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Revista Dr Plinio 95

Fevereiro de 2006

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Publicação Mensal Ano IX - Nº <strong>95</strong> Fevereiro de 2006<br />

Lourdes: onde o<br />

Céu e a Terra se tocam...


22 de fevereiro<br />

Festa da Cátedra de São Pedro<br />

Dir-se-ia que a sombra<br />

do báculo de Pedro<br />

cresceu, que entre<br />

suas extremidades —<br />

que vão de mar a mar,<br />

de monte a monte, dos<br />

Alpes ao Himalaia —<br />

fica o mundo inteiro.<br />

É impossível não<br />

pensar nas lágrimas,<br />

no suor e no sangue, nas<br />

mortificações, nas preces,<br />

na paciência e no heroísmo<br />

por meio do qual a Igreja,<br />

ajudada por Deus,<br />

chegou a tamanha<br />

glória. Quando<br />

se pensa nos primórdios do<br />

Catolicismo, comparado por seu<br />

Divino Fundador com o pequenino<br />

grão de mostarda, e se vê hoje<br />

que a copa da árvore é maior<br />

que os mais extensos desertos e as<br />

mais vastas nações, são todas as<br />

fibras católicas que vibram e se<br />

dilatam nos nossos corações. Do<br />

esplendor desta magnífica realidade<br />

se desprende uma voz, porque<br />

os fatos falam. E esta voz,<br />

eco de outra Voz, nos diz com firmeza<br />

mais do que nunca:<br />

non praevalebunt!<br />

(Do “Legionário”<br />

de 17/2/1946)<br />

São Pedro -<br />

Catedral da<br />

Sé, São Paulo<br />

T. Ring


Publicação Mensal Ano IX - Nº <strong>95</strong> Fevereiro de 2006<br />

Sumário<br />

Lourdes: onde o<br />

Céu e a Terra se tocam...<br />

Na capa, o Santuário<br />

de Nossa Senhora<br />

de Lourdes, França<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />

propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />

CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />

INSC. - 115.227.674.110<br />

Diretor:<br />

Antonio Augusto Lisbôa Miranda<br />

Jornalista Responsável:<br />

Othon Carlos Werner – DRT/SP 7650<br />

Conselho Consultivo:<br />

Antonio Rodrigues Ferreira<br />

Marcos Ribeiro Dantas<br />

Carlos Augusto G. Picanço<br />

Jorge Eduardo G. Koury<br />

Redação e Administração:<br />

Rua Santo Egídio, 418<br />

02461-010 S. Paulo - SP - Tel: (11) 6236-1027<br />

E-mail: editora_retornarei@yahoo.com.br<br />

Impressão e acabamento:<br />

Pavagraf Editora Gráfica Ltda.<br />

Rua Barão do Serro Largo, 296<br />

03335-000 S. Paulo - SP - Tel: (11) 6606-2409<br />

Editorial<br />

4 A necessária virtude da previdência<br />

Datas na vida de um cruzado<br />

5 16 de fevereiro de 1936:<br />

Entusiasmo pelo Papa<br />

Dona Lucilia<br />

6 Admirativa lembrança do pai<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

10 No Senhor há copiosa<br />

redenção<br />

14 Calendário litúrgico<br />

O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

16 Amor e conhecimento<br />

“R-CR” em perguntas e respostas<br />

20 O processo revolucionário<br />

Preços da assinatura anual<br />

Fevereiro de 2006<br />

Comum. . . . . . . . . . . . . . R$ 85,00<br />

Colaborador.. . . . . . . . . . R$ 120,00<br />

Propulsor. . . . . . . . . . . . . R$ 240,00<br />

Grande Propulsor. . . . . . R$ 400,00<br />

Exemplar avulso.. . . . . . . R$ 11,00<br />

Serviço de Atendimento<br />

ao Assinante<br />

Tel./Fax: (11) 6236-1027<br />

O Santo do mês<br />

24 Lourdes e a mediação<br />

universal de Maria<br />

Luzes da Civilização Cristã<br />

30 Um encontro com o<br />

“Beau Dieu d’Amiens”<br />

Última página<br />

36 Repleta de perdões


Editorial<br />

A necessária virtude da previdência<br />

D<br />

entre os valiosos conselhos legados por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> aos seus seguidores destaca-se, com a ênfase que nos tem<br />

sido dado conhecer ao longo destas páginas, o constante apelo à confiança na maternal e infalível misericórdia<br />

de Maria Santíssima. Disposição de alma essa que ele recomendava, sobretudo, para as encruzilhadas<br />

da vida espiritual e os momentos cruciantes do quotidiano terreno.<br />

Porém, ao lado da confiança, empenhava-se <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em incentivar a prática de outra virtude, não menos importante<br />

e necessária que aquela — a da previdência. Assim, ensinava ele: “O homem previdente procura perceber o perigo<br />

quando este é ainda pequeno e remoto, pois melhor se prepara o confronto contra algo distante, e mais facilmente<br />

se vence o que tem menores proporções.<br />

“Ora, na existência de todos os dias constatamos que a maior parte das pessoas não possui o hábito dessa previdência.<br />

Na teoria, todos concordam com o acerto de tal atitude de espírito, mas, de fato, poucos a observam. Deixa-se o<br />

perigo remoto e pequeno crescer, avolumar-se, imbuídos da idéia segundo a qual, em última análise, sempre pode sobrevir<br />

um imprevisto que afaste o risco. Desse modo, não nos aflige a preocupação de estarmos atentos quanto a uma<br />

eventualidade ruim. Esta, provavelmente, se resolverá por si mesma.<br />

“Ademais, aos imprevidentes acode amiúde a noção de que para tudo há o famoso ‘jeitinho’: caso o perigo se torne<br />

grande, ao invés de se fazer um imenso esforço e preparar uma tenaz investida contra ele, dá-se um ‘jeitinho’ e o<br />

mal se afasta...<br />

“Devemos nos lembrar, porém, desta outra verdade: se o ‘jeitinho’ por vezes soluciona, o mínimo que se pode dizer<br />

é que por vezes não nos socorre. E se alguém não deseja ser derrotado em nenhuma circunstância, o remédio é ser<br />

continuamente previdente, pois, do contrário, num belo momento ele não prevê o perigo, este cresce de modo súbito<br />

e o estrangula. Portanto, quem possui o senso da responsabilidade e do dever, não pode pensar de outra forma.<br />

“Essa disposição de alma, mais do que em relação às dificuldades temporais, vale para enfrentar os perigos da vida<br />

espiritual. Começa a se delinear em nós um pequeno defeito. Se o combatermos de imediato, nossa integridade espiritual<br />

estará salva. Se lhe opusermos resistência apenas quando ele avulta, já nos tornamos débeis: diante do defeito<br />

fraco, o homem é forte; diante do defeito forte, o homem é fraco.<br />

“Cumpre, pois, termos uma vigilância continuamente voltada para nossa vida interior. Importa sermos desconfiados<br />

contra nós mesmos. De <strong>Plinio</strong> Corrêa de Oliveira quem mais deve desconfiar é <strong>Plinio</strong> Corrêa de Oliveira, pois o<br />

principal responsável por mim junto a Deus e à Santíssima Virgem sou eu próprio. E como me sei concebido no pecado<br />

original, portanto com más inclinações e defeitos, devo nutrir desconfiança contra essas imperfeições, não lhes fazendo<br />

concessão alguma, vendo todos os ardis que a fraqueza humana pode sugerir em mim para ceder a elas. Desse<br />

modo as poderei vencer. Se não combato a pequena lacuna, a armadilha quase imperceptível, dentro em pouco estarei<br />

na voragem de uma tentação sob a qual posso sucumbir.<br />

“Vigiai e orai para não cairdes em tentação, recomendou o Divino Mestre. Quer dizer, é preciso vigiar, é necessário<br />

prever. O homem vigilante e previdente não se assusta com a proximidade do perigo, pois já se preparou para enfrentá-lo,<br />

planejou todos os lances da luta e compreende que fez o que devia ter feito. Sobretudo suplica o misericordioso<br />

auxílio de Nossa Senhora, principal fator de qualquer êxito na vida espiritual. Nosso próprio esforço será indispensável,<br />

porém secundário: o elemento primordial é a graça divina, obtida pelo Sangue de Jesus Cristo, sempre sob o poderoso<br />

amparo de Maria Santíssima.<br />

“Pelo contrário, o homem imprevidente e sem vigilância procura não pensar no perigo e quando este se apresenta,<br />

não sabe como agir. Aturdido, não encontra os meios adequados para se defender em tal confronto. Pode ser derrotado.<br />

Já o vigilante, mesmo diante do revés, não se deixa esmorecer. Recobra forças e novo ânimo face ao infortúnio.<br />

Sua consciência está tranqüila, pois ele procedeu como devia. Sabe que Nossa Senhora o protegerá ainda mais. Outras<br />

e maiores vitórias lhe estão reservadas.”<br />

Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.


Datas na vida de um cruzado<br />

16 de fevereiro de 1936<br />

Entusiasmo pelo Papa<br />

Há 70 anos, por ocasião da Exposição<br />

Mundial de Imprensa Católica, <strong>Dr</strong>.<br />

<strong>Plinio</strong> assinalava nas páginas do “Legionário”<br />

a necessidade de um jornalismo católico<br />

firme e ardorosamente baseado na devoção<br />

ao Sucessor de Pedro. Necessidade esta que ele<br />

próprio procurava atender, como zeloso diretor<br />

daquele semanário, órgão de notável influência<br />

no catolicismo brasileiro. Acompanhemos, pois,<br />

algumas passagens desse importante artigo:<br />

“Seria preciso desconhecer estranhamente a<br />

personalidade gigantesca de Pio XI para se iludir<br />

sobre o proveito que Sua Santidade tirará, na ordem<br />

prática das coisas, da Exposição Mundial de<br />

Imprensa Católica, a realizar-se brevemente no<br />

Vaticano, sob os auspícios da Santa Sé.<br />

“Três vantagens principais decorrerão da Exposição.<br />

A primeira é um estímulo vigoroso à causa<br />

do jornalismo católico. Diante de todo o mundo<br />

católico, o Santo Padre manifesta seu vibrante<br />

interesse pelo desenvolvimento da imprensa católica,<br />

tomando pessoalmente a iniciativa do grande<br />

certame. E prova, assim, ‘coram populo’, a importância<br />

da questão da imprensa para a ação católica.<br />

A segunda consiste em reforçar os laços de afeto<br />

e respeito que vinculam ao Trono de São Pedro<br />

os jornalistas católicos do mundo inteiro.<br />

“O valor de um católico se aquilata pelo seu entusiasmo<br />

pelo Papa. A devoção ao Pontífice Romano<br />

é o selo e a cúpula de toda a formação religiosa.<br />

E essa devoção deve ser particularmente<br />

veemente no jornalista católico, que, como soldado<br />

da Igreja, deve ser um modelo de obediência<br />

e amor ao seu Pastor Supremo. A terceira vantagem<br />

consiste em mostrar tudo o que os católicos<br />

têm feito... e tudo o que eles não têm feito, pela<br />

imprensa católica. Realmente, a par de grandes<br />

provas de capacidade realizadora em matéria de<br />

imprensa católica, haverá mais de um ‘stand’ que<br />

atestará mesmo em países de maioria absolutamente<br />

católica um atraso lamentável. E isso dará<br />

certamente ao Santo Padre a oportunidade para<br />

louvar ou não louvar o que se tiver feito ou o que<br />

se tiver deixado de fazer... (...)<br />

“A recente entrevista que ao ‘Legionário’, concedeu<br />

S. Exa. Revma. o Sr. Arcebispo Metropolitano,<br />

na visita que lhe fizemos, nos permite, a nós, colaboradores,<br />

redatores e leitores do ‘Legionário’ estar<br />

com a consciência tranqüila. Realmente, dentro da<br />

contingência de nossas forças, temos feito o possível<br />

neste terreno, entrando cada qual com a contribuição<br />

intelectual ou pecuniária que pode prestar.<br />

O ‘Legionário’ tem procurado vencer uma das dificuldades<br />

preliminares mais importantes, para a solução<br />

da questão da imprensa católica. (...)<br />

Como pensar em fazer imediatamente um jornal<br />

[quotidiano] católico? Antes de fazer o jornal,<br />

não será necessário fazer os jornalistas? Antes de<br />

construir uma casa, não é indispensável que exista<br />

uma olaria que fabrique os tijolos necessários para<br />

a construção? O ‘Legionário’ pretende ser essa<br />

olaria.” <br />

v<br />

Fiel aos princípios que<br />

propugnava como<br />

jornalista católico, <strong>Dr</strong>.<br />

<strong>Plinio</strong> não negligenciava<br />

nenhuma ocasião para<br />

expressar sua devoção e<br />

obediência ao Pontífice<br />

Romano, nas páginas<br />

da folha por ele dirigida<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> (o 5º da<br />

esquerda para a direita)<br />

na sede do “Legionário”


Dona Lucilia<br />

Admirativa<br />

lembrança do pai<br />

Como vimos em anteriores artigos,<br />

Dª Lucilia muito admirava<br />

as qualidades morais de<br />

seu pai, <strong>Dr</strong>. Antônio, e se comprazia<br />

em assinalá-las quando recordava os<br />

episódios marcantes de sua infância<br />

na antiga Pirassununga.<br />

<strong>Dr</strong>. Antônio ampara<br />

um adversário político<br />

Por exemplo, a generosidade abnegada<br />

com que estendia ao próximo<br />

sua mão protetora, mesmo que o beneficiado<br />

não comungasse das mesmas<br />

crenças políticas. Assim, certa<br />

feita um ferrenho adversário seu fora<br />

injustamente acusado como autor<br />

de um crime. Nenhum advogado em<br />

Pirassununga aceitou defender o suposto<br />

criminoso, a não ser <strong>Dr</strong>. Antônio.<br />

O fato de um inimigo político<br />

Residência da Família Ribeiro dos Santos na antiga Pirassununga


Ao contar esse episódio, Dª Lucilia<br />

ufana revivia as cenas, não por desejar<br />

engrandecer-se, mas para realçar<br />

o caráter impoluto de seu pai, que<br />

tanta confiança despertara ao inimigo.<br />

Destacava a magnanimidade de<br />

<strong>Dr</strong>. Antônio em relação a um homem<br />

o qual, aliás, após ter sido posto em liberdade,<br />

voltou a atacá-lo.<br />

Uma noite, anos mais tarde, batem<br />

à janela de <strong>Dr</strong>. Antônio, a fim<br />

de lhe dizer que o referido homem<br />

estava morrendo de tuberculose, e<br />

pedir urgente socorro. O moribundo<br />

havia caído na miséria e nem sequer<br />

cama possuía. Agonizava deitado<br />

no chão, enquanto sua esposa,<br />

ajoelhada, lhe sustentava a cabeça.<br />

Apesar do grande risco de contágio,<br />

<strong>Dr</strong>. Antônio, esquecendo-se de todas<br />

as ofensas de que tinha sido objeto,<br />

vai pessoalmente à farmácia e,<br />

após comprar a suas expensas todos<br />

os medicamentos necessários, atende<br />

o enfermo. Por fim, o adversário<br />

expira em seus braços...<br />

Salvando a vida<br />

de um inimigo<br />

As qualidades morais do pai causavam profunda<br />

impressão na alma da jovem Lucilia, que delas<br />

guardaria enlevada recordação até o fim de sua vida<br />

ter a ele recorrido como advogado,<br />

constituía reconhecimento cabal de<br />

sua nobre imparcialidade.<br />

O homem havia sido preso numa<br />

cidade distante e devia chegar de<br />

trem, para ser julgado em Pirassununga.<br />

Espalhou-se o boato de que<br />

seus inimigos tinham organizado<br />

uma vaia à sua passagem. Apesar da<br />

possibilidade de tal vexame, <strong>Dr</strong>. Antônio<br />

recebeu-o na estação e advertiu<br />

os soldados:<br />

— Sou o <strong>Dr</strong>. Antônio e respondo<br />

pela liberdade deste homem. Vamos<br />

atravessar a cidade juntos e não haverá<br />

vaia!<br />

E acompanhou seu cliente até a<br />

cadeia. No dia seguinte, <strong>Dr</strong>. Antônio<br />

compareceu ao tribunal, defendendo<br />

vitoriosamente o inimigo.<br />

Eis um outro fato que, para Dª<br />

Lucilia, pareceu rico em significado,<br />

razão pela qual o conservou em sua<br />

memória com muito carinho. Mais<br />

uma vez foi seu querido pai o protagonista.<br />

Certa ocasião, <strong>Dr</strong>. Antônio compareceu<br />

a uma reunião num local<br />

ermo, fora da cidade, onde para se<br />

chegar era preciso atravessar a cavalo<br />

uma floresta. Concluído o encontro,<br />

quando ele estava pronto para<br />

partir, recebeu a comunicação de<br />

que estava preparada uma emboscada<br />

para assassinar um dos participantes,<br />

seu adversário.<br />

Tomado por um grande sentimento<br />

de lealdade, procurou a pessoa visada<br />

e lhe disse:<br />

— Está armada essa emboscada.<br />

Mas os eventuais assassinos vão tentar<br />

identificá-lo pela roupa, pela capa,<br />

pelo chapéu, porque à noite, na<br />

floresta, é difícil distinguir as fisionomias.<br />

Faço-lhe uma proposta: troquemos<br />

de capa e de chapéu, e primeiro<br />

sai o senhor com as minhas<br />

vestes, conseguindo assim passar ileso.<br />

Depois eu saio com seu chapéu e<br />

sua capa, mas de rosto inteiramente<br />

de fora, e uma lanterna acesa, de<br />

maneira que percebam que sou eu.<br />

Creio que desta forma escapamos os<br />

dois.<br />

Dito e feito.<br />

Dona Lucilia achava sublime a<br />

caridosa lealdade de <strong>Dr</strong>. Antônio<br />

em favor de um inimigo. As narrativas<br />

delas, em que tanto transparecia<br />

sua veneração pelo pai, assim como<br />

pelos encantos do Brasil antigo,<br />

tinham certo modo francês de enca-


Dona Lucilia<br />

rar e descrever aquela realidade na<br />

qual se mesclavam algo de banditismo<br />

nacional e de romances ao estilo<br />

de Alexandre Dumas...<br />

O testamento de uma<br />

mulher de má vida<br />

De outra circunstância bastante<br />

diversa, Dª Lucilia recolheu mais<br />

um elemento, a fim de compor o<br />

mosaico da integridade de caráter<br />

de <strong>Dr</strong>. Antônio, que a memória dela<br />

soube conservar com verdadeiro<br />

amor filial.<br />

Encontrava-se às portas da morte<br />

uma mulher de notória má vida,<br />

que ganhava grandes quantias de ricos<br />

fazendeiros da região. Vendo seu<br />

fim próximo, resolveu deixar os bens<br />

à família, através de testamento. Mas<br />

não aceitou outro advogado que não<br />

fosse <strong>Dr</strong>. Antônio, e explicou:<br />

— Homem que freqüenta minha<br />

casa não merece confiança. Eu só<br />

dou minha confiança a quem nunca<br />

esteve aqui.<br />

Diante dessa difícil situação, a primeira<br />

atitude que ele tomou foi procurar<br />

sua esposa, Dª Gabriela, e pôla<br />

ao corrente, dizendo-lhe:<br />

— Eu vou se você quiser; se você<br />

não quiser, não vou. Porque quem<br />

tem direito sobre mim é você. Agora<br />

diga o que você quer.<br />

Somente depois da autorização<br />

da esposa, <strong>Dr</strong>. Antônio aceitou fazer<br />

o testamento daquela pessoa.<br />

Rejeição de um<br />

negócio desonesto<br />

Ainda outra história, da qual Dª<br />

Lucilia nunca se olvidou, dava-lhe<br />

ensejo de destacar o irrepreensível<br />

feitio moral de seu pai.<br />

Certo dia, <strong>Dr</strong>. Antônio recebeu<br />

um recado da parte de influentes<br />

amigos de São Paulo, convidando-o<br />

para uma reunião na Capital, presidida<br />

por um conhecido personagem.<br />

Foi só sentar-se à mesa, percebeu<br />

tratar-se de um alto negócio, pois estavam<br />

presentes pessoas muito importantes.<br />

Ouviu as propostas e, ao<br />

certificar-se de que nelas havia uma<br />

ponta de desonestidade, levantou-se<br />

repentinamente, dizendo:<br />

— Então é a mim que vocês vêm<br />

propor uma coisa dessas? Incomodarem-me<br />

em Pirassununga e me tirarem<br />

dos meus negócios, para vir<br />

aqui e ouvir isso? É inacreditável! —<br />

e saiu.<br />

Ainda não tinha chegado à rua,<br />

notou que alguém lhe vinha ao encalço.<br />

Era Antônio da Silva Telles 1 ,<br />

que o tendo alcançado, disse:<br />

— Totó, estou com você.<br />

Aspecto da velha estação ferroviária de Pirassununga


Foram os dois únicos a se retirarem<br />

da reunião.<br />

Fatos como esse repercutiam fora<br />

do ambiente doméstico, granjeando<br />

a <strong>Dr</strong>. Antônio fama de homem honesto<br />

e criterioso, a qual perdurou<br />

na sociedade paulista.<br />

Assim, contava um neto do Barão<br />

de Piracicaba que seu avô costumava<br />

dizer:<br />

“Em minha casa só se faz negócio<br />

aprovado pelo Antônio Ribeiro dos<br />

Santos. Quem sabe fazer contrato,<br />

amarrar de modo que ninguém desamarra,<br />

é ele. E por causa disso eu<br />

não faço negócio sem ouvi-lo. Ele sabe<br />

proceder com bom senso, regra,<br />

medida e perfeição”.<br />

<strong>Dr</strong>. Antônio da Silva Telles<br />

Compreende-se, pois, que Dª Lucilia<br />

conservasse do pai uma saudosa,<br />

admirativa e respeitosa lembrança<br />

que procuraria transmitir aos seus<br />

próprios filhos.<br />

(Transcrito, com adaptações,<br />

da obra “Dona Lucilia”,<br />

de João S. Clá Dias)<br />

<strong>Dr</strong>. Antônio Ribeiro dos Santos<br />

1<br />

) Antônio Carlos da Silva Telles provinha<br />

da alta sociedade do Estado do<br />

Rio, tendo, pelo matrimônio, unidose<br />

a uma família de fazendeiros paulistas,<br />

riquíssimos e muito finos. Íntimo<br />

amigo de <strong>Dr</strong>. Antônio Ribeiro<br />

dos Santos, até fisicamente se parecia<br />

com ele, embora não tivessem entre si<br />

o mínimo parentesco. Era um daqueles<br />

homens que, para Dª Lucilia, permaneceram<br />

como símbolos da sociedade<br />

de outrora, idealizada por ela<br />

como quase totalmente virtuosa.


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

No Senhor há<br />

copiosa redenção<br />

Concluindo seus comentários ao Salmo 129 — o De Profundis<br />

— <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> ressalta a beleza da alma arrependida que se<br />

sentiu objeto da amplitude do perdão divino. Transbordante<br />

de reconhecimento, o Salmista recomenda aos que trilham o<br />

caminho da vida: do início da manhã até a noite, confiai na<br />

bondade de Deus, pois o Salvador se encarnou no seio de Maria<br />

para trazer a todos a sua “copiosa redenção”.<br />

Como já tivemos ocasião de observar em relação<br />

aos outros Salmos Penitenciais, também no De<br />

Profundis encontraremos uma preocupação com a<br />

beleza poética do texto que não o abandona um só instante.<br />

Não de uma poesia trivial, mas imbuída de algo<br />

encantador.<br />

A contrição fez nascer a alegria<br />

Podemos imaginar cidades daquele tempo pastoril,<br />

a maior parte delas pequenas, dominadas pela vida bucólica<br />

que as circundava, nas quais os habitantes se sentiam<br />

no campo. Fez-se noite. Enquanto quase todos dormiam,<br />

um pecador arrependido de suas quedas chorava,<br />

elevando ao Céu sua prece entre lágrimas, implorando a<br />

misericórdia divina.<br />

Quando os primeiros raios do sol tingem o horizonte<br />

e a claridade da manhã principia a entrar pelas frestas da<br />

porta e da janela, o pranto dele toma certa nota de alegria.<br />

Poder-se-ia dizer que, assim como a noite gerou o<br />

dia, a contrição fez nascer a felicidade e trouxe o perdão.<br />

“Confiai na misericórdia<br />

e sereis atendidos”<br />

Afirma a seguir o Salmista:<br />

Desde a vigília da manhã até a noite, espere Israel no Senhor.<br />

Desde o despertar até a hora de dormir — em que a<br />

luta pela vida de certa forma se interrompe, os olhos se<br />

fecham e o sono toma conta do homem — deve ele esperar<br />

em Deus, mesmo sobrevindo as coisas mais indesejáveis.<br />

Pode até cair sobre um justo a série de infortúnios<br />

desencadeados pelo demônio contra Jó, fazendo<br />

com que todo o edifício de sua grandeza e felicidade terrena<br />

desabe em cima dele. Segundo o texto sagrado (cf.<br />

Jó 2, 9), aquele só não perdeu a esposa, que o acompanhou<br />

para criticá-lo na miséria. Leproso, Jó sentou-se<br />

10


A exemplo do paciente<br />

Jó, o homem deve<br />

sempre confiar em<br />

Deus, mesmo em<br />

meio aos maiores<br />

infortúnios<br />

S. Hollmann<br />

Jó - Catedral<br />

de Pamplona,<br />

Navarra<br />

11


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

num monturo de cacos, transformado na cátedra de sua<br />

dor. Ainda assim, confiou e esperou no Senhor.<br />

Insisto na preocupação do Salmista de exprimir com<br />

pulcritude seus pensamentos, a fim de nos fazer sentir<br />

melhor o sabor da realidade.<br />

Infelizmente, a vida moderna não favorece muito o hábito<br />

de nos determos a considerar essas belezas e com elas<br />

nos deleitarmos. Como essa é uma atitude equivocada! Se<br />

Deus realizou tantas coisas magníficas, sublimes, é seu desejo<br />

que nos aquietemos para nelas meditar e refletir.<br />

Então o Salmista, como homem que teve a experiência<br />

da misericórdia de Deus, oferece este conselho: “Vejam<br />

como eu não merecia o perdão, mas chorei, pranteei<br />

e o obtive. Vós todos que andais pelo caminho, confiai<br />

na clemência divina desde a manhã até a noite e também<br />

a alcançareis!”<br />

É o sentido deste Salmo.<br />

Christus Rex Inc.<br />

Abundância do perdão divino<br />

Porque no Senhor está a misericórdia, e há n’Ele copiosa<br />

redenção.<br />

A primeira frase desse versículo — “no Senhor está a<br />

misericórdia” —, pode parecer um tanto vaga, porém encerra<br />

profundo sentido.<br />

Na verdade, a misericórdia existente no mundo é um<br />

desdobramento e um efeito do amor do Altíssimo para<br />

com os homens. Porque Ele é misericordioso, há homens<br />

misericordiosos sobre a Terra. E as pessoas concebidas<br />

no pecado original, esquecendo-se de Deus, podem se<br />

tornar hostis umas em relação às outras. Assim, quanto<br />

mais uma sociedade tende para o ateísmo, mais se transforma<br />

num conjunto de animais selvagens.<br />

...e há n’Ele copiosa redenção.<br />

Isto é, o Deus Filho, encarnado, sofreu e morreu por<br />

nós, como nosso Redentor. Os méritos infinitos de seu<br />

sacrifício obtiveram do Pai Eterno o perdão de nossas<br />

culpas. Então, por sua misericórdia, Ele limpa os pecados<br />

dos homens, e o faz copiosamente, com abundância<br />

e largueza.<br />

E Ele mesmo redimirá Israel de todas as suas iniqüidades.<br />

Meditando nessas palavras finais do Salmo, é difícil<br />

não pensar, uma vez mais, em Nosso Senhor Jesus Cristo<br />

como Salvador do mundo. Nesse sentido, revestem-se<br />

elas de um caráter profético, pois não apenas uma nação<br />

— no caso, Israel — nem estes ou aqueles indivíduos,<br />

mas a humanidade inteira necessitou de redenção. E o<br />

Redentor veio, gerado pelo Espírito Santo no seio puríssimo<br />

de Maria, padeceu e se imolou por nós, abrindo novamente<br />

para os homens as portas do Céu.<br />

Pode-se dizer que Jesus verteu torrentes de sangue; ou<br />

seja, o sangue por Ele derramado era de certo modo dor<br />

No alto do Calvário,<br />

aparentemente derrotado, Nosso<br />

Senhor ergueu um louro<br />

“Crucifixão” - Ricas Horas<br />

12


liquefeita, sofrimentos indizíveis, amargados de todas as<br />

formas possíveis. Porém, a redenção operada por Ele é<br />

também copiosa, jorra aos borbotões.<br />

Clemência paradigmática: a<br />

conversão do bom ladrão<br />

de vitória: converteu o bom<br />

ladrão e lhe prometeu a eterna<br />

bem-aventurança<br />

do Duque de Berry<br />

Uma das mais tocantes provas dessa misericórdia infinita<br />

deu-se no último lance da Paixão, quando Ele, parecendo<br />

derrotado, ergueu um louro de vitória: a conversão<br />

de Dimas.<br />

Três estavam crucificados no alto do Calvário: o Santo<br />

dos Santos, o bom ladrão e o mau. Este último, facínora<br />

como era, sentindo que sua vida terminava, inconformado<br />

blasfemava contra Nosso Senhor. O outro, ao ver<br />

Jesus pregado no madeiro, deixou-se tocar pela santidade<br />

do Verbo Encarnado. Dimas compreendeu que sua vida<br />

criminosa o tornava merecedor da punição recebida.<br />

Porém, havendo em Cristo “copiosa redenção”, sentiu a<br />

ação da graça sobre ele, infundindo-lhe a esperança de<br />

receber o perdão daquele Homem, não só extraordinário,<br />

mas superior a toda cogitação.<br />

Quiçá, antes de morrer, o bom ladrão pensou: “Ele<br />

não é um simples ser humano, mas é o Homem-Deus”.<br />

Abraçou, então, a fé que por assim dizer emanava de Jesus<br />

crucificado, de quem é abundante a clemência, e deve<br />

ter dito ao Salvador que O reconhecia e O adorava como<br />

Deus. E se Dimas não o declarou com palavras, explicitou<br />

essa verdade no seu coração, e Nosso Senhor, sem<br />

dúvida, conheceu os desejos e intenções dele.<br />

Por isso Jesus lhe fez uma promessa que era a confirmação<br />

de tudo quanto ele sentia no seu íntimo: “Hoje<br />

estarás comigo no Paraíso” (Lc 23, 43). Ou seja, o<br />

Redentor Divino perdoou todos os pecados do bom ladrão<br />

e, pouco depois, levava a alma dele para o Céu.<br />

Cabe considerar que, enquanto não se operou a Redenção<br />

pela morte de Jesus, nenhum homem entrou<br />

na bem-aventurança eterna. Nem mesmo São José,<br />

pai adotivo de Nosso Senhor, esposo legítimo de Maria<br />

Santíssima. E a esse ladrão, ex-miserável, gloriosamente<br />

redimido, o Salvador afirmou: “Hoje estarás comigo<br />

no Paraíso”.<br />

As almas de incontáveis justos presumivelmente esperavam<br />

há dezenas, centenas e milhares anos que o Messias<br />

morresse por elas na cruz e lhes franqueasse os umbrais<br />

do Céu. Ora, pouco antes do consummatum est,<br />

Nosso Senhor quis manifestar esse prodígio: tomou um<br />

bandido, transformou-o em santo e proclamou sua santidade<br />

ante os homens, dizendo-lhe: “Venha comigo!”<br />

A conversão do bom ladrão se insere, pois, nos fatos<br />

que estes versículos finais do Salmo 129, tocantes e proféticos,<br />

nos fazem entrever.<br />

v<br />

13


Calendário litúrgico<br />

1. Santa Brígida da Irlanda, séc.<br />

V. Abadessa e Fundadora do Mosteiro<br />

de Kildare.<br />

2. Apresentação de Nosso Senhor<br />

no Templo. “Concluídos os<br />

dias da sua purificação segundo<br />

a Lei de Moisés, levaram-no a Jerusalém<br />

para o apresentar ao Senhor,<br />

conforme o que está escrito<br />

na lei do Senhor: Todo primogênito<br />

do sexo masculino será consagrado<br />

ao Senhor (Ex 13,2); e para oferecerem<br />

o sacrifício prescrito pela lei<br />

do Senhor, um par de rolas ou dois<br />

pombinhos” (Lc 2, 22-24).<br />

3. Santo Ansgar (Oscar), + 865.<br />

Beneditino, foi o primeiro Bispo de<br />

Hamburgo e Bremen. Nascido na<br />

França, tornou-se o apóstolo da Dinamarca<br />

e Suécia, e é venerado como<br />

o Padroeiro da Escandinávia.<br />

São Brás, Bispo e Mártir, +323.<br />

Martirizado em Sebaste, na Armênia.<br />

4. Santa Joana de Valois, 1464-<br />

1505. Princesa, filha do monarca<br />

francês Luís XI. Após a anulação<br />

de seu casamento com o Rei Luís<br />

XII, retirou-se do mundo e fundou<br />

a Ordem da Santíssima Anunciação<br />

da Bem-Aventurada Virgem Maria,<br />

também conhecida como “Ordem<br />

das 10 virtudes de Maria”. Canonizada<br />

em 1<strong>95</strong>0.<br />

5. 5º Domingo do Tempo Comum.<br />

Santa Águeda, Virgem e Mártir,<br />

em Catania (Sicília) sob a perseguição<br />

de Décio, em 251.<br />

6. São Paulo Miki, Presbítero, e<br />

seus 25 companheiros, mártires do<br />

Japão. Foram crucificados em Nagasaki,<br />

em 5 de fevereiro de 1597.<br />

Do alto da cruz, Paulo continuava<br />

a pregar, perdoando os verdugos e<br />

convidando-os à conversão.<br />

7. Beato Pio IX, Papa, séc. XIX.<br />

Exerceu o pontificado mais longo da<br />

história depois do de São Pedro, zelando<br />

pelos destinos da Igreja por 31<br />

anos e 7 meses, de 1846 a 1878. Entre<br />

os grandes acontecimentos de<br />

seu governo, destacam-se as proclamações<br />

dos dogmas da Imaculada<br />

Conceição (8 de dezembro de 1854)<br />

e o da Infalibilidade Papal (1870).<br />

São Ricardo, Príncipe de Wessex<br />

(Inglaterra). Morto em Lucca (Itália),<br />

em 722, quando se dirigia em peregrinação<br />

a Roma. Pai dos santos<br />

Wunibaldo, Wilibaldo e Walburga.<br />

8. São Jerônimo Emiliani, Presbítero,<br />

1486-1537. Fundador da<br />

Congregação dos Clérigos Regulares<br />

(padres Somascos).<br />

9. Santa Apolônia, Virgem e<br />

Mártir, + 249. Supliciada em Alexandria,<br />

no Egito.<br />

10. Santa Escolástica, Virgem,<br />

480-547. Irmã gêmea de São Bento<br />

e fundadora de um mosteiro de<br />

freiras ao pé do Monte Cassino.<br />

11. Nossa Senhora de Lourdes.<br />

12. 6º Domingo do Tempo Comum.<br />

Santa Eulália, Virgem e Mártir,<br />

+ 304. Padroeira da cidade de Barcelona,<br />

Espanha.<br />

13. São Gregório II, Papa, 669-<br />

731. Pontífice a partir de 715, distinguiu-se<br />

como grande evangelizador,<br />

enviando São Bonifácio à Alemanha.<br />

Defendeu a Igreja contra<br />

os bárbaros e os bizantinos.<br />

14. Santos Cirilo (+ 869) e Metódio<br />

(+ 885). Irmãos de sangue, foram<br />

apóstolos dos eslavos e proclamados<br />

por João Paulo II co-padroeiros<br />

da Europa, juntamente com São<br />

Bento e Santa Edith Stein.<br />

São Paulo Miki e companheiros<br />

15. São Cláudio da Colombière,<br />

Presbítero, 1641-1682. Jesuíta, após-<br />

14


* Fevereiro *<br />

tolo na Inglaterra e pregador no<br />

convento de Paray-le-Monial, onde<br />

tomou conhecimento das aparições<br />

do Sagrado Coração de Jesus a Santa<br />

Margarida Maria Alacoque. Tornou-se<br />

eminente propagador dessa<br />

devoção, difundindo-a até na Inglaterra,<br />

onde foi capelão da futura<br />

Rainha Maria de Modena.<br />

16. Santo Onésimo, séc. I. Antigo<br />

escravo, evangelizado por São<br />

Paulo enquanto este se achava prisioneiro<br />

em Roma (cf. Carta a Filemon).<br />

17. Sete Santos Fundadores dos<br />

Servos da Virgem Maria (Servitas),<br />

sécs. XIII-XIV.<br />

18. Santo Heládio, Bispo, + 632.<br />

Bispo de Toledo, na Espanha.<br />

19. 7º Domingo do Tempo Comum.<br />

São Leandro de Sevilha<br />

24. Santo Ethelbert, Rei de Kent,<br />

552-616. Convertido e batizado por<br />

Santo Agostinho de Canterbury,<br />

apóstolo da Inglaterra, colaborou<br />

com este na evangelização de seu<br />

povo. Conta-se que dez mil pessoas<br />

o seguiram na conversão. Foi o primeiro<br />

rei anglo-saxão a ingressar na<br />

Igreja Católica.<br />

Santa<br />

Apolônia<br />

20. Beata Jacinta Marto. Uma<br />

das três crianças que viram Nossa<br />

Senhora em Fátima, em 1917. Beatificada<br />

junto com seu irmão, Francisco,<br />

em 2000.<br />

21. São Pedro Damião, Cardeal e<br />

Doutor da Igreja, séc. XI.<br />

22. Cátedra de São Pedro, Apóstolo.<br />

23. São Policarpo de Esmirna,<br />

Bispo e Mártir, sécs. I-II. Discípulo<br />

de São João Evangelista, recolheu<br />

depoimentos de testemunhas oculares<br />

da vida de Jesus Cristo.<br />

25. Santa Jacinta de Marescotti,<br />

1585-1640. Religiosa clarissa franciscana.<br />

26. 8º. Domingo do Tempo Comum.<br />

Santo Alexandre, Bispo, + 326.<br />

Bispo de Alexandria, condenou Ario<br />

no Sínodo realizado naquela cidade.<br />

Já idoso, participou do Concílio de<br />

Nicéia no qual se ratificou o anátema<br />

do arianismo, que tinha invadido<br />

a Cristandade. Cuidou da formação<br />

de Santo Atanásio, um dos grandes<br />

Padres da Igreja.<br />

27. São Gabriel da Virgem Dolorosa,<br />

1838-1862. Seminarista da<br />

Ordem Passionista, reluziu pela excelência<br />

de suas virtudes e profunda<br />

devoção a Nossa Senhora das<br />

Dores.<br />

28. São Leandro, Bispo, + 596.<br />

Arcebispo de Sevilha, Espanha.<br />

15


O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Amor e<br />

conhecimento<br />

Ao contrário de certos pensadores que procuram enaltecer<br />

o papel exclusivo do raciocínio no conhecimento humano,<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> nos demonstra a íntima relação entre o “amar” e<br />

o “conhecer”, seus graus e modalidades diversos, os quais<br />

devem convergir para um amor único — de todo o nosso<br />

coração e toda a nossa alma — à Santa Igreja e a Deus.<br />

Consideramos em anterior exposição<br />

o papel da simbologia<br />

e o da inteligência na<br />

construção do conhecimento humano,<br />

e como a mentalidade distorcida<br />

do “ploc-ploc” 1 o leva a desprezar<br />

o amor aos símbolos para se ater somente<br />

ao exercício “geometrizado”<br />

e frio do intelecto.<br />

Relação entre amor<br />

e conhecimento<br />

A esse propósito, poder-se-ia observar<br />

que é por demais repetida a<br />

sentença: “ninguém ama o que não<br />

conhece”. Esse princípio não é falso,<br />

porém torna-se necessário explicar o<br />

significado de seus termos.<br />

Muitas vezes, o amor é mais intenso<br />

por aquilo que se conhece de<br />

modo insuficiente e cuja falta sentimos,<br />

do que por algo conhecido inteiramente.<br />

Por exemplo, um cego de nascença<br />

pode ter mais apego à vista do que um<br />

homem com visão normal. A tal ponto<br />

que se propusermos a ambos: “ofereçam<br />

a Deus o sacrifício de nunca ver,<br />

pelo êxito da causa católica no mun-<br />

Não raro,<br />

pode ser mais<br />

intenso o amor<br />

por algo que se<br />

conhece pouco<br />

do”, o primeiro talvez não aceite, enquanto<br />

o segundo seria capaz dessa<br />

imolação. Ora, como o cego pode<br />

amar tanto aquilo que nunca possuiu?<br />

A razão é porque há nele um certo<br />

“ver”, ao sentir a carência da vista.<br />

Entretanto, abstraindo de tudo isso,<br />

os de mentalidade “ploc-ploc”,<br />

de maneira apressada e sem procurar<br />

os matizes das palavras, gostam<br />

de dizer em latim: Nihil volitum nisi<br />

praecognitum... 2<br />

Mas, o que significa aqui o volitum<br />

[querido] e o praecognitum [conhecido<br />

anteriormente]? Não se pode dar<br />

o caso de um pagão, apesar das lacunas<br />

do paganismo, amar potencialmente<br />

mais a Igreja do que um batizado<br />

tíbio, perfeito conhecedor da<br />

doutrina católica?<br />

Lembra-me, nesse sentido, o fato<br />

narrado nas crônicas do Bem-aventurado<br />

José de Anchieta: um velho<br />

índio, vivendo nas matas brasileiras,<br />

passou anos e anos esperando<br />

pelo apóstolo jesuíta. Este por fim<br />

o encontrou e o batizou. Logo depois,<br />

o silvícola entregou sua alma<br />

a Deus, nos braços do santo missionário.<br />

16


T. Ring<br />

Não obstante as falhas do paganismo, um pagão pode, potencialmente, amar<br />

mais a Igreja do que um batizado tíbio e conhecedor da doutrina católica<br />

Anchieta catequisa os índios - Colégio São Luís, São Paulo<br />

Então, às vezes uma pessoa conhece<br />

incentivada por uma lacuna<br />

que movimenta a inteligência. E<br />

quase se poderia dizer que o desejo<br />

de conhecer acaba produzindo o<br />

conhecimento. Ou seja, depende do<br />

modo de empregar as palavras “conhecer”<br />

e “querer” no sentido filosófico<br />

ou no corrente, distinção esta<br />

17


O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

que alguns “intelectuais” não costumam<br />

fazer...<br />

Modalidades do “amar”<br />

De outro lado, a respeito da palavra<br />

“amar” caberia também certos<br />

aprofundamentos.<br />

Conforme a versão da Bíblia, o<br />

primeiro Mandamento preceitua:<br />

“Amarás o Senhor, teu Deus, de todo<br />

o teu coração, de toda a tua alma<br />

e de todas as suas forças” (Dt 6, 5).<br />

Tais palavras indicam que há graus<br />

de conhecer e de amar. Não apenas<br />

graus, mas modalidades, e precisamos<br />

empenhar umas e outros — que<br />

evidentemente não têm o mesmo<br />

significado — no amor a Deus.<br />

Analisemos, então, o “amar” em<br />

algumas de suas várias modalidades.<br />

O amor é um ato conjunto de diversas<br />

potências da alma. Se através<br />

do raciocínio chego à conclusão de<br />

que algo me convém, essa operação<br />

O desejo de<br />

conhecer pode<br />

acabar por<br />

produzir o<br />

conhecimento<br />

onde encontrarei convivas de trato<br />

amável e saborosas refeições. Mas,<br />

informam-me que ali existe grande<br />

probabilidade de contágio de uma<br />

doença bastante desagradável.<br />

Fico posto entre dois estados que<br />

conheço: a doença e a saúde, e as incertezas<br />

que matizam esse quadro. Faço<br />

um ato de amor à minha saúde se<br />

resolvo não ir, renunciando desfrutar<br />

de tais prazeres. Se, pelo contrário, decido<br />

por viajar, correndo o risco do<br />

contágio, fiz um ato de desamor à minha<br />

condição de homem saudável.<br />

Compreende-se como esse assunto<br />

pode parecer complexo, pois às vezes<br />

vale a pena enfrentar um pequeno risco<br />

para a saúde, a fim de se obter um<br />

imenso gáudio físico. Nesse caso, o indivíduo<br />

não faz um ato de desamor à<br />

sua robustez, mas de amor a uma cerdesperta<br />

em mim o desejo desse algo,<br />

e faço assim um ato de amor.<br />

Exemplifico. Ouço falar de um<br />

determinado lugar a partir do qual<br />

se descortina um lindo panorama,<br />

R. Hucke<br />

O superior prazer de contemplar um belo<br />

panorama ou de saborear um delicioso prato é<br />

uma modalidade de “amar”, entre as muitas que<br />

devem tender para o amor único à Igreja e a Deus<br />

Lago Llanquihue, Chile; na página 19, Igreja<br />

do Sagrado Coração de Jesus, São Paulo<br />

18


T. Ring<br />

ta plenitude a qual ele sentirá, provavelmente,<br />

de modo efêmero.<br />

Digamos que alguém de viagem<br />

pela Itália se depare com uma daquelas<br />

sedutoras vitrines de sorveteria,<br />

no país dos sorvetes monumentais.<br />

Ele está resfriado e pensa: “Sou<br />

forte, moço, e tomando esse sorvete<br />

terei um prazer muito valioso para<br />

mim, embora talvez passe alguns dias<br />

com dor de garganta. Isto será desagradável,<br />

mas constituirá um prejuízo<br />

efêmero para minha saúde.”<br />

Ele então toma o sorvete, mesmo<br />

sabendo que algumas pessoas, gripadas<br />

como ele está, sofrem complicações,<br />

agravamentos, pneumonia,<br />

etc., que podem conduzi-las à morte.<br />

Porém, diz a si mesmo: “Trata-se<br />

de um risco remoto à minha saúde”.<br />

Quer dizer, ele fará um ator de amor<br />

menor ou maior ao bem-estar físico,<br />

tomando ou não o sorvete.<br />

São essas algumas modalidades<br />

de amar.<br />

Amor único à Igreja<br />

O indivíduo que resolve dar sua<br />

vida e todos os bens nela contidos<br />

pela causa católica pratica igualmente<br />

uma dessas formas de amor. Assim<br />

fazendo, e sendo fiel a seu propósito,<br />

ele ama a Deus acima de todas<br />

as coisas terrenas. É um modo<br />

de “amar” com a razão, em que não<br />

entram os vis raciocínios feitos para<br />

se tomar ou não um sorvete, mas<br />

trata-se de algo sumamente elevado,<br />

onde incide a ação e a influência da<br />

Igreja.<br />

Podemos nos unir à Esposa Mística<br />

de Cristo por diversos lados da<br />

alma, e todas essas aderências, todos<br />

esses amores somados constituem o<br />

nosso amor único à Santa Igreja Católica<br />

Apostólica Romana.<br />

Por exemplo, as lembranças que<br />

conservo de minhas visitas, quando<br />

menino, à igreja do Coração de<br />

Jesus e dos sentimentos que ali tocavam<br />

minha alma; as recordações<br />

que todos guardamos de nossa Primeira<br />

Comunhão, de certas ações<br />

da graça em nosso íntimo, das impressões<br />

que tivemos ao ler a História<br />

Sagrada ou Eclesiástica, tudo<br />

isso constitui uma miríade de formas<br />

de amor das quais algumas —<br />

deveriam ser todas — ficaram em<br />

nosso espírito particularmente acesas:<br />

amor sensível, amor intelectivo,<br />

amor da mera vontade, amor de afinidade<br />

e tantos outros, e cujo conjunto<br />

compõe aquela adesão única<br />

à Igreja.<br />

Há, portanto, variados graus e formas<br />

de amor, como os há de conhecimento.<br />

E cabe a nós, repito, aplicálos<br />

todos no exercício mais elevado<br />

de nosso amor a Deus. v<br />

1<br />

) Cf. “<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>” número 94, pp. 18 e<br />

ss.<br />

2<br />

) “Nada é querido se não for antes conhecido”.<br />

19


“R-CR” em perguntas e respostas<br />

O processo<br />

revolucionário<br />

Nos trechos de seu livro<br />

“Revolução e Contra-<br />

Revolução”, transcritos<br />

a seguir, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> nos<br />

descreve os aspectos<br />

fundamentais da<br />

Revolução, como se tem<br />

desenvolvido desde a<br />

Pseudo-Reforma até os<br />

dias atuais, e lança vistas<br />

sobre os próximos e mais<br />

avançados estágios desse<br />

processo cinco vezes<br />

secular.<br />

As crises do mundo atual têm uma causa comum?<br />

“As muitas crises que abalam o mundo hodierno —<br />

do Estado, da família, da economia, da cultura, etc. —<br />

não constituem senão múltiplos aspectos de uma só crise<br />

fundamental, que tem como campo de ação o próprio<br />

20


homem. Em outros termos, essas crises têm sua raiz nos<br />

problemas de alma mais profundos, de onde se estendem<br />

para todos os aspectos da personalidade do homem contemporâneo<br />

e todas as suas atividades” (p. 21).<br />

(A essa crise fundamental <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> dá o nome de Revolução.)<br />

Características da Revolução<br />

Quais as características principais da Revolução?<br />

“Por mais profundos que sejam os fatores de diversificação<br />

dessa crise nos vários países hodiernos, ela conserva,<br />

sempre, cinco caracteres capitais: ela é universal,<br />

uma, total, dominante e processiva” (pp. 22 a 25).<br />

Explique o caráter processivo da Revolução.<br />

A Revolução “não é um fato espetacular e isolado. Ela<br />

constitui, pelo contrário, um processo crítico já cinco vezes<br />

secular, um longo sistema de causas e efeitos que,<br />

tendo nascido, em momento dado, com grande intensidade,<br />

nas zonas mais profundas da alma e da cultura do<br />

homem ocidental, vem produzindo, desde o século XV<br />

até nossos dias, sucessivas convulsões” (p. 25).<br />

Quais as etapas do processo revolucionário?<br />

“A Pseudo‐Reforma foi uma primeira revolução. Ela<br />

implantou o espírito de dúvida, o liberalismo religioso<br />

e o igualitarismo eclesiástico, em medida variável, aliás,<br />

nas várias seitas a que deu origem.<br />

A Revolução irrompeu com grande<br />

intensidade nas zonas profundas da alma<br />

do homem ocidental, e desde o século XV<br />

vem se desdobrando ao longo da História<br />

A primeira revolução - Lutero defende suas<br />

teses diante do Imperador Carlos V<br />

21


“R-CR” em perguntas e respostas<br />

“Seguiu‐se‐lhe a Revolução Francesa, que foi o triunfo<br />

do igualitarismo em dois campos. No campo religioso,<br />

sob a forma do ateísmo, especiosamente rotulado de laicismo.<br />

E na esfera política, pela falsa máxima de que toda<br />

desigualdade é uma injustiça, toda autoridade um perigo,<br />

e a liberdade o bem supremo.<br />

“O comunismo é a transposição destas máximas para<br />

o campo social e econômico. Estas três revoluções são<br />

episódios de uma só Revolução” (p. 15).<br />

Desdobramentos da Revolução<br />

Com a implantação do comunismo, extinguiu-se o processo<br />

revolucionário?<br />

“Como é bem sabido, nem Marx, nem a generalidade<br />

de seus mais notórios sequazes, tanto ‘ortodoxos’ como<br />

‘heterodoxos’, viram na ditadura do proletariado a etapa<br />

terminal do processo revolucionário.<br />

“Esta não é, segundo eles, senão o aspecto mais quintessenciado<br />

e dinâmico da Revolução universal.<br />

22


No processo revolucionário, à pseudoreforma<br />

seguiu-se a Revolução<br />

Francesa e o comunismo; outras<br />

transformações se antevêem, no fim<br />

das quais – segundo Marx e seus<br />

sequazes – o homem terá atingido<br />

um insuspeitado grau de liberdade,<br />

igualdade e fraternidade...<br />

Na página 22, a queda da Bastilha em 1789;<br />

acima, cena da revolução comunista de 1917<br />

“E, na mitologia evolucionista inerente ao pensamento<br />

de Marx e de seus seguidores, assim como a evolução<br />

se desenvolverá ao infinito no suceder dos séculos, assim<br />

também a Revolução não terá termo.<br />

“Da I Revolução já nasceram duas outras. A terceira,<br />

por sua vez, gerará mais uma. E daí por diante...”<br />

(p. 185).<br />

Em que consistirá a IV Revolução?<br />

“Essa previsão, os próprios marxistas já a fizeram.<br />

“Ela deverá ser a derrocada da ditadura do proletariado<br />

em conseqüência de uma nova crise, por força da qual<br />

o Estado hipertrofiado será vítima de sua própria hipertrofia.<br />

E desaparecerá, dando origem a um estado de coisas<br />

cientificista e cooperativista, no qual — dizem os comunistas<br />

— o homem terá alcançado um grau de liberdade,<br />

de igualdade e de fraternidade até aqui insuspeitável”<br />

(pp. 185-186).<br />

Algum Papa referiu-se ao processo revolucionário?<br />

“A este processo bem se podem aplicar as palavras de<br />

Pio XII a respeito de um subtil e misterioso ‘inimigo’ da<br />

Igreja: ‘Ele se encontra em todo lugar e no meio de todos:<br />

sabe ser violento e astuto. Nestes últimos séculos<br />

tentou realizar a desagregação intelectual, moral, social,<br />

da unidade no organismo misterioso de Cristo. Ele quis<br />

a natureza sem a graça, a razão sem a fé; a liberdade sem<br />

a autoridade; às vezes a autoridade sem a liberdade. É<br />

um ‘inimigo’ que se tornou cada vez mais concreto, com<br />

uma ausência de escrúpulos que ainda surpreende: Cristo<br />

sim, a Igreja não! Depois: Deus sim, Cristo não! Finalmente<br />

o grito ímpio: Deus está morto; e, até, Deus jamais<br />

existiu. E eis, agora, a tentativa de edificar a estrutura<br />

do mundo sobre bases que não hesitamos em indicar<br />

como principais responsáveis pela ameaça que pesa sobre<br />

a humanidade: uma economia sem Deus, um Direito<br />

sem Deus, uma política sem Deus’” 1 (p. 25). v<br />

1<br />

) Alocução à União dos Homens da Ação Católica Italiana, de<br />

12/10/1<strong>95</strong>2.<br />

23


O Santo do mês<br />

Lourdes e a mediação<br />

de Maria<br />

Em 11 de fevereiro comemorase<br />

a festa de Nossa Senhora de<br />

Lourdes, recordando a primeira<br />

aparição de Maria à camponesa<br />

Bernadete Soubirous. Aberta<br />

nas montanhas dos Pireneus,<br />

a Gruta de Massabielle<br />

tornou-se lugar de predileção<br />

do sobrenatural, onde uma<br />

impressionante sucessão de<br />

milagres tem beneficiado, não<br />

apenas os corpos, mas sobretudo<br />

as almas. Para <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, tais<br />

prodígios, alcançados a rogos da<br />

Santíssima Virgem, constituem<br />

espetacular confirmação da<br />

vontade divina de nos conceder<br />

todas as graças pela mediação<br />

da onipotência suplicante<br />

de Maria.<br />

Dentre os muitos aspectos da devoção a Nossa<br />

Senhora de Lourdes, um há que me parece<br />

insuficientemente acentuado, e sobre o qual<br />

gostaria de fazer incidir os presentes comentários.<br />

24


universal<br />

Fotos: G. Raymundo / V. Domingues<br />

Santuário de Nossa<br />

Senhora de Lourdes,<br />

França; no detalhe, a<br />

imagem da Virgem, na<br />

Gruta de Massabielle<br />

25


O Santo do mês<br />

Rainha e Medianeira<br />

Para se compreender o Reino de Maria, cumpre ter<br />

em mente essa verdade fundamental: por vontade de<br />

Deus, Nossa Senhora é a Medianeira de todas as graças.<br />

Porque, para ser autenticamente Rainha, deve Ela conseguir<br />

do Rei (isto é, de seu divino Filho) tudo quanto<br />

quer e dessa forma governar o mundo.<br />

Por sua natureza humana, Maria não detém mais poder<br />

do que os seus semelhantes. Assim, para reinar sobre<br />

o universo inteiro — anjos, santos, homens, todo o mundo<br />

material, etc. — Ela precisa possuir a graça de Deus.<br />

E como ponto de convergência de todos os favores celestes,<br />

Maria Santíssima é Rainha. Vale recordar que a intercessão<br />

de Nossa Senhora foi chamada, adequadamente,<br />

de onipotência suplicante, pois é por meio da súplica<br />

que Ela tudo pode junto ao Todo-Poderoso.<br />

26


Portanto, a realeza da Virgem se acha em íntima conexão<br />

com o fato de Ela ser o canal de todas as graças. As<br />

dádivas divinas nos são concedidas pelas mãos de Nossa<br />

Senhora, e por seu intermédio são apresentados ao Altíssimo<br />

os pedidos feitos pelos homens. É geralmente aceita<br />

pelos teólogos a sentença segundo a qual, se todos os<br />

anjos e santos do Céu rogarem algo a Deus sem a mediação<br />

de Nossa Senhora, dificilmente lograrão êxito; enquanto<br />

que Ela, pedindo sozinha, tudo alcança. Por onde<br />

se compreende como o foco da predileção divina se concentrou<br />

em Nossa Senhora e através d’Ela se esparge sobre<br />

o conjunto da criação.<br />

A mediação universal<br />

corroborada em Lourdes<br />

As aparições de Lourdes se inserem numa série de outras<br />

célebres manifestações de Maria Santíssima a partir<br />

do século XIX, as quais culminariam com as revelações de<br />

Fátima, no início do século XX. Poder-se-ia dizer que, na<br />

noite cada vez mais profunda na qual a civilização contemporânea<br />

se vai deixando soçobrar, tais aparições formam<br />

um pontilhado de luzes anunciando a vinda do Reino de<br />

Maria. E creio ser de grande interesse analisar, em cada<br />

uma dessas visões, a presença das idéias da mediação universal<br />

e do reinado de Nossa Senhora.<br />

Para demonstrar a necessidade<br />

da mediação universal de Maria<br />

Santíssima, quis Nosso Senhor que<br />

a maior fonte de milagres conhecida<br />

na História jorrasse num Santuário<br />

dedicado à sua Mãe<br />

Vista da parte frontal do<br />

Santuário de Lourdes<br />

27


O Santo do mês<br />

Em Lourdes, tais noções se verificam patentes, considerando<br />

que Nosso Senhor Jesus Cristo poderia ter proporcionado<br />

essa estupenda fecundidade de milagres em<br />

algum santuário a Ele dedicado. Na própria França, onde<br />

se encontra a Gruta de Massabielle, ergue-se a magnífica<br />

basílica de Paray-le-Monial, votada ao Sagrado Coração,<br />

pois ali o Redentor fez suas revelações a Santa Margarida<br />

Maria Alacoque. Ora, Jesus poderia dispor que aqueles<br />

prodígios de curas e conversões ocorressem nesse lugar<br />

ou em outros santuários erigidos em sua honra.<br />

Porém, quis o Salvador que a maior fonte de milagres<br />

conhecida na história da Igreja e do mundo brotasse num<br />

local consagrado a Nossa Senhora. Ou seja, que aquelas<br />

curas espetaculares fossem obtidas sob a égide da Santíssima<br />

Virgem, mediante súplicas a Ela impetradas.<br />

Assim agindo, Nosso Senhor parece desejar comprovar<br />

a verdade de fé da mediação universal de Maria, dando<br />

aos homens claras razões para compreenderem que<br />

sua Mãe tudo pode. Pelos rogos da Virgem são debelados<br />

os maiores males, as piores doenças, os sofrimentos<br />

mais horrorosos. Ela consegue suspender as leis mais inflexíveis<br />

da natureza, vence qualquer obstáculo, e logra,<br />

por exemplo, que um cego de nascença, sem nervo ótico,<br />

adquira visão!<br />

Maior glória, abaixo do<br />

esplendor divino<br />

Essa é a onipotência suplicante, o poder da Soberana,<br />

medianeira de todas as graças.<br />

Recordo-me, a esse propósito, de uma piedosa canção<br />

entoada no meu tempo de moço, a qual dizia:<br />

Salve, ó Mãe! Salve, ó Virgem Santíssima!<br />

Do universo portento primor.<br />

Mais esplêndida glória que a tua,<br />

Só tem Deus do universo Senhor!<br />

28


As multidões que acorrem a Lourdes<br />

recebem de Nossa Senhora, mais do<br />

que a cura do corpo, a saúde para a<br />

alma, inestimável benefício em vista<br />

de nossa salvação eterna<br />

Cenas da tocante procissão das velas, em Lourdes<br />

Com efeito, a conclusão de quanto acima consideramos,<br />

é esta: mais esplêndida glória que a de Maria, só<br />

possui Deus, Senhor de todo o universo. Nossa Senhora<br />

se acha infinitamente abaixo do Criador, mas quão incomensuravelmente<br />

acima de todas as outras criaturas!<br />

Milagres físicos<br />

para fazer bem às almas<br />

Pessoas existem que se impressionam com os milagres<br />

de Lourdes, e entretanto pedem à Santíssima Virgem<br />

apenas favores materiais, esquecendo-se dos espirituais<br />

e mais importantes. Não compreendem que os dons temporais,<br />

dos quais necessitamos, devem nos induzir a desejar<br />

os que aproveitam à nossa salvação eterna. Aliás, é<br />

por essa forma que verdadeiramente Deus atrai as almas<br />

para Si, pois todos os dons concedidos por Ele têm o objetivo<br />

maior de beneficiar o espírito humano.<br />

Assim, não se deve pensar, por exemplo, que Nossa<br />

Senhora curará um homem capenga (no sentido físico 1<br />

da palavra), movida apenas pelo sentimento de pena para<br />

com a sua deficiência. Claro, tem Ela compaixão do<br />

aleijado, se compraz em corrigir seu defeito. Porém, mais<br />

do que isto, a Virgem se serve de um milagre físico para<br />

fazer bem à alma do enfermo e às dos que presenciam ou<br />

têm conhecimento do prodígio.<br />

Tal benefício consiste, sobretudo, em infundir nos corações<br />

uma imensa fé na verdade de que Ela é a Medianeira<br />

universal de todas as graças.<br />

v<br />

1<br />

) Com freqüência e de modo bondoso, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> empregava<br />

a palavra “capenga” no sentido metafórico, a fim de indicar<br />

certas debilidades de alma manifestadas por filhos das gerações<br />

que o sucederam. Estes apresentavam deficiências espirituais<br />

análogas às de um coxo. E assim como o capenga<br />

de corpo precisa de uma muleta para caminhar, o de alma,<br />

por ser inseguro, inconstante, volúvel, necessita sempre de<br />

especial apoio para progredir na vida espiritual.<br />

29


Luzes da Civilização Cristã<br />

Um encontro<br />

com o<br />

Fotos: L. Werner / S. Hollmann<br />

“Beau Dieu<br />

d’Amiens”<br />

30


Acredito que ao longo de sua<br />

existência neste mundo,<br />

tem o homem incontáveis<br />

oportunidades de perceber a presença<br />

mais adorável, perfeita e sublime<br />

que imaginar se possa — a de Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo, manifestada<br />

pelas ações da graça em nossa alma,<br />

quando meditamos em sua infinita<br />

grandeza, ou quando nos sentimos<br />

tocados por essa ou aquela representação<br />

artística de seu sagrado<br />

semblante.<br />

Nesse sentido, sempre me comprouve<br />

de modo particular uma ima-<br />

Catedral de<br />

Amiens, França<br />

31


Luzes da Civilização Cristã<br />

gem de Nosso Senhor que se encontra<br />

no lado externo da famosa e linda<br />

catedral francesa de Amiens. Essa<br />

escultura O retrata numa tão majestosa<br />

e bondosa beleza, que ela passou<br />

a ser chamada de Le Beau Dieu<br />

d’Amiens: o belo Deus da cidade de<br />

Amiens.<br />

Imaginemos quais sentimentos povoariam<br />

nosso coração se, enquanto<br />

passeássemos por um campo, de repente<br />

víssemos andando em sentido<br />

contrário o Beau Dieu d’Amiens!<br />

Poderíamos então contemplá-Lo<br />

na nobreza do seu porte, no ereto de<br />

seu corpo, na harmonia de seus traços,<br />

na delicadeza de sua atitude,<br />

no que Ele possui de régio — pois<br />

a imagem na catedral é a de um Rei<br />

em toda a sua magnitude — e de hierático.<br />

Trata-se de uma figura que,<br />

a bem dizer, participa da heráldica,<br />

de tal maneira transparece nela o caráter<br />

sacral, as mãos em atitude de<br />

quem abençoa e ensina, estreitando<br />

ao peito o livro do Santo Evangelho.<br />

Admiraríamos a luminosa cor de<br />

sua túnica, de seu manto, a formosura<br />

de sua face, emoldurada pelos cabelos<br />

e a barba igualmente formosos.<br />

Caminhamos mais alguns passos,<br />

e Ele está à nossa frente. Antes mesmo<br />

de nos darmos conta, caímos genuflexos,<br />

tanto nos envolveria a noção<br />

da superioridade, da perfeição e<br />

da bondade infinitas de Jesus! Essa<br />

idéia nos faz dobrar os joelhos e nos<br />

aconchegarmos a Ele, como se Lhe<br />

disséssemos: “Contra todas as tempestades<br />

sois Vós, Senhor, o meu<br />

amparo. Protegei-me!”<br />

Podemos crer que Nosso Senhor<br />

abandonaria a atitude hierática que<br />

a imagem de Amiens nos apresenta,<br />

e sorriria para nós. Essa nobreza di-<br />

A imagem do Beau Dieu d’Amiens no seu pórtico (acima) e em detalhe (página ao lado)<br />

32


33


Luzes da Civilização Cristã<br />

vina, posta em sorriso, em quantas<br />

delicadezas se desfaz? Em quanta<br />

amenidade transluz? Em quanta clemência?<br />

E Ele nos pergunta: “Filho,<br />

o que queres?”<br />

Os olhos profundos de Jesus — os<br />

quais imaginamos castanhos claros<br />

— penetram nos nossos, e nós, pelo<br />

olhar d’Ele, percebemos que o Mestre<br />

nos conhece melhor do que nós<br />

mesmos, nos ama de um amor acima<br />

de qualquer predileção humana,<br />

e sabe de todas as nossas necessidades,<br />

para todas é Ele próprio o<br />

remédio.<br />

Jesus nos indaga, pois, sobre o<br />

nosso desejo. E teríamos vontade de<br />

Lhe responder:<br />

— Senhor, quero tanta coisa, que<br />

nem sei dizer! Porém, Vós sabeis tudo<br />

quanto anelo. Mais: sabeis de tudo<br />

quanto preciso. Pois em meio a<br />

tantas volições minhas, quantas vezes<br />

estão ausentes as coisas de que<br />

realmente necessito, e quantas se<br />

atêm a coisas que me são supérfluas!<br />

Mas, Vós, Sabedoria eterna e encarnada,<br />

conheceis tudo que verdadeiramente<br />

me importa. Senhor, tende<br />

pena de mim!”<br />

Um desejo mais elevado nasce<br />

em nossa alma, o de estar sempre<br />

com Ele; que o Beau Dieu nunca nos<br />

abandone. E quando começamos a<br />

balbuciar uma súplica nesse sentido,<br />

um fenômeno curioso, maravilhoso<br />

se opera: Jesus desaparece aos nossos<br />

olhos, e temos a impressão viva<br />

de que Ele está em nós! Misteriosamente,<br />

Ele habita em nosso interior,<br />

como se morasse numa casa, e ali,<br />

dentro de nossa alma, reza ao Padre<br />

Eterno por nós, cumula-nos de graças,<br />

favores, dons que nem sabemos<br />

descrever.<br />

Tomados por sentimentos indizíveis,<br />

a Ele nos dirigimos:<br />

“Senhor, eu estava certo de<br />

que me daríeis algo superior a todos<br />

os meus desejos. Concedeste-me<br />

a presença eucarística. Dentro<br />

de mim, realizais maravilhas e<br />

produzis benefícios dos quais só terei<br />

completa noção no Céu, quando,<br />

pelas mãos misericordiosas de<br />

vossa Mãe Santíssima, para lá me<br />

levardes e eu vos contemplar face<br />

a face. Senhor, para Vós, a minha<br />

gratidão inteira!”<br />

Eis como poderíamos conceber<br />

um encontro com o Beau Dieu<br />

d’Amiens, em algum recanto daqueles<br />

agradáveis campos franceses...<br />

v<br />

34


Nobreza divina posta<br />

em sorriso, desfeita em<br />

delicadezas, transluzida em<br />

amenidades e clemência...<br />

Outra vista do maravilhoso<br />

pórtico do Beau Dieu<br />

d’Amiens, (também chamado<br />

de “Pórtico do Juízo Final”)<br />

35


Repleta de perdões<br />

Virgem com o<br />

Menino - Paróquia<br />

de São Gatin,<br />

Tours (França)<br />

S. Hollmann<br />

Quando pensamos na condescendência de Nossa Senhora para conosco, ficamos emudecidos<br />

de enlevo e gratidão. Invocar a Rainha do Céu e da Terra, o tabernáculo vivo<br />

do Verbo Encarnado, à qual Este obedeceu como um servo à sua senhora, e d’Ela recebermos<br />

um infatigável auxílio, é deveras mais do que nossas pobres palavras podem comentar.<br />

Maria é a medianeira de todas as graças, mas essa medianeira é também nossa Mãe. Apesar<br />

de nossas faltas e fraquezas, sempre se acha propensa a nos atender: com comprazimento sôfrego,<br />

sorridente, repleto de perdões, desde que para Ela nos voltemos como filhos repassados de<br />

devoção e confiança.

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