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<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> e a<br />
beleza da vocação
S. Hollmann<br />
Admirados ficamos<br />
ao pensarmos<br />
que,<br />
por um momento, o destino<br />
da humanidade inteira<br />
pendeu da resposta<br />
afirmativa de uma donzela.<br />
E o “sim” que Ela<br />
deu, abriu caminho para<br />
o Redentor que, por<br />
assim dizer, batia às<br />
portas do mundo. Abriu<br />
caminho para a salvação,<br />
para as graças de<br />
Deus, para a regeneração<br />
dos homens.<br />
Detalhe da “Anunciação”,<br />
por Fra Angélico - Museu<br />
do Prado, Madrid
Sumário<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> e a<br />
beleza da vocação<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
em fim da<br />
década de 1980<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />
propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />
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Editorial<br />
4 “Alma de Cristo, santificai-nos;<br />
Corpo de Cristo, salvai-nos!”<br />
Datas na vida de um cruzado<br />
5 Março de 1935: Professor catedrático<br />
de História<br />
Dona Lucilia<br />
6 Mudança para a<br />
capital<br />
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
10 Ideal de humildade e elevação<br />
14 Calendário litúrgico<br />
“R-CR” em perguntas e respostas<br />
16 As velocidades da Revolução<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
18 “O rei e o menino”:<br />
a beleza da vocação<br />
O Santo do mês<br />
24 São José, modelo de confiança<br />
em meio à perplexidade<br />
Luzes da Civilização Cristã<br />
30 Regalos da vida burguesa<br />
Última página<br />
36 A mesma Mãe
Editorial<br />
“Alma de Cristo, santificai-nos;<br />
Corpo de Cristo, salvai-nos!”<br />
Conforme ressaltava <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, a regularidade com que se sucedem no calendário da Igreja os vários ciclos<br />
do ano litúrgico, imperturbáveis em sua sucessão, por mais que os acontecimentos da história humana variem<br />
em torno deles, é bem uma afirmação da celestial majestade da Igreja, sobranceira ao vaivém caprichoso<br />
das paixões do homem (cf. “Legionário”, 1/4/1945). E nessa maravilhosa continuidade, o presente mês de<br />
março se inicia com a Quaresma. Tempo de reflexão e de contrição. De emenda e penitência, às quais nos devem<br />
mover um sincero e firme desejo de nos santificarmos.<br />
Desejo este que <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> procurava sempre despertar no espírito do próximo, como o fez certa feita, ao<br />
considerar as duas primeiras invocações da conhecida oração Anima Christi. Sirvam suas palavras, repassadas<br />
de zelo apostólico, como meditação para os dias que antecedem a Paixão e a Glória de nosso Redentor:<br />
“A Alma de Cristo! Aquela Alma infinitamente nobre e grande, que abarcava o Céu e a Terra em um anelo<br />
incessante de santificar os homens para a glória de Deus. Aquela Alma bendita, de um amor excelente,<br />
casto e delicado, de um amor ardente e discreto, meigo até os maiores extremos de ternura e forte como o<br />
bronze; aquela Alma que é o sol divino de nossas almas, a própria alma de nossas almas, aquela Alma não<br />
consentiria em nos abandonar depois da Ascensão. Ela não trairia sua promessa de continuar a viver entre<br />
nós. E, por isso, ela está sempre presente em nosso meio. Realmente presente no mistério eucarístico em<br />
que recebemos Cristo com seu Corpo e Sangue, Alma e Divindade. E presente, ainda, pela Santa Igreja Católica,<br />
cuja doutrina contém o sentido verdadeiro dos Santos Evangelhos e é, pois, o espelho divinamente<br />
fiel da própria Alma de Cristo.<br />
“Se queremos adorar a Alma de Cristo, amemos a doutrina católica. Crendo no que a Igreja crê, pensando<br />
como ela pensa, sentindo como ela sente, é de certa forma a própria Alma de Cristo que baixa em nossa<br />
alma e a santifica, como é o próprio sol que desce na água, quando a toca com seus raios e a ilumina. É pela<br />
instrução religiosa, adquirida no estudo catequético e desenvolvido durante toda a sua existência que o fiel<br />
pode realmente conformar sua alma com a de Cristo, e rezar em toda a veracidade de seu coração a jaculatória<br />
admirável: Anima Christi, santifica me!<br />
“Mas, este conhecimento da verdade por si só não basta. (...) No mais íntimo de nosso ser estão os frutos<br />
amargos do pecado original. Sombras intelectuais de toda ordem, vícios, defeitos de toda espécie lançaram<br />
raiz em nós. Quanta e quanta vez, a pobre criatura humana desfalece sob o peso do dever e tende a se subtrair<br />
ao jugo da moral? Não há homem algum que, sem o auxílio sobrenatural da graça, consiga praticar de<br />
modo durável todos os Mandamentos. É preciso, pois, que a instrução se complete pela vida, que as verdades<br />
conhecidas se transformem em ato. E para isto só há um caminho autêntico, que é a vida interior. A vida<br />
interior, sim, e isto quer dizer o cultivo esmerado de todas as virtudes, a guerra declarada, metódica, sem<br />
tréguas, a todos os defeitos. Este ideal não se consegue sem vida sacramental. É por meio da oração e dos<br />
sacramentos que o homem obtém as forças necessárias para praticar a virtude, para alcançar a Vida.<br />
E, insensivelmente, nosso pensamento se volta para as palavras do Evangelho: ‘quem não comer deste<br />
Pão, quem não beber este Vinho, não terá a vida eterna’. Imploremos, portanto, ao Santíssimo Sacramento:<br />
Alma de Cristo, santificai-nos! Corpo de Cristo, salvai-nos!” (Excertos do “Legionário” de 8/10/1944).<br />
Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />
de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />
na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />
outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.
Datas na vida de um cruzado<br />
Março de 1935<br />
Professor catedrático de História<br />
Sempre desejei ensinar História”, dizia <strong>Dr</strong>.<br />
<strong>Plinio</strong>, “por me parecer a mais bela das<br />
matérias para a cultura geral dos homens.<br />
Mas, uma História bem focalizada, comentada,<br />
analisada, tomando seu inteiro significado, e não<br />
apenas uma enfadonha sucessão de datas e cronologias”.<br />
Esse acalentado desejo de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> tornouse<br />
realidade quando obteve a cátedra de História<br />
da Civilização no Colégio Universitário, anexo à<br />
Faculdade de Direito do Largo de São Francisco,<br />
em São Paulo. Com apenas 27 anos, apresentar-se-ia<br />
diante de alunos pouco mais novos que<br />
ele. Tal situação lhe inspirava particulares cuidados,<br />
como costumava recordar ao descrever seu<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> com a beca de catedrático<br />
primeiro dia de professor catedrático, em março<br />
de 1935:<br />
“Em geral, eram rapazes cinco anos mais moços<br />
que eu. Não chegáramos a ser colegas, mas a<br />
Faculdade de Direito, na qual me formara, ainda<br />
estava quente da minha presença. Esses fatores<br />
podiam facilmente despertar naqueles alunos a<br />
idéia de serem indisciplinados comigo. O primeiro<br />
problema era impor-me ao respeito de todos como<br />
professor e, segundo, fazer com que prestassem<br />
atenção na aula e gostassem dela.<br />
“Não podendo fazer o papel de mocinho que se<br />
aventurou a ensinar e não logrou obter o respeito<br />
de seus lecionados, estabeleci meu plano de ação:<br />
seria um professor-torpedo, impondo-me ao acatamento<br />
deles e tratando da matéria conforme devia<br />
ser entendida, sob as luzes da doutrina católica.<br />
Essa era a única forma segura de agir para alcançar<br />
o necessário reconhecimento.<br />
“Naquele tempo, as cátedras da Faculdade de<br />
Direito se erguiam sobre um elevado estrado, ao<br />
qual se tinha acesso por uma escada lateral. Em<br />
cima havia um banco dentro de um cercado de<br />
madeira. Para entrar, uma pequena porta. No minúsculo<br />
recinto, uma tábua inclinada para se colocar<br />
livros e apontamentos. Pondo em prática o<br />
plano que traçara, no meu primeiro dia de aula<br />
subi na cátedra, sentei-me com segurança, sem<br />
olhar para os alunos, entregues como estavam à<br />
sua costumeira baderna. Eu permanecia quieto,<br />
com uma fisionomia de pouca amizade. Não demorou<br />
muito, e notaram que algo diferente vinha<br />
entrando em cena...<br />
“Passada a surpresa inicial, ouvi alguns cochichos<br />
percorrem a sala, enquanto eu expunha a<br />
matéria. Bati com força a mão na mesa, pedindo<br />
silêncio. Outros cochichos, outras vigorosas intervenções<br />
minhas, e eles afinal se aquietaram, podendo<br />
eu prosseguir sem mais incômodos.<br />
“As aulas eram claras e a maioria dos alunos<br />
adquiriu atração por elas, prezava-as e prestava<br />
muita atenção. A minoria agitada percebeu que<br />
sua vida não seria fácil...”<br />
v
Dona Lucilia<br />
Mudança para a capital<br />
Com o correr dos anos, foramse<br />
tornando mais freqüentes e<br />
prolongadas as estadias da família<br />
Ribeiro dos Santos na capital<br />
paulista, onde a jovem Lucilia passou<br />
a ser convidada a encontros sociais.<br />
Festa em casa<br />
de Dona Veridiana<br />
Saudosa, Dª Lucilia se recordará<br />
das reuniões familiares a que assistiu<br />
em sua mocidade, apresentandoas<br />
como exemplo do luxo distinto, do<br />
elevado trato e do bom gosto reinantes<br />
nos ambientes tradicionais. Entretanto,<br />
com extrema delicadeza e<br />
despretensão, sempre tomará cuidado<br />
de excluir qualquer elogio aos<br />
seus.<br />
Entre as suntuosas festas com que<br />
a sociedade de São Paulo entretinha<br />
o lazer, mereceu realce uma organizada<br />
pela grande matriarca paulista,<br />
Dª Veridiana Valéria da Silva Prado.<br />
Como Dª Gabriela não pudesse absolutamente<br />
comparecer, quis Dª Veridiana<br />
vê-la representada por Lucilia,<br />
apesar de ser esta muito moça.<br />
Dona Gabriela, amante do protocolo,<br />
ponderou:<br />
— Vai acontecer que, sendo ainda<br />
menina, ela não poderá dançar, e assim<br />
nada terá que fazer.<br />
Mas, Dª Veridiana, com a intimidade<br />
de trato que tinha com a amiga,<br />
insistiu:<br />
— Não faz mal, ficarei ao lado<br />
dela a noite inteira, se necessário<br />
for; mas quero que ela venha...<br />
De fato, permaneceu com a jovem<br />
Lucilia o tempo inteiro, fazendo-a<br />
passear por todos os atrativos da festa.<br />
No jardim da mansão — hoje se-
Com suas freqüentes visitas à<br />
capital paulista, a jovem Lucilia<br />
passou a ser convidada para festas<br />
e encontros sociais<br />
Dona Veridiana Prado e sua mansão (atual<br />
Clube São Paulo); na página 6, vista da Rua XV<br />
de Novembro, no centro da capital paulista<br />
de do Clube São Paulo — deslizavam<br />
gôndolas sobre as águas de um belo<br />
lago artificial, iluminado por lanternas<br />
coloridas, implantadas a seu redor.<br />
Os barqueiros cantavam, a or-
Dona Lucilia<br />
questra tocava melodias da época,<br />
um riquíssimo buffet de delícias européias<br />
e nacionais atendia, a noite<br />
inteira, aos convidados. Em roupas<br />
de seda, as senhoras conversavam<br />
nos espaçosos salões, enquanto<br />
os homens de casaca, discutiam o último<br />
discurso político.<br />
Maravilhada, Lucilia participou<br />
dos divertimentos até que, manifestando<br />
inequívocos sinais de cansaço,<br />
rendeu-se pelo sono. O sarau, porém,<br />
ainda se prolongaria até o amanhecer.<br />
Dona Veridiana, com o charme<br />
característico das damas paulistas,<br />
que bem sabiam aliar a bondade<br />
ao protocolo de um encontro social,<br />
logo ofereceu à jovem a própria cama,<br />
para que nela repousasse.<br />
Lucilia adormeceu profundamente.<br />
Quando despertou, com a luz do<br />
sol rebrilhando já nalgumas frestas<br />
das janelas, pôde contemplar as excelentes<br />
pinturas a óleo do teto do<br />
quarto. Só então se deu conta de ter<br />
passado a noite num aposento que<br />
não era o seu...<br />
A família se muda<br />
para São Paulo<br />
Em 1893 — quatro lustros depois<br />
de se ter fixado em Pirassununga —<br />
terminava definitivamente a permanência<br />
dos Ribeiro dos Santos nessa<br />
cidade. Na ocasião, os filhos do casal<br />
contavam respectivamente: Gabriel,<br />
20 anos; Lucilia, 17; Antônio (Toni),<br />
15; Eponina (Yayá), 11; e Brazilina<br />
(Zili), 4. <strong>Dr</strong>. Antônio retornou com<br />
a família para São Paulo, conservando<br />
gratas recordações daqueles anos<br />
que, para eles, foram heróicos.<br />
Se saudades levaram, saudades<br />
também deixaram, do que podemos<br />
ter uma idéia pelas linhas seguintes,<br />
escritas por um jornalista que na infância<br />
os conhecera:<br />
Vem agora à minha lembrança outro<br />
vulto que exercia em meu espírito<br />
de menino uma profunda e agradável<br />
impressão de simpatia e respeito. Mais<br />
que simpatia, quase veneração. De onde<br />
me vinham esses sentimentos? Por<br />
certo pelo carinho com que me tratava,<br />
sempre que dele me aproximava. Advogado<br />
de invejável cultura e inatacável<br />
honestidade; detentor de um prestígio<br />
tão integral quanto pode significar<br />
o vocábulo. Socialmente, esse prestígio<br />
traduzia-se na geral estima de que gozava<br />
entre a população que o tinha como<br />
precioso ornamento do seu conjunto;<br />
politicamente, ressaltava ele da solidariedade<br />
franca que seus correligionários<br />
lhe tributavam, quer nas vitórias,<br />
como nas eventuais derrotas do partido<br />
que chefiava. (...) Seu escritório, a<br />
mansão procurada com confiança pelos<br />
clientes, correligionários e amigos<br />
inúmeros. O interior da casa, sacrário<br />
sagrado da sua respeitável família<br />
constituída da virtuosa esposa, Dona<br />
Gabriela e os filhos, então menores:<br />
Lucilia, Antônio e Gabriel. (...) Dona<br />
Gabriela era o anjo tutelar daquele<br />
ditoso lar. A docilidade amorosa com<br />
que repreendia alguma inocente traquinagem<br />
dos filhos; o sorriso amável com<br />
que estendia a mão para os pobres que<br />
lhe batiam à porta; a inteireza com que<br />
desempenhava os deveres de boa donade-casa,<br />
e a distinção com que se portava<br />
na sociedade que tanto a admirava<br />
e queria, justificavam, com sobejos<br />
de razão, esta frase que ouvi de uma<br />
menina, e que numa me esqueci: “Bonita<br />
e bondosa como Dona Gabriela,<br />
só Nossa Senhora!” 1<br />
Férias no interior<br />
Lucilia pôde rever diversas vezes<br />
a Pirassununga de seus tempos<br />
de menina, pois não era raro passar<br />
férias na fazenda de um amigo
Ao se mudarem para a<br />
capital, os Ribeiro dos<br />
Santos levaram saudades,<br />
e saudades deixaram em<br />
sua velha Pirassununga<br />
Dona Gabriela e <strong>Dr</strong>. Antônio; na<br />
página 8, os filhos do casal<br />
de seus pais, localizada em Santa Rita<br />
do Passa Quatro, então distrito de<br />
sua terra natal. Em 1892, <strong>Dr</strong>. Antônio<br />
vendera a fazenda Santo Antônio<br />
das Palmeiras para, três anos depois,<br />
comprar outra, em São João da<br />
Boa Vista: a Jaguary.<br />
Algum tempo após ter-se mudado<br />
para a capital, a família se instalou<br />
em belo palacete no aristocrático<br />
bairro dos Campos Elíseos, que começava<br />
a viver seus esplendores, característicos<br />
da Belle Époque.<br />
*<br />
Como sói acontecer, a saída de Pirassununga,<br />
a mudança para o palacete<br />
dos Campos Elíseos e a compra<br />
da fazenda Jaguary abriram um<br />
novo capítulo na vida de Dª Lucilia.<br />
Não mais a quase imutável e bucólica<br />
tranqüilidade do ambiente rural. Sua<br />
mocidade, assim como os longos anos<br />
de vida que a Providência lhe reservava,<br />
haveriam de transcorrer na prestigiosa<br />
metrópole paulistana.<br />
(Transcrito, com adaptações,<br />
da obra “Dona Lucilia”,<br />
de João S. Clá Dias)<br />
1<br />
) A. Z. Prado, “Reminiscências”, O<br />
Movimento, Pirassununga, 6/2/1940.
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
Ideal de humildade<br />
e elevação<br />
Em seu Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, São Luís<br />
Grignion de Montfort salienta que os devotos de Nossa Senhora terão<br />
especial apreço pelo Mistério da Encarnação, pois desta forma “imitam<br />
a dependência em que Deus Filho quis estar de Maria. Dependência<br />
que transparece particularmente nesse Mistério no qual Jesus Cristo<br />
se torna cativo e escravo no seio de Maria Santíssima, aí dependendo<br />
d’Ela em tudo” (cap. 8, art. 1, § IV). Exímio nessa imitação do divino<br />
exemplo, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> deixou-nos estes comentários expressos numa<br />
Festa da Anunciação do Senhor.<br />
Ao comemorarmos data de<br />
tão precioso significado,<br />
devemos considerar que Jesus<br />
Cristo tornou-se Escravo de Nossa<br />
Senhora desde o momento em<br />
que Ela, diante do convite apresentado<br />
por São Gabriel, aceitou de dar<br />
à luz o Messias, e o Espírito Santo<br />
então concebeu em seu claustro materno<br />
o Verbo encarnado.<br />
Elevada acima de todos<br />
os anjos e santos<br />
A Santíssima Virgem tornou-se,<br />
assim, Esposa do Divino Espírito<br />
Santo a um título muito particular, e<br />
passou a receber d’Ele orientações,<br />
diretrizes, atos de amor, de consolação,<br />
“flashes” (por assim dizer)<br />
de uma sublimidade indizível. Graças<br />
essas em estreita relação com os<br />
vínculos que o próprio Jesus, naquele<br />
seio puríssimo, mantinha com sua<br />
Mãe. Estabelecia-se, assim, um maravilhoso<br />
convívio no qual Nossa Senhora<br />
era, ao mesmo tempo, a Filha<br />
predileta do Pai Eterno, a Mãe admirável<br />
do Verbo humanado e a fidelíssima<br />
consorte do Espírito Santo.<br />
Tudo isto foi concedido a Nossa<br />
Senhora em virtude do fato da Encarnação.<br />
Quer dizer, no instante em<br />
que Ela concebeu o divino Filho, tornou-se<br />
objeto dessa assombrosa promoção<br />
(se pudéssemos empregar o<br />
termo), por onde foi elevada a uma<br />
condição incomparavelmente superior<br />
à de todos os anjos e santos reunidos,<br />
o que significa uma perfeição<br />
tão imensa que escapa à nossa capacidade<br />
de imaginá-la.<br />
O ideal de toda<br />
alma humilde<br />
Porém, cumpre ressaltarmos essa<br />
verdade: se quisermos crescer na vir-<br />
10
Fotos: S. Hollmann<br />
Com a Encarnação do<br />
Verbo, estabeleceu-se um<br />
maravilhoso convívio<br />
entre Nossa Senhora e a<br />
Santíssima Trindade<br />
“Anunciação” - Catedral de<br />
Notre Dame de Paris<br />
tude, no amor a Deus, na devoção à<br />
Santíssima Virgem, devemos pedir a<br />
Nossa Senhora a graça de conhecer,<br />
intuir, avaliar tanto quanto é possível<br />
à debilidade do intelecto humano,<br />
a santidade d’Ela. Se assim o fizermos,<br />
cresceremos nós mesmos em<br />
santidade. E, portanto, em humildade,<br />
sem a qual não há autêntico progresso<br />
espiritual.<br />
Para a alma humilde, disposta a<br />
obedecer seus legítimos superiores,<br />
11
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
afeita à admirar os que merecem admiração,<br />
amante da modéstia e da<br />
discrição, para essa alma, digo, o<br />
ideal nesta vida é fazer-se escrava de<br />
amor da Santíssima Virgem, imitando<br />
ao primeiro Escravo d’Ela, Jesus.<br />
Ideal todo particular, pois é o de<br />
ser aos pés de Maria — conforme<br />
escreveu São Luís Grignion — um<br />
vermezinho e miserável pecador, a<br />
quem Deus dá a vida e a tira, concede<br />
saúde ou permite a doença. Somos<br />
completamente dependentes<br />
d’Ele, para tudo quanto de nós deseje.<br />
Mas, que felicidade para nós ao<br />
pensarmos: “Somos tão minúsculos<br />
perto do Criador e, contudo, quanto<br />
mais reconhecemos nossa pequenez,<br />
mais nos unimos a Ele e mais Ele nos<br />
acolhe em seu Sagrado Coração!”<br />
E assim, correspondendo a esse<br />
ideal de humildade, servidão e amor,<br />
estreitamos nossa união com Deus,<br />
com Maria e a Santa Igreja.<br />
Como gota de orvalho<br />
transformada em sol<br />
Pensemos, nesta festa da Anunciação,<br />
nas glórias concedidas a Nossa<br />
Senhora, nos esplendores de perfeição<br />
aos quais Ela foi exaltada como<br />
Filha do Pai Eterno, Mãe do<br />
Verbo encarnado e Esposa do Espírito<br />
Santo.<br />
Pensemos, igualmente, como dessas<br />
magníficas alturas Ela olha para<br />
nós e acompanha com incansável solicitude<br />
materna a vida de cada um<br />
de seus devotos. Estejamos certos<br />
de que a Virgem nos considera com<br />
bondade e insondável clemência; obtém-nos<br />
o perdão de nossas misérias<br />
e fraquezas; dirige, em nosso favor,<br />
um irresistível sorriso à Santíssima<br />
Trindade, dizendo:<br />
“Meu Pai, meu Filho, meu Esposo.<br />
Vejam estes que vos amam<br />
no mundo: tenham compaixão deles,<br />
ajudem-nos a serem inteiramente<br />
aquilo para o que foram criados,<br />
12
Sejamos servos<br />
amorosos e<br />
fiéis de Nossa<br />
Senhora,<br />
imitadores de<br />
Jesus na sua<br />
obediência à<br />
Mãe<br />
“Anunciação” - Museu<br />
de Dijon, França<br />
a se tornarem fiéis como verdadeiros<br />
escravos de amor, fazendo sempre a<br />
minha vontade, que é a vossa, Trindade<br />
beatíssima.”<br />
Essa é a mais valiosa graça que<br />
devemos suplicar a Deus, pelas mãos<br />
de Nossa Senhora, nessa festa da<br />
Anunciação e Encarnação do Verbo.<br />
Tornarmo-nos esses servos amorosos<br />
e fiéis, imitadores de Jesus em<br />
sua obediência à Mãe, unidos à Santa<br />
Igreja a exemplo da própria Virgem<br />
Santíssima, de modo a sermos<br />
como ela, assim como a gota de orvalho<br />
sobre a qual incide o raio solar<br />
assemelha-se a um minúsculo sol.<br />
A gota é linda, pura, encantadora.<br />
O raio do astro soberano que a toca,<br />
a faz brilhar inteira. Mas, o que é<br />
a gota em relação ao sol? Pois muito<br />
maior, a perder de vista, é a desproporção<br />
entre Nossa Senhora e cada<br />
um de nós. Porém, podemos e devemos<br />
pedir que, como gotas de orvalho,<br />
humildes e pequenos, puros e<br />
fortes, sejamos um reflexo d’Ela; e<br />
que do entusiasmo de nossa humildade,<br />
pureza e fortaleza emane um<br />
constante ato de amor, obediência<br />
e servidão à Rainha do Universo,<br />
à Mãe do Verbo de Deus feito carne.<br />
v<br />
13
Calendário litúrgico<br />
1. Quarta-feira de Cinzas. Marca<br />
o início do “tempo forte” da<br />
Quaresma, os 40 dias que precedem<br />
a Páscoa, período de penitência<br />
e consideração da Paixão, Morte<br />
e Ressurreição de Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo<br />
Santo Albino, Bispo, 4<strong>96</strong>-550.<br />
Bispo de Angers, na França.<br />
2. Beata Inês de Praga, 1205-<br />
1282. Franciscana. Filha do Rei Ottokar<br />
I da Boêmia. Prima de Santa<br />
Isabel da Hungria, ingressou no<br />
mosteiro de Clarissas, em Praga,<br />
onde cultivou a meditação da<br />
Paixão de Nosso Senhor, e<br />
ali morreu após muitos<br />
Martírio<br />
de Santa<br />
Felicidade<br />
sofrimentos e insignes atos de caridade.<br />
3. São Marino e Santo Astério,<br />
Mártires, +260. O primeiro, soldado,<br />
e o segundo, senador, ambos<br />
martirizados em Cesaréia da Palestina,<br />
durante a perseguição de Valeriano.<br />
4. São Casimiro, 1468-1484. Filho<br />
do Rei da Polônia, caracterizouse<br />
por sua profunda piedade, intensa<br />
veneração pela Eucaristia e ilibada<br />
pureza. Morreu santamente aos<br />
26 anos, sendo sepultado em Vilna,<br />
capital da Lituânia. (Ver<br />
“<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>” nº 84.)<br />
5. 1º Domingo da Quaresma.<br />
6. Santa Colette (Nicolette), 1380-<br />
1447. Reformadora da Ordem das<br />
Clarissas, reconduzindo-a à estrita<br />
observância inicial.<br />
7. Santas Perpétua e Felicidade,<br />
Mártires, +203. Foram martirizadas<br />
em Cartago, nesta data. Perpétua<br />
era uma jovem mãe, de 22 anos,<br />
com boas posses. Felicidade era sua<br />
escrava. Com elas foi martirizado o<br />
diácono Sáturo, o qual as instruiu<br />
na fé cristã. Este último apresentou-se<br />
voluntariamente ao suplício,<br />
pois não havia sido preso.<br />
8. São João de Deus, 1495-1550.<br />
Nascido em Portugal, abandonou<br />
a carreira das armas para se dedicar<br />
ao serviço dos doentes. Fundou<br />
em Granada, Espanha, um hospital<br />
e a Ordem dos Hospitalários,<br />
que leva seu nome. Morreu de joelhos<br />
durante um êxtase, e até hoje<br />
se conserva no quarto em que o<br />
fato se deu, uma imagem do santo<br />
nessa posição.<br />
9. Santa Francisca Romana,<br />
1384-1440. Viúva e religiosa. Nos<br />
seus 40 anos de matrimônio praticou<br />
notáveis virtudes, deixou seus<br />
bens aos pobres e se dedicou aos<br />
doentes, procurando-lhes não só a<br />
cura dos corpos mas também sacerdotes<br />
para administrar-lhes os sacramentos.<br />
Favorecida por grandes<br />
visões e revelações, é a fundadora<br />
da Congregação das Oblatas.<br />
10. São Macário, Bispo de Jerusalém,<br />
+335. Contemporâneo da<br />
Imperatriz Santa Helena, construiu<br />
a Igreja do Santo Sepulcro.<br />
11. Santo Eulógio de Córdoba,<br />
Bispo. (800-859)<br />
14
* Março *<br />
12. 2º Domingo da Quaresma.<br />
São Luís Orione, 1872-1940. Fundador<br />
dos orioninos, que congregam<br />
diversas ordens masculinas e femininas,<br />
principalmente os Filhos da Divina<br />
Providência. Movido por ardente<br />
caridade, socorreu os mais abandonados,<br />
os meninos órfãos e com<br />
graves debilidades físicas.<br />
13. Santos Rodrigo e Salomão,<br />
Mártires, +857. Mortos em Córdoba,<br />
na Espanha.<br />
14. Santa Matilde, 895-<strong>96</strong>8. Filha<br />
do duque da Westfália e esposa<br />
do Imperador Santo Henrique da<br />
Alemanha. Foi mãe de São Bruno,<br />
Arcebispo da Baviera.<br />
15. Santa Luísa de Marillac,<br />
1591-1660. Fundadora, junto com<br />
São Vicente de Paulo, das Filhas da<br />
Caridade.<br />
16. Santo Heriberto, Bispo, +1021.<br />
Bispo de Colônia, na Alemanha.<br />
17. São Patrício, Bispo, 385-461.<br />
Grande evangelizador e padroeiro da<br />
Irlanda, responsável pela instituição<br />
da hierarquia eclesiástica nessa ilha.<br />
18. São Cirilo de Jerusalém, Bispo<br />
e Doutor da Igreja, 315-386. Combateu<br />
o arianismo e padeceu o exílio.<br />
19. 3º Domingo da Quaresma.<br />
(Por cair num Domingo da Quaresma,<br />
a festa de São José foi transferida,<br />
este ano, para a segunda-feira seguinte.)<br />
20. São José, Esposo de Maria<br />
Santíssima. Ver artigo na página 24.<br />
São Cutberto de Lindsfarme,<br />
+687. Sendo pastor, entrou no mosteiro<br />
inglês de Melrose, do qual se<br />
tornou abade. Mais tarde foi eleito<br />
São Jerônimo aparece<br />
a São Cirilo de Jerusalém<br />
Bispo de Lindsfarme, porém pouco<br />
durou seu episcopado: após dois<br />
anos, retornou ao isolamento monástico<br />
para, alguns meses depois,<br />
entregar sua alma ao Criador.<br />
21. São Nicolau de Flue, Eremita,<br />
1417-1487. Fundador da Confederação<br />
Helvética (Suíça) e padroeiro<br />
desse país. Distinguiu-se como<br />
místico eminente.<br />
22. São Nicolas Owen, Mártir,<br />
+1606. Inglês, coadjutor da Companhia<br />
de Jesus.<br />
23. São Turíbio de Mongrovejo,<br />
Bispo, 1538-1605. Espanhol, dominicano,<br />
eleito Bispo de Lima, defendeu<br />
a Fé e os direitos da Igreja<br />
com inabalável firmeza.<br />
24. Santa Catarina da Suécia, 1331-<br />
1381. Filha de Santa Brígida, compartilhou<br />
com esta a vida religiosa.<br />
25. Anunciação do Senhor. “No<br />
sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado<br />
por Deus a uma cidade da Galiléia,<br />
chamada Nazaré, a uma virgem desposada<br />
com um homem que se chamava<br />
José, da casa de David e o nome<br />
da virgem era Maria. Entrando,<br />
o anjo disse-lhe: Ave, cheia de graça,<br />
o Senhor é contigo. Perturbou-se ela<br />
com estas palavras e pôs-se a pensar<br />
no que significaria semelhante saudação.<br />
O anjo disse-lhe: Não temas,<br />
Maria, pois encontraste graça diante<br />
de Deus. Eis que conceberás e darás<br />
à luz um filho, e lhe porás o nome<br />
de Jesus. (...) Então disse Maria: Eis<br />
aqui a serva do Senhor. Faça-se em<br />
mim segundo a tua palavra. E o anjo<br />
afastou-se dela” (Lc 1, 26-38).<br />
26. 4º Domingo da Quaresma.<br />
São Bráulio, Bispo, +653. Bispo<br />
de Saragoça, Espanha.<br />
27. São Ruperto. Bispo de Works,<br />
e mais tarde de Salzburg, na Áustria.<br />
28. São Guntram, 545-592. Filho<br />
de Clotário I e Rei da Borgonha.<br />
29. Santa Gladys. Rainha do Gales<br />
do Sul, fez-se eremita em Stow.<br />
30. São Leonardo Murialdo, 1826-<br />
1900. Natural de Turim, tornou-se<br />
denodado colaborador de São João<br />
Bosco. Verdadeiro herói da caridade<br />
e da educação de crianças carentes,<br />
fundou a Pia Sociedade de São José.<br />
São João Clímaco, séc. VI. Egípcio,<br />
autor da obra Escada do Paraíso.<br />
Seus ensinamentos e o exemplo<br />
de suas virtudes suscitariam gerações<br />
e gerações de monges e santos.<br />
31. São Benjamin, Diácono e<br />
Mártir, +421. Martirizado na antiga<br />
Pérsia.<br />
15
“R-CR” em perguntas e respostas<br />
As velocidades<br />
da Revolução<br />
Aprofundando sua análise do processo revolucionário, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
trata das diferentes “velocidades”, as marchas rápidas e lentas das<br />
quais se utiliza a Revolução para atingir sua meta última. Nessa<br />
trajetória, encontrará ela resistências, “coágulos” que, por sua vez,<br />
poderão servir de oportunos instrumentos nas perspicazes<br />
mãos do contra-revolucionário.<br />
Como se realiza o processo revolucionário?<br />
“O processo revolucionário se dá<br />
em duas velocidades diversas. Uma,<br />
rápida, é destinada geralmente ao fracasso<br />
no plano imediato. A outra tem<br />
sido habitualmente coroada de êxito,<br />
e é muito mais lenta” (pp. 46-47).<br />
Cite um exemplo do processo em<br />
alta velocidade.<br />
“Os movimentos pré-comunistas<br />
dos anabatistas (...) tiraram imediatamente,<br />
em vários campos, todas ou<br />
quase todas as conseqüências do espírito<br />
e das tendências da Pseudo-<br />
Reforma: fracassaram” (p. 47).<br />
Harmonia entre as<br />
marchas rápida e<br />
lenta da Revolução<br />
Como se desenvolve nas almas a<br />
marcha morosa do processo revolucionário?<br />
“Há [pessoas] que vão aceitando<br />
lentamente e passo a passo as doutrinas<br />
revolucionárias. Muitas vezes,<br />
até, esse processo se desenvolve com<br />
continuidade através das gerações”<br />
(p. 121).<br />
Como se harmonizam essas velocidades?<br />
“Dir-se-ia que os movimentos<br />
mais velozes são inúteis. Porém não<br />
é verdade. A explosão desses extremismos<br />
levanta um estandarte, cria<br />
um ponto de mira fixo que fascina<br />
pelo seu próprio radicalismo os moderados,<br />
e para o qual estes se vão<br />
lentamente encaminhando.<br />
“Assim, o socialismo repudia o comunismo,<br />
mas o admira em silêncio<br />
e tende para ele. Mais remotamente<br />
o mesmo se poderia dizer do comunista<br />
Babeuf 1 e seus sequazes nos últimos<br />
lampejos da Revolução Francesa.<br />
Foram esmagados.<br />
“Mas lentamente a sociedade vai<br />
seguindo o caminho para onde eles a<br />
quiseram levar.<br />
“O fracasso dos extremistas é,<br />
pois, apenas aparente. Eles colaboram<br />
para a Revolução, atraindo paulatinamente<br />
para a realização de seus<br />
culposos e exacerbados devaneios a<br />
multidão incontável dos ‘prudentes’,<br />
dos ‘moderados’ e dos medíocres”<br />
(pp. 47-48).<br />
Distinções determinadas<br />
por resistências interiores<br />
O que diferencia o revolucionário<br />
de alta velocidade do de marcha morosa?<br />
“O que distingue o revolucionário<br />
que seguiu o ritmo da marcha rápida,<br />
do que se vai paulatinamente<br />
tornando tal segundo o ritmo de<br />
marcha lenta, está em que, quando<br />
o processo revolucionário teve início<br />
no primeiro, encontrou resistências<br />
nulas, ou quase nulas.<br />
“A virtude e a verdade viviam nessa<br />
alma de uma vida de superfície.<br />
Eram como madeira seca, que qualquer<br />
fagulha pode incendiar. Pelo<br />
contrário, quando esse processo se<br />
opera lentamente, é porque a fagulha<br />
da Revolução encontrou, ao menos<br />
em parte, lenha verde. Em ou-<br />
16
Na aparência inúteis, os movimentos revolucionários mais<br />
velozes levantam um estandarte, criam um ponto de mira<br />
fixo para o qual caminham, lentamente, os moderados<br />
Cena do Diretório, período da Revolução Francesa no qual<br />
explodiu a revolta do comunista Babeuf (no detalhe)<br />
tros termos, encontrou muita verdade<br />
ou muita virtude que se mantêm<br />
infensas à ação do espírito revolucionário.<br />
“Uma alma em tal situação fica<br />
bipartida, e vive de dois princípios<br />
opostos, o da Revolução e o da Ordem”<br />
(pp. 48-49).<br />
Particularidade do semicontra-revolucionário<br />
O que caracteriza o revolucionário<br />
com “coágulos” contra-revolucionários?<br />
“Ele se deixa arrastar pela Revolução.<br />
Mas em algum ponto concreto<br />
recusa-a.<br />
“Assim, por exemplo, será socialista<br />
em tudo, mas conservará o gosto<br />
das maneiras aristocráticas. Conforme<br />
o caso, ele chegará até mesmo<br />
a atacar a vulgaridade socialista.<br />
“Trata-se de uma resistência, sem<br />
dúvida. Mas resistência em ponto de<br />
pormenor, que não remonta<br />
aos princípios, toda feita de hábitos<br />
e impressões. Resistência<br />
por isto mesmo sem maior alcance,<br />
que morrerá com o indivíduo, e<br />
que, se se der num grupo social, cedo<br />
ou tarde, pela violência ou pela persuasão,<br />
em uma geração ou algumas,<br />
a Revolução em seu curso inexorável<br />
desmantelará” (pp. 49-50).<br />
E o “semi-contra-revolucionário”?<br />
Este “diferencia-se do anterior<br />
apenas pelo fato de que nele o processo<br />
de ‘coagulação’ foi mais enérgico,<br />
e remontou até a zona dos princípios<br />
básicos. De alguns princípios,<br />
já se vê, e não de todos.<br />
“Nele, a reação contra a Revolução<br />
é mais pertinaz, mais viva. Constitui<br />
um obstáculo que não é só de<br />
inércia. Sua conversão a uma posição<br />
inteiramente contra-revolucionária<br />
é mais fácil, pelo menos em tese.<br />
Um excesso qualquer da Revolução<br />
pode determinar nele uma transformação<br />
cabal, uma cristalização de<br />
todas as tendências boas, numa atitude<br />
de firmeza inabalável.<br />
“Enquanto esta feliz transformação<br />
não se der, o ‘semi-contra-revolucionário’<br />
não pode ser considerado<br />
um soldado da Contra-Revolução”<br />
(p. 50).<br />
v<br />
1<br />
) François Noël Babeuf (1760-1797).<br />
Quis instaurar na França a “sociedade<br />
dos iguais”. Ao tentar, com seus<br />
adeptos, derrubar o governo revolucionário,<br />
denominado então de Diretório,<br />
foi preso e executado.<br />
17
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
“O rei e o menino”:<br />
a beleza da vocação<br />
Como já vimos de outras vezes, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> servia-se<br />
amiúde de metáforas para explicar a seus jovens<br />
ouvintes as realidades profundas da vida do<br />
católico, à luz das verdades da Fé. Através da<br />
parábola narrada a seguir, faz-nos ele compreender<br />
a importância de um dos momentos mais decisivos<br />
na existência do homem sobre a Terra: aquele em<br />
que recebe o chamado de Deus, a vocação.<br />
Acompanhemos a linguagem clara e simples de<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> descortinando o fascinante tema da voz<br />
divina a ressoar nas almas, convidando-as a seguir<br />
um caminho sublime e, não raro, semeado de<br />
provações...<br />
Imaginemos um monarca que passeia de automóvel<br />
pela capital de seu reino. Viúvo, cujo filho único<br />
e herdeiro morreu ainda criança, o resto de sua<br />
família se extinguiu sem descendência e, portanto, não<br />
há quem dê continuidade à dinastia. Entretanto, por<br />
uma dessas coincidências existentes na natureza, reside<br />
na mesma cidade um menino que, embora de traços<br />
fisionômicos semelhantes aos do falecido príncipe, não<br />
tem com a casa real nenhum parentesco.<br />
O encontro com outro possível herdeiro<br />
Quando o carro do soberano se detém num cruzamento,<br />
os olhos dele recaem sobre aquele menino a atravessar<br />
a rua, e o rei, impressionado pela semelhança com o<br />
ex-herdeiro, manda chamá-lo. O garoto, ao mesmo tempo<br />
surpreso e maravilhado, aproxima-se timidamente e<br />
pergunta:<br />
— Majestade: em que posso servi-lo?<br />
— Sente-se ao meu lado, quero conversar com você.<br />
18
O menino recordava a figura do príncipe herdeiro;<br />
despertou a atenção do rei e por este foi convidado<br />
para sucedê-lo no trono<br />
Ao fundo, o rei Baltazar Carlos, por Velásquez - Museu do Prado, Madrid<br />
Fotos: S. Hollmann<br />
19
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
O trânsito engarrafado não permite que o automóvel<br />
se desloque. O rei indaga do menino sobre seus estudos,<br />
sua família, trabalhos. Durante esse tempo, o menino<br />
não pensa em si, mas apenas no soberano. Este não<br />
observa o movimento das ruas e presta atenção somente<br />
no menino. Percebe que ele inspira boas esperanças e<br />
poderia ser adotado como seu filho.<br />
Despedindo-se do jovem, o monarca lhe diz:<br />
— Esteja às tantas horas no meu palácio com seus<br />
pais. Desejo conversar com os três.<br />
O menino é adotado pelo rei<br />
No momento aprazado, os três comparecem. São pessoas<br />
modestas, maravilhadas diante dos esplendores da<br />
residência palacial, entre as quais transitam com encanto<br />
e receio. Pisam sobre um tapete persa, e o marido diz<br />
à mulher:<br />
— Que tapete magnífico! Parece até com o da casa<br />
do subprefeito de nosso distrito, que pertenceu ao xá da<br />
Pérsia e foi comprado num antiquário...<br />
Após vários deslumbramentos, chegam à presença do<br />
rei. Este os recebe com extrema bondade, põem-se a conversar,<br />
e à certa altura o soberano diz:<br />
— Desejo que este menino seja meu herdeiro. Se consentirem,<br />
eu o adotarei como filho e o educarei para as<br />
funções régias. Quando eu morrer, será o novo monarca,<br />
e vocês terão a honra que jamais imaginaram: tornar-seão<br />
pais do rei.<br />
O casal possuía uma prole numerosa, e já não sabiam<br />
o que fazer com tanta criança dentro de casa. Estupefatos<br />
com a proposta do rei, pensam:<br />
“Teremos um filho tão bem instalado! Que alto negócio!<br />
Depois, receberemos torrentes de dinheiro para<br />
educar de modo conveniente os outros e assim todos<br />
farão carreira promissora. Além disso, ganharemos um<br />
prestígio sem nome no bairro onde moramos. Ao chegarmos<br />
em casa e nos perguntarem pelo menino, poderemos<br />
responder:<br />
“— Está no Palácio real. Ele agora é filho do rei.<br />
“— Como?! Filho do rei?!<br />
“E contaremos toda a história. Que ótimo negócio!”<br />
Contentíssimos, aceitam a proposta do soberano e se<br />
retiram.<br />
Adotado pelo rei, cabe<br />
ao menino a glória de<br />
dar continuidade a uma<br />
linhagem de santos<br />
e heróis<br />
São Luís, Rei de França,<br />
quando menino - Catedral<br />
de Notre Dame de Paris<br />
20
Sinceridade e gratidão<br />
submetidas à prova<br />
Sobrevém a noite e o rei ordena aos seus mordomos:<br />
— Levem o menino para o quarto de dormir de meu<br />
falecido filho. Está tudo preparado, vistam-no com aquelas<br />
roupas, ofereçam-lhe os alimentos que desejar, sirvam-no<br />
como o faziam ao príncipe. Quero que ele seja<br />
beneficiado com toda a largueza da munificência real.<br />
O menino vai sendo educado, torna-se moço e convive<br />
de modo perfeito com o rei. Tudo corre com normalidade,<br />
porém no espírito do monarca nasce uma interrogação:<br />
“Esse menino me quererá verdadeiramente bem?<br />
Ser-me-á agradecido pelo que recebe de mim? Tornarse-á<br />
digno de um dia dirigir meu reino? Ou é um ingrato<br />
que me agrada por interesse momentâneo, e, no fundo,<br />
não me tem sincera amizade? Para conhecer as respostas<br />
a essas indagações, vou submetê-lo a uma dura prova,<br />
pois se não o fizer, minha generosidade pode significar<br />
grande estultice. Mas, se corresponder às esperanças<br />
nele depositadas, dar-lhe-ei coisas ainda melhores e mais<br />
abundantes.”<br />
O rei chama o jovem e lhe diz:<br />
— Nossa situação parece maravilhosa. Você tem a certeza<br />
de herdar um trono. Portanto, posição magnífica o<br />
aguarda. Porém, precisa se preparar, pois a vida é feita<br />
de surpresas, e a História apresenta vários exemplos de<br />
reis que foram inesperadamente depostos do poder. Eis<br />
aqui um livro sobre monarcas destronados. Estude-o para<br />
conhecer o papel da traição na queda dos reis e aprender<br />
como a condição de soberano, embora firme na aparência,<br />
é de fato instável e mutável. Após esse estudo, você<br />
será examinado. Veja a vida em cor séria e compreenda<br />
o esforço necessário para se manter como rei. Se for<br />
mole, o monarca perde o trono e o poder.<br />
Exerço a realeza há muitos anos. O povo me obedece,<br />
é verdade, mas que vigilância preciso ter! As coisas<br />
não são fáceis. Se o encargo de rei lhe parecer por demais<br />
árduo, dar-lhe-ei dinheiro para você seguir a profissão<br />
de seu pai, montar uma lavanderia maior e prosseguir<br />
na existência tranqüila de um qualquer. Porém, não<br />
será rei, nem desfrutará das honras e glórias da condição<br />
régia. Você se enfurnará no anonimato. O anônimo: que<br />
homem feliz! A quem ninguém ama nem odeia. Possui<br />
dinheiro para subsistir e leva uma vida sossegada.<br />
Você já pensou nas vantagens do anonimato? Passeie<br />
um pouco pelas ruas, observe os moços de sua idade, felizes<br />
nos seus automóveis, levando a existência agradável e<br />
sem incômodos dos homens abastados e desconhecidos.<br />
Você, não! É um príncipe, e deve proceder como tal,<br />
em quaisquer circunstâncias. Os olhos de todos estão<br />
voltados para sua pessoa. Ainda ontem o criticavam pelo<br />
simples fato de brincar com os dedos enquanto conversava.<br />
Não é atitude permitida ao herdeiro do trono. Já pensou<br />
na vida dura que terá?<br />
Meça o peso do fardo que cairá em suas costas. Receberá<br />
honras e riquezas, mas utilizá-las com desapego<br />
é como carregar um rochedo pela vida inteira. É o meu<br />
caso.<br />
O menino pensa um pouco e responde:<br />
— Obrigado! Vou ler o livro...<br />
A resposta errada<br />
Terminado o prazo estipulado para o estudo, o rei<br />
manda chamar o menino e lhe pergunta:<br />
— Leu a obra?<br />
— Sim, li.<br />
— E a que conclusão chegou?<br />
— Não pensei que exercer a realeza fosse tão difícil,<br />
pois conhecia apenas uma faceta dela. Porém, acredito<br />
que, sendo tantas as vantagens, vale a pena carregar o<br />
fardo. No total, prefiro herdar o trono. Desejo ser rei!<br />
O monarca diz:<br />
— Não é a resposta correta que esperava de você.<br />
Dou-lhe mais um prazo para pensar. Se, por fim, responder<br />
como deve, merece reinar. Do contrário, perderá<br />
seus direitos, porque ficaria demonstrado a nulidade de<br />
tudo que fiz por você.<br />
Tendo acabado de declarar sua intenção de ser rei, o<br />
jovem vê seus planos caírem subitamente por terra. Como<br />
poderia encontrar a resposta adequada, sozinho, pois<br />
que lhe estava vedado consultar qualquer pessoa?<br />
— Nesse período — dissera-lhe o rei — você estará<br />
proibido de conversar com quem quer que seja, assim como<br />
de se ausentar do palácio. Descubra a resposta correta.<br />
Quero ver que espécie de sentimento você guarda no<br />
fundo da alma.<br />
A resposta perfeita<br />
Estaria o monarca agindo bem, ao tratar o jovem dessa<br />
forma?<br />
Sim, seria o normal. Ponha-se cada um na posição do<br />
rapaz. O que responderia ao rei?<br />
A resposta perfeita seria a seguinte:<br />
— Meu senhor e meu pai. Não me importa saber o<br />
que acho agradável e sim como vos poderei retribuir por<br />
tudo o que fizestes por mim. Se vos ampararei na vossa<br />
velhice; se, quando assumir o trono, terei bastante amor<br />
à altivez, à glória, à elevação dos princípios, à civilização<br />
cristã, a Nosso Senhor Jesus Cristo e à Santíssima Virgem,<br />
de maneira que eu faça do meu métier de rei um<br />
serviço de Deus. Houve tantos santos entre vossos ante-<br />
21
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
passados! A capela do palácio é consagrada a São Luís<br />
IX. Nesta sala tendes uma imagem de Santo Henrique,<br />
imperador do Sacro Império e também vosso ascendente.<br />
Tudo isto ameaça se extinguir em vós porque vosso<br />
único filho faleceu. Cabe a mim a glória de dar continuidade<br />
a essa linhagem e não permitir que o fio se interrompa.<br />
Meu pai e meu senhor: não me interessa saber se levarei<br />
uma vida gostosa e sim se estarei à altura dessa missão.<br />
Ensinai-me a ser cada vez mais piedoso, mais dedicado<br />
a vós, que sois a mão de Deus para mim. Quero a<br />
felicidade, mas sobretudo para o momento em que eu expirar<br />
e, comparecendo diante do Altíssimo, puder exclamar:<br />
“Senhor, vós me destes o ser e um pai adotivo me<br />
outorgou a realeza a qual aceitei para vossa glória. Dediquei-me<br />
totalmente a ele, pois assim o fiz por Vós, Criador<br />
de todas as coisas. Não temo encontrá-lo na vossa<br />
corte celestial, aonde ele me precedeu, porque sei que,<br />
pousando sobre mim seu olhar amoroso, dirá: ‘Meu filho,<br />
agora mais filho meu do que nunca, senta-te à minha<br />
direita! Vamos contemplar juntos a Deus, o Senhor dos<br />
senhores, o Rei dos reis, que domina todos aqueles que<br />
exercem domínio’”.<br />
E o jovem, correspondendo às expectativas do monarca,<br />
deveria acrescentar:<br />
— Posso sofrer muito, ser mal compreendido, perseguido,<br />
destronado. Posso, pelo contrário, ser glorificado,<br />
aclamado, tornar-me célebre. Pouco importa!<br />
O caminho que devo trilhar é o do dever, da gratidão<br />
a vós e do serviço de Deus.<br />
Após dar essa resposta, o moço se retira da sala e<br />
o rei diz a si mesmo: “Minha dinastia renasceu!”<br />
Segunda provação: a indiferença real<br />
Prosseguindo em nossa metáfora, imaginemos que em<br />
determinado momento o rei decide sujeitar este filho a<br />
outra prova. Passa a fingir que já não lhe demonstra a<br />
mesma amizade, não o compreende bem. Olha-o com<br />
indiferença, até com certa distância. Concede-lhe audiências<br />
curtas, presta-lhe pouca atenção, evita-o em favor<br />
de outras coisas menos importantes. Chega a ponto<br />
de conversar com terceiros, na presença dele, sobre reis<br />
viúvos e sem filhos que casaram novamente, tiveram prole<br />
e asseguram sua descendência. “Quem sabe eu sigo o<br />
exemplo deles, contraio outras núpcias e tenho um herdeiro<br />
do meu próprio sangue?”<br />
O menino adotado sente-se rejeitado, mas pensa:<br />
— Recebi tanto dele! Ainda que me tire tudo, eu o<br />
servirei a vida inteira!<br />
E ele passaria por essa segunda prova, ainda mais<br />
cruel que a anterior.<br />
22
Assim como o menino<br />
da metáfora, somos<br />
chamados pela Rainha<br />
do Céu e da Terra para<br />
servi-La e a seu<br />
Divino Filho, de modo<br />
muito especial<br />
A Virgem e o Menino - Catedral<br />
de Colônia, Alemanha<br />
Terceira e última provação<br />
Contudo, o soberano precisava de uma derradeira<br />
demonstração de fidelidade da parte do menino.<br />
Certa madrugada, manda acordá-lo e trazê-lo à sua<br />
presença:<br />
— Preciso incumbi-lo de uma missão perigosa e<br />
confidencial. Em país distante há um preso que espera<br />
essa mensagem minha. Você terá de viajar<br />
para lá, dizer que é meu filho, deixar-se prender<br />
e, conduzido ao mesmo cárcere, transmitir o meu<br />
recado à pessoa em questão.<br />
O jovem, embora surpreso, não hesita em responder:<br />
— Meu senhor e meu pai. Se me permitirdes<br />
de vos tratar ainda dessa maneira, minha vida é<br />
vossa!<br />
O rei então acrescenta:<br />
— Não sei quanto tempo o manterão encarcerado.<br />
Pode levar anos. Se, estando lá, ouvir dizer<br />
que me casei e tive um filho, reze por mim e<br />
por este, pois será o sucessor do trono.<br />
O rapaz diz:<br />
— Meu senhor e pai, farei isso com todo o<br />
empenho. A que horas devo partir, com quem<br />
devo falar? Dai-me vossas ordens.<br />
Responde-lhe o rei:<br />
— Você tem uma hora e meia para estar pronto e sair.<br />
Já tratei muito com você e o conheço bem. Diga-me rapidamente<br />
até logo e vá embora!<br />
O rapaz se inclina e se retira.<br />
Na hora exata, ele se apresenta disfarçado diante<br />
dos guardas do palácio, pois, conforme as instruções<br />
do soberano, ninguém deveria saber de sua partida.<br />
Mas, para a surpresa do jovem, os sentinelas o impedem<br />
de sair, dizendo-lhe: “O rei ordena que volte<br />
para seu quarto!”<br />
Ele retorna e o monarca o acolhe com transbordamentos<br />
de agrado.<br />
Estava assegurada a sucessão do trono nesse reino mítico<br />
e maravilhoso...<br />
Analogias com a vocação<br />
Essa metáfora se aplica à história de cada um de nós<br />
que recebeu o chamado para seguir as vias de uma determinada<br />
vocação. Por exemplo, à do nosso movimento.<br />
Não nos convidou a ele um simples rei, mas alguém com<br />
brilho insondavelmente maior: Maria Santíssima, Rainha<br />
do Céu e da Terra. De modo semelhante ao do rei imaginado,<br />
por vontade divina Ela nos escolheu para servi-La<br />
de maneira muito especial.<br />
Qual era a vida de cada um de meus ouvintes antes de<br />
pertencer à nossa família de almas?<br />
Fomos chamados em circunstâncias as mais diversas.<br />
Se procedemos de um ambiente que preparou nossa vocação,<br />
quanta graça a Providência nos concedeu nesse<br />
sentido, dispondo que tudo favorecesse a aceitarmos esse<br />
convite. Se, pelo contrário, viemos de um meio adverso,<br />
quanta misericórdia do Criador, ao olhar para o lugar<br />
em que crescemos e dizer: “Aqui escolherei um filho, um<br />
príncipe!”<br />
A graça passou a latejar em nós<br />
Sem sabermos, iniciaram-se movimentos no interior<br />
de nossas almas. Um senso moral mais vivo nos fez estranhar<br />
os procedimentos pouco recomendáveis que presenciamos<br />
neste ou naquele ambiente, e passamos a desejar<br />
as atitudes virtuosas contrárias ao que nos aborrecia.<br />
A graça latejava em nossos corações, dizendo-nos:<br />
“Que coisa péssima! E que linda, tal outra! Como são belos<br />
tais monumentos da Cristandade, tal música, tal época<br />
do passado! Como seria bom se o que há de errado no<br />
mundo moderno se consertasse!”<br />
Começou a surgir em nossa alma a oposição ao mal.<br />
Assim, cada um de nós foi chamado. Em diferentes<br />
cidades, Estados, condições de vida e, às vezes, até<br />
no fundo de uma queda moral. Caiu... e em determinado<br />
momento teve horror de si mesmo. Era Deus falando<br />
no interior da sua alma, chamado-o para amá-Lo. v<br />
(Continua em próximo número.)<br />
23
O Santo do mês<br />
São José,<br />
modelo de confiança<br />
em meio<br />
à perplexidade<br />
“Eis como nasceu Jesus Cristo: Maria, sua mãe, estava desposada com<br />
José. Antes de coabitarem, aconteceu que ela concebeu por virtude do<br />
Espírito Santo. José, seu esposo, que era homem de bem, não querendo<br />
difamá-la, resolveu rejeitá-la secretamente. Enquanto assim pensava,<br />
eis que um anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos e lhe disse: José,<br />
filho de David, não temas receber Maria por esposa, pois o que nela<br />
foi concebido vem do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, a quem<br />
porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo de seus pecados.<br />
(...) Despertando, José fez como o anjo do Senhor lhe havia mandado e<br />
recebeu em sua casa sua esposa” (Mt 1, 18-24).<br />
Como nos mostra <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, nessa passagem do Evangelho transparece<br />
uma das eminentes virtudes de São José: sua inabalável confiança na<br />
superior vontade de Deus.<br />
Agrandiosa figura de São José sempre foi exaltada<br />
da maneira conveniente ao esposo de Maria<br />
Santíssima e pai adotivo de Jesus. Contudo, não<br />
será de todo supérfluo ressaltarmos uma faceta dessa luminosa<br />
alma, cujo brilho deve atrair de modo especial<br />
nossa admiração. Trata-se da heróica confiança por ele<br />
manifestada em decisivas ocasiões de sua vida ao lado de<br />
Maria e do Homem-Deus.<br />
Voto de castidade e casamento<br />
Como se sabe por fontes não inspiradas — as quais,<br />
entretanto, foram incorporadas pela Igreja na sua iconografia<br />
e na piedade popular — São José, por uma moção<br />
interna da graça, fizera voto de virgindade. Disposição<br />
esta que o afastava de uma existência matrimonial.<br />
Ora, algum tempo depois, ele e outros varões da Casa<br />
de David são chamados a comparecer diante do Sa-<br />
24
São José - Paróquia<br />
de Santa Madalena,<br />
Sevilha (Espanha)<br />
Fotos: S. Hollmann<br />
25
O Santo do mês<br />
cerdote a fim de participar da escolha de um esposo para<br />
Nossa Senhora. Reza a piedade católica que o eleito seria<br />
aquele cujo bastão florescesse miraculosamente. Para<br />
a surpresa de São José, em seu cajado brotaram lindos lírios<br />
brancos...<br />
Assim, depois de a Providência incutir em sua alma os<br />
mais nobres desígnios de castidade perfeita, parece agora<br />
contrariá-los, realizando um milagre a fim de mostrar<br />
que ele deveria abraçar o casamento. Se nos colocarmos<br />
por um instante no lugar de São José, não será difícil<br />
compreendermos o dilacerante de tal perplexidade!<br />
Deus estaria permitindo ao demônio ludibriar um desejo<br />
de castidade? Não era possível, pois tal anelo acendia<br />
na sua alma toda forma de bem. Deus queria seu casamento?<br />
Não podia admiti-lo, pois tal idéia, legítima e<br />
louvável para qualquer outro, nele determinava o fenecimento<br />
de tudo aquilo que o levava para o ideal, para a<br />
renúncia, enfim, para o perfeito amor a Deus.<br />
Decidido, por inspiração divina, a permanecer virgem, São José veria<br />
seu ideal como que contrariado pela própria Providência: foi o escolhido<br />
para se unir a Nossa Senhora<br />
À esquerda, São José e os pretendentes; à direita, casamento com Nossa<br />
Senhora - Por Giovanni Rimini, Museu do Louvre, Paris<br />
26
Dilacerado pela<br />
perplexidade, São<br />
José não perdeu a<br />
confiança nos desígnios<br />
de Deus, não duvidou de<br />
Nossa Senhora; em<br />
sonhos, receberia<br />
a revelação do<br />
maravilhoso mistério...<br />
São José e Nossa Senhora -<br />
Sainte-Chapelle, Paris<br />
Então, que caminho trilhar diante de duas vozes de<br />
Deus, diretamente contraditórias?<br />
Dilaceração cruel. Entretanto, inteiramente submisso<br />
à vontade divina, confiando contra toda confiança, ele se<br />
dispõe a casar com Nossa Senhora.<br />
Perplexidade das perplexidades<br />
Os dois cônjuges, levados por mútuo desejo de perfeição,<br />
revelam um ao outro seu propósito de manter a virgindade<br />
perpétua. Imensa alegria, profunda compreensão<br />
das duas almas, e o mistério se resolve.<br />
Por pouco tempo. Os meses passam e, num determinado<br />
dia, São José percebe que Nossa Senhora está esperando<br />
um filho. A dilaceração cruciante se lhe apresenta<br />
uma vez mais. Maria era tal que ele não podia duvidar de<br />
sua virtude. Mas, o fato era inegável, patente aos olhos<br />
de qualquer um. Como explicá-lo? Como não duvidar?<br />
São José não duvidou. Foi embora. Preparou-se para<br />
abandonar o lar, pois não lhe ocorria outra solução.<br />
Imagine quem possa a perplexidade na qual ele se<br />
abismava...<br />
Mas, tratava-se de um varão tão confiante nos desígnios<br />
divinos que, no pináculo do seu drama, decidiu fazer<br />
as coisas de modo racional. Uma vez que partiria para<br />
uma longa viagem sem destino certo, devia estar bem<br />
repousado e munido de suficientes provisões de água e<br />
comida. Talvez terá preparado um meio de transporte<br />
animal, além de uma série de providências, em que cada<br />
coisa era um estrangulamento de sua alma. Mas, um<br />
estrangulamento tão pacífico, tão sereno, tão repleto de<br />
confiança que adormeceu sobre isso.<br />
É interessante notar que o esposo castíssimo de Maria,<br />
embora se encontrasse na perplexidade das perplexidades,<br />
entretanto conseguia dormir. E quão mais belo o<br />
fato de ele ter dormido do que se permanecesse acorda-<br />
27
O Santo do mês<br />
do, pois aquele terá sido dos sonos mais sublimes da História!<br />
Em sonhos, a revelação do anjo<br />
Com efeito, foi durante o repouso que ele recebeu em<br />
sonhos a revelação do anjo, anunciando-lhe que o Filho<br />
esperado pela Santíssima Virgem era o Verbo encarnado,<br />
concebido pelo Espírito Santo nas entranhas virginais<br />
de sua esposa.<br />
Dir-se-ia que essa revelação encerrava um fator de<br />
certeza menor do que o oferecido a Nossa Senhora durante<br />
a Anunciação, uma vez que uma aparição feita em<br />
sonho pode não passar de simples sonho. Porém, devemos<br />
crer que tal manifestação do Céu tenha sido acompanhada<br />
de elementos de persuasão interna, os quais racionalmente<br />
não permitiam qualquer dúvida.<br />
Assim, São José se tranqüilizou, readquiriu a serenidade,<br />
não porque tivesse “tocado” no anjo (o qual, é<br />
claro, sendo puro espírito não pode ser apalpado), mas<br />
porque aquela explicação era talvez a única possível para<br />
o mistério diante do qual se achava. E esse homem<br />
de confiança heróica, deve ter feito o seguinte raciocínio:<br />
“Embora eu conheça as altíssimas virtudes de Maria,<br />
não tive a luz suficiente para imaginar que Ela fosse<br />
a Mãe de Deus. Porém, no sonho tudo se explicou, e<br />
agora vejo inteiramente confirmado tudo quanto me foi<br />
dado contemplar da personalidade d’Ela. Eis-me tranqüilo.”<br />
Então, pode-se dizer ter sido São José mais bem servido<br />
pelo fato de o anjo lhe aparecer “em sonhos” e não<br />
quando estivesse acordado. Porque, ao raciocinar daquele<br />
modo, ele fez um ato de fé extremamente belo e de incomparável<br />
louvor a Nossa Senhora.<br />
É-nos dado conjeturar que São José não tenha acordado<br />
com a aparição do anjo, mas permaneceu em repouso<br />
até a manhã seguinte. Quando despertou, estava<br />
todo impregnado pela suavidade e esplendor da revelação<br />
recebida.<br />
Como terá sido o primeiro encontro dele com Nossa<br />
Senhora depois desse fato?<br />
Quiçá, tivera Ela conhecimento das palavras do anjo a<br />
São José e não se surpreendeu quando este se apresentou<br />
para Lhe manifestar seu preito de amor e veneração<br />
à futura Mãe de Deus.<br />
Ambos se encontravam numa linda composição de situações.<br />
Admirando Nossa Senhora, São José pensava:<br />
“Eis minha esposa, tabernáculo de meu Deus”, e adorava<br />
o Verbo encarnado no seio puríssimo de Maria. Esta,<br />
por sua vez, durante a refeição, por exemplo, humildemente<br />
lhe perguntava se queria um pouco mais de ensopado...<br />
A partir de então, o que se depreendeu é algo de tanta<br />
beleza que ultrapassa nossa pobre capacidade imaginativa.<br />
Em meio às nossas<br />
incertezas, apelo a<br />
São José<br />
Recordo, ainda, outra perplexidade<br />
à qual São José, em com-<br />
São José - Paróquia<br />
de Thannenkirch,<br />
Alsácia (França);<br />
na página 23,<br />
“Menino Jesus<br />
entre os doutores” -<br />
Catedral de Notre<br />
Dame de Paris<br />
Encontro com a Santíssima<br />
Virgem após a aparição<br />
28
panhia de Nossa Senhora, viu-se exposto: a<br />
perda do Menino Jesus em Jerusalém.<br />
São Lucas nos descreve o episódio, e da narração<br />
evangélica se conclui que Jesus não<br />
quis participar aos seus pais a decisão de<br />
permanecer na Cidade Santa. Resultado,<br />
Nossa Senhora e São José, aflitos,<br />
passaram três dias à procura do<br />
Menino, e finalmente o encontram<br />
Se nos sentirmos<br />
abalados na virtude<br />
da confiança, rezemos<br />
a São José, perfeito<br />
modelo de quem soube<br />
confiar em meio às<br />
maiores provações<br />
no Templo, sentado no meio dos doutores, ouvindo-os e<br />
interrogando-os.<br />
Considere-se o contraste dessa situação. Maria e José<br />
estavam no auge do abatimento quando entraram no<br />
Templo e acharam Jesus. Este, já com o uso da sua inteligência,<br />
discutindo com os sábios, causando assombro e<br />
admiração ao seu redor. Nossa Senhora e São José O viram<br />
e a angústia se transformou em alegria, em júbilo.<br />
Tanto mais que ambos estavam certos da inocência e da<br />
retidão do Homem-Deus, o qual teria tomado aquela atitude<br />
movido por altos desígnios.<br />
Mas a perplexidade floresce na pergunta: “Filho, por<br />
que fizestes assim conosco?”<br />
Uma indagação sem desconfiança, de quem deseja ser<br />
ensinado por Jesus. São José sofreu com aquela provação,<br />
assim como Nossa Senhora, porém manteve a confiança<br />
inabalável nas superiores disposições de Deus.<br />
Creio não haver melhor modo de encerrar essas considerações<br />
senão recomendando que, em nossas dúvidas<br />
e perplexidades, quando nos sentirmos abalados na virtude<br />
da confiança, apelemos a São José, perfeito modelo<br />
de homem que soube confiar em meio às maiores provações.<br />
v<br />
29
Luzes da Civilização Cristã<br />
Regalos da<br />
vida<br />
burguesa<br />
Creio que em poucos países do<br />
mundo a vida burguesa, no<br />
que esta possui de legítimo e<br />
digno, atingiu graus de desenvolvimento<br />
tão expressivos como sucedeu<br />
na Alemanha, com o igual florescimento<br />
de valores próprios a ela:<br />
bom senso, pudor, recato, estabilidade,<br />
continuidade, o equilíbrio das<br />
coisas bem ordenadas desta Terra.<br />
30
Fotos: L. Werner / S. Hollmann<br />
Vistas da cidade de<br />
Rothenburg, Alemanha<br />
31
Luzes da Civilização Cristã<br />
Tomemos, por exemplo, as construções<br />
nas pequenas cidades burguesas<br />
esparsas pela Alemanha, datadas<br />
da Idade Média, muitas conservando<br />
ainda hoje seus pitorescos<br />
aspectos de outrora.<br />
Em geral, o andar térreo formava<br />
uma espécie de hall aberto, solidamente<br />
sustentado por um madeirame<br />
trabalhado de modo discreto,<br />
porém com uma certa distinção de<br />
linha. O corpo do edifício se erguia<br />
em duas saliências que se projetavam<br />
sobre a rua. No último andar se<br />
guardavam as relíquias da família, as<br />
velhas cadeiras de balanço da bisavó,<br />
arcas e baús de diferentes tamanhos<br />
contendo antigos enxovais, objetos<br />
deste ou daquele parente, etc.<br />
Se procurássemos penetrar naquele<br />
interior, digamos estendendo<br />
32
nossa vista pelas janelas adentro, teríamos<br />
uma sensação que condiz à<br />
vida burguesa, isto é, a de intimidade.<br />
Encontraríamos a mãe, robusta e<br />
saudável como boa alemã, vestida de<br />
seu avental colorido, com seu chapéu<br />
ingênuo e a travessa de salsichas<br />
na mão; os filhos também corados e<br />
alegres, à espera do almoço nutrido,<br />
Sensação de intimidade, cômoda e<br />
repousante, iluminada pela alegria<br />
daqueles que dela desfrutam<br />
Rothenburg, Alemanha<br />
33
Luzes da Civilização Cristã<br />
enquanto o pai prolonga o cochilo<br />
na sua poltrona confortável.<br />
É o prazer da intimidade, do móvel<br />
cômodo, do ar tépido, da luz tamisada<br />
que deixa entrar a realidade<br />
externa, do “cortinadozinho”,<br />
dos objetos próximos uns dos outros,<br />
todo um ambiente que favorece<br />
ao homem seu descanso do trabalho<br />
manual. Quando chega o verão,<br />
abrem-se todas as janelas, depositam<br />
migalhas nos parapeitos<br />
para atrair os passarinhos: estes<br />
vêm, comem, e o alemão se encanta<br />
e se alegra com a fartura das aves.<br />
Preparam-se vasos de gerânios —<br />
os célebres gerânios da Alemanha!<br />
— e é todo um colorido que passa<br />
a enfeitar as fachadas das casas, as<br />
extensões das ruas.<br />
Tudo isso é uma construção do<br />
mundo burguês germânico, que me<br />
apraz comentar, pois se reveste de<br />
qualidades e belezas intensas. Sem<br />
dúvida, devemos censurar o abuso<br />
do que o francês pitorescamente<br />
chama de chacunnière: o “lugarzinho”<br />
de cada um explorado ao extremo<br />
do apego. Porém, que se tenha<br />
um recanto preferido, arranjado<br />
de acordo com nosso gosto peculiar,<br />
para o qual sempre nos voltamos<br />
quando é questão de um verdadeiro<br />
repouso, quem o pode condenar?<br />
Quem nunca ansiou por um<br />
“recantozinho” desses? E quem, habitando<br />
numa daquelas casas da Alemanha<br />
medieval, não gostaria de ter<br />
uma boa poltrona para descansar?<br />
Afinal, é a existência lícita, honesta,<br />
sem pretensões, da família legítima,<br />
constituída segundo o sacramento.<br />
É a casa onde o esplendor da<br />
vida familiar se manifesta na sua trivialidade.<br />
É a dignidade do comum,<br />
onde a pessoa pode recolher-se, isolar-se<br />
e, proporcionando silêncio ao<br />
corpo, permitir ao espírito começar<br />
a meditar. Não é o conforto do<br />
preguiçoso, afundando-se na almofada<br />
e ele todo se amolecendo. Pelo<br />
contrário, todo esse ambiente burguês<br />
alemão recende algo de varonil,<br />
e por isso mesmo, dessas casas, em<br />
épocas de guerra, saíram os melhores<br />
combatentes do mundo. Em tempo<br />
de paz, comedores de pão, tocadores<br />
de flauta e violino...<br />
Eis a maravilhosa harmonia dessa<br />
situação. Eis os regalos da intimidade<br />
da vida burguesa, autenticamente<br />
vivida. Ela atrai ao recolhimento,<br />
ao repouso, mas prepara<br />
o homem para o trabalho e para<br />
a luta. Ele pode estar comodamente<br />
sentado em sua poltrona ou ajoelhado<br />
num oratório ao lado dela. O<br />
interior da casa, sem conduzir diretamente<br />
à oração, cria agradáveis<br />
condições para que o espírito se sinta<br />
convidado à reflexão e à prece. E<br />
ele se alegra.<br />
v<br />
34
“E os célebres gerânios da Alemanha passam a enfeitar<br />
as fachadas das casas, as extensões das ruas...”<br />
Na página 34 e nesta, Rothenburg, Alemanha<br />
35
Entre o Verbo encarnado<br />
e nós há algo<br />
em comum, algo insondavelmente<br />
precioso: temos<br />
a mesma Mãe! Mãe<br />
perfeita desde o primeiro<br />
instante de seu ser concebido<br />
sem mácula. Mãe santíssima<br />
de tal maneira que, em<br />
cada momento de sua existência,<br />
não cessou de corresponder<br />
à graça; apenas cresceu, cresceu<br />
e cresceu até alcançar inimaginável<br />
elevação de<br />
virtude.<br />
Essa Mãe, d’Ele<br />
e nossa, tem misericórdia<br />
do filho mais<br />
esfarrapado, torto, desarranjado;<br />
e quanto mais desarranjado,<br />
torto e esfarrapado,<br />
maior sua compaixão<br />
materna. Minha Mãe: aqui<br />
estou eu. Tende pena de mim<br />
hoje, agora, como sempre tivestes<br />
e, espero, sempre tereis.<br />
Purificai-me, ordenaime,<br />
tornai minha alma cada<br />
vez mais semelhante à<br />
vossa e à d’Aquele que,<br />
como a mim, é dada<br />
a indizível<br />
felicidade de<br />
vos ter por<br />
Mãe!<br />
A Virgem e o<br />
Menino - Museu<br />
do Louvre, Paris<br />
S. Hollmann<br />
A mesma Mãe