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Revista Dr Plinio 96

Março de 2006

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<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> e a<br />

beleza da vocação


S. Hollmann<br />

Admirados ficamos<br />

ao pensarmos<br />

que,<br />

por um momento, o destino<br />

da humanidade inteira<br />

pendeu da resposta<br />

afirmativa de uma donzela.<br />

E o “sim” que Ela<br />

deu, abriu caminho para<br />

o Redentor que, por<br />

assim dizer, batia às<br />

portas do mundo. Abriu<br />

caminho para a salvação,<br />

para as graças de<br />

Deus, para a regeneração<br />

dos homens.<br />

Detalhe da “Anunciação”,<br />

por Fra Angélico - Museu<br />

do Prado, Madrid


Sumário<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> e a<br />

beleza da vocação<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

em fim da<br />

década de 1980<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />

propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />

CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />

INSC. - 115.227.674.110<br />

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Antonio Augusto Lisbôa Miranda<br />

Jornalista Responsável:<br />

Othon Carlos Werner – DRT/SP 7650<br />

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Antonio Rodrigues Ferreira<br />

Marcos Ribeiro Dantas<br />

Carlos Augusto G. Picanço<br />

Jorge Eduardo G. Koury<br />

Redação e Administração:<br />

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02461-010 S. Paulo - SP - Tel: (11) 6236-1027<br />

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Impressão e acabamento:<br />

Pavagraf Editora Gráfica Ltda.<br />

Rua Barão do Serro Largo, 2<strong>96</strong><br />

03335-000 S. Paulo - SP - Tel: (11) 6606-2409<br />

Preços da assinatura anual<br />

Março de 2006<br />

Comum. . . . . . . . . . . . . . R$ 85,00<br />

Colaborador.. . . . . . . . . . R$ 120,00<br />

Propulsor. . . . . . . . . . . . . R$ 240,00<br />

Grande Propulsor. . . . . . R$ 400,00<br />

Exemplar avulso.. . . . . . . R$ 11,00<br />

Serviço de Atendimento<br />

ao Assinante<br />

Tel./Fax: (11) 6236-1027<br />

Editorial<br />

4 “Alma de Cristo, santificai-nos;<br />

Corpo de Cristo, salvai-nos!”<br />

Datas na vida de um cruzado<br />

5 Março de 1935: Professor catedrático<br />

de História<br />

Dona Lucilia<br />

6 Mudança para a<br />

capital<br />

Eco fidelíssimo da Igreja<br />

10 Ideal de humildade e elevação<br />

14 Calendário litúrgico<br />

“R-CR” em perguntas e respostas<br />

16 As velocidades da Revolução<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

18 “O rei e o menino”:<br />

a beleza da vocação<br />

O Santo do mês<br />

24 São José, modelo de confiança<br />

em meio à perplexidade<br />

Luzes da Civilização Cristã<br />

30 Regalos da vida burguesa<br />

Última página<br />

36 A mesma Mãe


Editorial<br />

“Alma de Cristo, santificai-nos;<br />

Corpo de Cristo, salvai-nos!”<br />

Conforme ressaltava <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, a regularidade com que se sucedem no calendário da Igreja os vários ciclos<br />

do ano litúrgico, imperturbáveis em sua sucessão, por mais que os acontecimentos da história humana variem<br />

em torno deles, é bem uma afirmação da celestial majestade da Igreja, sobranceira ao vaivém caprichoso<br />

das paixões do homem (cf. “Legionário”, 1/4/1945). E nessa maravilhosa continuidade, o presente mês de<br />

março se inicia com a Quaresma. Tempo de reflexão e de contrição. De emenda e penitência, às quais nos devem<br />

mover um sincero e firme desejo de nos santificarmos.<br />

Desejo este que <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> procurava sempre despertar no espírito do próximo, como o fez certa feita, ao<br />

considerar as duas primeiras invocações da conhecida oração Anima Christi. Sirvam suas palavras, repassadas<br />

de zelo apostólico, como meditação para os dias que antecedem a Paixão e a Glória de nosso Redentor:<br />

“A Alma de Cristo! Aquela Alma infinitamente nobre e grande, que abarcava o Céu e a Terra em um anelo<br />

incessante de santificar os homens para a glória de Deus. Aquela Alma bendita, de um amor excelente,<br />

casto e delicado, de um amor ardente e discreto, meigo até os maiores extremos de ternura e forte como o<br />

bronze; aquela Alma que é o sol divino de nossas almas, a própria alma de nossas almas, aquela Alma não<br />

consentiria em nos abandonar depois da Ascensão. Ela não trairia sua promessa de continuar a viver entre<br />

nós. E, por isso, ela está sempre presente em nosso meio. Realmente presente no mistério eucarístico em<br />

que recebemos Cristo com seu Corpo e Sangue, Alma e Divindade. E presente, ainda, pela Santa Igreja Católica,<br />

cuja doutrina contém o sentido verdadeiro dos Santos Evangelhos e é, pois, o espelho divinamente<br />

fiel da própria Alma de Cristo.<br />

“Se queremos adorar a Alma de Cristo, amemos a doutrina católica. Crendo no que a Igreja crê, pensando<br />

como ela pensa, sentindo como ela sente, é de certa forma a própria Alma de Cristo que baixa em nossa<br />

alma e a santifica, como é o próprio sol que desce na água, quando a toca com seus raios e a ilumina. É pela<br />

instrução religiosa, adquirida no estudo catequético e desenvolvido durante toda a sua existência que o fiel<br />

pode realmente conformar sua alma com a de Cristo, e rezar em toda a veracidade de seu coração a jaculatória<br />

admirável: Anima Christi, santifica me!<br />

“Mas, este conhecimento da verdade por si só não basta. (...) No mais íntimo de nosso ser estão os frutos<br />

amargos do pecado original. Sombras intelectuais de toda ordem, vícios, defeitos de toda espécie lançaram<br />

raiz em nós. Quanta e quanta vez, a pobre criatura humana desfalece sob o peso do dever e tende a se subtrair<br />

ao jugo da moral? Não há homem algum que, sem o auxílio sobrenatural da graça, consiga praticar de<br />

modo durável todos os Mandamentos. É preciso, pois, que a instrução se complete pela vida, que as verdades<br />

conhecidas se transformem em ato. E para isto só há um caminho autêntico, que é a vida interior. A vida<br />

interior, sim, e isto quer dizer o cultivo esmerado de todas as virtudes, a guerra declarada, metódica, sem<br />

tréguas, a todos os defeitos. Este ideal não se consegue sem vida sacramental. É por meio da oração e dos<br />

sacramentos que o homem obtém as forças necessárias para praticar a virtude, para alcançar a Vida.<br />

E, insensivelmente, nosso pensamento se volta para as palavras do Evangelho: ‘quem não comer deste<br />

Pão, quem não beber este Vinho, não terá a vida eterna’. Imploremos, portanto, ao Santíssimo Sacramento:<br />

Alma de Cristo, santificai-nos! Corpo de Cristo, salvai-nos!” (Excertos do “Legionário” de 8/10/1944).<br />

Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.


Datas na vida de um cruzado<br />

Março de 1935<br />

Professor catedrático de História<br />

Sempre desejei ensinar História”, dizia <strong>Dr</strong>.<br />

<strong>Plinio</strong>, “por me parecer a mais bela das<br />

matérias para a cultura geral dos homens.<br />

Mas, uma História bem focalizada, comentada,<br />

analisada, tomando seu inteiro significado, e não<br />

apenas uma enfadonha sucessão de datas e cronologias”.<br />

Esse acalentado desejo de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> tornouse<br />

realidade quando obteve a cátedra de História<br />

da Civilização no Colégio Universitário, anexo à<br />

Faculdade de Direito do Largo de São Francisco,<br />

em São Paulo. Com apenas 27 anos, apresentar-se-ia<br />

diante de alunos pouco mais novos que<br />

ele. Tal situação lhe inspirava particulares cuidados,<br />

como costumava recordar ao descrever seu<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> com a beca de catedrático<br />

primeiro dia de professor catedrático, em março<br />

de 1935:<br />

“Em geral, eram rapazes cinco anos mais moços<br />

que eu. Não chegáramos a ser colegas, mas a<br />

Faculdade de Direito, na qual me formara, ainda<br />

estava quente da minha presença. Esses fatores<br />

podiam facilmente despertar naqueles alunos a<br />

idéia de serem indisciplinados comigo. O primeiro<br />

problema era impor-me ao respeito de todos como<br />

professor e, segundo, fazer com que prestassem<br />

atenção na aula e gostassem dela.<br />

“Não podendo fazer o papel de mocinho que se<br />

aventurou a ensinar e não logrou obter o respeito<br />

de seus lecionados, estabeleci meu plano de ação:<br />

seria um professor-torpedo, impondo-me ao acatamento<br />

deles e tratando da matéria conforme devia<br />

ser entendida, sob as luzes da doutrina católica.<br />

Essa era a única forma segura de agir para alcançar<br />

o necessário reconhecimento.<br />

“Naquele tempo, as cátedras da Faculdade de<br />

Direito se erguiam sobre um elevado estrado, ao<br />

qual se tinha acesso por uma escada lateral. Em<br />

cima havia um banco dentro de um cercado de<br />

madeira. Para entrar, uma pequena porta. No minúsculo<br />

recinto, uma tábua inclinada para se colocar<br />

livros e apontamentos. Pondo em prática o<br />

plano que traçara, no meu primeiro dia de aula<br />

subi na cátedra, sentei-me com segurança, sem<br />

olhar para os alunos, entregues como estavam à<br />

sua costumeira baderna. Eu permanecia quieto,<br />

com uma fisionomia de pouca amizade. Não demorou<br />

muito, e notaram que algo diferente vinha<br />

entrando em cena...<br />

“Passada a surpresa inicial, ouvi alguns cochichos<br />

percorrem a sala, enquanto eu expunha a<br />

matéria. Bati com força a mão na mesa, pedindo<br />

silêncio. Outros cochichos, outras vigorosas intervenções<br />

minhas, e eles afinal se aquietaram, podendo<br />

eu prosseguir sem mais incômodos.<br />

“As aulas eram claras e a maioria dos alunos<br />

adquiriu atração por elas, prezava-as e prestava<br />

muita atenção. A minoria agitada percebeu que<br />

sua vida não seria fácil...”<br />

v


Dona Lucilia<br />

Mudança para a capital<br />

Com o correr dos anos, foramse<br />

tornando mais freqüentes e<br />

prolongadas as estadias da família<br />

Ribeiro dos Santos na capital<br />

paulista, onde a jovem Lucilia passou<br />

a ser convidada a encontros sociais.<br />

Festa em casa<br />

de Dona Veridiana<br />

Saudosa, Dª Lucilia se recordará<br />

das reuniões familiares a que assistiu<br />

em sua mocidade, apresentandoas<br />

como exemplo do luxo distinto, do<br />

elevado trato e do bom gosto reinantes<br />

nos ambientes tradicionais. Entretanto,<br />

com extrema delicadeza e<br />

despretensão, sempre tomará cuidado<br />

de excluir qualquer elogio aos<br />

seus.<br />

Entre as suntuosas festas com que<br />

a sociedade de São Paulo entretinha<br />

o lazer, mereceu realce uma organizada<br />

pela grande matriarca paulista,<br />

Dª Veridiana Valéria da Silva Prado.<br />

Como Dª Gabriela não pudesse absolutamente<br />

comparecer, quis Dª Veridiana<br />

vê-la representada por Lucilia,<br />

apesar de ser esta muito moça.<br />

Dona Gabriela, amante do protocolo,<br />

ponderou:<br />

— Vai acontecer que, sendo ainda<br />

menina, ela não poderá dançar, e assim<br />

nada terá que fazer.<br />

Mas, Dª Veridiana, com a intimidade<br />

de trato que tinha com a amiga,<br />

insistiu:<br />

— Não faz mal, ficarei ao lado<br />

dela a noite inteira, se necessário<br />

for; mas quero que ela venha...<br />

De fato, permaneceu com a jovem<br />

Lucilia o tempo inteiro, fazendo-a<br />

passear por todos os atrativos da festa.<br />

No jardim da mansão — hoje se-


Com suas freqüentes visitas à<br />

capital paulista, a jovem Lucilia<br />

passou a ser convidada para festas<br />

e encontros sociais<br />

Dona Veridiana Prado e sua mansão (atual<br />

Clube São Paulo); na página 6, vista da Rua XV<br />

de Novembro, no centro da capital paulista<br />

de do Clube São Paulo — deslizavam<br />

gôndolas sobre as águas de um belo<br />

lago artificial, iluminado por lanternas<br />

coloridas, implantadas a seu redor.<br />

Os barqueiros cantavam, a or-


Dona Lucilia<br />

questra tocava melodias da época,<br />

um riquíssimo buffet de delícias européias<br />

e nacionais atendia, a noite<br />

inteira, aos convidados. Em roupas<br />

de seda, as senhoras conversavam<br />

nos espaçosos salões, enquanto<br />

os homens de casaca, discutiam o último<br />

discurso político.<br />

Maravilhada, Lucilia participou<br />

dos divertimentos até que, manifestando<br />

inequívocos sinais de cansaço,<br />

rendeu-se pelo sono. O sarau, porém,<br />

ainda se prolongaria até o amanhecer.<br />

Dona Veridiana, com o charme<br />

característico das damas paulistas,<br />

que bem sabiam aliar a bondade<br />

ao protocolo de um encontro social,<br />

logo ofereceu à jovem a própria cama,<br />

para que nela repousasse.<br />

Lucilia adormeceu profundamente.<br />

Quando despertou, com a luz do<br />

sol rebrilhando já nalgumas frestas<br />

das janelas, pôde contemplar as excelentes<br />

pinturas a óleo do teto do<br />

quarto. Só então se deu conta de ter<br />

passado a noite num aposento que<br />

não era o seu...<br />

A família se muda<br />

para São Paulo<br />

Em 1893 — quatro lustros depois<br />

de se ter fixado em Pirassununga —<br />

terminava definitivamente a permanência<br />

dos Ribeiro dos Santos nessa<br />

cidade. Na ocasião, os filhos do casal<br />

contavam respectivamente: Gabriel,<br />

20 anos; Lucilia, 17; Antônio (Toni),<br />

15; Eponina (Yayá), 11; e Brazilina<br />

(Zili), 4. <strong>Dr</strong>. Antônio retornou com<br />

a família para São Paulo, conservando<br />

gratas recordações daqueles anos<br />

que, para eles, foram heróicos.<br />

Se saudades levaram, saudades<br />

também deixaram, do que podemos<br />

ter uma idéia pelas linhas seguintes,<br />

escritas por um jornalista que na infância<br />

os conhecera:<br />

Vem agora à minha lembrança outro<br />

vulto que exercia em meu espírito<br />

de menino uma profunda e agradável<br />

impressão de simpatia e respeito. Mais<br />

que simpatia, quase veneração. De onde<br />

me vinham esses sentimentos? Por<br />

certo pelo carinho com que me tratava,<br />

sempre que dele me aproximava. Advogado<br />

de invejável cultura e inatacável<br />

honestidade; detentor de um prestígio<br />

tão integral quanto pode significar<br />

o vocábulo. Socialmente, esse prestígio<br />

traduzia-se na geral estima de que gozava<br />

entre a população que o tinha como<br />

precioso ornamento do seu conjunto;<br />

politicamente, ressaltava ele da solidariedade<br />

franca que seus correligionários<br />

lhe tributavam, quer nas vitórias,<br />

como nas eventuais derrotas do partido<br />

que chefiava. (...) Seu escritório, a<br />

mansão procurada com confiança pelos<br />

clientes, correligionários e amigos<br />

inúmeros. O interior da casa, sacrário<br />

sagrado da sua respeitável família<br />

constituída da virtuosa esposa, Dona<br />

Gabriela e os filhos, então menores:<br />

Lucilia, Antônio e Gabriel. (...) Dona<br />

Gabriela era o anjo tutelar daquele<br />

ditoso lar. A docilidade amorosa com<br />

que repreendia alguma inocente traquinagem<br />

dos filhos; o sorriso amável com<br />

que estendia a mão para os pobres que<br />

lhe batiam à porta; a inteireza com que<br />

desempenhava os deveres de boa donade-casa,<br />

e a distinção com que se portava<br />

na sociedade que tanto a admirava<br />

e queria, justificavam, com sobejos<br />

de razão, esta frase que ouvi de uma<br />

menina, e que numa me esqueci: “Bonita<br />

e bondosa como Dona Gabriela,<br />

só Nossa Senhora!” 1<br />

Férias no interior<br />

Lucilia pôde rever diversas vezes<br />

a Pirassununga de seus tempos<br />

de menina, pois não era raro passar<br />

férias na fazenda de um amigo


Ao se mudarem para a<br />

capital, os Ribeiro dos<br />

Santos levaram saudades,<br />

e saudades deixaram em<br />

sua velha Pirassununga<br />

Dona Gabriela e <strong>Dr</strong>. Antônio; na<br />

página 8, os filhos do casal<br />

de seus pais, localizada em Santa Rita<br />

do Passa Quatro, então distrito de<br />

sua terra natal. Em 1892, <strong>Dr</strong>. Antônio<br />

vendera a fazenda Santo Antônio<br />

das Palmeiras para, três anos depois,<br />

comprar outra, em São João da<br />

Boa Vista: a Jaguary.<br />

Algum tempo após ter-se mudado<br />

para a capital, a família se instalou<br />

em belo palacete no aristocrático<br />

bairro dos Campos Elíseos, que começava<br />

a viver seus esplendores, característicos<br />

da Belle Époque.<br />

*<br />

Como sói acontecer, a saída de Pirassununga,<br />

a mudança para o palacete<br />

dos Campos Elíseos e a compra<br />

da fazenda Jaguary abriram um<br />

novo capítulo na vida de Dª Lucilia.<br />

Não mais a quase imutável e bucólica<br />

tranqüilidade do ambiente rural. Sua<br />

mocidade, assim como os longos anos<br />

de vida que a Providência lhe reservava,<br />

haveriam de transcorrer na prestigiosa<br />

metrópole paulistana.<br />

(Transcrito, com adaptações,<br />

da obra “Dona Lucilia”,<br />

de João S. Clá Dias)<br />

1<br />

) A. Z. Prado, “Reminiscências”, O<br />

Movimento, Pirassununga, 6/2/1940.


Eco fidelíssimo da Igreja<br />

Ideal de humildade<br />

e elevação<br />

Em seu Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, São Luís<br />

Grignion de Montfort salienta que os devotos de Nossa Senhora terão<br />

especial apreço pelo Mistério da Encarnação, pois desta forma “imitam<br />

a dependência em que Deus Filho quis estar de Maria. Dependência<br />

que transparece particularmente nesse Mistério no qual Jesus Cristo<br />

se torna cativo e escravo no seio de Maria Santíssima, aí dependendo<br />

d’Ela em tudo” (cap. 8, art. 1, § IV). Exímio nessa imitação do divino<br />

exemplo, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> deixou-nos estes comentários expressos numa<br />

Festa da Anunciação do Senhor.<br />

Ao comemorarmos data de<br />

tão precioso significado,<br />

devemos considerar que Jesus<br />

Cristo tornou-se Escravo de Nossa<br />

Senhora desde o momento em<br />

que Ela, diante do convite apresentado<br />

por São Gabriel, aceitou de dar<br />

à luz o Messias, e o Espírito Santo<br />

então concebeu em seu claustro materno<br />

o Verbo encarnado.<br />

Elevada acima de todos<br />

os anjos e santos<br />

A Santíssima Virgem tornou-se,<br />

assim, Esposa do Divino Espírito<br />

Santo a um título muito particular, e<br />

passou a receber d’Ele orientações,<br />

diretrizes, atos de amor, de consolação,<br />

“flashes” (por assim dizer)<br />

de uma sublimidade indizível. Graças<br />

essas em estreita relação com os<br />

vínculos que o próprio Jesus, naquele<br />

seio puríssimo, mantinha com sua<br />

Mãe. Estabelecia-se, assim, um maravilhoso<br />

convívio no qual Nossa Senhora<br />

era, ao mesmo tempo, a Filha<br />

predileta do Pai Eterno, a Mãe admirável<br />

do Verbo humanado e a fidelíssima<br />

consorte do Espírito Santo.<br />

Tudo isto foi concedido a Nossa<br />

Senhora em virtude do fato da Encarnação.<br />

Quer dizer, no instante em<br />

que Ela concebeu o divino Filho, tornou-se<br />

objeto dessa assombrosa promoção<br />

(se pudéssemos empregar o<br />

termo), por onde foi elevada a uma<br />

condição incomparavelmente superior<br />

à de todos os anjos e santos reunidos,<br />

o que significa uma perfeição<br />

tão imensa que escapa à nossa capacidade<br />

de imaginá-la.<br />

O ideal de toda<br />

alma humilde<br />

Porém, cumpre ressaltarmos essa<br />

verdade: se quisermos crescer na vir-<br />

10


Fotos: S. Hollmann<br />

Com a Encarnação do<br />

Verbo, estabeleceu-se um<br />

maravilhoso convívio<br />

entre Nossa Senhora e a<br />

Santíssima Trindade<br />

“Anunciação” - Catedral de<br />

Notre Dame de Paris<br />

tude, no amor a Deus, na devoção à<br />

Santíssima Virgem, devemos pedir a<br />

Nossa Senhora a graça de conhecer,<br />

intuir, avaliar tanto quanto é possível<br />

à debilidade do intelecto humano,<br />

a santidade d’Ela. Se assim o fizermos,<br />

cresceremos nós mesmos em<br />

santidade. E, portanto, em humildade,<br />

sem a qual não há autêntico progresso<br />

espiritual.<br />

Para a alma humilde, disposta a<br />

obedecer seus legítimos superiores,<br />

11


Eco fidelíssimo da Igreja<br />

afeita à admirar os que merecem admiração,<br />

amante da modéstia e da<br />

discrição, para essa alma, digo, o<br />

ideal nesta vida é fazer-se escrava de<br />

amor da Santíssima Virgem, imitando<br />

ao primeiro Escravo d’Ela, Jesus.<br />

Ideal todo particular, pois é o de<br />

ser aos pés de Maria — conforme<br />

escreveu São Luís Grignion — um<br />

vermezinho e miserável pecador, a<br />

quem Deus dá a vida e a tira, concede<br />

saúde ou permite a doença. Somos<br />

completamente dependentes<br />

d’Ele, para tudo quanto de nós deseje.<br />

Mas, que felicidade para nós ao<br />

pensarmos: “Somos tão minúsculos<br />

perto do Criador e, contudo, quanto<br />

mais reconhecemos nossa pequenez,<br />

mais nos unimos a Ele e mais Ele nos<br />

acolhe em seu Sagrado Coração!”<br />

E assim, correspondendo a esse<br />

ideal de humildade, servidão e amor,<br />

estreitamos nossa união com Deus,<br />

com Maria e a Santa Igreja.<br />

Como gota de orvalho<br />

transformada em sol<br />

Pensemos, nesta festa da Anunciação,<br />

nas glórias concedidas a Nossa<br />

Senhora, nos esplendores de perfeição<br />

aos quais Ela foi exaltada como<br />

Filha do Pai Eterno, Mãe do<br />

Verbo encarnado e Esposa do Espírito<br />

Santo.<br />

Pensemos, igualmente, como dessas<br />

magníficas alturas Ela olha para<br />

nós e acompanha com incansável solicitude<br />

materna a vida de cada um<br />

de seus devotos. Estejamos certos<br />

de que a Virgem nos considera com<br />

bondade e insondável clemência; obtém-nos<br />

o perdão de nossas misérias<br />

e fraquezas; dirige, em nosso favor,<br />

um irresistível sorriso à Santíssima<br />

Trindade, dizendo:<br />

“Meu Pai, meu Filho, meu Esposo.<br />

Vejam estes que vos amam<br />

no mundo: tenham compaixão deles,<br />

ajudem-nos a serem inteiramente<br />

aquilo para o que foram criados,<br />

12


Sejamos servos<br />

amorosos e<br />

fiéis de Nossa<br />

Senhora,<br />

imitadores de<br />

Jesus na sua<br />

obediência à<br />

Mãe<br />

“Anunciação” - Museu<br />

de Dijon, França<br />

a se tornarem fiéis como verdadeiros<br />

escravos de amor, fazendo sempre a<br />

minha vontade, que é a vossa, Trindade<br />

beatíssima.”<br />

Essa é a mais valiosa graça que<br />

devemos suplicar a Deus, pelas mãos<br />

de Nossa Senhora, nessa festa da<br />

Anunciação e Encarnação do Verbo.<br />

Tornarmo-nos esses servos amorosos<br />

e fiéis, imitadores de Jesus em<br />

sua obediência à Mãe, unidos à Santa<br />

Igreja a exemplo da própria Virgem<br />

Santíssima, de modo a sermos<br />

como ela, assim como a gota de orvalho<br />

sobre a qual incide o raio solar<br />

assemelha-se a um minúsculo sol.<br />

A gota é linda, pura, encantadora.<br />

O raio do astro soberano que a toca,<br />

a faz brilhar inteira. Mas, o que é<br />

a gota em relação ao sol? Pois muito<br />

maior, a perder de vista, é a desproporção<br />

entre Nossa Senhora e cada<br />

um de nós. Porém, podemos e devemos<br />

pedir que, como gotas de orvalho,<br />

humildes e pequenos, puros e<br />

fortes, sejamos um reflexo d’Ela; e<br />

que do entusiasmo de nossa humildade,<br />

pureza e fortaleza emane um<br />

constante ato de amor, obediência<br />

e servidão à Rainha do Universo,<br />

à Mãe do Verbo de Deus feito carne.<br />

v<br />

13


Calendário litúrgico<br />

1. Quarta-feira de Cinzas. Marca<br />

o início do “tempo forte” da<br />

Quaresma, os 40 dias que precedem<br />

a Páscoa, período de penitência<br />

e consideração da Paixão, Morte<br />

e Ressurreição de Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo<br />

Santo Albino, Bispo, 4<strong>96</strong>-550.<br />

Bispo de Angers, na França.<br />

2. Beata Inês de Praga, 1205-<br />

1282. Franciscana. Filha do Rei Ottokar<br />

I da Boêmia. Prima de Santa<br />

Isabel da Hungria, ingressou no<br />

mosteiro de Clarissas, em Praga,<br />

onde cultivou a meditação da<br />

Paixão de Nosso Senhor, e<br />

ali morreu após muitos<br />

Martírio<br />

de Santa<br />

Felicidade<br />

sofrimentos e insignes atos de caridade.<br />

3. São Marino e Santo Astério,<br />

Mártires, +260. O primeiro, soldado,<br />

e o segundo, senador, ambos<br />

martirizados em Cesaréia da Palestina,<br />

durante a perseguição de Valeriano.<br />

4. São Casimiro, 1468-1484. Filho<br />

do Rei da Polônia, caracterizouse<br />

por sua profunda piedade, intensa<br />

veneração pela Eucaristia e ilibada<br />

pureza. Morreu santamente aos<br />

26 anos, sendo sepultado em Vilna,<br />

capital da Lituânia. (Ver<br />

“<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>” nº 84.)<br />

5. 1º Domingo da Quaresma.<br />

6. Santa Colette (Nicolette), 1380-<br />

1447. Reformadora da Ordem das<br />

Clarissas, reconduzindo-a à estrita<br />

observância inicial.<br />

7. Santas Perpétua e Felicidade,<br />

Mártires, +203. Foram martirizadas<br />

em Cartago, nesta data. Perpétua<br />

era uma jovem mãe, de 22 anos,<br />

com boas posses. Felicidade era sua<br />

escrava. Com elas foi martirizado o<br />

diácono Sáturo, o qual as instruiu<br />

na fé cristã. Este último apresentou-se<br />

voluntariamente ao suplício,<br />

pois não havia sido preso.<br />

8. São João de Deus, 1495-1550.<br />

Nascido em Portugal, abandonou<br />

a carreira das armas para se dedicar<br />

ao serviço dos doentes. Fundou<br />

em Granada, Espanha, um hospital<br />

e a Ordem dos Hospitalários,<br />

que leva seu nome. Morreu de joelhos<br />

durante um êxtase, e até hoje<br />

se conserva no quarto em que o<br />

fato se deu, uma imagem do santo<br />

nessa posição.<br />

9. Santa Francisca Romana,<br />

1384-1440. Viúva e religiosa. Nos<br />

seus 40 anos de matrimônio praticou<br />

notáveis virtudes, deixou seus<br />

bens aos pobres e se dedicou aos<br />

doentes, procurando-lhes não só a<br />

cura dos corpos mas também sacerdotes<br />

para administrar-lhes os sacramentos.<br />

Favorecida por grandes<br />

visões e revelações, é a fundadora<br />

da Congregação das Oblatas.<br />

10. São Macário, Bispo de Jerusalém,<br />

+335. Contemporâneo da<br />

Imperatriz Santa Helena, construiu<br />

a Igreja do Santo Sepulcro.<br />

11. Santo Eulógio de Córdoba,<br />

Bispo. (800-859)<br />

14


* Março *<br />

12. 2º Domingo da Quaresma.<br />

São Luís Orione, 1872-1940. Fundador<br />

dos orioninos, que congregam<br />

diversas ordens masculinas e femininas,<br />

principalmente os Filhos da Divina<br />

Providência. Movido por ardente<br />

caridade, socorreu os mais abandonados,<br />

os meninos órfãos e com<br />

graves debilidades físicas.<br />

13. Santos Rodrigo e Salomão,<br />

Mártires, +857. Mortos em Córdoba,<br />

na Espanha.<br />

14. Santa Matilde, 895-<strong>96</strong>8. Filha<br />

do duque da Westfália e esposa<br />

do Imperador Santo Henrique da<br />

Alemanha. Foi mãe de São Bruno,<br />

Arcebispo da Baviera.<br />

15. Santa Luísa de Marillac,<br />

1591-1660. Fundadora, junto com<br />

São Vicente de Paulo, das Filhas da<br />

Caridade.<br />

16. Santo Heriberto, Bispo, +1021.<br />

Bispo de Colônia, na Alemanha.<br />

17. São Patrício, Bispo, 385-461.<br />

Grande evangelizador e padroeiro da<br />

Irlanda, responsável pela instituição<br />

da hierarquia eclesiástica nessa ilha.<br />

18. São Cirilo de Jerusalém, Bispo<br />

e Doutor da Igreja, 315-386. Combateu<br />

o arianismo e padeceu o exílio.<br />

19. 3º Domingo da Quaresma.<br />

(Por cair num Domingo da Quaresma,<br />

a festa de São José foi transferida,<br />

este ano, para a segunda-feira seguinte.)<br />

20. São José, Esposo de Maria<br />

Santíssima. Ver artigo na página 24.<br />

São Cutberto de Lindsfarme,<br />

+687. Sendo pastor, entrou no mosteiro<br />

inglês de Melrose, do qual se<br />

tornou abade. Mais tarde foi eleito<br />

São Jerônimo aparece<br />

a São Cirilo de Jerusalém<br />

Bispo de Lindsfarme, porém pouco<br />

durou seu episcopado: após dois<br />

anos, retornou ao isolamento monástico<br />

para, alguns meses depois,<br />

entregar sua alma ao Criador.<br />

21. São Nicolau de Flue, Eremita,<br />

1417-1487. Fundador da Confederação<br />

Helvética (Suíça) e padroeiro<br />

desse país. Distinguiu-se como<br />

místico eminente.<br />

22. São Nicolas Owen, Mártir,<br />

+1606. Inglês, coadjutor da Companhia<br />

de Jesus.<br />

23. São Turíbio de Mongrovejo,<br />

Bispo, 1538-1605. Espanhol, dominicano,<br />

eleito Bispo de Lima, defendeu<br />

a Fé e os direitos da Igreja<br />

com inabalável firmeza.<br />

24. Santa Catarina da Suécia, 1331-<br />

1381. Filha de Santa Brígida, compartilhou<br />

com esta a vida religiosa.<br />

25. Anunciação do Senhor. “No<br />

sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado<br />

por Deus a uma cidade da Galiléia,<br />

chamada Nazaré, a uma virgem desposada<br />

com um homem que se chamava<br />

José, da casa de David e o nome<br />

da virgem era Maria. Entrando,<br />

o anjo disse-lhe: Ave, cheia de graça,<br />

o Senhor é contigo. Perturbou-se ela<br />

com estas palavras e pôs-se a pensar<br />

no que significaria semelhante saudação.<br />

O anjo disse-lhe: Não temas,<br />

Maria, pois encontraste graça diante<br />

de Deus. Eis que conceberás e darás<br />

à luz um filho, e lhe porás o nome<br />

de Jesus. (...) Então disse Maria: Eis<br />

aqui a serva do Senhor. Faça-se em<br />

mim segundo a tua palavra. E o anjo<br />

afastou-se dela” (Lc 1, 26-38).<br />

26. 4º Domingo da Quaresma.<br />

São Bráulio, Bispo, +653. Bispo<br />

de Saragoça, Espanha.<br />

27. São Ruperto. Bispo de Works,<br />

e mais tarde de Salzburg, na Áustria.<br />

28. São Guntram, 545-592. Filho<br />

de Clotário I e Rei da Borgonha.<br />

29. Santa Gladys. Rainha do Gales<br />

do Sul, fez-se eremita em Stow.<br />

30. São Leonardo Murialdo, 1826-<br />

1900. Natural de Turim, tornou-se<br />

denodado colaborador de São João<br />

Bosco. Verdadeiro herói da caridade<br />

e da educação de crianças carentes,<br />

fundou a Pia Sociedade de São José.<br />

São João Clímaco, séc. VI. Egípcio,<br />

autor da obra Escada do Paraíso.<br />

Seus ensinamentos e o exemplo<br />

de suas virtudes suscitariam gerações<br />

e gerações de monges e santos.<br />

31. São Benjamin, Diácono e<br />

Mártir, +421. Martirizado na antiga<br />

Pérsia.<br />

15


“R-CR” em perguntas e respostas<br />

As velocidades<br />

da Revolução<br />

Aprofundando sua análise do processo revolucionário, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

trata das diferentes “velocidades”, as marchas rápidas e lentas das<br />

quais se utiliza a Revolução para atingir sua meta última. Nessa<br />

trajetória, encontrará ela resistências, “coágulos” que, por sua vez,<br />

poderão servir de oportunos instrumentos nas perspicazes<br />

mãos do contra-revolucionário.<br />

Como se realiza o processo revolucionário?<br />

“O processo revolucionário se dá<br />

em duas velocidades diversas. Uma,<br />

rápida, é destinada geralmente ao fracasso<br />

no plano imediato. A outra tem<br />

sido habitualmente coroada de êxito,<br />

e é muito mais lenta” (pp. 46-47).<br />

Cite um exemplo do processo em<br />

alta velocidade.<br />

“Os movimentos pré-comunistas<br />

dos anabatistas (...) tiraram imediatamente,<br />

em vários campos, todas ou<br />

quase todas as conseqüências do espírito<br />

e das tendências da Pseudo-<br />

Reforma: fracassaram” (p. 47).<br />

Harmonia entre as<br />

marchas rápida e<br />

lenta da Revolução<br />

Como se desenvolve nas almas a<br />

marcha morosa do processo revolucionário?<br />

“Há [pessoas] que vão aceitando<br />

lentamente e passo a passo as doutrinas<br />

revolucionárias. Muitas vezes,<br />

até, esse processo se desenvolve com<br />

continuidade através das gerações”<br />

(p. 121).<br />

Como se harmonizam essas velocidades?<br />

“Dir-se-ia que os movimentos<br />

mais velozes são inúteis. Porém não<br />

é verdade. A explosão desses extremismos<br />

levanta um estandarte, cria<br />

um ponto de mira fixo que fascina<br />

pelo seu próprio radicalismo os moderados,<br />

e para o qual estes se vão<br />

lentamente encaminhando.<br />

“Assim, o socialismo repudia o comunismo,<br />

mas o admira em silêncio<br />

e tende para ele. Mais remotamente<br />

o mesmo se poderia dizer do comunista<br />

Babeuf 1 e seus sequazes nos últimos<br />

lampejos da Revolução Francesa.<br />

Foram esmagados.<br />

“Mas lentamente a sociedade vai<br />

seguindo o caminho para onde eles a<br />

quiseram levar.<br />

“O fracasso dos extremistas é,<br />

pois, apenas aparente. Eles colaboram<br />

para a Revolução, atraindo paulatinamente<br />

para a realização de seus<br />

culposos e exacerbados devaneios a<br />

multidão incontável dos ‘prudentes’,<br />

dos ‘moderados’ e dos medíocres”<br />

(pp. 47-48).<br />

Distinções determinadas<br />

por resistências interiores<br />

O que diferencia o revolucionário<br />

de alta velocidade do de marcha morosa?<br />

“O que distingue o revolucionário<br />

que seguiu o ritmo da marcha rápida,<br />

do que se vai paulatinamente<br />

tornando tal segundo o ritmo de<br />

marcha lenta, está em que, quando<br />

o processo revolucionário teve início<br />

no primeiro, encontrou resistências<br />

nulas, ou quase nulas.<br />

“A virtude e a verdade viviam nessa<br />

alma de uma vida de superfície.<br />

Eram como madeira seca, que qualquer<br />

fagulha pode incendiar. Pelo<br />

contrário, quando esse processo se<br />

opera lentamente, é porque a fagulha<br />

da Revolução encontrou, ao menos<br />

em parte, lenha verde. Em ou-<br />

16


Na aparência inúteis, os movimentos revolucionários mais<br />

velozes levantam um estandarte, criam um ponto de mira<br />

fixo para o qual caminham, lentamente, os moderados<br />

Cena do Diretório, período da Revolução Francesa no qual<br />

explodiu a revolta do comunista Babeuf (no detalhe)<br />

tros termos, encontrou muita verdade<br />

ou muita virtude que se mantêm<br />

infensas à ação do espírito revolucionário.<br />

“Uma alma em tal situação fica<br />

bipartida, e vive de dois princípios<br />

opostos, o da Revolução e o da Ordem”<br />

(pp. 48-49).<br />

Particularidade do semicontra-revolucionário<br />

O que caracteriza o revolucionário<br />

com “coágulos” contra-revolucionários?<br />

“Ele se deixa arrastar pela Revolução.<br />

Mas em algum ponto concreto<br />

recusa-a.<br />

“Assim, por exemplo, será socialista<br />

em tudo, mas conservará o gosto<br />

das maneiras aristocráticas. Conforme<br />

o caso, ele chegará até mesmo<br />

a atacar a vulgaridade socialista.<br />

“Trata-se de uma resistência, sem<br />

dúvida. Mas resistência em ponto de<br />

pormenor, que não remonta<br />

aos princípios, toda feita de hábitos<br />

e impressões. Resistência<br />

por isto mesmo sem maior alcance,<br />

que morrerá com o indivíduo, e<br />

que, se se der num grupo social, cedo<br />

ou tarde, pela violência ou pela persuasão,<br />

em uma geração ou algumas,<br />

a Revolução em seu curso inexorável<br />

desmantelará” (pp. 49-50).<br />

E o “semi-contra-revolucionário”?<br />

Este “diferencia-se do anterior<br />

apenas pelo fato de que nele o processo<br />

de ‘coagulação’ foi mais enérgico,<br />

e remontou até a zona dos princípios<br />

básicos. De alguns princípios,<br />

já se vê, e não de todos.<br />

“Nele, a reação contra a Revolução<br />

é mais pertinaz, mais viva. Constitui<br />

um obstáculo que não é só de<br />

inércia. Sua conversão a uma posição<br />

inteiramente contra-revolucionária<br />

é mais fácil, pelo menos em tese.<br />

Um excesso qualquer da Revolução<br />

pode determinar nele uma transformação<br />

cabal, uma cristalização de<br />

todas as tendências boas, numa atitude<br />

de firmeza inabalável.<br />

“Enquanto esta feliz transformação<br />

não se der, o ‘semi-contra-revolucionário’<br />

não pode ser considerado<br />

um soldado da Contra-Revolução”<br />

(p. 50).<br />

v<br />

1<br />

) François Noël Babeuf (1760-1797).<br />

Quis instaurar na França a “sociedade<br />

dos iguais”. Ao tentar, com seus<br />

adeptos, derrubar o governo revolucionário,<br />

denominado então de Diretório,<br />

foi preso e executado.<br />

17


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

“O rei e o menino”:<br />

a beleza da vocação<br />

Como já vimos de outras vezes, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> servia-se<br />

amiúde de metáforas para explicar a seus jovens<br />

ouvintes as realidades profundas da vida do<br />

católico, à luz das verdades da Fé. Através da<br />

parábola narrada a seguir, faz-nos ele compreender<br />

a importância de um dos momentos mais decisivos<br />

na existência do homem sobre a Terra: aquele em<br />

que recebe o chamado de Deus, a vocação.<br />

Acompanhemos a linguagem clara e simples de<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> descortinando o fascinante tema da voz<br />

divina a ressoar nas almas, convidando-as a seguir<br />

um caminho sublime e, não raro, semeado de<br />

provações...<br />

Imaginemos um monarca que passeia de automóvel<br />

pela capital de seu reino. Viúvo, cujo filho único<br />

e herdeiro morreu ainda criança, o resto de sua<br />

família se extinguiu sem descendência e, portanto, não<br />

há quem dê continuidade à dinastia. Entretanto, por<br />

uma dessas coincidências existentes na natureza, reside<br />

na mesma cidade um menino que, embora de traços<br />

fisionômicos semelhantes aos do falecido príncipe, não<br />

tem com a casa real nenhum parentesco.<br />

O encontro com outro possível herdeiro<br />

Quando o carro do soberano se detém num cruzamento,<br />

os olhos dele recaem sobre aquele menino a atravessar<br />

a rua, e o rei, impressionado pela semelhança com o<br />

ex-herdeiro, manda chamá-lo. O garoto, ao mesmo tempo<br />

surpreso e maravilhado, aproxima-se timidamente e<br />

pergunta:<br />

— Majestade: em que posso servi-lo?<br />

— Sente-se ao meu lado, quero conversar com você.<br />

18


O menino recordava a figura do príncipe herdeiro;<br />

despertou a atenção do rei e por este foi convidado<br />

para sucedê-lo no trono<br />

Ao fundo, o rei Baltazar Carlos, por Velásquez - Museu do Prado, Madrid<br />

Fotos: S. Hollmann<br />

19


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

O trânsito engarrafado não permite que o automóvel<br />

se desloque. O rei indaga do menino sobre seus estudos,<br />

sua família, trabalhos. Durante esse tempo, o menino<br />

não pensa em si, mas apenas no soberano. Este não<br />

observa o movimento das ruas e presta atenção somente<br />

no menino. Percebe que ele inspira boas esperanças e<br />

poderia ser adotado como seu filho.<br />

Despedindo-se do jovem, o monarca lhe diz:<br />

— Esteja às tantas horas no meu palácio com seus<br />

pais. Desejo conversar com os três.<br />

O menino é adotado pelo rei<br />

No momento aprazado, os três comparecem. São pessoas<br />

modestas, maravilhadas diante dos esplendores da<br />

residência palacial, entre as quais transitam com encanto<br />

e receio. Pisam sobre um tapete persa, e o marido diz<br />

à mulher:<br />

— Que tapete magnífico! Parece até com o da casa<br />

do subprefeito de nosso distrito, que pertenceu ao xá da<br />

Pérsia e foi comprado num antiquário...<br />

Após vários deslumbramentos, chegam à presença do<br />

rei. Este os recebe com extrema bondade, põem-se a conversar,<br />

e à certa altura o soberano diz:<br />

— Desejo que este menino seja meu herdeiro. Se consentirem,<br />

eu o adotarei como filho e o educarei para as<br />

funções régias. Quando eu morrer, será o novo monarca,<br />

e vocês terão a honra que jamais imaginaram: tornar-seão<br />

pais do rei.<br />

O casal possuía uma prole numerosa, e já não sabiam<br />

o que fazer com tanta criança dentro de casa. Estupefatos<br />

com a proposta do rei, pensam:<br />

“Teremos um filho tão bem instalado! Que alto negócio!<br />

Depois, receberemos torrentes de dinheiro para<br />

educar de modo conveniente os outros e assim todos<br />

farão carreira promissora. Além disso, ganharemos um<br />

prestígio sem nome no bairro onde moramos. Ao chegarmos<br />

em casa e nos perguntarem pelo menino, poderemos<br />

responder:<br />

“— Está no Palácio real. Ele agora é filho do rei.<br />

“— Como?! Filho do rei?!<br />

“E contaremos toda a história. Que ótimo negócio!”<br />

Contentíssimos, aceitam a proposta do soberano e se<br />

retiram.<br />

Adotado pelo rei, cabe<br />

ao menino a glória de<br />

dar continuidade a uma<br />

linhagem de santos<br />

e heróis<br />

São Luís, Rei de França,<br />

quando menino - Catedral<br />

de Notre Dame de Paris<br />

20


Sinceridade e gratidão<br />

submetidas à prova<br />

Sobrevém a noite e o rei ordena aos seus mordomos:<br />

— Levem o menino para o quarto de dormir de meu<br />

falecido filho. Está tudo preparado, vistam-no com aquelas<br />

roupas, ofereçam-lhe os alimentos que desejar, sirvam-no<br />

como o faziam ao príncipe. Quero que ele seja<br />

beneficiado com toda a largueza da munificência real.<br />

O menino vai sendo educado, torna-se moço e convive<br />

de modo perfeito com o rei. Tudo corre com normalidade,<br />

porém no espírito do monarca nasce uma interrogação:<br />

“Esse menino me quererá verdadeiramente bem?<br />

Ser-me-á agradecido pelo que recebe de mim? Tornarse-á<br />

digno de um dia dirigir meu reino? Ou é um ingrato<br />

que me agrada por interesse momentâneo, e, no fundo,<br />

não me tem sincera amizade? Para conhecer as respostas<br />

a essas indagações, vou submetê-lo a uma dura prova,<br />

pois se não o fizer, minha generosidade pode significar<br />

grande estultice. Mas, se corresponder às esperanças<br />

nele depositadas, dar-lhe-ei coisas ainda melhores e mais<br />

abundantes.”<br />

O rei chama o jovem e lhe diz:<br />

— Nossa situação parece maravilhosa. Você tem a certeza<br />

de herdar um trono. Portanto, posição magnífica o<br />

aguarda. Porém, precisa se preparar, pois a vida é feita<br />

de surpresas, e a História apresenta vários exemplos de<br />

reis que foram inesperadamente depostos do poder. Eis<br />

aqui um livro sobre monarcas destronados. Estude-o para<br />

conhecer o papel da traição na queda dos reis e aprender<br />

como a condição de soberano, embora firme na aparência,<br />

é de fato instável e mutável. Após esse estudo, você<br />

será examinado. Veja a vida em cor séria e compreenda<br />

o esforço necessário para se manter como rei. Se for<br />

mole, o monarca perde o trono e o poder.<br />

Exerço a realeza há muitos anos. O povo me obedece,<br />

é verdade, mas que vigilância preciso ter! As coisas<br />

não são fáceis. Se o encargo de rei lhe parecer por demais<br />

árduo, dar-lhe-ei dinheiro para você seguir a profissão<br />

de seu pai, montar uma lavanderia maior e prosseguir<br />

na existência tranqüila de um qualquer. Porém, não<br />

será rei, nem desfrutará das honras e glórias da condição<br />

régia. Você se enfurnará no anonimato. O anônimo: que<br />

homem feliz! A quem ninguém ama nem odeia. Possui<br />

dinheiro para subsistir e leva uma vida sossegada.<br />

Você já pensou nas vantagens do anonimato? Passeie<br />

um pouco pelas ruas, observe os moços de sua idade, felizes<br />

nos seus automóveis, levando a existência agradável e<br />

sem incômodos dos homens abastados e desconhecidos.<br />

Você, não! É um príncipe, e deve proceder como tal,<br />

em quaisquer circunstâncias. Os olhos de todos estão<br />

voltados para sua pessoa. Ainda ontem o criticavam pelo<br />

simples fato de brincar com os dedos enquanto conversava.<br />

Não é atitude permitida ao herdeiro do trono. Já pensou<br />

na vida dura que terá?<br />

Meça o peso do fardo que cairá em suas costas. Receberá<br />

honras e riquezas, mas utilizá-las com desapego<br />

é como carregar um rochedo pela vida inteira. É o meu<br />

caso.<br />

O menino pensa um pouco e responde:<br />

— Obrigado! Vou ler o livro...<br />

A resposta errada<br />

Terminado o prazo estipulado para o estudo, o rei<br />

manda chamar o menino e lhe pergunta:<br />

— Leu a obra?<br />

— Sim, li.<br />

— E a que conclusão chegou?<br />

— Não pensei que exercer a realeza fosse tão difícil,<br />

pois conhecia apenas uma faceta dela. Porém, acredito<br />

que, sendo tantas as vantagens, vale a pena carregar o<br />

fardo. No total, prefiro herdar o trono. Desejo ser rei!<br />

O monarca diz:<br />

— Não é a resposta correta que esperava de você.<br />

Dou-lhe mais um prazo para pensar. Se, por fim, responder<br />

como deve, merece reinar. Do contrário, perderá<br />

seus direitos, porque ficaria demonstrado a nulidade de<br />

tudo que fiz por você.<br />

Tendo acabado de declarar sua intenção de ser rei, o<br />

jovem vê seus planos caírem subitamente por terra. Como<br />

poderia encontrar a resposta adequada, sozinho, pois<br />

que lhe estava vedado consultar qualquer pessoa?<br />

— Nesse período — dissera-lhe o rei — você estará<br />

proibido de conversar com quem quer que seja, assim como<br />

de se ausentar do palácio. Descubra a resposta correta.<br />

Quero ver que espécie de sentimento você guarda no<br />

fundo da alma.<br />

A resposta perfeita<br />

Estaria o monarca agindo bem, ao tratar o jovem dessa<br />

forma?<br />

Sim, seria o normal. Ponha-se cada um na posição do<br />

rapaz. O que responderia ao rei?<br />

A resposta perfeita seria a seguinte:<br />

— Meu senhor e meu pai. Não me importa saber o<br />

que acho agradável e sim como vos poderei retribuir por<br />

tudo o que fizestes por mim. Se vos ampararei na vossa<br />

velhice; se, quando assumir o trono, terei bastante amor<br />

à altivez, à glória, à elevação dos princípios, à civilização<br />

cristã, a Nosso Senhor Jesus Cristo e à Santíssima Virgem,<br />

de maneira que eu faça do meu métier de rei um<br />

serviço de Deus. Houve tantos santos entre vossos ante-<br />

21


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

passados! A capela do palácio é consagrada a São Luís<br />

IX. Nesta sala tendes uma imagem de Santo Henrique,<br />

imperador do Sacro Império e também vosso ascendente.<br />

Tudo isto ameaça se extinguir em vós porque vosso<br />

único filho faleceu. Cabe a mim a glória de dar continuidade<br />

a essa linhagem e não permitir que o fio se interrompa.<br />

Meu pai e meu senhor: não me interessa saber se levarei<br />

uma vida gostosa e sim se estarei à altura dessa missão.<br />

Ensinai-me a ser cada vez mais piedoso, mais dedicado<br />

a vós, que sois a mão de Deus para mim. Quero a<br />

felicidade, mas sobretudo para o momento em que eu expirar<br />

e, comparecendo diante do Altíssimo, puder exclamar:<br />

“Senhor, vós me destes o ser e um pai adotivo me<br />

outorgou a realeza a qual aceitei para vossa glória. Dediquei-me<br />

totalmente a ele, pois assim o fiz por Vós, Criador<br />

de todas as coisas. Não temo encontrá-lo na vossa<br />

corte celestial, aonde ele me precedeu, porque sei que,<br />

pousando sobre mim seu olhar amoroso, dirá: ‘Meu filho,<br />

agora mais filho meu do que nunca, senta-te à minha<br />

direita! Vamos contemplar juntos a Deus, o Senhor dos<br />

senhores, o Rei dos reis, que domina todos aqueles que<br />

exercem domínio’”.<br />

E o jovem, correspondendo às expectativas do monarca,<br />

deveria acrescentar:<br />

— Posso sofrer muito, ser mal compreendido, perseguido,<br />

destronado. Posso, pelo contrário, ser glorificado,<br />

aclamado, tornar-me célebre. Pouco importa!<br />

O caminho que devo trilhar é o do dever, da gratidão<br />

a vós e do serviço de Deus.<br />

Após dar essa resposta, o moço se retira da sala e<br />

o rei diz a si mesmo: “Minha dinastia renasceu!”<br />

Segunda provação: a indiferença real<br />

Prosseguindo em nossa metáfora, imaginemos que em<br />

determinado momento o rei decide sujeitar este filho a<br />

outra prova. Passa a fingir que já não lhe demonstra a<br />

mesma amizade, não o compreende bem. Olha-o com<br />

indiferença, até com certa distância. Concede-lhe audiências<br />

curtas, presta-lhe pouca atenção, evita-o em favor<br />

de outras coisas menos importantes. Chega a ponto<br />

de conversar com terceiros, na presença dele, sobre reis<br />

viúvos e sem filhos que casaram novamente, tiveram prole<br />

e asseguram sua descendência. “Quem sabe eu sigo o<br />

exemplo deles, contraio outras núpcias e tenho um herdeiro<br />

do meu próprio sangue?”<br />

O menino adotado sente-se rejeitado, mas pensa:<br />

— Recebi tanto dele! Ainda que me tire tudo, eu o<br />

servirei a vida inteira!<br />

E ele passaria por essa segunda prova, ainda mais<br />

cruel que a anterior.<br />

22


Assim como o menino<br />

da metáfora, somos<br />

chamados pela Rainha<br />

do Céu e da Terra para<br />

servi-La e a seu<br />

Divino Filho, de modo<br />

muito especial<br />

A Virgem e o Menino - Catedral<br />

de Colônia, Alemanha<br />

Terceira e última provação<br />

Contudo, o soberano precisava de uma derradeira<br />

demonstração de fidelidade da parte do menino.<br />

Certa madrugada, manda acordá-lo e trazê-lo à sua<br />

presença:<br />

— Preciso incumbi-lo de uma missão perigosa e<br />

confidencial. Em país distante há um preso que espera<br />

essa mensagem minha. Você terá de viajar<br />

para lá, dizer que é meu filho, deixar-se prender<br />

e, conduzido ao mesmo cárcere, transmitir o meu<br />

recado à pessoa em questão.<br />

O jovem, embora surpreso, não hesita em responder:<br />

— Meu senhor e meu pai. Se me permitirdes<br />

de vos tratar ainda dessa maneira, minha vida é<br />

vossa!<br />

O rei então acrescenta:<br />

— Não sei quanto tempo o manterão encarcerado.<br />

Pode levar anos. Se, estando lá, ouvir dizer<br />

que me casei e tive um filho, reze por mim e<br />

por este, pois será o sucessor do trono.<br />

O rapaz diz:<br />

— Meu senhor e pai, farei isso com todo o<br />

empenho. A que horas devo partir, com quem<br />

devo falar? Dai-me vossas ordens.<br />

Responde-lhe o rei:<br />

— Você tem uma hora e meia para estar pronto e sair.<br />

Já tratei muito com você e o conheço bem. Diga-me rapidamente<br />

até logo e vá embora!<br />

O rapaz se inclina e se retira.<br />

Na hora exata, ele se apresenta disfarçado diante<br />

dos guardas do palácio, pois, conforme as instruções<br />

do soberano, ninguém deveria saber de sua partida.<br />

Mas, para a surpresa do jovem, os sentinelas o impedem<br />

de sair, dizendo-lhe: “O rei ordena que volte<br />

para seu quarto!”<br />

Ele retorna e o monarca o acolhe com transbordamentos<br />

de agrado.<br />

Estava assegurada a sucessão do trono nesse reino mítico<br />

e maravilhoso...<br />

Analogias com a vocação<br />

Essa metáfora se aplica à história de cada um de nós<br />

que recebeu o chamado para seguir as vias de uma determinada<br />

vocação. Por exemplo, à do nosso movimento.<br />

Não nos convidou a ele um simples rei, mas alguém com<br />

brilho insondavelmente maior: Maria Santíssima, Rainha<br />

do Céu e da Terra. De modo semelhante ao do rei imaginado,<br />

por vontade divina Ela nos escolheu para servi-La<br />

de maneira muito especial.<br />

Qual era a vida de cada um de meus ouvintes antes de<br />

pertencer à nossa família de almas?<br />

Fomos chamados em circunstâncias as mais diversas.<br />

Se procedemos de um ambiente que preparou nossa vocação,<br />

quanta graça a Providência nos concedeu nesse<br />

sentido, dispondo que tudo favorecesse a aceitarmos esse<br />

convite. Se, pelo contrário, viemos de um meio adverso,<br />

quanta misericórdia do Criador, ao olhar para o lugar<br />

em que crescemos e dizer: “Aqui escolherei um filho, um<br />

príncipe!”<br />

A graça passou a latejar em nós<br />

Sem sabermos, iniciaram-se movimentos no interior<br />

de nossas almas. Um senso moral mais vivo nos fez estranhar<br />

os procedimentos pouco recomendáveis que presenciamos<br />

neste ou naquele ambiente, e passamos a desejar<br />

as atitudes virtuosas contrárias ao que nos aborrecia.<br />

A graça latejava em nossos corações, dizendo-nos:<br />

“Que coisa péssima! E que linda, tal outra! Como são belos<br />

tais monumentos da Cristandade, tal música, tal época<br />

do passado! Como seria bom se o que há de errado no<br />

mundo moderno se consertasse!”<br />

Começou a surgir em nossa alma a oposição ao mal.<br />

Assim, cada um de nós foi chamado. Em diferentes<br />

cidades, Estados, condições de vida e, às vezes, até<br />

no fundo de uma queda moral. Caiu... e em determinado<br />

momento teve horror de si mesmo. Era Deus falando<br />

no interior da sua alma, chamado-o para amá-Lo. v<br />

(Continua em próximo número.)<br />

23


O Santo do mês<br />

São José,<br />

modelo de confiança<br />

em meio<br />

à perplexidade<br />

“Eis como nasceu Jesus Cristo: Maria, sua mãe, estava desposada com<br />

José. Antes de coabitarem, aconteceu que ela concebeu por virtude do<br />

Espírito Santo. José, seu esposo, que era homem de bem, não querendo<br />

difamá-la, resolveu rejeitá-la secretamente. Enquanto assim pensava,<br />

eis que um anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos e lhe disse: José,<br />

filho de David, não temas receber Maria por esposa, pois o que nela<br />

foi concebido vem do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, a quem<br />

porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo de seus pecados.<br />

(...) Despertando, José fez como o anjo do Senhor lhe havia mandado e<br />

recebeu em sua casa sua esposa” (Mt 1, 18-24).<br />

Como nos mostra <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, nessa passagem do Evangelho transparece<br />

uma das eminentes virtudes de São José: sua inabalável confiança na<br />

superior vontade de Deus.<br />

Agrandiosa figura de São José sempre foi exaltada<br />

da maneira conveniente ao esposo de Maria<br />

Santíssima e pai adotivo de Jesus. Contudo, não<br />

será de todo supérfluo ressaltarmos uma faceta dessa luminosa<br />

alma, cujo brilho deve atrair de modo especial<br />

nossa admiração. Trata-se da heróica confiança por ele<br />

manifestada em decisivas ocasiões de sua vida ao lado de<br />

Maria e do Homem-Deus.<br />

Voto de castidade e casamento<br />

Como se sabe por fontes não inspiradas — as quais,<br />

entretanto, foram incorporadas pela Igreja na sua iconografia<br />

e na piedade popular — São José, por uma moção<br />

interna da graça, fizera voto de virgindade. Disposição<br />

esta que o afastava de uma existência matrimonial.<br />

Ora, algum tempo depois, ele e outros varões da Casa<br />

de David são chamados a comparecer diante do Sa-<br />

24


São José - Paróquia<br />

de Santa Madalena,<br />

Sevilha (Espanha)<br />

Fotos: S. Hollmann<br />

25


O Santo do mês<br />

cerdote a fim de participar da escolha de um esposo para<br />

Nossa Senhora. Reza a piedade católica que o eleito seria<br />

aquele cujo bastão florescesse miraculosamente. Para<br />

a surpresa de São José, em seu cajado brotaram lindos lírios<br />

brancos...<br />

Assim, depois de a Providência incutir em sua alma os<br />

mais nobres desígnios de castidade perfeita, parece agora<br />

contrariá-los, realizando um milagre a fim de mostrar<br />

que ele deveria abraçar o casamento. Se nos colocarmos<br />

por um instante no lugar de São José, não será difícil<br />

compreendermos o dilacerante de tal perplexidade!<br />

Deus estaria permitindo ao demônio ludibriar um desejo<br />

de castidade? Não era possível, pois tal anelo acendia<br />

na sua alma toda forma de bem. Deus queria seu casamento?<br />

Não podia admiti-lo, pois tal idéia, legítima e<br />

louvável para qualquer outro, nele determinava o fenecimento<br />

de tudo aquilo que o levava para o ideal, para a<br />

renúncia, enfim, para o perfeito amor a Deus.<br />

Decidido, por inspiração divina, a permanecer virgem, São José veria<br />

seu ideal como que contrariado pela própria Providência: foi o escolhido<br />

para se unir a Nossa Senhora<br />

À esquerda, São José e os pretendentes; à direita, casamento com Nossa<br />

Senhora - Por Giovanni Rimini, Museu do Louvre, Paris<br />

26


Dilacerado pela<br />

perplexidade, São<br />

José não perdeu a<br />

confiança nos desígnios<br />

de Deus, não duvidou de<br />

Nossa Senhora; em<br />

sonhos, receberia<br />

a revelação do<br />

maravilhoso mistério...<br />

São José e Nossa Senhora -<br />

Sainte-Chapelle, Paris<br />

Então, que caminho trilhar diante de duas vozes de<br />

Deus, diretamente contraditórias?<br />

Dilaceração cruel. Entretanto, inteiramente submisso<br />

à vontade divina, confiando contra toda confiança, ele se<br />

dispõe a casar com Nossa Senhora.<br />

Perplexidade das perplexidades<br />

Os dois cônjuges, levados por mútuo desejo de perfeição,<br />

revelam um ao outro seu propósito de manter a virgindade<br />

perpétua. Imensa alegria, profunda compreensão<br />

das duas almas, e o mistério se resolve.<br />

Por pouco tempo. Os meses passam e, num determinado<br />

dia, São José percebe que Nossa Senhora está esperando<br />

um filho. A dilaceração cruciante se lhe apresenta<br />

uma vez mais. Maria era tal que ele não podia duvidar de<br />

sua virtude. Mas, o fato era inegável, patente aos olhos<br />

de qualquer um. Como explicá-lo? Como não duvidar?<br />

São José não duvidou. Foi embora. Preparou-se para<br />

abandonar o lar, pois não lhe ocorria outra solução.<br />

Imagine quem possa a perplexidade na qual ele se<br />

abismava...<br />

Mas, tratava-se de um varão tão confiante nos desígnios<br />

divinos que, no pináculo do seu drama, decidiu fazer<br />

as coisas de modo racional. Uma vez que partiria para<br />

uma longa viagem sem destino certo, devia estar bem<br />

repousado e munido de suficientes provisões de água e<br />

comida. Talvez terá preparado um meio de transporte<br />

animal, além de uma série de providências, em que cada<br />

coisa era um estrangulamento de sua alma. Mas, um<br />

estrangulamento tão pacífico, tão sereno, tão repleto de<br />

confiança que adormeceu sobre isso.<br />

É interessante notar que o esposo castíssimo de Maria,<br />

embora se encontrasse na perplexidade das perplexidades,<br />

entretanto conseguia dormir. E quão mais belo o<br />

fato de ele ter dormido do que se permanecesse acorda-<br />

27


O Santo do mês<br />

do, pois aquele terá sido dos sonos mais sublimes da História!<br />

Em sonhos, a revelação do anjo<br />

Com efeito, foi durante o repouso que ele recebeu em<br />

sonhos a revelação do anjo, anunciando-lhe que o Filho<br />

esperado pela Santíssima Virgem era o Verbo encarnado,<br />

concebido pelo Espírito Santo nas entranhas virginais<br />

de sua esposa.<br />

Dir-se-ia que essa revelação encerrava um fator de<br />

certeza menor do que o oferecido a Nossa Senhora durante<br />

a Anunciação, uma vez que uma aparição feita em<br />

sonho pode não passar de simples sonho. Porém, devemos<br />

crer que tal manifestação do Céu tenha sido acompanhada<br />

de elementos de persuasão interna, os quais racionalmente<br />

não permitiam qualquer dúvida.<br />

Assim, São José se tranqüilizou, readquiriu a serenidade,<br />

não porque tivesse “tocado” no anjo (o qual, é<br />

claro, sendo puro espírito não pode ser apalpado), mas<br />

porque aquela explicação era talvez a única possível para<br />

o mistério diante do qual se achava. E esse homem<br />

de confiança heróica, deve ter feito o seguinte raciocínio:<br />

“Embora eu conheça as altíssimas virtudes de Maria,<br />

não tive a luz suficiente para imaginar que Ela fosse<br />

a Mãe de Deus. Porém, no sonho tudo se explicou, e<br />

agora vejo inteiramente confirmado tudo quanto me foi<br />

dado contemplar da personalidade d’Ela. Eis-me tranqüilo.”<br />

Então, pode-se dizer ter sido São José mais bem servido<br />

pelo fato de o anjo lhe aparecer “em sonhos” e não<br />

quando estivesse acordado. Porque, ao raciocinar daquele<br />

modo, ele fez um ato de fé extremamente belo e de incomparável<br />

louvor a Nossa Senhora.<br />

É-nos dado conjeturar que São José não tenha acordado<br />

com a aparição do anjo, mas permaneceu em repouso<br />

até a manhã seguinte. Quando despertou, estava<br />

todo impregnado pela suavidade e esplendor da revelação<br />

recebida.<br />

Como terá sido o primeiro encontro dele com Nossa<br />

Senhora depois desse fato?<br />

Quiçá, tivera Ela conhecimento das palavras do anjo a<br />

São José e não se surpreendeu quando este se apresentou<br />

para Lhe manifestar seu preito de amor e veneração<br />

à futura Mãe de Deus.<br />

Ambos se encontravam numa linda composição de situações.<br />

Admirando Nossa Senhora, São José pensava:<br />

“Eis minha esposa, tabernáculo de meu Deus”, e adorava<br />

o Verbo encarnado no seio puríssimo de Maria. Esta,<br />

por sua vez, durante a refeição, por exemplo, humildemente<br />

lhe perguntava se queria um pouco mais de ensopado...<br />

A partir de então, o que se depreendeu é algo de tanta<br />

beleza que ultrapassa nossa pobre capacidade imaginativa.<br />

Em meio às nossas<br />

incertezas, apelo a<br />

São José<br />

Recordo, ainda, outra perplexidade<br />

à qual São José, em com-<br />

São José - Paróquia<br />

de Thannenkirch,<br />

Alsácia (França);<br />

na página 23,<br />

“Menino Jesus<br />

entre os doutores” -<br />

Catedral de Notre<br />

Dame de Paris<br />

Encontro com a Santíssima<br />

Virgem após a aparição<br />

28


panhia de Nossa Senhora, viu-se exposto: a<br />

perda do Menino Jesus em Jerusalém.<br />

São Lucas nos descreve o episódio, e da narração<br />

evangélica se conclui que Jesus não<br />

quis participar aos seus pais a decisão de<br />

permanecer na Cidade Santa. Resultado,<br />

Nossa Senhora e São José, aflitos,<br />

passaram três dias à procura do<br />

Menino, e finalmente o encontram<br />

Se nos sentirmos<br />

abalados na virtude<br />

da confiança, rezemos<br />

a São José, perfeito<br />

modelo de quem soube<br />

confiar em meio às<br />

maiores provações<br />

no Templo, sentado no meio dos doutores, ouvindo-os e<br />

interrogando-os.<br />

Considere-se o contraste dessa situação. Maria e José<br />

estavam no auge do abatimento quando entraram no<br />

Templo e acharam Jesus. Este, já com o uso da sua inteligência,<br />

discutindo com os sábios, causando assombro e<br />

admiração ao seu redor. Nossa Senhora e São José O viram<br />

e a angústia se transformou em alegria, em júbilo.<br />

Tanto mais que ambos estavam certos da inocência e da<br />

retidão do Homem-Deus, o qual teria tomado aquela atitude<br />

movido por altos desígnios.<br />

Mas a perplexidade floresce na pergunta: “Filho, por<br />

que fizestes assim conosco?”<br />

Uma indagação sem desconfiança, de quem deseja ser<br />

ensinado por Jesus. São José sofreu com aquela provação,<br />

assim como Nossa Senhora, porém manteve a confiança<br />

inabalável nas superiores disposições de Deus.<br />

Creio não haver melhor modo de encerrar essas considerações<br />

senão recomendando que, em nossas dúvidas<br />

e perplexidades, quando nos sentirmos abalados na virtude<br />

da confiança, apelemos a São José, perfeito modelo<br />

de homem que soube confiar em meio às maiores provações.<br />

v<br />

29


Luzes da Civilização Cristã<br />

Regalos da<br />

vida<br />

burguesa<br />

Creio que em poucos países do<br />

mundo a vida burguesa, no<br />

que esta possui de legítimo e<br />

digno, atingiu graus de desenvolvimento<br />

tão expressivos como sucedeu<br />

na Alemanha, com o igual florescimento<br />

de valores próprios a ela:<br />

bom senso, pudor, recato, estabilidade,<br />

continuidade, o equilíbrio das<br />

coisas bem ordenadas desta Terra.<br />

30


Fotos: L. Werner / S. Hollmann<br />

Vistas da cidade de<br />

Rothenburg, Alemanha<br />

31


Luzes da Civilização Cristã<br />

Tomemos, por exemplo, as construções<br />

nas pequenas cidades burguesas<br />

esparsas pela Alemanha, datadas<br />

da Idade Média, muitas conservando<br />

ainda hoje seus pitorescos<br />

aspectos de outrora.<br />

Em geral, o andar térreo formava<br />

uma espécie de hall aberto, solidamente<br />

sustentado por um madeirame<br />

trabalhado de modo discreto,<br />

porém com uma certa distinção de<br />

linha. O corpo do edifício se erguia<br />

em duas saliências que se projetavam<br />

sobre a rua. No último andar se<br />

guardavam as relíquias da família, as<br />

velhas cadeiras de balanço da bisavó,<br />

arcas e baús de diferentes tamanhos<br />

contendo antigos enxovais, objetos<br />

deste ou daquele parente, etc.<br />

Se procurássemos penetrar naquele<br />

interior, digamos estendendo<br />

32


nossa vista pelas janelas adentro, teríamos<br />

uma sensação que condiz à<br />

vida burguesa, isto é, a de intimidade.<br />

Encontraríamos a mãe, robusta e<br />

saudável como boa alemã, vestida de<br />

seu avental colorido, com seu chapéu<br />

ingênuo e a travessa de salsichas<br />

na mão; os filhos também corados e<br />

alegres, à espera do almoço nutrido,<br />

Sensação de intimidade, cômoda e<br />

repousante, iluminada pela alegria<br />

daqueles que dela desfrutam<br />

Rothenburg, Alemanha<br />

33


Luzes da Civilização Cristã<br />

enquanto o pai prolonga o cochilo<br />

na sua poltrona confortável.<br />

É o prazer da intimidade, do móvel<br />

cômodo, do ar tépido, da luz tamisada<br />

que deixa entrar a realidade<br />

externa, do “cortinadozinho”,<br />

dos objetos próximos uns dos outros,<br />

todo um ambiente que favorece<br />

ao homem seu descanso do trabalho<br />

manual. Quando chega o verão,<br />

abrem-se todas as janelas, depositam<br />

migalhas nos parapeitos<br />

para atrair os passarinhos: estes<br />

vêm, comem, e o alemão se encanta<br />

e se alegra com a fartura das aves.<br />

Preparam-se vasos de gerânios —<br />

os célebres gerânios da Alemanha!<br />

— e é todo um colorido que passa<br />

a enfeitar as fachadas das casas, as<br />

extensões das ruas.<br />

Tudo isso é uma construção do<br />

mundo burguês germânico, que me<br />

apraz comentar, pois se reveste de<br />

qualidades e belezas intensas. Sem<br />

dúvida, devemos censurar o abuso<br />

do que o francês pitorescamente<br />

chama de chacunnière: o “lugarzinho”<br />

de cada um explorado ao extremo<br />

do apego. Porém, que se tenha<br />

um recanto preferido, arranjado<br />

de acordo com nosso gosto peculiar,<br />

para o qual sempre nos voltamos<br />

quando é questão de um verdadeiro<br />

repouso, quem o pode condenar?<br />

Quem nunca ansiou por um<br />

“recantozinho” desses? E quem, habitando<br />

numa daquelas casas da Alemanha<br />

medieval, não gostaria de ter<br />

uma boa poltrona para descansar?<br />

Afinal, é a existência lícita, honesta,<br />

sem pretensões, da família legítima,<br />

constituída segundo o sacramento.<br />

É a casa onde o esplendor da<br />

vida familiar se manifesta na sua trivialidade.<br />

É a dignidade do comum,<br />

onde a pessoa pode recolher-se, isolar-se<br />

e, proporcionando silêncio ao<br />

corpo, permitir ao espírito começar<br />

a meditar. Não é o conforto do<br />

preguiçoso, afundando-se na almofada<br />

e ele todo se amolecendo. Pelo<br />

contrário, todo esse ambiente burguês<br />

alemão recende algo de varonil,<br />

e por isso mesmo, dessas casas, em<br />

épocas de guerra, saíram os melhores<br />

combatentes do mundo. Em tempo<br />

de paz, comedores de pão, tocadores<br />

de flauta e violino...<br />

Eis a maravilhosa harmonia dessa<br />

situação. Eis os regalos da intimidade<br />

da vida burguesa, autenticamente<br />

vivida. Ela atrai ao recolhimento,<br />

ao repouso, mas prepara<br />

o homem para o trabalho e para<br />

a luta. Ele pode estar comodamente<br />

sentado em sua poltrona ou ajoelhado<br />

num oratório ao lado dela. O<br />

interior da casa, sem conduzir diretamente<br />

à oração, cria agradáveis<br />

condições para que o espírito se sinta<br />

convidado à reflexão e à prece. E<br />

ele se alegra.<br />

v<br />

34


“E os célebres gerânios da Alemanha passam a enfeitar<br />

as fachadas das casas, as extensões das ruas...”<br />

Na página 34 e nesta, Rothenburg, Alemanha<br />

35


Entre o Verbo encarnado<br />

e nós há algo<br />

em comum, algo insondavelmente<br />

precioso: temos<br />

a mesma Mãe! Mãe<br />

perfeita desde o primeiro<br />

instante de seu ser concebido<br />

sem mácula. Mãe santíssima<br />

de tal maneira que, em<br />

cada momento de sua existência,<br />

não cessou de corresponder<br />

à graça; apenas cresceu, cresceu<br />

e cresceu até alcançar inimaginável<br />

elevação de<br />

virtude.<br />

Essa Mãe, d’Ele<br />

e nossa, tem misericórdia<br />

do filho mais<br />

esfarrapado, torto, desarranjado;<br />

e quanto mais desarranjado,<br />

torto e esfarrapado,<br />

maior sua compaixão<br />

materna. Minha Mãe: aqui<br />

estou eu. Tende pena de mim<br />

hoje, agora, como sempre tivestes<br />

e, espero, sempre tereis.<br />

Purificai-me, ordenaime,<br />

tornai minha alma cada<br />

vez mais semelhante à<br />

vossa e à d’Aquele que,<br />

como a mim, é dada<br />

a indizível<br />

felicidade de<br />

vos ter por<br />

Mãe!<br />

A Virgem e o<br />

Menino - Museu<br />

do Louvre, Paris<br />

S. Hollmann<br />

A mesma Mãe

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