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Uma escola<br />
de amor<br />
de Deus
Crucifixo de Frei Innocenzo da Palermo,<br />
Santuário de São Damião, Assis<br />
A verdadeira dor tem em si a misteriosa festa<br />
do oferecimento levado a cabo. Por isso, é<br />
próprio do holocausto ter sido prestado com<br />
tanta boavontade que na hora do<br />
consummatum est floresce um sorriso.<br />
<strong>Plinio</strong> Corrêa de Oliveira
Sumário<br />
Na capa, capela de<br />
Nossa Senhora Auxiliadora<br />
e imagem de São Pedro,<br />
na Igreja do Sagrado<br />
Coração de Jesus<br />
(São Paulo)<br />
4<br />
EDITORIAL<br />
Requisito para a perpetuação da obra<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />
propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />
Diretor:<br />
Antonio Augusto Lisbôa Miranda<br />
Jornalista Responsável:<br />
Othon Carlos Werner – DRT/SP 7650<br />
Conselho Consultivo:<br />
Antonio Rodrigues Ferreira<br />
Marcos Ribeiro Dantas<br />
Edwaldo Marques<br />
Pedro Paulo de Figueiredo<br />
Carlos Alberto S. Corrêa<br />
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Rua Diogo de Brito, 41<br />
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Fotolitos: Diarte – Tel: (11) 571-9793<br />
Impressão e acabamento:<br />
Takano Editora Gráfica Ltda.<br />
Av. <strong>Dr</strong>. Silva Melo, 45<br />
04675-010 S. Paulo - SP - Tel: (11) 524-2322<br />
Esta revista não é órgão oficial nem oficioso da<br />
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Preços da assinatura anual<br />
OUTUBRO de 1999<br />
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29<br />
33<br />
36<br />
DATAS NA VIDA DE UM CRUZADO<br />
Na inauguração<br />
do Cristo Redentor<br />
DONA LUCILIA<br />
Dias inesquecíveis em Paris<br />
ECO FIDELÍSSIMO DA IGREJA<br />
A verdadeira caridade<br />
DENÚNCIA PROFÉTICA<br />
A Festa de Cristo Rei<br />
A EXPANSÃO DA OBRA DE DR. PLINIO<br />
Estados Unidos<br />
GESTA MARIAL DE UM VARÃO CATÓLICO<br />
Os três pilares da piedade “pliniana”<br />
DR. PLINIO COMENTA...<br />
Vítima expiatória<br />
PERSPECTIVA PLINIANA DA HISTÓRIA<br />
O fim da Idade Média inglesa<br />
LUZES DA CIVILIZAÇÃO CRISTÃ<br />
Supremacia, nobreza e serenidade<br />
ÚLTIMA PÁGINA<br />
Seguríssimo Refúgio<br />
3
Requisito para<br />
a perpetuação da obra<br />
Editorial<br />
“Tout passe, tout casse, tout lasse et tout se remplace”.<br />
“Tudo passa, tudo se quebra, tudo enfastia e tudo<br />
se substitui.”<br />
Costumava <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> citar esse dito o qual, no<br />
belo e conciso estilo francês, bem exprime a precariedade<br />
e a transitoriedade das coisas deste mundo.<br />
Efêmeras, elas vão, elas vêm. E tudo acaba consumido<br />
pela voragem da história. Na verdade,<br />
quase tudo. Porque há o que na memória dos homens<br />
não passará, não se quebrará, não enfastiará,<br />
e também não se substituirá. São as coisas de Deus.<br />
Em primeiro lugar, a Santa Igreja Católica Apostólica<br />
Romana.<br />
Depois, seus filhos mais exemplares, os Santos.<br />
Certa vez, um bajulador disse a um governante que<br />
o nome deste ficaria perene e gloriosamente gravado<br />
na lembrança dos povos. Ao que o personagem<br />
retrucou com sensatez: “Impossível! Pouco tempo<br />
após a morte dos homens, raros — fora os estudiosos<br />
e os muito cultos — se lembrarão deles. Só<br />
os Santos têm aqui verdadeira glória, pois, centenas<br />
de anos após seu desaparecimento, ainda são<br />
recordados por todo mundo.”<br />
Essa regra vale com maior razão para os Fundadores<br />
das obras providenciais. Salvo por algum<br />
imprevisto excepcional, elas permanecem, se solidificam<br />
e florescem, prolongando pelos séculos<br />
afora o espírito daqueles que as idealizaram a implantaram.<br />
Assim, por exemplo, mil e quinhentos<br />
anos após a morte de São Bento, seu vulto excepcional<br />
permanece entre nós através de sua obra, a<br />
Ordem beneditina. Impérios e reinos se formaram<br />
e caíram, as eras se sucederam, as modas, os estilos<br />
arquitetônicos, os instrumentos de trabalho, os tipos<br />
humanos passaram. A obra de São Bento continua<br />
de pé.<br />
*<br />
Eis que já se passaram quatro anos desde o dia<br />
em que <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> terminou sua heróica e refulgente<br />
peregrinação neste mundo, partindo para receber<br />
das mãos do Criador seu merecido prêmio. A<br />
existência terrena do Fundador de uma importante<br />
obra para a Igreja terminava.<br />
Mas uma nova vida estava começando. Desde<br />
então, Nossa Senhora vai fazendo se multiplicarem<br />
seus discípulos pelos cinco continentes, e, mais importante,<br />
dá-lhes vigor de alma e entusiasmo para<br />
levar seu esforço adiante. E sabem eles que só será<br />
possível perpetuar o espírito de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> se a obra<br />
por ele fundada se mantiver fiel à sua finalidade<br />
mais alta, definida por ele próprio nestes termos:<br />
“O Grupo — como costumava se referir a ela — é<br />
sobretudo uma escola de amor de Deus”. No presente<br />
número, a seção “Gesta marial de um varão<br />
católico” versa sobre os pilares da piedade dessa<br />
escola.<br />
Os comentários a respeito de Santa Teresinha do<br />
Menino Jesus aparecem neste número não apenas<br />
pela coincidência de datas — a festa dela era celebrada,<br />
pelo calendário litúrgico antigo, em 3 de outubro,<br />
dia do falecimento de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> —, mas<br />
também porque foi ele, desde a mocidade, grande<br />
devoto da jovem carmelita, a quem desejou imitar,<br />
oferecendo-se a Deus como vítima expiatória.<br />
DECLARAÇÃO: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625<br />
e de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras<br />
ou na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista.Em nossa intenção, os títulos elogiosos não<br />
têm outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />
4
DATAS NA VIDA DE UM CRUZADO<br />
Na inauguração do Cristo Redentor<br />
Em 12 de outubro de 1931 era inaugurada<br />
no Rio de Janeiro a imagem do<br />
Cristo Redentor. Os holofotes que a<br />
iluminaram foram acesos por Pio XI, por meio<br />
de um sinal de rádio enviado do Vaticano. No<br />
local, entre as mais altas dignidades eclesiásticas<br />
e civis do Brasil, encontrava-se presente<br />
também o advogado recém-formado <strong>Plinio</strong> Corrêa<br />
de Oliveira, já então líder católico e amigo<br />
pessoal do engenheiro Heitor da Silva Costa,<br />
construtor da estátua.<br />
Conservando durante toda a vida verdadeiro<br />
encanto por aquela figura do Divino Salvador a<br />
abençoar o Rio e todo o Brasil, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> recordou<br />
certa ocasião:<br />
“Não posso me esquecer de uma noite em que<br />
eu estava no Rio de Janeiro, e a neblina levantada<br />
do mar cercava a estátua do Cristo Redentor,<br />
atraindo meu olhar para aquilo que, durante algum<br />
tempo, era apenas um foco de luz no qual<br />
não discernia nada. Em determinado momento<br />
batia o vento, fazia-se um pouco de claridade e eu<br />
percebia um dos braços, uma das mãos do Cristo<br />
Redentor, reluzindo daquela luminosidade especial<br />
com que a pedra sabão, de que é revestido o<br />
monumento, absorve a luz que sobre ele se projeta.<br />
Pouco depois o vento batia e era a face do<br />
Cristo Redentor que aparecia, era o seu peito<br />
onde pulsa o seu Sagrado Coração. Mais adiante<br />
eram os seus pés divinos que todos nós gostaríamos<br />
de oscular.<br />
“Mas eu prestava atenção, e em nenhum momento,<br />
por mais densas que fossem as névoas, a<br />
luz deixava de encontrar um certo ponto de apoio<br />
na estátua, de maneira que apenas sendo uma luz<br />
fixa sobre uma silhueta ou sobre uma mão que<br />
protege e abençoa, um coração que palpita de<br />
amor, ou uma face que contempla cheia de solicitude<br />
— em nenhum momento a neblina conseguiu<br />
apagar a figura do Redentor!”<br />
Aspecto da cerimônia de inauguração da imagem do Cristo Redentor, na qual<br />
esteve presente <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, ao lado das primeiras dignidades eclesiásticas<br />
e civis da nação<br />
5
DONA LUCILIA<br />
Dias inesquecíveis<br />
em Paris<br />
Catedral de Notre-Dame de Paris
Teatro da “Opéra”, Paris<br />
Como vimos no último artigo,<br />
após o período de convalescença<br />
nas termas de Wiesbaden,<br />
Dona Lucilia dirigiu-se com<br />
seus familiares para a capital francesa,<br />
onde acabaria por se restabelecer<br />
da operação a que fora submetida<br />
na Alemanha.<br />
Então nos derradeiros reluzimentos<br />
da Belle Époque, Paris atraía com<br />
seus esplendores a admiração de todo<br />
o mundo e, particularmente, daquela<br />
aristocrática dama paulista<br />
que sentia profunda afinidade com<br />
os encantos e as tradições históricas<br />
da “Cidade Luz”.<br />
“Soirées” no teatro<br />
da “Opéra”<br />
L’Opéra no ano de 1912... Uma<br />
noite de gala em que todos os cavalheiros<br />
comparecem de casaca com<br />
condecorações, e as senhoras com<br />
vestidos de seda e jóias de grande<br />
valor. O teatro todo se enche. As<br />
luzes brilham e rebrilham nos magníficos<br />
cristais dos lustres, as cortinas<br />
do palco são de nobre e espesso<br />
veludo de seda solenemente pesado.<br />
O público vai chegando com certa<br />
antecedência e, nos assentos, as<br />
pessoas conversam com os vizinhos.<br />
Alguns analisam os camarotes e as<br />
frisas, e entre esses observadores está<br />
Dona Lucilia. De binóculo em<br />
punho, assestando-o ora numa direção,<br />
ora noutra, encontra, com alegria,<br />
pessoas de muito destaque:<br />
“Então, aquela é a família da Duquesa<br />
de Uzès... Ali está o Príncipe<br />
de Sagan...”<br />
Porém, mais do que algum nome<br />
que lhe desperte a curiosidade, mais<br />
do que a realidade vista pelas lentes<br />
do binóculo, comprazia a Dona Lucilia<br />
contemplar aquele ambiente<br />
todo, denso de imponderáveis de<br />
aristocracia, de elevação de espírito,<br />
últimos ecos da Belle Époque. Jamais<br />
ela se esquecerá dessas soirées...<br />
Os “cotillons” para<br />
os filhos<br />
O alto desejo de perfeição espiritual<br />
de Dona Lucilia se refletia numa<br />
inteira consonância com o bom<br />
gosto e o charme francês que sua alma<br />
— ao mesmo tempo fina, delicada<br />
e nobre — encontrava ali. Entretanto,<br />
não era Paris que mais tomava<br />
seu coração, mas sim, em<br />
primeiro lugar e acima de tudo,<br />
Deus, o Sagrado Coração de Jesus,<br />
Nossa Senhora, a Religião Católica,<br />
o mundo sobrenatural, a piedade, a<br />
virtude. Sem embargo disso, boa<br />
parte de sua atenção era ocupada<br />
pelos filhos.<br />
O eco de um pequeno fato dá-nos<br />
disso testemunho. Dona Lucilia, em<br />
traje de gala, compareceu com a família,<br />
no fim daquele ano, ao revéil-<br />
7
DONA LUCILIA<br />
lon num dos grandes restaurantes<br />
de Paris. De volta ao Hotel Royal,<br />
levou para os filhos dois cotillons —<br />
objetos distribuídos entre os participantes<br />
da festa, com o fito de animá-la.<br />
Neste dia, eram varas altas<br />
com figuras reluzentes.<br />
Muitos anos mais tarde, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
com reconhecido amor por sua<br />
mãe, contará a seus amigos que ninguém<br />
costumava levar para casa tais<br />
adornos, mas ela abrira exceção à<br />
regra, lembrando-se de seus pequenos.<br />
Quando estes acordaram de<br />
manhã, encontraram os cotillons<br />
cuidadosamente amarrados aos pés<br />
das respectivas camas.<br />
A doença “incurável” de<br />
uma princesa russa<br />
Rosée e <strong>Plinio</strong>,<br />
fotografados em Paris<br />
Onde quer que estivesse, Dona<br />
Lucilia cativava pela extrema delicadeza<br />
e bondade, não só de maneiras,<br />
mas sobretudo de alma, despertando<br />
a confiança dos que a conheciam.<br />
Disso nos dá idéia o seguinte<br />
fato.<br />
Uma jovem princesa russa achava-se<br />
hospedada com o esposo no<br />
mesmo hotel que Dona Lucilia, e<br />
não poucas vezes se encontraram<br />
aqui, lá e acolá, nas dependências do<br />
estabelecimento. Não demorou para<br />
que a princesa tomasse a iniciativa<br />
de cumprimentá-la, manifestando<br />
sua simpatia por ela. O povo russo,<br />
talvez tão intuitivo quanto o brasileiro,<br />
é dotado de uma percepção<br />
muito rápida não só de situações, como<br />
também da psicologia das pessoas.<br />
Quiçá essa qualidade tenha facilitado<br />
à princesa penetrar na alma<br />
de Dona Lucilia, dando ocasião a<br />
uma confidência sui generis.<br />
Encontrando-se ambas no corredor,<br />
próximo ao quarto de Dona<br />
Lucilia, a princesa abordou-a em<br />
prantos e lhe disse:<br />
— Madame, queira desculparme,<br />
sei que não tenho direito de me<br />
dirigir assim à senhora. Nem nos<br />
conhecemos. Todavia, por seu olhar<br />
e por seu modo de ser, vejo que a<br />
senhora é tão bondosa, tão compassiva!<br />
Eu me acho numa enorme<br />
aflição e queria saber se me permitiria<br />
desabafar com a senhora...<br />
Sempre acolhedora, Dona Lucilia<br />
logo lhe abriu as portas e o coração.<br />
Tomada de angústia, a princesa<br />
contou que um renomado médico<br />
de Paris lhe tinha diagnosticado<br />
um câncer e, em conseqüência,<br />
teria de ser submetida a uma cirurgia<br />
muito dolorosa e arriscada. Ela<br />
então estava em extremo aflita, na<br />
previsão dos sofrimentos e do perigo<br />
que a aguardavam. Não queria<br />
morrer prematuramente, precisava<br />
educar os filhos, tinha toda uma vida<br />
diante de si. Chorando,<br />
com brandura dizia:<br />
— Abrindo-me com a senhora,<br />
tenho esperança de<br />
receber algum conselho que<br />
me ajude a encontrar uma<br />
saída para isto...<br />
Dona Lucilia em poucos<br />
minutos a tranqüilizou:<br />
— Não desanimemos, os<br />
médicos às vezes erram, não<br />
são infalíveis, e um sempre<br />
pode corrigir o diagnóstico<br />
do outro. Ouvi dizer que,<br />
precisamente nesta matéria,<br />
há no momento, na Suíça, um<br />
médico muito bom. Quem<br />
sabe, a senhora poderia ir lá,<br />
fazer uma consulta...<br />
As palavras de Dona Lucilia<br />
— envoltas em benquerença<br />
— e seu tom de voz comunicavam<br />
profunda paz. A<br />
pobre princesa foi sentindo<br />
penetrar em sua alma, mesmo<br />
dentro da tragédia, o suave<br />
bálsamo do bom conselho.<br />
Enquanto soluçava baixinho,<br />
ouviu Dona Lucilia<br />
8
estimulá-la à oração, para que não<br />
se deixasse vencer pelo desespero.<br />
Pouco depois, a princesa resolveu ir<br />
falar com o esposo, e acabou por<br />
convencê-lo a fazer a viagem à<br />
Suíça.<br />
Na hora da despedida, em meio a<br />
palavras de conforto e encorajamento,<br />
Dona Lucilia lhe deu seu endereço<br />
no Brasil, para que, precisando,<br />
não a deixasse de procurar.<br />
Passado algum tempo, estando Dona<br />
Lucilia já em São Paulo, recebeu<br />
uma carta de sua confidente, na<br />
qual esta lhe agradecia tudo o que<br />
tinha feito por ela. Contava haver o<br />
mencionado médico suíço, depois<br />
de vários exames, desmentido inteiramente<br />
o diagnóstico de seu colega<br />
parisiense. Assim, a princesa dava o<br />
caso por resolvido, graças à bondosa<br />
e sapiencial orientação de Dona<br />
Lucilia.<br />
Fotografias<br />
em traje de gala<br />
Além dos episódios acima narrados,<br />
algo nos dá, com indiscutível<br />
autenticidade, uma noção bem aproximada<br />
das reações psicológicas de<br />
Dona Lucilia em meio às belezas e<br />
encantos de Paris.<br />
Estava-se no princípio do século<br />
XX. A arte fotográfica já se desenvolvera<br />
bastante, embora não tivesse<br />
atingido as perfeições de nossos<br />
dias. Eram os bons tempos das fotos<br />
com pose, estudadas, planejadas,<br />
muito demoradas. Não raras vezes<br />
se igualavam a uma pintura, ou até<br />
a excediam no figurar a realidade.<br />
As fotos de Dona Lucilia, tiradas<br />
nesse período, bem ilustram tudo o<br />
que sobre ela se tem dito nesta<br />
seção.<br />
Desejando guardar recordações<br />
que, aliás, atravessariam as décadas,<br />
reservou ela um dia para ir com sua<br />
mãe, seu esposo e seus filhos a um<br />
bom fotógrafo. Este soube interpretar-lhe<br />
a psicologia, procurando<br />
deixá-la em seu natural. O vestido<br />
de gala com que aparece retratada é<br />
distinto e de alta qualidade, mas<br />
sem ostentação de riqueza. Não o<br />
copiou de um catálogo, nem foi proposto<br />
por algum costureiro. Seus<br />
trajes eram planejados por ela mesma<br />
em todos os pormenores, depois<br />
de folhear diversos figurinos. Pensava<br />
meticulosamente em tudo, nas<br />
combinações de cores, nas formas e,<br />
desde que não contrariassem a moral,<br />
adaptava-se às circunstâncias e<br />
à moda do momento.<br />
Era comum possuírem os fotógrafos,<br />
em seus estúdios, objetos<br />
decorativos para montarem um cenário<br />
de acordo com o gosto dos<br />
clientes. O fundo de quadro que<br />
aparece atrás de Dona Lucilia corresponde<br />
a um misto de tempestade<br />
e de luz clara, emoldurando uma cena<br />
imaginária ao ar livre, ela sentada<br />
no banco de um jardim.<br />
Sua leveza de atitude denota distinção,<br />
categoria e delicadeza de alma.<br />
No gesto da mão com o leque<br />
transparece nobreza; a posição da<br />
outra mão, apoiando a cabeça, sugere<br />
elevação de espírito e o hábito<br />
de meditar que tanto a caracterizavam.<br />
As sobrancelhas, espessas,<br />
bastante escuras e definidas, exprimem<br />
a precisão e a força de sua personalidade.<br />
O traçado do arco simboliza<br />
talvez sua firmeza de caráter,<br />
em nada concessivo ao mal. No seu<br />
modo de ser destacam-se alguns aspectos:<br />
distensão, bondade, suave<br />
tristeza, resignação e muita energia<br />
de alma para ser fiel às vias da<br />
Providência. O olhar, além de sério,<br />
é firme, reflexivo e analítico. Ocor-<br />
9
DONA LUCILIA<br />
ria-lhe amiúde analisar as almas,<br />
sob o prisma da obrigação de serem<br />
boas umas com as outras. Também<br />
estão unidas, em sua figura, gravidade<br />
e suavidade, virtudes muito<br />
difíceis de se conjugar.<br />
De pé, numa escada<br />
Sempre muito digna, composta e<br />
virtuosa, Da. Lucilia não tinha necessidade<br />
de lançar mão de meios<br />
que maquiassem aspectos desagradáveis<br />
de sua personalidade. Ela era<br />
admirável em tudo. Por mais que<br />
um fotógrafo lhe sugerisse atitudes<br />
inautênticas, isto é, não condizentes<br />
com seu verdadeiro modo de ser,<br />
não encontraria ressonância da parte<br />
dela. É o que se nota em outra fotografia<br />
sua, tirada na mesma ocasião.<br />
Desta feita, o fundo de quadro<br />
é uma escadaria. O ar nobre e natural<br />
com que Dona Lucilia se apresenta,<br />
condiz bem com o alto grau<br />
de virtude atingido por ela na calma<br />
e na serenidade. Em seu olhar não<br />
se percebe a menor preocupação<br />
com o fotógrafo, mas sim com assuntos<br />
mais elevados. Igualmente<br />
não é intenção dela impressionar<br />
quem de futuro veja a fotografia.<br />
Nada há de autoritário em sua atitude<br />
mas sim a doçura e afabilidade<br />
características de quem se habituou<br />
a ser sempre obedecida com afeto e<br />
sem resistência. Dir-se-ia que foi<br />
surpreendida pela objetiva ao descer<br />
com inteira naturalidade os degraus<br />
da escada.<br />
O tule — concebido por ela como<br />
adorno — em suas mãos parece<br />
mais diáfano que uma nuvem e to<br />
ma um ar imponderável de leveza e<br />
distinção quase de conto de fadas,<br />
realçando seus expressivos gestos. A<br />
alvura do vestido e a singeleza das<br />
jóias são outros tantos reflexos de<br />
sua alma. Contudo, nada suplanta<br />
a luminosa bondade refletida em<br />
seu semblante e, sobretudo, em seu<br />
olhar.<br />
10
Chorando por<br />
deixar a França...<br />
Chega, afinal, o dia da partida.<br />
Grandes malas, alguns baús, caixas,<br />
tudo se empilha ordenadamente na<br />
Gare de Lyon, à espera de embarcar<br />
no trem que levaria Dona Lucilia,<br />
seus filhos e a governante a Gênova.<br />
São os últimos momentos de permanência<br />
na Cidade Luz. Na hora<br />
aprazada, um apito, e lá se vai o<br />
trem... Estando as crianças nas<br />
mãos da Fräulein, Dona Lucilia, recostada<br />
junto à janela, contempla a<br />
Paris que passa e talvez nunca mais<br />
volte. Meditativa como sempre, põese<br />
a pensar em tudo o que tinha visto<br />
na França, enquanto algumas lágrimas<br />
lhe rolam pela face.<br />
O trem acelera. Ao longe, a agulha<br />
da Torre Eiffel vai ficando o único<br />
ponto de referência. Junto a<br />
esta corre o Sena. A imaginação de<br />
Dona Lucilia voa até a outra margem,<br />
onde estão a Place de L’Étoile,<br />
a Avenue de Friedland, o Rond<br />
Point, l’Opéra, o Louvre, o Sacré-<br />
Coeur de Montmartre, a Sainte<br />
Chapelle, Notre-Dame... “Ah! Como<br />
todo esse conjunto magnífico<br />
ficou para trás!” — pensa ela pesarosa.<br />
A família está a caminho de Roma,<br />
na esperança de um encontro<br />
com o Papa, ponto de honra para<br />
todo católico. Na época, nada mais<br />
nada menos do que o grande São<br />
Pio X. A perspectiva de receber a<br />
bênção de um pontífice que, já em<br />
vida, tinha fama de santidade, suavizava<br />
um tanto as dores de Dona<br />
Lucilia por abandonar sua cidade<br />
preferida. Entretanto — oh tristeza!<br />
— chegando a Gênova não foi possível<br />
seguir viagem, porquanto grassava<br />
uma epidemia na Cidade Eterna.<br />
Foram obrigados, naquele porto<br />
italiano, a tomar um navio e regressar<br />
ao Brasil.<br />
O Velho Continente não mais<br />
seria contemplado pelo enlevado<br />
olhar de Dona Lucilia. Entretanto,<br />
de tudo guardaria uma inesquecível<br />
lembrança. Os dias de sua existência,<br />
até o último momento, foram<br />
marcados com a silhueta de todos<br />
os símbolos e feerias da Cristandade.<br />
Um grande consolo a acompanhou<br />
na viagem de retorno ao<br />
Brasil: ter podido proporcionar a<br />
seus queridos filhos um contato direto<br />
com as arquetipias da vida social,<br />
do relacionamento humano e<br />
da cultura. Com base nessas riquezas<br />
de espírito, ela daria continuidade<br />
à esmerada educação deles.<br />
(Transcrito, com adaptações,<br />
da obra “Dona Lucilia”, de<br />
João S. Clá Dias.)<br />
O Palácio do Louvre,<br />
às margens do Sena<br />
11
ECO FIDELÍSSIMO DA IGREJA<br />
A verdadeira caridade<br />
Assim como a água verdadeiramente pura não<br />
é aquela que nasce nos vales sombrios, mas<br />
aquela que, saída do mais profundo das entranhas<br />
da terra, se eleva até o cume dos montes, de<br />
onde brota em veios cristalinos, assim também a verdadeira<br />
caridade não é o sentimento que tem sua origem<br />
nas afeições naturais, transitórias e caprichosas dos<br />
homens uns pelos outros, mas sim o amor que, saído do<br />
mais profundo do coração humano, se eleva a Deus, e<br />
de lá, em veio límpido e cristalino, desce, como do alto<br />
de uma montanha, sobre todas as criaturas.<br />
A primeira caridade, portanto, a caridade verdadeira<br />
e isenta do lodo dos afetos humanos, é a que se eleva diretamente<br />
a Deus.<br />
Mas o amor de Deus, quando bem entendido, não se<br />
limita a uma adoração inerte e exclusiva, mas se reflete<br />
sobre os homens, criaturas do próprio Deus.<br />
São estes os dados que nos fornece a Fé. E a observação<br />
direta dos fatos que nos cercam confirma clara-<br />
mente a Fé, porquanto o verdadeiro amor ao próximo<br />
só se encontra nas criaturas que tiverem verdadeiro<br />
amor a Deus.<br />
Nunca se viu um ateu beijar, num delírio de amor, as<br />
chagas repelentes de um leproso, como fez São Francisco<br />
de Assis.<br />
E nunca se conseguiu manter um hospital com enfermeiras<br />
sem fé, com o zelo e a perfeição com que o mantêm<br />
as Irmãs de Caridade.<br />
O verdadeiro amor ao próximo, portanto, só pode<br />
ser compreendido como um reflexo do amor de Deus.<br />
A importância da alma é<br />
muito maior que a do corpo<br />
Mas os homens são animais racionais, dotados de<br />
corpo material e mortal, e de alma imaterial e imortal.<br />
A importância da alma, evidentemente, é muito maior<br />
12
do que a do corpo. O corpo sadio nada é, para uma alma<br />
infeliz, senão uma insuportável prisão, cujos grilhões<br />
são tantas vezes quebrados pelo suicídio.<br />
Conseqüentemente, os males da alma, os pecados, as<br />
infelicidades de toda ordem, constituem para o indivíduo<br />
um peso muito mais sério e muito mais terrível do<br />
que as moléstias físicas.<br />
Efetivamente, enquanto o corpo morre, e com ele<br />
desaparecem todas as enfermidades, a alma não morre,<br />
e pagará seus pecados eternamente. Por isto é que todo<br />
o Cristianismo denota o imenso desejo que teve Deus<br />
Nosso Senhor, [de] salvar nossas almas. Não foi para<br />
salvar corpos que o Redentor<br />
veio ao mundo, e<br />
que um Deus se fez imolar,<br />
em expiação de pecados<br />
de suas criaturas.<br />
Não foi para salvar corpos<br />
que a Igreja foi instituída,<br />
nem [é] para salvar<br />
corpos que os Sacramentos<br />
existem. Almas,<br />
almas e sempre almas,<br />
eis o que deseja Jesus. Se<br />
cura corpos, é sempre<br />
com o escopo principal<br />
de salvar almas. E, pelo<br />
contrário, muitas vezes<br />
dá a certas pessoas pesadas<br />
moléstias físicas para<br />
atraí-las, por meio do<br />
sofrimento, à penitência.<br />
O que significa que chega<br />
a fazer adoecer corpos<br />
para que as almas se<br />
salvem!<br />
Por conseguinte, na<br />
vida ativa, as verdadeiras<br />
obras de caridade não<br />
são somente as que se<br />
destinam ao alívio dos<br />
sofrimentos físicos, mas<br />
sim, e de um modo especial,<br />
as que curam as almas.<br />
Se estas verdades<br />
tivessem sido<br />
compreendidas...<br />
Se estas verdades tivessem<br />
sido compreendidas,<br />
há muito tempo que teríamos entre nós organizada<br />
a Ação Social Católica. E o País, em vez de se debater<br />
na mais pavorosa crise moral, daria ao mundo um<br />
exemplo do caráter digno do nosso passado.<br />
Mas os fundos destinados às associações piedosas<br />
têm sido quase exclusivamente empregados, pelas almas<br />
caridosas, em hospitais, em esmolas para os corpos,<br />
certamente muito louváveis, mas menos nobres e menos<br />
agradáveis a Deus do que as que tendem a propagar<br />
o Reino de Cristo.<br />
(Transcrito do “Legionário”, de 8-3-1931)<br />
O Redentor veio ao<br />
mundo e se fez imolar,<br />
não para salvar corpos,<br />
mas para redimir as<br />
almas de suas criaturas<br />
13
DENÚNCIA PROFÉTICA<br />
A FESTA DE CRISTO REI<br />
E<br />
m 1937, fazendo eco às advertências de Pio XI, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> denunciava o laicismo como<br />
culpado pela decadência da sociedade. O mal se agravou desde então, sendo o laicismo<br />
substituído pelo ainda pior “ateísmo prático”, quer dizer, crer em Deus, mas viver como se Ele<br />
não existisse.<br />
AIgreja consagra o dia de hoje, último domingo<br />
de outubro, à comemoração da festa de<br />
Cristo Rei.<br />
Foi o Santo Padre gloriosamente reinante [Pio XI]<br />
que instituiu essa solenidade, a fim de reavivar entre os<br />
fiéis a lembrança da soberania de Jesus Cristo sobre as<br />
pessoas e os povos.<br />
A verdade ensinada por Sua Santidade na Encíclica<br />
de 11 de Dezembro de 1925 não é mais do que a reprodução<br />
do que a Igreja sempre ensinou e praticou.<br />
Pio XI veio reafirmar, em pleno século XX, a tradição<br />
observada sempre pela Igreja, já no tempo em<br />
que o Papa Leão III coroava Carlos Magno Imperador<br />
do Ocidente, já na época em que, mil anos mais tarde, o<br />
Pontífice Leão XIII ensinava na “Immortale Dei” a<br />
obrigação de os Estados renderem um culto público a<br />
Deus, em homenagem à sua soberania universal.<br />
Mas o nosso tempo, dominado pelo laicismo, deixou<br />
de reconhecer as prerrogativas reais de Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo. Daí provêm todos os males da sociedade<br />
atual, por ter pretendido organizar a vida individual e<br />
social como se essa realeza não existisse, e até em<br />
oposição formal a ela.<br />
Tal a grande apostasia de nossos tempos, que produziu<br />
os frutos amargos do orgulho e do egoísmo, no lugar<br />
da Caridade, do amor de Deus e do próximo, gerou a inveja<br />
entre os indivíduos, o ódio entre as classes, as rivalidades<br />
entre as nações.<br />
Por isso é que, no mundo moderno, encontraram eco<br />
a voz de um Nietzche, endeusando o super-homem no<br />
paroxismo do orgulho, a pregação de um Marx, lançando<br />
as classes sociais umas contra as outras, ou a palavra<br />
alucinada de um Rosenberg, incensando a pretendida<br />
raça pura dos alemães.<br />
* * *<br />
As advertências de Pio XI, ao instituir a solenidade<br />
de Cristo Rei, revestem-se, portanto, de uma grande<br />
atualidade. Suas palavras<br />
dirigidas paternalmente<br />
aos católicos<br />
do mundo inteiro<br />
parecem ter sido ditas<br />
na França de 1848)<br />
de modo particular<br />
para os brasileiros.<br />
A desordem em<br />
que se encontra o<br />
Brasil em 1937 não é<br />
senão o fruto daquele<br />
mesmo mal apontado<br />
por Sua Santidade como<br />
causa da anarquia<br />
geral do mundo: o laicismo.<br />
Esquecida a realeza de Nosso Senhor,<br />
geram-se no mundo as rivalidades entre<br />
os indivíduos, as classes e as nações<br />
(Cena de uma insurreição popular,<br />
(Extraído<br />
do “Legionário”,<br />
nº 268, 31/10/1937)<br />
14
Todos os homens e todos os povos<br />
devem prestar homenagem à soberania<br />
universal de Nosso Senhor Jesus Cristo<br />
(Detalhe de afresco de Fra Angélico)
A expansão da obra de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
Acima e ao lado, flagrantes da<br />
visita da imagem de Nossa<br />
Senhora de Fátima ao Colégio<br />
Champagnat, em Miami.<br />
Abaixo, aspecto de uma conferência para<br />
o Grupo de Oração “Pescadores de<br />
almas”, numa paróquia daquela metrópole.<br />
16<br />
Sempre sob a maternal e<br />
insondável solicitude da<br />
Santíssima Virgem, os filhos<br />
espirituais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> não<br />
medem esforços na expansão<br />
de sua Obra pelos mais<br />
variados rincões do mundo.<br />
Do Canadá ao Uruguai, do<br />
Chile ao Japão, passando pela<br />
África austral e pelas lendárias<br />
Índias, não se cansam<br />
de abrir novas frentes de<br />
evangelização, que renderam<br />
novas conquistas de almas para<br />
Nossa Senhora, afervoradas
Como em todos os lugares por onde peregrina,<br />
conduzida pelos discípulos de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, a imagem<br />
da Virgem de Fátima percorre e abençoa<br />
os lares, derramando sobre todos a abundância<br />
de suas misericórdias. Acima e ao lado, visitas<br />
a famílias de Miami.<br />
À esquerda, recepção a<br />
Nossa Senhora em uma<br />
residência, na cidade de<br />
Tampa. Abaixo, cortejo de<br />
entrada com a imagem que<br />
será venerada numa igreja<br />
de Dode City, também no<br />
estado da Flórida.<br />
na verdadeira Fé.<br />
Nestas páginas<br />
podemos apreciar mais<br />
alguns lances desse<br />
denodado empenho<br />
apostólico: desta feita<br />
em cidades da Flórida,<br />
nos Estados Unidos.<br />
17
GESTA MARIAL DE UM VARÃO CATÓLICO<br />
Os três pilares<br />
da piedade<br />
“pliniana”<br />
Com imenso gosto tratarei do tema em<br />
questão, pois versa ele a respeito de valores<br />
absolutamente essenciais para nós.<br />
De fato, somos inspirados constantemente por essas<br />
devoções que Mons. de Ségur considerava as três rosas<br />
dos bem-aventurados.<br />
Comecemos pelo culto a Nossa Senhora.<br />
“Maria mons, Maria fons, Maria pons”<br />
Creio não faltar com a verdade, dizendo que sempre<br />
estimulamos a todos a crescer na devoção a Ela, para<br />
terem a força necessária nos embates da vida. E “todos”<br />
abrange até mesmo os que ofendem a Deus e à própria Santíssima<br />
Virgem. Pois ainda que um homem esteja em estado<br />
de pecado, Nossa Senhora o ouvirá se ele Lhe pedir. Quer<br />
dizer, por pior que seja a condição de uma alma, se implorar<br />
muito, acaba obtendo as graças de que necessita para praticar<br />
a virtude. Isto é uma proclamação de confiança. Em<br />
nenhum caso podemos deixar de confiar em Nossa Senhora,
D esde 3 de outubro de 1995, muito se tem dito e escrito a respeito da vida,<br />
personalidade e obra de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, nem sempre retratadas com fidelidade.<br />
Felizmente, deixou-nos ele numerosos textos que servem como ponto de<br />
referência para se restabelecer a verdade.<br />
Um dos itens a respeito dos quais se têm lido e ouvido sentenças equivocadas é<br />
este: qual a finalidade de sua obra?<br />
Sem receio podemos dizer que ela é uma “escola de amor de Deus”, pois foram<br />
muitas as ocasiões em que <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> referiu-se desse modo ao seu “Grupo”. Há tanto<br />
tempo pensava ele assim que, já em 1969, podia perguntar aos seus seguidores:<br />
“Lembram-se daquela velha doutrina de que o Grupo é uma escola de amor de Deus?”<br />
Em sua gloriosa história duas vezes milenar, a Santa Igreja deu origem a muitas<br />
e variadas escolas de amor de Deus: beneditina, franciscana, jesuíta, dominicana, cisterciense,<br />
salesiana, agostiniana, carmelita, sacramentina, etc. Cada uma baseandose<br />
no carisma de seu Fundador para desenvolver seu peculiar modo de adorar, considerar,<br />
compreender e admirar a Deus, de se relacionar com Ele, e de levar os homens<br />
até Ele. A partir daí é que se moldam estilos de vida, de modos de ser, etc., que<br />
continuamente enriquecem a vida cristã.<br />
Também <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> teve uma maneira própria de amar a Deus, que ele transmitiu<br />
a seus discípulos. Muito haveria a dizer sobre essa escola de vida espiritual que poderíamos<br />
chamar de “pliniana”. Por ora focalizaremos apenas os alicerces de sua piedade,<br />
citando as próprias palavras do seu fundador, numa conferência para os mais<br />
jovens de sua obra. Nessa ocasião, mostrava ele que sua escola de amor de Deus tem<br />
a vida de piedade baseada em três pilares: as devoções ao Santíssimo Sacramento, a<br />
Nossa Senhora e ao Papa.<br />
na bondade, na misericórdia, na intercessão d’Ela<br />
junto a Deus Nosso Senhor, porque Eles sempre nos<br />
atendem.<br />
Numa linda e piedosa canção litúrgica, Nossa Senhora<br />
é assim chamada: Maria mons, Maria fons, Maria<br />
pons. Maria é montanha (mons) de todas as virtudes; é<br />
a fonte (fons) de todas as graças; é a ponte (pons) por<br />
cima de todos os abismos.<br />
Então, nos momentos em que nos sentimos<br />
acabrunhados sob o peso de nossas misérias,<br />
devemos dirigir a Ela nossa súplica<br />
repassada de confiança: “Senhora,<br />
quando pensamos que Vós sois tudo<br />
quanto sois, e que não somos<br />
senão aquilo que somos, sentimo-nos<br />
profundamente indignos<br />
de vossa solicitude. Mas<br />
sabemos também que nunca,<br />
nunca, nunca deixareis de olhar<br />
com boa vontade para o filho
GESTA MARIAL DE UM VARÃO CATÓLICO<br />
que implora a vossa assistência. Assim,<br />
pedimos com insistência: tende<br />
pena de nós e acabai nos arrancando<br />
dos nossos pecados.”<br />
Agindo dessa maneira, estejamos<br />
certos de que seremos atendidos.<br />
A Onipotência Suplicante,<br />
alegria de nossas almas<br />
Compreendamos, portanto, como<br />
é absolutamente de primeira<br />
importância termos devoção a Nossa<br />
Senhora. Deus é tão perfeito, é<br />
tão supremo, nós somos tão zeros,<br />
que era necessário uma ligação entre<br />
Ele e nós. Esse elo é Nossa Senhora.<br />
Com efeito, mediante a Encarnação<br />
do Verbo no seio puríssimo<br />
de Maria, o Padre Eterno, por um<br />
ato de sua infinita bondade, criou os<br />
vínculos que O ataram ao gênero<br />
humano. E Nossa Senhora, tornando-se<br />
Mãe d’Ele, passou a ser também<br />
a Mãe espiritual de todos os<br />
homens.<br />
Nossa Senhora,<br />
Onipotência<br />
Suplicante e elo<br />
entre Deus e os<br />
homens, torna<br />
leve e cheia de<br />
esperança a<br />
nossa existência<br />
nesta terra.<br />
(Imagem de<br />
Nossa Senhora<br />
das Graças, no<br />
Carmelo de<br />
Lisieux, França)<br />
Em vista disto, quando Ela pede<br />
a seu Divino Filho por nós, é como<br />
uma mãe que intercede junto a um<br />
filho em benefício de outro irmão<br />
deste. É impossível não atendê-la.<br />
Por isso os teólogos atribuem a Nossa<br />
Senhora o título de “Onipotência<br />
suplicante”. Em virtude de suas insondáveis<br />
perfeições, Ela é sempre<br />
ouvida por Deus em suas preces a<br />
nosso favor, e d’Ele nos obtém aquilo<br />
que, por nós mesmos, não mereceríamos.<br />
Um exemplo pode ilustrar esta<br />
verdade. Imagine-se uma mãe que<br />
tenha dois filhos: um, reto e probo,<br />
exerce a função de juiz; o outro é<br />
simplesmente um criminoso, ao<br />
qual o irmão deste deve julgar. Que<br />
acontece, então?<br />
A mãe se dirige ao filho magistrado<br />
e lhe diz: “Meu filho, sei que tu<br />
és juiz e que a ti cabe aplicar a<br />
justiça. Os defeitos de teu irmão são<br />
tais que exigem a pena de morte. Na<br />
verdade, porém, tu, ó juiz, me deves<br />
igualmente a vida. Poupa a desse<br />
homem que merece a pena capital,<br />
em atenção aos rogos daquela que<br />
te gerou!”<br />
Que filho recusaria tão extremosa<br />
súplica?<br />
Pois bem, semelhante a esta intercessão<br />
é a de Maria em favor da<br />
humanidade pecadora. E, havendo<br />
nascido d’Ela, Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo, Lhe concede tudo o que o<br />
melhor dos filhos pode dar à melhor<br />
das mães. Tal é o valor da impetração<br />
de Nossa Senhora que, segundo<br />
o ensinamento da teologia,<br />
todas as orações de todas as criaturas<br />
devem ser apresentadas por Ela<br />
a seu adorável Filho, porque assim<br />
o dispôs a vontade divina. De maneira<br />
que — dizem os doutores —<br />
se todos os Anjos e Santos que há<br />
no Céu pedissem algo a Deus que<br />
não fosse por meio de Nossa Senhora,<br />
Ele não atenderia. Mas se Nossa<br />
Senhora, sozinha, pedir, Ela é ouvida.<br />
20
Essa é a Mãe de uma doçura insondável,<br />
de uma compaixão que<br />
não conhece limites.<br />
Assim, uma vez mais, compreendemos<br />
a importância da devoção a<br />
Nossa Senhora. Como seria soturna<br />
a nossa vida de católicos, se não<br />
existisse esse vínculo com a Santíssima<br />
Virgem! E como é leve essa devoção,<br />
como é a alegria de nossas<br />
almas, como é cheia de esperança,<br />
de perdão e de afeto materno, essa<br />
contínua assistência de Nossa Senhora!<br />
Devoção à Sagrada<br />
Eucaristia<br />
Maria Santíssima intercede por<br />
nós junto a seu Divino Filho, e somos<br />
atendidos, porque Ele é a torrente<br />
de todas as perfeições e d’Ele<br />
procedem todas as graças, que nos<br />
Assim como<br />
esteve na<br />
Galiléia e<br />
na Judéia...<br />
chegam do Céu através da Medianeira<br />
Universal.<br />
Dessa consideração nasce, em parte,<br />
nosso amor à Sagrada Eucaristia.<br />
Devotamos-lhe um culto intenso,<br />
constante, fomentando a comunhão<br />
diária e os atos reiterados de adoração<br />
ao Santíssimo Sacramento, que<br />
é Nosso Senhor Jesus Cristo realmente<br />
presente entre nós.<br />
Imaginemos que alguém entrasse<br />
correndo numa sala cheia de pessoas<br />
piedosas e dissesse em voz alta:<br />
“Olhem, numa igreja perto daqui<br />
está Nosso Senhor! Eu O vi e Ele<br />
está à nossa espera!” A sala se esvaziaria<br />
em um minuto, todos se dirigindo<br />
até ali para vê-Lo.<br />
Pois bem, nós não O vemos, mas<br />
Nosso Senhor está verdadeiramente<br />
presente entre nós, nas igrejas e capelas<br />
onde se encontra o Santíssimo<br />
Sacramento. Em cada hóstia consagrada<br />
está Ele — de modo misterioso,<br />
milagroso — em corpo, sangue,<br />
alma e divindade. Ininterruptamente,<br />
durante o dia e também à<br />
noite, quando, exceto nas instituições<br />
de adoração perpétua, apenas<br />
os Anjos e Santos do Céu Lhe dirigem<br />
fervorosas preces.<br />
Então, no silêncio da madrugada,<br />
na igreja de portas fechadas, lá dentro<br />
só se move a chama da lamparina,<br />
aumentando e diminuindo de<br />
intensidade. De vez em quando, o<br />
pavio crepita e um pequeno estalo<br />
ecoa na solidão do templo. Por vezes,<br />
ainda, a lamparina projeta a<br />
sombra de uma mariposa que volteja<br />
ao redor dela, e logo tudo recai<br />
novamente na soledade e no emudecimento<br />
completos.<br />
E Nosso Senhor ali está, sozinho,<br />
à espera de alguém que se acerque e<br />
reze a Ele. À espera de que nos<br />
apresentemos no dia seguinte, para<br />
O receber em nossos corações, oportunidade<br />
em que acontece essa maravilha:<br />
transformamo-nos em sacrários<br />
vivos. Jesus torna-se realmente<br />
presente em nossas almas,<br />
como esteve na Galiléia e na Judéia,<br />
... Nosso Senhor Jesus Cristo<br />
está presente, de modo milagroso,<br />
em cada hóstia consagrada<br />
quando convivia com Nossa Senhora<br />
e São José em Nazaré, quando<br />
andava pelo Templo de Jerusalém,<br />
empunhando azorragues e expulsando<br />
os vendilhões; ou quando estava<br />
no alto da cruz e exalou o último<br />
brado de extrema dor: “Meu<br />
Pai, meu Pai, por que me abandonastes?”<br />
Assim como no cimo do Gólgota,<br />
assim como na manjedoura da gruta<br />
de Belém, assim Nosso Senhor se<br />
encontra nos tabernáculos das igrejas<br />
do mundo inteiro, e nos corações-sacrários<br />
daqueles que O comungam.<br />
“Coração Eucarístico de<br />
Jesus, tende pena de mim!”<br />
Mas, se Nosso Senhor está verdadeiramente<br />
presente na hóstia<br />
consagrada, como podemos não fazer<br />
da Sagrada Eucaristia o tema<br />
central de nossa piedade?<br />
Pois um cristão é quem reconhece<br />
a Jesus Cristo como Homem-<br />
21
GESTA MARIAL DE UM VARÃO CATÓLICO<br />
Deus, como o Salvador que nos redimiu,<br />
por cujas graças chegamos até<br />
o Céu, e ao qual devemos adoração<br />
por suas infinitas perfeições. Ora, se<br />
esse Deus, que assim reconhecemos<br />
e adoramos, não se acha apenas na<br />
Eterna Beatitude, a uma grande distância<br />
de nós, mas também aqui perto<br />
e ao nosso alcance, nada justifica<br />
que não o tomemos como centro de<br />
nossa vida espiritual!<br />
Portanto, permitam-me oferecerlhes<br />
aqui o conselho de que formem<br />
este propósito: quando passarem<br />
diante de um local onde se encontra<br />
O Pontífice Romano<br />
é o nosso “doce Cristo<br />
na terra” (Imagem de<br />
São Pedro, Vaticano)<br />
o Santíssimo Sacramento, ainda que<br />
estejam do lado de fora, rezem:<br />
“Coração Eucarístico de Jesus, tende<br />
pena de mim”. E acrescentem:<br />
“Coração Sapiencial e Imaculado<br />
de Maria, rogai por mim”. São jaculatórias<br />
tão simples, mas nunca deixem<br />
de repeti-las junto ao Santíssimo,<br />
pois constituem valiosa fonte<br />
de graças.<br />
Profundo amor ao Papado<br />
Essas as nossas devoções à Sagrada<br />
Eucaristia e à Santíssima Virgem.<br />
Tratemos agora de nossa veneração<br />
à Cátedra de Pedro. Para isso,<br />
tomo a liberdade de lhes recordar o<br />
que certa feita escrevi:<br />
“Não é com meu entusiasmo<br />
dos tempos de jovem, que eu<br />
me coloco hoje ante a Santa<br />
Sé. É com um entusiasmo<br />
ainda maior, e muito maior.<br />
Pois à medida que vou<br />
vivendo, pensando e ganhando<br />
experiência, vou<br />
compreendendo e amando<br />
mais o Papa e o Papado.<br />
[...] Lembro-me<br />
ainda das aulas de catecismo<br />
em que me explicaram<br />
o Papado, sua instituição<br />
divina, seus poderes,<br />
sua missão. Meu<br />
coração de menino (eu<br />
tinha então 9 anos) se<br />
encheu de admiração, de<br />
enlevo, de entusiasmo: eu encontrara<br />
o ideal a que me dedicaria por toda a<br />
vida. De lá para cá, o amor a esse ideal<br />
não tem senão crescido. E peço<br />
aqui, a Nossa Senhora, que o faça<br />
crescer mais e mais em mim, até o<br />
meu último alento. Quero que o derradeiro<br />
ato de meu intelecto seja um<br />
ato de Fé no Papado. Que meu último<br />
ato de amor seja um ato de amor<br />
ao Papado. Pois assim morrerei na<br />
paz dos eleitos, bem unido a Maria<br />
minha Mãe, e por Ela a Jesus, meu<br />
Deus, meu Rei e meu Redentor boníssimo.”<br />
O que eu disse nesse artigo para<br />
a “Folha de S. Paulo” 1 , peço hoje a<br />
Nossa Senhora, de todo o coração,<br />
torná-lo absolutamente real: que o<br />
meu último ato de intelecção seja<br />
um ato de compreensão e veneração<br />
ao Papado, e meu último ato de<br />
amor seja um ato de amor ao Papado.<br />
O Papa... Ao pronunciar essa palavra<br />
augusta, parece-me ouvir, saída<br />
do fundo dos séculos, a voz de<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo, proclamando:<br />
“Pedro, tu és pedra, e sobre<br />
esta pedra Eu edificarei a minha<br />
Igreja, e as portas do Inferno não<br />
prevalecerão contra ela”.<br />
De fato, ao tratar do Papa, considero<br />
não apenas os Pontífices dos<br />
nossos dias, mas os de todos os tempos.<br />
Falo do Papado com sua missão<br />
grandiosa, na continuidade admirável<br />
dos Papas autênticos em relação<br />
a São Pedro, que foi o fundamento<br />
escolhido por Nosso Senhor. Visto<br />
assim, o Papa é o eixo da história da<br />
Igreja. E como em torno desta gira<br />
a existência humana na terra, o Papa<br />
é, igualmente, o eixo da história<br />
do mundo.<br />
Mais. O Supremo Pastor é como<br />
se fosse Nosso Senhor presente entre<br />
os homens. E por isso alguns o<br />
chamam de “o doce Cristo na terra”.<br />
Essa devoção ao Romano Pontífice<br />
é fundamentalmente a devoção<br />
ao Papado, à Cátedra infalível da<br />
22
verdade, e toca aos católicos, na<br />
continuidade dos ensinamentos do<br />
Magistério da Igreja, tributar a esse<br />
ensinamento uma dedicação, uma<br />
entrega, uma adesão e uma submissão<br />
sem limites.<br />
Para que serve o<br />
Papado?<br />
Alguém poderia me<br />
perguntar: “Mas, <strong>Dr</strong>.<br />
<strong>Plinio</strong>, de que aproveita<br />
aos homens a existência<br />
dessa cátedra infalível?”<br />
Respondo, valendome<br />
de uma imagem que<br />
já tive ocasião de lhes<br />
apresentar 2 .<br />
Tomem uma grande<br />
cidade contemporânea,<br />
onde vivam milhões de<br />
pessoas. Pode- se dizer<br />
que, uns pelos outros,<br />
cada habitante possui<br />
um relógio. Portanto,<br />
grosso modo falando,<br />
nessa cidade existem<br />
milhões de relógios.<br />
São inúmeros, mas não<br />
adiantariam de nada se<br />
não houvesse um relógio<br />
posto por Deus e<br />
chamado sol, pelo qual<br />
os homens pudessem<br />
saber a hora precisa.<br />
Porque os relógios particulares<br />
entram em desacordo.<br />
Um adianta,<br />
outro atrasa, começa a soberba a<br />
falar mais alto, e o indivíduo não<br />
quer reconhecer que seu relógio está<br />
errado e o outro, certo. Desse<br />
modo aconteceria que, por falta do<br />
relógio correto, segundo o qual todos<br />
os outros devem se regular,<br />
ninguém teria a hora exata.<br />
Assim é a mente humana: cada<br />
homem pensa à sua maneira. Argumentam,<br />
discutem, e acabam não se<br />
convencendo inteiramente. Ou há<br />
Sem o ensinamento<br />
infalível<br />
do Papado, a<br />
terra seria um<br />
antro de confusão<br />
e horror.<br />
(São Pio X,<br />
revestido dos<br />
paramentos<br />
pontifícios)<br />
alguém que seja capaz de determinar:<br />
“isto é tal coisa!”, ou ninguém<br />
acaba conhecendo a verdade.<br />
Quando, na Idade Média, a ciência<br />
havia progredido o bastante<br />
para que se pudessem fabricar relógios<br />
mecânicos, estes começaram a<br />
ser colocados nas torres dos templos<br />
católicos. Por isso dizia-se com<br />
muita poesia que a Igreja indica a<br />
hora certa do pensamento humano.<br />
Para ela todos se voltam acertando<br />
seus “relógios” individuais, quer dizer,<br />
suas mentes.<br />
Em matérias tão essenciais para<br />
nós como Fé e moral, era necessário<br />
houvesse um homem que não caísse<br />
em erro ao interpretar a Revelação.<br />
De maneira que, de seus lábios<br />
abençoados só pudesse sair a verdade.<br />
Esse é o “relógio” que regula<br />
a humanidade. É o Bispo dos bispos.<br />
É o Pastor dos pastores. É o<br />
Rei da Igreja e de todas as almas. É<br />
a mais alta criatura que<br />
há na terra. Não há rei,<br />
não há imperador, não<br />
há presidente da república,<br />
não há “prêmio<br />
nobel”, não há milhardário,<br />
não há ninguém<br />
que valha tanto quanto<br />
o homem a quem Deus<br />
garantiu: “Pedro tu és<br />
pedra, e sobre essa pedra<br />
construirei a minha<br />
Igreja. As portas do inferno<br />
não prevalecerão<br />
contra ela!”<br />
Portanto, devemos<br />
ser extremamente cuidadosos<br />
em amar o Papado<br />
mais do que todas<br />
as coisas da terra. Porque,<br />
sem aquele, esta<br />
seria um antro de confusão,<br />
de caos e de horror.<br />
A própria Igreja,<br />
fonte da luz no mundo,<br />
seria um abismo de desordem<br />
se à frente dela<br />
não estivesse o Papado.<br />
* * *<br />
Podemos concluir,<br />
pois, que a adoração a<br />
Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo, presente na Eucaristia;<br />
o culto a Nossa Senhora,<br />
Mãe de misericórdia, nossa “vida,<br />
doçura e esperança”; e, finalmente,<br />
o amor ao Papado, são as três bases<br />
da piedade de todo verdadeiro<br />
católico.<br />
1 “A perfeita alegria”, Folha de S. Paulo,<br />
12 de julho de 1970<br />
2 Cfr. “<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>” n. 3, junho de 1998.<br />
23
DR. PLINIO COMENTA...<br />
VÍTIMA EXPIATÓRIA<br />
D<br />
r. <strong>Plinio</strong> fechou seus olhos para esta terra em 3 de outubro. Pelo antigo calendário litúrgico,<br />
nessa data caía também a festa de Santa Teresinha (atualmente comemorada no<br />
dia 1º do mesmo mês). Desde a sua mocidade <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> fôra grande devoto dessa insígne carmelita<br />
francesa. O presente artigo para o “Legionário”, em 1947, deu-lhe ocasião de expressar<br />
sua profunda veneração por ela.<br />
Santa Teresinha do Menino Jesus é, a bem dizer,<br />
de nossos dias: daqui a pouco celebraremos o<br />
cinqüentenário de sua morte, e muitas das pessoas<br />
que ainda temos a ventura de possuir entre nós,<br />
são absolutamente contemporâneas da jovem carmelita<br />
que expirou aos 24 anos. Felizmente, a fotografia já estava<br />
inventada em dias dela, pelo que<br />
conservamos o retrato autêntico da grande<br />
Santinha: singularmente bela, de traços<br />
regulares, olhar luminoso e vasto,<br />
porte firme, semblante resoluto, sua fisionomia<br />
deixa transparecer qualidades que<br />
parecem opostas entre si — ao menos segundo<br />
a mentalidade liberal —, como a<br />
bondade e a firmeza, a distinção e a simplicidade,<br />
o perfeito e absoluto domínio<br />
de si, e a mais atraente naturalidade.<br />
perficialmente certos episódios de sua vida, que chegou<br />
a desfigurar de algum modo seu significado. As<br />
deformações iconográficas e biográficas se fizeram todas<br />
em uma mesma direção: ocultar o sentido profundo,<br />
admirável, heróico e imortal da vida da imortal<br />
Santinha.<br />
Fisionomia e biografia<br />
deformadas<br />
Se não possuíssemos fotografias da<br />
santa rosa do carmelo, que idéia teríamos<br />
dela? A que nos apresentam muitas de<br />
suas imagens: doce de uma doçura sentimental<br />
e quase romântica, boa de uma<br />
bondade puramente humana e sem o<br />
menor sopro de sobrenatural, enfim, uma<br />
jovem de boas inclinações, se bem que<br />
exageradamente sensível... nunca uma<br />
santa, uma autêntica e genuína santa, um<br />
luzeiro cintilante no firmamento espiritual<br />
da Igreja de Deus Verdadeiro. Se<br />
não toda a iconografia, pelo menos certa<br />
iconografia, sem alterar os traços da Santa,<br />
lhe alterou contudo a fisionomia.<br />
O mesmo se dá com sua biografia. Certa<br />
literatura sentimental-religiosa, sem<br />
adulterar propriamente os dados biográficos<br />
de Santa Teresinha, encontrou<br />
meios de interpretar tão unilateral e su-<br />
Santa Teresinha noviça<br />
24
“Vim ao Carmelo para salvar as<br />
almas e, sobretudo, a fim de<br />
rezar pelos sacerdotes”<br />
A jovem e santa<br />
vítima expiatória,<br />
em seu leito de dor<br />
Os tesouros da Redenção<br />
No 50º aniversário de sua morte, alguém que muito e<br />
muito lhe deve procura saldar com respeitoso amor esta<br />
dívida, fazendo como que um comentário doutrinário à<br />
sua vida.<br />
O pecado original cometido por Adão, e os pecados<br />
posteriormente praticados pela humanidade, constituem<br />
ofensas a Deus. Para resgatar essas ofensas, e<br />
aplacar a ira divina, era preciso que a humanidade expiasse.<br />
Esta expiação era como que o pagamento que<br />
compensasse a falta cometida. Há nisto de certo modo<br />
uma restituição. Pelo pecado, o homem como que se<br />
apropriou indebitamente de prazeres, vantagens, deleites<br />
a que não tinha direito. Para reparar a justiça, era<br />
preciso que ele abandonasse, imolasse tudo isto. O sacrifício<br />
reparador toma, assim, o aspecto de um preço<br />
de resgate pelo qual se repara a falta cometida. Para<br />
resgatar estes pecados, a Santa Igreja dispõe de um<br />
tesouro. Vejamos de que natureza ele é.<br />
Evidentemente, não se trata de um tesouro de<br />
riquezas materiais. É um tesouro moral e espiritual, como<br />
exige a natureza moral das faltas que se trata de resgatar.<br />
Este tesouro se compõe antes de tudo, e essencialmente,<br />
dos méritos infinitamente preciosos de Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo, que no momento da Santa<br />
Morte do Salvador foram aceitos por Deus, e produziram<br />
a Redenção da humanidade. Os sofrimentos, as virtudes,<br />
as expiações dos homens pecadores seriam totalmente<br />
incapazes de aplacar a cólera divina. O Santo<br />
Sacrifício do Homem-Deus bastaria plenamente para<br />
tal. Mais ainda: uma simples gota do precioso sangue<br />
bastaria para redimir a humanidade inteira.<br />
Contudo, por desígnios insondáveis da Providência<br />
Divina, de fato a Redenção não se operou no momento<br />
em que se verteu para nós o primeiro sangue do Reden-<br />
25
DR. PLINIO COMENTA...<br />
tor, mas só quando Ele expirou por nós na Cruz, depois<br />
de um dilúvio de tormentos. Por uma disposição igualmente<br />
misteriosa de Deus, Ele não se contenta com o<br />
sacrifício superabundantemente suficiente do Redentor.<br />
A humanidade está redimida, e em si mesma a obra<br />
da Redenção está concluída. Mas, para salvar os pecadores,<br />
para expiar seus pecados atuais, para que as almas<br />
transviadas aproveitem o Sacrifício do Homem-<br />
Deus, é necessário que também nós alcancemos méritos.<br />
O tesouro da Igreja se compõe, pois, de duas parcelas.<br />
Uma infinitamente preciosa e superabundantemente<br />
eficaz: é a dos méritos de Nosso Senhor Jesus Cristo.<br />
Outra pequeníssima, desvaliosíssima, insignificante: é a<br />
dos méritos dos homens, adquiridos ao longo da vida<br />
multissecular da Igreja. A parte pequena só vale em<br />
união com a parte infinita. Mas — mistério de Deus —<br />
em si mesma perfeitamente dispensável, esta parte é indispensável,<br />
porque Deus o quis: “Quem te criou sem ti,<br />
não te salvará sem ti”, diz Santo Agostinho. Deus nos<br />
Cadeira de enferma utilizada<br />
por Santa Teresinha nos jardins<br />
do Carmelo<br />
criou sem nossa cooperação, mas, para nos salvar, Ele<br />
quer nossa cooperação. Cooperação de apostolado,<br />
sim, mas também cooperação na prece e no sacrifício.<br />
Sem os méritos dos homens, o tesouro da Igreja não estará<br />
completo, e a humanidade não aproveitará inteiramente<br />
os frutos da salvação.<br />
A necessidade do auxílio da graça divina<br />
Visto o assunto de outro ângulo, devemos lembrar o<br />
papel da graça para a salvação. Nenhum homem é capaz<br />
do menor ato de virtude cristã sem que seja chamado<br />
a isto pela graça de Deus, e pela graça de Deus ajudado.<br />
Em outros termos, a primeira idéia, o primeiro<br />
impulso, toda a realização do ato de virtude sobrenatural<br />
se faz com o auxílio da graça. E isto de tal maneira<br />
que ninguém poderia praticar o menor ato de virtude<br />
cristã — nem sequer pronunciar com piedade os Santíssimos<br />
Nomes de Jesus e Maria — sem o auxílio sobrenatural<br />
da graça. Tudo isto é de Fé, e quem o negasse<br />
seria herege. Nossa vontade coopera<br />
com a graça, e sem o concurso de nossa<br />
vontade não há virtude possível. Mas<br />
por si só, sem a graça, ela é absolutamente<br />
incapaz de praticar a virtude sobrenatural.<br />
Ora, como sem virtude ninguém agrada<br />
a Deus nem se salva, sendo a graça<br />
necessária para a virtude, é fácil perceber<br />
que ela é necessária para a salvação.<br />
Todos os homens recebem graças suficientes<br />
para se salvar. Também isto é<br />
de Fé. Mas, de fato, pela maldade humana,<br />
que é imensa, muito poucos se<br />
salvariam só com a graça suficiente. É<br />
preciso que a graça seja abundante para<br />
vencer a maldade do livre arbítrio humano.<br />
A abundância dessa graça, como<br />
obtê-la de Deus, justamente irado pelos<br />
pecados dos homens? Evidentemente<br />
com o tesouro da Igreja.<br />
Mas, como vimos, esse tesouro se<br />
compõe de duas parcelas, uma das quais<br />
perfeita e imutável — a de Deus — e<br />
outra mutável e imperfeita, a dos homens.<br />
Quanto mais a parte humana do<br />
tesouro da Igreja for deficiente, tanto<br />
menos abundantes serão as graças.<br />
Quanto menos abundantes forem as<br />
graças, tanto menos numerosas serão as<br />
almas que se salvam. De onde decorre<br />
que um elemento capital para que as almas<br />
se salvem é que esteja sempre<br />
26
cheio, de méritos produzidos<br />
pelos homens, o tesouro<br />
da Igreja. Os grandes<br />
pecadores são os filhos<br />
doentes para cuja cura<br />
se prodigalizam os tesouros<br />
da Igreja. Os grandes<br />
Santos são os filhos sadios<br />
e operosos, que repõem<br />
a todo momento, no<br />
tesouro da Igreja, riquezas<br />
novas que substituam as<br />
que se empregam pelos pecadores.<br />
As admiráveis<br />
vítimas expiatórias<br />
Tudo isto nos permite<br />
estabelecer uma correlação:<br />
para grandes pecadores,<br />
grandes gastos no tesouro<br />
da Igreja. Ou estes<br />
grandes gastos são supridos<br />
por novos lances de<br />
generosidade de Deus e<br />
das almas santas, ou as<br />
graças se vão tornando<br />
menos abundantes, e o<br />
número de pecadores aumenta.<br />
Daí se deduz que nada<br />
mais necessário, para a dilatação<br />
da Igreja, do que<br />
enriquecer sempre e sempre<br />
seu tesouro sobrenatural<br />
com novos méritos.<br />
Evidentemente, podemse<br />
adquirir méritos praticando<br />
a virtude por toda<br />
parte. Mas há, no jardim<br />
da Igreja, almas que Deus<br />
destina especialmente a este fim. São as que Ele chama<br />
à vida contemplativa, em conventos reclusos, onde certas<br />
almas de escol se dedicam especialmente em amar a<br />
Deus, e a expiar pelos pecados dos homens. Estas almas<br />
corajosamente pedem a Deus que lhes mande todas as<br />
provações que quiser, desde que com isso se salvem numerosos<br />
pecadores. Deus as flagela sem cessar, de um<br />
modo ou de outro, colhendo delas a flor da piedade e<br />
do sofrimento, para com estes méritos salvar novas almas.<br />
Consagrar-se à vocação de vítima expiatória pelos<br />
pecadores: nada há de mais admirável. E isto tanto mais<br />
Olhar luminoso e vasto, absoluto domínio de si,<br />
e a mais atraente naturalidade...<br />
quanto muitos há que trabalham, muitos que rezam:<br />
mas quem tem a coragem de expiar?<br />
Heróica missão de Santa Teresinha<br />
Este é o sentido mais profundo da vocação dos Trapistas,<br />
das Franciscanas, Dominicanas e Carmelitas entre<br />
as quais floriu a suave e heróica Teresinha.<br />
Seu método foi especial. Praticando a conformidade<br />
plena com a vontade de Deus, ela não pediu sofrimentos,<br />
nem os recusou. Deus fizesse dela o que enten-<br />
27
DR. PLINIO COMENTA...<br />
desse. Jamais pediu a Deus ou a suas superioras que<br />
dela afastassem qualquer dor. Jamais pediu a Deus ou a<br />
suas superioras qualquer mortificação. Submissão plena<br />
era o seu caminho. E, em matéria de vida espiritual,<br />
plena submissão equivale a plena santificação.<br />
Seu método se caracteriza ainda por outra nota importante.<br />
Santa Teresinha não praticou grandes mortificações<br />
físicas. Ela se limitou apenas simplesmente às<br />
prescrições de sua Regra. Mas esmerou-se em<br />
outro tipo de mortificação: fazer a toda hora, a<br />
todo instante, mil pequenos sacrifícios. Jamais<br />
a vontade própria. Jamais o cômodo,<br />
o deleitável. Sempre o contrário do<br />
que os sentidos pediam. E cada um<br />
destes pequenos sacrifícios era uma<br />
pequena moeda no tesouro da Igreja.<br />
Moeda pequena, sim, mas de<br />
ouro de lei: cada pequeno ato consistia<br />
no amor de Deus com que era feito.<br />
E que amor meritoso! Santa Teresinha não<br />
tinha visões, nem mesmo os movimentos sensíveis<br />
e naturais que tornam por vezes tão amena a<br />
piedade. Aridez interior absoluta, amor árido, mas admiravelmente<br />
ardente, da vontade dirigida pela Fé,<br />
aderindo firme e heroicamente a Deus, na atonia involuntária<br />
e irremediável da sensibilidade. Amor árido e<br />
eficaz, sinônimo, em vida de piedade, de amor perfeito...<br />
Grande caminho, caminho simples. Não é simples fazer<br />
pequenos sacrifícios? Não é mais simples<br />
não ter visões, do que as ter? Não é mais simples<br />
aceitar os sacrifícios em lugar de os pedir?<br />
Caminho simples, caminho para<br />
todos. A missão de Santa Teresinha<br />
foi de nos mostrar uma via que pudéssemos<br />
todos trilhar. Oxalá ela nos<br />
auxilie a percorrer esta estrada real,<br />
que levará aos altares não apenas<br />
uma ou outra alma, mas legiões inteiras.<br />
(Transcrito do“Legionário”, nº790,<br />
de 28/9/47. Os subtítulos são nossos.)<br />
“Quero passar meu Céu fazendo bem sobre a terra.”<br />
(Santa Teresinha)<br />
28
PERSPECTIVA PLINIANA DA HISTÓRIA<br />
O fim da Idade<br />
Média inglesa<br />
Ruínas do castelo<br />
de Chepstow, Inglaterra<br />
A<br />
s palavras de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> abaixo transcritas, que versam sobre um dos mais importantes<br />
momentos da história inglesa, guardam profunda relação com seus comentários estampados<br />
logo a seguir, na seção “Luzes da Civilização Cristã”.<br />
Antes de Henrique VIII, a<br />
Inglaterra era um dos baluartes<br />
da Igreja Católica.<br />
Em toda a vida intelectual, artística,<br />
política e social, a influência<br />
dos princípios católicos era profunda.<br />
O número de Santos nascidos<br />
em território inglês foi tão grande<br />
que a Inglaterra chegou a chamarse<br />
a “Ilha dos Santos”.<br />
Características particularmente<br />
salientes desse espírito católico<br />
eram exatamente o apego profundamente<br />
sincero do povo à autoridade<br />
do rei e, ao mesmo tempo, a<br />
altivez com que se insurgia contra<br />
todas as tentativas da Coroa, tendentes<br />
a transformar a monarquia em tirania.<br />
A luta dos ingleses por suas liberdades<br />
traz o estigma característico<br />
do espírito católico, um grande respeito<br />
à autoridade e um grande<br />
amor à justiça. Amantes da autoridade,<br />
os ingleses, antes de Henrique<br />
VIII, nunca chegaram a tentar a<br />
destruição da monarquia, mesmo<br />
quando lutavam pela sua liberdade.<br />
Amigos da justiça, sempre reivindicaram<br />
seus direitos, sem que seu<br />
respeito à autoridade lhes tolhesse a<br />
liberdade de ação.<br />
A história medieval inglesa não<br />
conhece a maior parte das abominações<br />
que comoveram a história da<br />
França, da Alemanha ou da Itália no<br />
mesmo período (que, seja dito de<br />
passagem, são insignificantes perto<br />
daquelas às quais assiste o mundo<br />
contemporâneo).<br />
As “jacqueries” em que os camponeses<br />
queriam exterminar os senhores<br />
feudais, as revoluções em<br />
que os nobres queriam exterminar a<br />
realeza, e as lutas em que a realeza<br />
procurava aniquilar os direitos do<br />
povo e da nobreza, tiveram na Inglaterra<br />
um aspecto imensamente<br />
mais benigno e mais razoável que<br />
em outras partes. O feudalismo inglês,<br />
modelo admirável de inteligência<br />
administrativa, foi quiçá o mais<br />
perfeito regime político da Europa<br />
medieval.<br />
Nas lutas dos barões e do povo<br />
com os reis, as desinteligências existentes<br />
a respeito do governo da Inglaterra<br />
acabaram por se resolver<br />
definitivamente. E surgiu, com o bafejo<br />
da Igreja, a estrutura política<br />
mais firme que a Europa tenha conhecido<br />
até hoje.<br />
O pecado do outrora<br />
“Defensor da Fé”<br />
Uma crise de caráter íntimo e<br />
passional veio pôr em jogo a estabilidade<br />
desse admirável edifício, to-<br />
29
PERSPECTIVA PLINIANA DA HISTÓRIA<br />
do ele alicerçado e cimentado nos<br />
princípios católicos.<br />
Antes de a atmosfera político-religiosa<br />
se deteriorar, o Rei Henrique<br />
VIII, fazendo-se intérprete do<br />
sentimento do povo inglês, escreveu<br />
uma obra de refutação do protestantismo,<br />
que começava a incendiar<br />
a Alemanha. O Papa, reconhecido<br />
pela intervenção do Rei, outorgoulhe<br />
o honroso título de “Defensor<br />
da Fé”. E Lutero, indignado com<br />
Henrique VIII, o chamava “o mais<br />
sujo de todos os porcos”.<br />
Mas acontece que Henrique VIII<br />
sentiu em si a mesma fraqueza que<br />
arrastou David ao pecado e Salomão<br />
à perdição.<br />
Um romance — expressemo-nos<br />
assim, para não dizer algo pior —<br />
havia se formado na vida do Rei.<br />
Desejava ele anular seu casamento<br />
com a Rainha para contrair núpcias<br />
com outra dama de sua corte. Não<br />
conseguindo do Papa a anulação do<br />
casamento, ficou colocado em um<br />
cruel dilema: ou renunciar à Fé, ou<br />
renunciar ao “romance”. Renunciou<br />
à Fé. Fez-se protestante o “Defensor<br />
da Fé”! E sua união ilícita foi<br />
abençoada pelo mesmo protestantismo<br />
que o alcunhara de “o mais<br />
sujo de todos os porcos”.<br />
O fim da monarquia<br />
orgânica<br />
É interessante notar que Henrique<br />
VIII encontrou em São Tomás<br />
Mórus, seu primeiro Ministro, um<br />
adversário irreconciliável da anulação<br />
de seu casamento. Profundamente<br />
católico, Tomás Mórus recusou-se<br />
a abjurar a Fé. Foi condenado<br />
à morte. Sofreu o martírio e hoje<br />
brilha nos altares da Igreja Universal<br />
com a auréola da santidade. (*)<br />
Pode-se dizer que, com o desaparecimento<br />
de São Tomás Mórus,<br />
extinguiam-se também os últimos<br />
bruxuleares da Idade Média — moribunda<br />
naquele século XVI — e da<br />
monarquia orgânica. Esta, como se<br />
sabe, baseava-se no princípio da<br />
subsidiariedade, pelo qual cada grupo<br />
social deve tirar de si mesmo os<br />
recursos para prover suas necessidades<br />
e solucionar seus problemas.<br />
Conta com o auxílio do grupo superior<br />
apenas na medida em que, por<br />
sua própria natureza, não lhe for<br />
possível suprir suas carências nem<br />
resolver suas dificuldades. De maneira<br />
tal que exista uma espécie de<br />
autonomia de todos os corpos e instituições<br />
dentro do Estado.<br />
Era o que se verificava na organização<br />
da Idade Média, em que cada<br />
unidade social dispunha de uma vi-<br />
São Tomás Mórus e sua família<br />
— Com o martírio do Chanceler<br />
de Henrique VIII, extinguiram-se<br />
também os derradeiros lampejos<br />
da Idade Média inglesa<br />
30
talidade pela qual produzia o seu<br />
próprio impulso. Assim, os feudos<br />
tinham leis, costumes e até idioma<br />
característicos. Os pequenos se encaixavam<br />
nos maiores, que só intervinham<br />
na existência dos primeiros<br />
para remediar as violações da Lei de<br />
Deus e dos princípios da civilização<br />
cristã, ou para sustentá-los quando<br />
as limitações de sua pequenez assim<br />
o exigissem. As cidades se desenvolviam<br />
com vida própria e, dentro<br />
delas, as corporações levavam também<br />
sua existência particular, com<br />
regras e usos peculiares. Acima de<br />
todos, o rei, ápice dessa estrutura de<br />
subsidiariedades. Era ele o mantenedor<br />
de todas as liberdades e autonomias,<br />
o coordenador e estimulante<br />
de todas as atividades gerais.<br />
Entre estas autonomias, a maior,<br />
a mais notável, era a da Igreja Católica.<br />
E quando se trata da Igreja,<br />
não se pode falar em autonomia,<br />
mas sim em soberania. Ela é uma<br />
entidade soberana, tanto quanto o<br />
Estado, e, na sua esfera própria,<br />
não pode ser dominada nem dirigida<br />
por nenhum governante civil.<br />
Quando, porém, teve início a decadência<br />
da Idade Média, os monarcas<br />
passaram a se fazer absolutos,<br />
tomando como modelo os imperadores<br />
romanos, verdadeiros déspotas<br />
da antiguidade. Levados por<br />
essa mania de absolutismo, começaram<br />
a eliminar todas as autonomias<br />
inferiores, e se jogaram, com<br />
particular empenho, sobre a liberdade<br />
da Igreja. Desejavam transformá-la<br />
num instrumento para o governo<br />
de seus respectivos países,<br />
embora num âmbito próprio à força<br />
espiritual e, portanto, independente<br />
das funções do poder temporal.<br />
Um fato de graves<br />
conseqüências...<br />
Ora, Henrique VIII, a pretexto<br />
de legitimar seu divórcio, foi mais<br />
longe. Ao determinar a ruptura da<br />
igreja anglicana com Roma, teve<br />
Outrora<br />
“Defensor<br />
da Fé”,<br />
Henrique VIII<br />
apostatou e<br />
promoveu a<br />
ruptura da<br />
igreja anglicana<br />
com Roma<br />
por objetivo adquirir o mais pleno<br />
domínio sobre toda a Inglaterra, tornando-se,<br />
ao mesmo tempo, chefe<br />
do Estado e do poder espiritual.<br />
Para se ter idéia das conseqüências<br />
desse fato na antiga “Ilha dos<br />
Santos”, basta tomarmos em consideração<br />
duas coisas.<br />
Em primeiro lugar, o minguamento<br />
das Ordens religiosas, que<br />
começaram a se esvaziar em virtude<br />
da supressão do celibato. O rei, agora<br />
líder da igreja anglicana, permitiu<br />
que monges e freiras abandonassem<br />
seus conventos para contrair<br />
matrimônio, munidos de uma<br />
pequena dotação que o próprio monarca<br />
lhes concedia, a fim de iniciarem<br />
“a nova vida”. Semelhante disposição<br />
concernia também os padres<br />
seculares.<br />
Em segundo lugar, os bens da<br />
Igreja Católica foram confiscados<br />
pelo monarca e, na sua maior parte,<br />
distribuídos entre os nobres — de<br />
tal sorte que, ainda hoje, muitas famílias<br />
residem em antigas abadias,<br />
transformadas em habitações particulares.<br />
Ora, na velha e boa Inglaterra, os<br />
pobres viviam às custas da Igreja,<br />
sendo por Ela muito bem sustentados.<br />
A partir do momento em que<br />
foram fechadas e espoliadas as instituições<br />
eclesiásticas, os mendigos se<br />
viram privados daqueles meios de<br />
subsistência. Passaram, então, a confluir<br />
para Londres, no intuito de angariar<br />
esmolas junto às classes mais<br />
abastadas da capital britânica. Resultado,<br />
surgiram os primeiros decretos<br />
na igreja anglicana de repres-<br />
31
PERSPECTIVA PLINIANA DA HISTÓRIA<br />
são à mendicância, um dos tristes<br />
frutos do desaparecimento das instituições<br />
de caridade.<br />
... que perduram até hoje<br />
Não foram essas as únicas conseqüências<br />
do que se passou na Inglaterra<br />
do século XVI. Outras, igualmente<br />
graves, surgiram com o passar<br />
do tempo, e algumas delas se fazem<br />
sentir até os dias de hoje. (*)<br />
Com efeito, as sementes de protestantismo<br />
que o anglicanismo adotou,<br />
produziram os frutos de anarquia<br />
que lhe são próprios. Destes<br />
foi um prelúdio a Revolução que<br />
destituiu e decapitou o rei Carlos I.<br />
De lá para cá, lentamente, a desagregação<br />
das instituições políticas<br />
inglesas se tem acentuado mais e<br />
mais. A luta entre o fator “ordem<br />
católica” e o fator “anarquia protestante”<br />
na doutrina anglicana, se<br />
projetou no terreno político. As<br />
duas tendências se têm combatido<br />
num confronto de todos os momentos,<br />
e é por elas que se explica a<br />
grandeza e a decadência da monarquia<br />
britânica.<br />
Grandeza, porque nenhum domínio<br />
temporal está, hoje em dia,<br />
colocado mais alto. Firmado em um<br />
princípio, o poder do monarca inglês<br />
não se alicerça sobre um entusiasmo<br />
de momento, mas sobre um<br />
profundo amor da multidão a uma<br />
dinastia ligada à história do País.<br />
Decadência, porque este poder,<br />
de aparência tão magnífico, é apenas<br />
um vestígio do que ele foi outrora,<br />
uma reminiscência histórica, nos<br />
quadros constitucionais ingleses.<br />
Poucos são, atualmente, os homens<br />
que recebem tantas reverências e<br />
manifestações de respeito quanto a<br />
Rainha da Inglaterra. E, no entanto,<br />
poucos são os chefes de Estado mais<br />
privados de reais atribuições na vida<br />
política de seu país do que ela...<br />
(Exceto o trecho situado entre<br />
asteriscos, a matéria foi extraída do<br />
“Legionário”, 13/12/1936.)<br />
Embora cercada de pompa e reverência,<br />
poucos são os chefes de Estado mais<br />
privados de poder na vida política do<br />
que a soberana britânica<br />
32
LUZES DA CIVILIZAÇÃO CRISTÃ<br />
Supremacia, nobreza<br />
e serenidade<br />
Aarte medieval me levou à<br />
conversão, pois aprendi as<br />
verdades da Igreja Católica<br />
nas criptas das velhas igrejas e catedrais<br />
européias.<br />
Assim se exprimiu Pugin, um dos<br />
mais ilustres arquitetos ingleses do<br />
século XIX, que havia sido educado<br />
num rígido calvinismo. Tendo se<br />
tornado católico, dedicou-se de corpo<br />
e alma ao renascimento do gótico<br />
na Inglaterra, posto ser a única<br />
arte que ele considerava realmente<br />
cristã. E teve sucesso, embora, após<br />
a sua morte, vários dos edifícios que<br />
construiu tenham sofrido reformas,<br />
mudando-se-lhes propositadamente<br />
o estilo original. Outras de suas notáveis<br />
obras tiveram seu nome apagado<br />
e substituído pelos de arquitetos<br />
anglicanos.<br />
Um exemplo é o Parlamento de<br />
Westminster, do qual, durante muito<br />
tempo, julgou- se que somente alguns<br />
detalhes triviais eram de Pugin.<br />
Hoje se sabe com certeza que são<br />
dele toda a fachada que dá para o<br />
rio Tâmisa e a famosa torre do relógio.<br />
Grato me é constatar a comprovação<br />
histórica dessa autoria, pois<br />
vem corroborar a impressão que tive<br />
quando pude contemplar de perto o<br />
Parlamento inglês e a torre do Big<br />
Ben. Aquele conjunto arquitetônico<br />
pareceu-me tão medieval, tão acertada<br />
e retamente católico, que pensei:<br />
“Pode ser que, aqui, a Igreja Católica<br />
tenha deixado algumas das melhores<br />
marcas de seu próprio pensamento<br />
e de sua própria alma”.
LUZES DA CIVILIZAÇÃO CRISTÃ<br />
Longa fachada, revestida de imensa<br />
dignidade, serenidade e alta nobreza<br />
O que existe ali de especial?<br />
Não é, por exemplo, o que há de<br />
peculiar na Catedral de Colônia ou<br />
na de Notre-Dame de Paris. A primeira<br />
possui algo de feérico, uma<br />
espécie de explosão de pedra, de<br />
uma imponência extraordinária, na<br />
qual, mais do que a razão, está presente<br />
a imaginação germânica no<br />
que ela tem de categórico. Ou seja,<br />
não se trata de uma concepção suave<br />
nem poética (no sentido doce da<br />
palavra), mas é a idéia de quem desejou<br />
construir uma epopéia grandiosa<br />
e, desse modo, marcar todos<br />
os séculos com uma nota de magnitude<br />
mais celeste do que terrena.<br />
Assim, a característica saliente da<br />
Catedral de Colônia é algo de fantasioso<br />
e imaginativo, que o espírito<br />
possante conseguiu realizar.<br />
Na catedral de Notre-Dame encontramos<br />
a conjugação da fantasia<br />
com a razão. Dir- se-ia que a fantasia<br />
concebeu uma construção magnífica<br />
e que, depois, a razão colocou<br />
os planos em ordem, introduziu simetrias,<br />
bons sensos e harmonias<br />
quase clássicas, sem subtrair nada<br />
do sublime e do extraordinário próprios<br />
ao medieval.<br />
Já a fachada do Parlamento de<br />
Westminster e a torre do relógio representam,<br />
dentro desse conjunto,<br />
algo de diferente. Não é a afirmação<br />
predominante da fantasia, nem<br />
a admiração predominante da razão,<br />
mas é uma reunião de dois valores<br />
diversos que se situam numa<br />
outra ordem de idéias: a força e a<br />
delicadeza.<br />
Sua fachada é toda feita de linhas<br />
longas que se repetem, e de um<br />
grande desdobramento estendido<br />
numa amplitude de horizonte que,<br />
sem ter o élan de Colônia nem a espécie<br />
de harmonia superlativa de<br />
Paris, possui entretanto uma categoria<br />
que lhe é peculiar. Ela se reveste<br />
de imensa dignidade, de superior<br />
elevação e de alta nobreza, com<br />
algo de sereno, de senhor de si, de<br />
afável e, ao mesmo tempo, de sacral<br />
e de sério, reunindo assim extremos<br />
opostos. E toda obra de arte que,<br />
numa fusão, alia extremos opostos<br />
— que um espírito comum poderia<br />
julgar contraditórios —, realiza algo<br />
de supremo no seu próprio gênero.<br />
Supremacia esta que, a meu ver, a<br />
fachada do Parlamento inglês logrou<br />
alcançar.<br />
Nela, o aspecto força se faz notar<br />
também na forma de uma grandeza<br />
estável, que não se entregará a novos<br />
empreendimentos, sem todavia<br />
começar a decair. Ela se senta sobre<br />
seu próprio poder e se põe a meditar<br />
em suas glórias imorredouras...<br />
O mesmo se pode dizer da torre<br />
do relógio, uma verdadeira maravilha<br />
digna de ser justaposta ao edifí-<br />
34
cio do Parlamento. Este, ao ter de ostentar uma torre,<br />
só pode ser uma como aquela: tão coerente, tão lógica,<br />
tão bela, porém com essa doçura, essa suavidade dos<br />
ingleses que o gênio católico depositou ali pelas mãos<br />
de Pugin, que soube interpretar os edifícios nos seus<br />
planos originais e comunicar um sopro de catolicidade<br />
a tudo aquilo.<br />
Ele soube compreender, de modo ímpar, a nostalgia<br />
que a Inglaterra, anglicana e industrial, sentia — e ainda<br />
sente — daquela primeira Inglaterra, católica, feita<br />
mais para conquistas de ordem cultural<br />
do que para triunfos de ordem material.<br />
Ele, o arquiteto católico (como era chamado),<br />
soube, por meio de símbolos, tocar<br />
a fundo a alma de seu país, e realizar<br />
monumentos que incontáveis protestantes<br />
não têm cessado de admirar até os<br />
presentes dias.<br />
Muitos dos monumentos e edifícios<br />
projetados por Pugin não saíram do papel.<br />
Se porventura, no mundo de hoje,<br />
fosse dado a alguém construir uma obra<br />
que ele planejou, mas não pôde levar a<br />
cabo, prestaria a mais alta homenagem<br />
que se pode tributar a esse varão, verdadeiro<br />
artista católico. Seria a realização<br />
póstuma de mais um de seus grandes<br />
sonhos inspirados pela Fé. <br />
35
Seguríssimo Refúgio<br />
Nossa Senhora é seguríssimo<br />
refúgio e fidelíssimo auxílio<br />
de todos os que estão em<br />
perigo. Não há mãe verdadeiramente<br />
católica que não sinta receio pelo que<br />
possa suceder a seu filho. Ora, Maria<br />
Santíssima, a melhor de todas as<br />
mães, quanta solicitude não<br />
terá para com seus filhos<br />
que vivem neste<br />
mundo, sujeitos a<br />
toda sorte de<br />
riscos?<br />
Mais ainda.<br />
Concebida sem<br />
pecado original,<br />
confirmada em<br />
graça desde o<br />
primeiro instante de seu<br />
ser, Nossa Senhora é Aquela<br />
que esmagou a cabeça da<br />
infernal serpente. Ela pode,<br />
portanto, arrancar qualquer<br />
pecador das garras do demônio, e<br />
impedir toda influência que este<br />
procura ter sobre as almas.<br />
Esse insondável poder da Santíssima<br />
Virgem é uma razão de confiança e de<br />
alento para nossa vida espiritual. Em<br />
nossos momentos de tentação, nas horas<br />
em que temos medo de sucumbir ao<br />
pecado, lembremo-nos deste seguríssimo<br />
refúgio, deste fidelíssimo auxílio que<br />
nos oferece a Santa Mãe de Deus.<br />
“A Virgem do<br />
Sorriso”,<br />
diante da qual<br />
Santa Teresinha<br />
recebeu decisiva<br />
graça na sua<br />
infância