarde, os trabalhos de todas as corporações<br />

encerrados, o movimento da cidade vai diminuindo,<br />

os sinos começam a tilintar, convidando os fiéis para<br />

a bênção do Santíssimo Sacramento ou para as Vésperas.<br />

Envolto numa penumbra azulada, ergue-se o palácio do<br />

Governo. Ali, também desobrigado de seus afazeres diários,<br />

o governador descansa e se entretém, sem empáfia,<br />

sem petulância, mas com naturalidade, com o humilde<br />

frade capuchinho. Embevecido, o magistrado dá graças a<br />

Deus por receber a visita do santo religioso.<br />

Percebe-se, nesse contato, a beleza da lei dos contrários<br />

harmônicos; regozija-nos ver um grande personagem<br />

enlevado na conversa com um pequeno, embora,<br />

do ponto de vista sobrenatural, este último seria talvez<br />

maior que aquele.<br />

O frade sai do palácio e segue seu caminho pelas ruas<br />

tortuosas da cidade. De repente, um ruído de ferros e de<br />

ferraduras, e uma carruagem se detém ao lado dele. A<br />

carruagem do Cardeal. Distinguindo-a, o frade mantém<br />

os olhos baixos, em atitude de respeito e reverência. Porém,<br />

o Príncipe da Igreja abre a porta do carro e diz:<br />

— Entre, Frei Crispim, vamos conversar um pouco...<br />

— Oh! Eminência!<br />

— Que notícias o senhor me conta?<br />

Ainda bem-aventurado na época dos comentários<br />

de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> aqui transcritos,<br />

São Crispim de Viterbo foi canonizado<br />

pelo Papa João Paulo II em 20 de junho de<br />

1982. Era a primeira canonização realizada por<br />

aquele Pontífice. Na homilia que este então pronunciou,<br />

após salientar os traços mais significativos<br />

da piedade do santo, concluiu:<br />

Desejo, enfim, destacar sua devoção a Maria Santíssima,<br />

ao mesmo tempo terna e vigorosa. Chamava-<br />

A “senhora minha Mãe”, e sob sua proteção desenvolveu<br />

sua vida de cristão e religioso. À intercessão da<br />

Mãe de Deus confiou súplicas e necessidades humanas<br />

que encontrava ao longo de seu caminho enquanto<br />

pedia esmolas. E quando lhe rogavam orasse por casos<br />

e situações graves, dizia: “Deixe-me falar um pouco<br />

com minha Senhora Mãe, e depois volte”. Resposta<br />

singela, porém inteiramente imbuída de sabedoria cristã,<br />

que revelava confiança total na solicitude materna<br />

de Maria.<br />

O frade narra-lhe alguns fatos da vida do convento, ou<br />

então, com toda a naturalidade, comenta:<br />

— Tive uma visão assim...<br />

O Cardeal é todo ouvidos, imerso em admiração.<br />

Creio não ser difícil compreender como nos aproveita<br />

à alma recompormos cenas como essas, pois constituem<br />

o sabor de um passado no qual, segundo expressão de<br />

São Paulo, sentia-se o “bom odor de Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo” (2Cor 2, 15), tão diferente dos cheiros perniciosos<br />

que vão se espraiando no mundo hodierno.<br />

Na hora da morte, não quis<br />

“atrapalhar” a festa de seu padroeiro<br />

O resultado dessa expansiva piedade foi que os habitantes<br />

de Orvieto não o deixavam ir-se embora. Nas vezes<br />

em que o transferiram de convento, o povo negouse<br />

a dar esmolas para os religiosos. Quer dizer, era preciso<br />

fazer voltar Frei Crispim, senão os frades passariam<br />

fome...<br />

Durante anos seguidos foi insultado por uma religiosa<br />

à porta da qual vinha bater. Dela, dizia sempre o santo:<br />

“Deus seja louvado, pois há em Orvieto uma pessoa que<br />

me conhece e me trata como mereço!”<br />

Não vem a ser uma atitude “heresia branca” 1 , mas um<br />

genuíno fioretti 2 . Pois o justo cai sete vezes (Pr 24, 16) e,<br />

28


A vida oculta, humilde e obediente de São Crispim,<br />

rica em obras de caridade e sabedoria estimulante,<br />

encerra uma mensagem para a humanidade de<br />

hoje, que espera o exemplo alentador dos Santos, como<br />

o esperava na primeira metade do século XVIII.<br />

Filho autêntico de São Francisco de Assis, à nossa<br />

geração muitas vezes ébria por seus êxitos, oferece<br />

ele uma lição de entrega humilde e confiante a Deus e<br />

a seus desígnios de salvação, de amor à pobreza e aos<br />

pobres, de obediência à Igreja, e de confiança em Maria,<br />

sinal grandioso da misericórdia divina no obscuro<br />

céu de nosso tempo, conforme a mensagem alentadora<br />

brotada de seu Coração Imaculado. (...)<br />

São Crispim interceda pela Igreja e por toda a humanidade,<br />

tão necessitada de amor, justiça e paz.<br />

V. Toniolo<br />

(Cf. L’Osservatore Romano,<br />

ed. esp. de 27 de junho de 1982)<br />

Detalhe da fachada da Catedral de Orvieto<br />

portanto, não se deve considerar isento de ouvir rabugices<br />

e desaforos.<br />

Frei Crispim ficou gravemente enfermo poucos dias<br />

antes da festa de São Félix de Cantalício, seu padroeiro.<br />

Como os frades lhe dissessem que logo compareceria<br />

diante de Deus, respondeu-lhes que isso só ocorreria<br />

após a comemoração de São Félix, pois sua morte atrapalharia<br />

a festa do santo.<br />

Outro fioretti!<br />

O santo irmão leigo capuchinho faleceu em Roma, em<br />

maio de 1750.<br />

Contrastes que formam a<br />

beleza da Civilização Cristã<br />

Sem dúvida, uma existência admirável, que nos proporciona<br />

não apenas um motivo de enlevo, um exemplo<br />

a ser imitado, mas também um ensinamento que merece<br />

ser ressaltado.<br />

Com efeito, no ambiente em que ele viveu, houve toda<br />

uma floração de irmãos leigos capuchinhos, talvez não<br />

tão eminentes na virtude, mas todos daquela escola que<br />

engendrou São Félix de Cantalício e o nosso próprio santo,<br />

constituindo uma nota de exaltação da humildade.<br />

Dir-se-ia que esses religiosos eram ecos da paz, da serenidade<br />

de alma, da bondade características da cristandade<br />

medieval, dessa Idade Média entretanto tão gloriosa<br />

pela sua pompa e por suas batalhas. E é justamente<br />

nesse encontro harmônico de contrastes que reside a<br />

quintessência da beleza. Se quisermos compreender o esplendor<br />

da Idade Média combativa, consideremos a serenidade<br />

de um São Crispim de Viterbo ou de um São<br />

Félix de Cantalício. Se desejarmos entender a bondade<br />

desses dois santos, contemplemos a pugnacidade peculiar<br />

àquela época histórica.<br />

Desse conjunto de contrastes harmônicos depreendese<br />

a grandiosa beleza da Civilização Cristã. v<br />

(Extraído de<br />

conferência em 22/5/1967)<br />

1 ) Expressão empregada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> para designar a mentalidade<br />

sentimental e adocicada que se manifesta na piedade,<br />

na cultura, na arte, etc.<br />

2 ) “Florzinhas”, em português. Significam pequenos propósitos<br />

a praticar, ou a descrição de algum fato edificante<br />

da vida de alguém. Célebres são os fioretti de São Francisco<br />

de Assis. Vale notar que em italiano o singular é fioretto.<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, porém, costumava usar o plural, atendo-se ao título<br />

da mencionada coletânea franciscana.<br />

29


Luzes da Civilização Cristã<br />

Relógio da Praça de São Marcos -<br />

Pintura de Canaletto, Galeria<br />

Nacional do Canadá, Ottawa<br />

30


Como um<br />

relógio...<br />

Aconversão dos povos ocidentais<br />

não foi um fenômeno de<br />

superfície. O germe da vida<br />

sobrenatural penetrou no próprio<br />

âmago de sua alma, e foi paulatinamente<br />

configurando à semelhança de<br />

Nosso Senhor Jesus Cristo o espírito<br />

outrora rude, lascivo e supersticio-<br />

Fotos: G. Kralj<br />

Relógio em formato de borboleta,<br />

com incrustações de ouro, pérolas,<br />

esmalte e pedras preciosas -<br />

Museu Metropolitan, Nova York<br />

31


Luzes da Civilização Cristã<br />

Relógio de<br />

prata - Museu<br />

Metropolitan,<br />

Nova York<br />

32


so das tribos bárbaras. A sociedade<br />

sobrenatural — a Igreja — estendeu<br />

assim sobre toda a Europa sua contextura<br />

hierárquica, e desde as brumas<br />

da Escócia até as encostas do<br />

Vesúvio foram florindo as dioceses,<br />

os mosteiros, as igrejas, catedrais,<br />

conventuais ou paroquiais, e, em torno<br />

delas, os rebanhos de Cristo.<br />

Esta florescência religiosa projetou‐se<br />

sobre a sociedade civil: organizada<br />

com fundamento na Lei de<br />

Deus, ordenou‐se segundo a vontade<br />

de Deus, e segundo a ordem natural<br />

por Deus estabelecida quando<br />

criou o universo, o mundo e o homem.<br />

Formou‐se assim uma sociedade<br />

temporal estabelecida sob o signo<br />

de Cristo, segundo a lei de Cristo e<br />

conforme a ordem e a natureza própria<br />

de cada coisa criada por Deus.<br />

Tudo isto está longe de ser uma vã<br />

fraseologia. Exemplifiquemos com<br />

um relógio. O relojoeiro tem em vista<br />

fazer um instrumento para a marcação<br />

do tempo. Para isto, estabelece<br />

um plano em que se conjugam várias<br />

peças, trabalhando cada qual segundo<br />

seu feitio e natureza própria, para<br />

o fim visado pelo relojoeiro. Ora, a<br />

família é o instrumento humano [com<br />

o qual] Deus deseja a perpetuação da<br />

espécie. No caso do relógio, cada peça<br />

realiza o seu trabalho, atuando segundo<br />

a natureza e feitio com que a<br />

quis o relojoeiro. Se ela trabalhar segundo<br />

essa natureza e feitio terá feito<br />

tudo quanto dela desejava seu au-<br />

Assim como cada peça do relógio obedece ao plano<br />

disposto pelo relojoeiro, assim a sociedade civil<br />

deve ordernar-se segundo a vontade de Deus<br />

No alto, relógio em caixa de ouro, pérolas e esmalte; à<br />

esquerda, relógio em forma de bandolin, com lavores de ouro,<br />

pérolas e esmalte - Museu Metropolitan de Nova York<br />

33


Luzes da Civilização Cristã<br />

tor, e tudo quanto era necessário de<br />

sua parte para o bom funcionamento<br />

do relógio. Assim também na sociedade<br />

doméstica: se cada membro<br />

agir retamente segundo sua situação<br />

e seu papel, terá feito tudo quanto<br />

era necessário para que a família<br />

funcione bem. E se todos os membros<br />

agirem com igual retidão, a vida<br />

doméstica terá chegado à sua perfeição<br />

própria: precisamente como o<br />

relógio atinge sua própria perfeição<br />

pelo perfeito funcionamento de cada<br />

uma de suas peças.<br />

A grandeza da<br />

ordem temporal<br />

depende da<br />

perfeita atuação<br />

dos seus membros<br />

Ora, o mesmo que se diz do relógio<br />

ou da família pode dizer‐se da<br />

sociedade civil. A sua grandeza própria,<br />

enquanto sociedade civil, resultará<br />

de que cada um dos elementos<br />

que a compõem, isto é, família, classe,<br />

associação, pessoa, atue retamente<br />

segundo seu feitio e natureza próprios.<br />

E é este, e só este, o modo por<br />

que a sociedade civil chegará à sua<br />

grandeza.<br />

v<br />

(Cf. Legionário,<br />

n. 666, de 13/5/1945)<br />

Relógio em ouro, prata, esmalte, ametistas e diamantes -<br />

Museu Metropolitan, Nova York<br />

34


35


Não endureçamos<br />

nossos corações<br />

Hodie si vocem eius audieritis, nolite<br />

obdurare corda vestra — “se hoje<br />

ouvirdes sua voz, não endureçais<br />

vossos corações” (Sl 94, 7-8), diz a Escritura.<br />

Inscrevendo a festa de Nossa Senhora<br />

de Fátima no rol das celebrações litúrgicas,<br />

a Santa Igreja Proclama a perenidade<br />

da mensagem de Nossa Senhora dada ao<br />

mundo através dos pequenos pastores. No<br />

dia de sua festa, mais uma vez a voz de Fátima<br />

chegou a nós: não endureçamos nossos<br />

corações, porque só assim teremos achado o<br />

caminho da paz verdadeira.<br />

V. Domingues<br />

(Transcrito do “Legionário”,<br />

nº 614, de 14/5/44)<br />

Santuário<br />

de Fátima,<br />

Portugal

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