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Procurou<br />
o Reino de Deus<br />
e sua justiça...<br />
¸
São rancisco de Assis, pintado<br />
por ra Angélico. Ao fundo,<br />
arcaria gótica da Basílica<br />
franciscana em Assis, Itália<br />
Nas veredas de um mundo que caminhava incontroladamente<br />
atrás das riquezas, São rancisco de Assis foi o trovador<br />
que entoou o hino do desapego e da pobreza, da doação<br />
levada ao mais alto esplendor do amor de Deus e do desejo de se<br />
Lhe entregar. oi ele o santo da caridade e da bondade; o santo que,<br />
indo de encontro à Cruz, mereceu a glória de receber os estigmas de<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo. oi, igualmente, o santo entusiasta dos<br />
ideais da cavalaria católica, toda voltada para o serviço da Igreja.<br />
Numa palavra, o doce “poverello” de Assis foi talvez, a meu ver, a<br />
personalidade mais contagiante que tenha havido na Cristandade.
Sumário<br />
Na capa, instantâneo<br />
de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> durante<br />
uma de suas<br />
conferências na<br />
década de 80<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />
propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />
Diretor:<br />
Antonio Augusto Lisbôa Miranda<br />
Jornalista Responsável:<br />
Othon Carlos Werner – DRT/SP 7650<br />
Conselho Consultivo:<br />
Antonio Rodrigues erreira<br />
Marcos Ribeiro Dantas<br />
Edwaldo Marques<br />
Carlos Augusto G. Picanço<br />
Jorge Eduardo G. Koury<br />
Redação e Administração:<br />
Rua Diogo de Brito, 41 salas 1 e 2<br />
02460-110 S. Paulo - SP - Tel: (11) 6971-1027<br />
otolitos: Diarte – Tel: (11) 5571-9793<br />
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4<br />
6<br />
11<br />
14<br />
20<br />
27<br />
EDITORIAL<br />
Promessa cumprida<br />
DR. PLINIO COMENTA...<br />
Excelências e belezas do<br />
Santo Rosário<br />
DENÚNCIA PROÉTICA<br />
Se o Brasil quiser ser<br />
uma grande nação missionária...<br />
O PENSAMENTO ILOSÓICO DE DR. PLINIO<br />
Procurando fixar<br />
a “fisionomia” da Igreja<br />
GESTA MARIAL DE UM VARÃO CATÓLICO<br />
Prelibando o convívio<br />
com Nossa Senhora<br />
DONA LUCILIA<br />
Cuidados e desvelos maternais<br />
Preços da assinatura anual<br />
OUTUBRO de 2000<br />
Comum . . . . . . . . . . . . . . R$ 60,00<br />
Colaborador . . . . . . . . . . R$ 90,00<br />
Propulsor . . . . . . . . . . . . . R$ 180,00<br />
Grande Propulsor . . . . . . R$ 300,00<br />
Exemplar avulso . . . . . . . R$ 6,00<br />
Serviço de Atendimento<br />
ao Assinante<br />
Tel./ax: (11) 6971-1027<br />
<strong>31</strong><br />
36<br />
LUZES DA CIVILIZAÇÃO CRISTÃ<br />
Cintilações da alma franciscana<br />
ÚLTIMA PÁGINA<br />
Arco-íris de Esperança<br />
3
Promessa cumprida<br />
Editorial<br />
Se o mal é dinâmico, o bem é eminentemente<br />
difusivo. Assim como no caso de Dª Lucilia, ressaltava-se<br />
em <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> esta característica do<br />
bem: era para o benefício e santificação das almas (sobretudo<br />
aquelas que Maria Santíssima confiara aos<br />
seus cuidados de pai espiritual) que ele devotava o melhor<br />
de seu zelo, de sua benevolência e de sua compaixão<br />
pelas fraquezas alheias.<br />
Em seu afã de encaminhar a todos nas vias da virtude,<br />
era auxiliado por um impressionante dom de perscrutar<br />
até o fundo os corações, o que lhe possibilitava,<br />
com extraordinário acerto, dar um conselho adequado<br />
a cada situação.<br />
Sempre disposto a amparar e a oferecer a boa doutrina<br />
a qualquer pessoa que recorresse às suas orientações,<br />
vencia as barreiras que encontrasse, não levando<br />
em conta classe social, condição intelectual, formação<br />
cultural, grau de prestígio ou outra característica<br />
do consulente. Cada um se sentia tratado por ele como<br />
filho — e filho único.<br />
Se acontecia que algum dos seus, cedendo ao peso<br />
das solicitações do mundo, deixava-se extraviar das<br />
sendas do bem, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, como o protagonista da parábola,<br />
transformava-se no bom pastor que vai atrás<br />
da ovelha perdida. Sem nada diminuir da imensa solicitude<br />
com que velava por todos sob sua guarda, punha-se<br />
ao encalço da alma tresmalhada, buscava-a no<br />
meio dos espinheiros em que se embrenhara, tratavalhe<br />
as feridas e, com indescritível carinho, tomava-a sobre<br />
os ombros para conduzi-la de volta ao redil.<br />
Em muitos de seus aspectos, a vida de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> se<br />
assemelhou, assim, a um círio que ardeu continuamente<br />
no serviço do próximo. Desde o momento em que<br />
despertava pela manhã, até a hora de se deitar, sua<br />
existência era um incessante holocausto pelo apostolado.<br />
Contatos telefônicos, conversas durante todas<br />
as refeições, atendimentos particulares, conferências,<br />
palestras e reuniões de estudo, as famosas “palavrinhas”<br />
(causeries em geral com os mais jovens), qual-<br />
quer atividade era tomada por ele como mais uma ocasião<br />
para sustentar, conduzir, incentivar na prática da<br />
religião Católica Apostólica Romana, e no recurso contínuo<br />
à Rainha do Céu. “Tenha mais devoção a Nossa<br />
Senhora”, era a recomendação mais freqüente ouvida<br />
de seus lábios.<br />
Ainda no seu último mês de vida, preso ao leito de<br />
hospital, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> manteve acesa a preocupação por<br />
seus discípulos, edificando a todos pela prática ininterrupta<br />
daquela “sede de almas” que tanto aconselhava<br />
e prezava.<br />
Não podia acontecer que, ao deixar este mundo,<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> rompesse o liame espiritual com seus dirigidos.<br />
Pelo contrário, deveria fortalecê-lo.<br />
Ao se comemorarem os cinco anos da partida desse<br />
admirável católico para a eternidade — a par de<br />
exprimir as saudades do inesquecível convívio, da direção<br />
segura e confiável, e daquele olhar paternal,<br />
bondoso e compreensivo — é dever de gratidão assinalar<br />
que <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> solidificou esses laços de alma.<br />
Tem ele observado, rigorosa e dadivosamente, a promessa<br />
feita quando, pela primeira vez, tomou providências<br />
para a eventualidade de seu falecimento:<br />
“São tais os vínculos de alma que tenho com cada<br />
um .... que me é impossível mencionar aqui especialmente<br />
alguém para lhe exprimir meu afeto. Peço que<br />
Nossa Senhora abençoe a todos e a cada um. Depois<br />
da morte, espero junto a Ela rezar por todos, ajudando-os<br />
assim de modo mais eficaz do que na vida terrena.<br />
Aos que me deram motivos de queixa, perdôo de<br />
toda a alma. .... Em qualquer caso, a todos e a cada um<br />
peço entranhadamente e de joelhos que sejam sumamente<br />
devotos de Nossa Senhora durante toda a vida.<br />
“Por sua misericórdia inefável, quererá Nossa Senhora<br />
ter-me, depois de minha morte, aos pés de seu<br />
trono por toda a eternidade. Lá estarei orando por todos,<br />
até que junto a Ela o nosso número seja completo”.<br />
(Testamento de 10/1/1978 e carta anexa)<br />
DECLARAÇÃO: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625<br />
e de 5 de junho de 16<strong>31</strong>, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras<br />
ou na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista.Em nossa intenção, os títulos elogiosos não<br />
têm outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />
4
... e o resto<br />
lhe foi dado por<br />
acréscimo<br />
5
DR. PLINIO COMENTA...<br />
Nossa<br />
Senhora<br />
do Rosário,<br />
venerada<br />
em Sevilha<br />
(Espanha)<br />
Excelências e belezas<br />
do Santo Rosário
C<br />
erta ocasião, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> afirmou que, se soubesse que<br />
algum de seus filhos espirituais tinha deixado a prática<br />
da comunhão diária, recearia muito por sua perseverança<br />
na vocação. Contudo, muito mais aflito ficaria se soubesse<br />
que o pobre homem tinha abandonado a reza diária do Rosário.<br />
Pois romper esse liame com a Mãe de Deus e nossa Mãe seria<br />
indício de grave derrapagem na vida espiritual.<br />
Nos comentários de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> transcritos nestas páginas<br />
transparece seu alto apreço pela devoção marial por excelência.<br />
Não há dúvida de que o Rosário ocupa privilegiadíssimo<br />
papel na história da piedade católica.<br />
Em primeiro lugar, porque liga o fiel a Nossa<br />
Senhora, e atrai para ele toda sorte de graças celestiais.<br />
Em segundo lugar, porque afugenta o demônio. Satanás tem<br />
ódio e terror do Rosário. Se alguém estiver sendo alvo de<br />
uma tentação, tome fervorosamente o Terço nas mãos e<br />
ver-se-á fortalecido contra a investida do inimigo de nossas<br />
almas.<br />
Excelente meio de venerar a Mãe de Deus, é o Rosário<br />
causa de uma incalculável torrente de bênçãos efundida<br />
sobre a Cristandade. Por isso, os Papas — como outras autoridades<br />
eclesiásticas — não se cansam de elogiá-lo, enriquecendo-o<br />
com muitas indulgências. Se tal não bastasse,<br />
a Santíssima Virgem, querendo Ela mesma incentivar<br />
essa inestimável devoção, mais de uma vez apareceu<br />
trazendo nas mãos virginais o piedoso instrumento.<br />
Mistérios gozosos e gloriosos<br />
Meio tanto mais excelente quanto constitui uma meditação<br />
das vidas de Nosso Senhor Jesus Cristo e de Nossa<br />
Senhora. Cada dezena corresponde a um fato.<br />
Os [mistérios] gozosos são aqueles que, no sentido nobre<br />
da palavra, deram razão para gáudio aos Sacratíssimos<br />
Corações de Jesus e de Maria. Começando pela alegria da<br />
Anunciação, quando se realizaram as castas e indissolúveis<br />
núpcias de Nossa Senhora com o Divino Espírito Santo, e<br />
Ela conheceu que Deus se servia de suas entranhas puríssimas<br />
para a encarnação do Verbo, o qual assim se tornava<br />
também filho d’Ela.<br />
A Visitação, em que Ela é saudada por Santa Isabel e<br />
entoa o Magnificat, o maior hino de alegria e de vitória<br />
que uma pessoa tenha cantado em toda a história! As alegrias<br />
do Natal, de que podemos ter pálida idéia se recordarmos<br />
os natais que já festejamos, e a emoção que nos<br />
toma ao nos acercarmos de um presépio para oscularmos<br />
os pés do Menino Jesus. Isto nos permite imaginar a indescritível<br />
felicidade de Nossa Senhora naquela bendita noite<br />
em que veio ao mundo o Salvador, e a própria alegria<br />
d’Ele, ao nascer para a grandiosa missão que O trazia do<br />
Céu à terra!<br />
A Apresentação no Templo. A felicidade com que o<br />
Menino-Deus se comunicou aos homens, de tal maneira<br />
que o Profeta Simeão cantou a glória d’Ele, profetizando<br />
tudo quanto Ele seria. E Nosso Senhor, frágil criança, na<br />
aparência sem entender, compreendia e inspirava aquele<br />
cântico.<br />
Depois, o Encontro de Nossa Senhora e de São José<br />
com o Divino Infante no Templo. No momento em que,<br />
discutindo com os doutores da Lei, o Menino Jesus resplandecia<br />
por seu talento e por sua instrução acerca das<br />
Escrituras, viu seus pais se aproximarem... Para Ele deixou<br />
de haver tudo: só teve olhos para Nossa Senhora que entrava.<br />
A alegria de consolá-La, de pôr fim ao sofrimento<br />
d’Ela e ao de São José. Que felicidade!<br />
Tudo isso constitui uma série de deleites extraordinários.<br />
Apenas por facilidade de comentário, passemos dos<br />
Mistérios Gozosos do Rosário para os Gloriosos. Muito<br />
mais do que a simples alegria, a glória! Esta inicia-se com a<br />
Ressurreição: três dias após a morte de Jesus, o sepulcro<br />
onde Ele jazia se enche de Anjos, se põe a estremecer. As<br />
ataduras caem de seu corpo santíssimo, um perfume mais<br />
excelente que o dos ungüentos se faz sentir, Nosso Senhor<br />
resplandece da glória dos ressurrectos. De cada uma de<br />
suas chagas, de cada lugar ferido em sua carne é um sol<br />
que nasce! Ele se ergue, atravessa de modo fulgurante a laje<br />
do sepulcro e vai ao Cenáculo, encontrar-se com Nossa<br />
Senhora!<br />
Como se não bastasse o ressuscitar a si próprio, a glória<br />
da Ascensão: o Homem-Deus sobe aos Céus diante de<br />
7
DR. PLINIO COMENTA...<br />
seus apóstolos e discípulos. A atmosfera inteira está feérica<br />
de Anjos e de luzes, a natureza se faz dulcíssima, os pássaros<br />
cantam, as flores se abrem, as nuvens resplandecem,<br />
o azul do firmamento parece uma só e imensa safira. Encantamento<br />
geral. Em certo momento, percebem que Nosso<br />
Senhor está desaparecendo. Ele sobe, sobe, sobe... Na<br />
Terra ficam apenas os homens. Mas a glória d’Ele cobre<br />
tudo, de maneira que, quando já ninguém O vê, os homens<br />
caem em si: acabou.<br />
Acabou? Não. Outra glória começa: está ali Nossa Senhora<br />
que reza recolhida, extasiada. Tem início a presença<br />
simbólica d’Ele, ali mesmo, por meio d’Ela.<br />
Em seguida, o terceiro Mistério Glorioso. Nossa Senhora<br />
reza com os apóstolos no Cenáculo. A Igreja é pequena,<br />
nova, fraca, caminha indecisa entre tantos escolhos e perigos.<br />
De súbito, o Espírito Santo desce em forma de chama<br />
sobre a venerável cabeça da Rainha do Céu e da Terra. Essa<br />
chama se divide em doze e paira sobre os Apóstolos.<br />
Transportados pelo Espírito Santo, transformam-se em<br />
outros homens que, entusiasmados, começam a pregar e a<br />
ensinar a doutrina do Divino Mestre. Mais uma vez, a<br />
glória de Deus resplandece.<br />
Chega o momento da Assunção de Nossa Senhora. Certo<br />
dia, um sono ligeiríssimo se transforma em morte. Mais<br />
virginal do que nunca, conservando ainda todo o esplendor<br />
da juventude dentro da respeitabilidade da ancianidade,<br />
Maria Santíssima passou pelo sono dos justos, como<br />
um lírio que se colheu e se depositou sobre o altar. Sem<br />
conhecer a corrupção do túmulo, também Ela ressuscitou,<br />
e também começou a subir aos Céus, rodeada de Anjos<br />
que A glorificavam.<br />
O Céu, morada eterna da alegria insondável, da felicidade<br />
e da glória imutáveis, tornou-se ainda mais paradisíaco<br />
quando Nossa Senhora ali ingressou. Ela, a Medianeira<br />
de todas as graças, tomou assento aos pés do Trono da<br />
Santíssima Trindade, e foi coroada pela Trindade Beatíssima.<br />
É o quinto Mistério do Rosário: a glória de Nossa Senhora<br />
no Céu.<br />
Dois píncaros de suma elevação: um, cheio de suavidade,<br />
de doçura, de discreta resplandecência dos prazeres<br />
de alma íntimos e serenos. Outro píncaro, o das grandes e<br />
régias glórias.<br />
Trágicas magnitudes dos Mistérios<br />
Dolorosos<br />
Entre os dois ápices, porém, há um vale profundo... É o<br />
da dor! No que neste vale há de mais tenebroso, sanguinolento<br />
e negro, ergue-se um monte, geograficamente pequeno,<br />
entretanto o mais alto monte da Terra: o Calvário!<br />
Neste Calvário, uma Cruz. Junto à Cruz, Nossa Senhora.<br />
De pé, heróica, vertendo seu pranto de Mãe transpassada<br />
de aflição. Cravado nessa Cruz, padecendo inenarráveis<br />
dores, com sofrimentos inimagináveis, o Homem-Deus<br />
que expira: “Meu Deus, Meu Deus, por que me abandonastes?...”<br />
São os Mistérios Dolorosos!<br />
A Agonia ou, como se costuma dizer, a Oração de Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo no Horto das Oliveiras. Agonia em<br />
grego significa luta. Por que luta?<br />
Porque Ele sabia que Judas O estava vendendo. Ele sabia<br />
que [os esbirros dos fariseus e dos sacerdotes] viriam<br />
para prendê-Lo. Ele sabia que sua Paixão iria começar em<br />
breve. Ele conhecia todos os aspectos morais e físicos<br />
dessa Paixão. Media, ponto por ponto, todas as ingratidões,<br />
maldades, injúrias, friezas e perversidades que fariam<br />
contra Ele ao longo daquele caminho. E media as<br />
dores que tudo isso causaria à sua Mãe Santíssima. Gotas<br />
de sangue irrompem em sua ace, transformam-se em<br />
filetes que Lhe escorrem pela barba, embebem sua alva<br />
túnica e tingem o chão pedregoso do Getsêmani.<br />
Aparece então um Anjo e Lhe dá de beber um cálice<br />
contendo algo que O consola, que Lhe confere forças ex-<br />
8
Nos santos Mistérios do Rosário meditamos<br />
nos mais significativos acontecimentos das<br />
vidas de Nosso Senhor e de sua Mãe<br />
Santíssima, como a Anunciação (página<br />
anterior), a Coroação de Espinhos (ao lado) e<br />
a glorificação de Maria no Céu (abaixo)<br />
traordinárias de alma e de corpo. Ele se recompõe inteiramente<br />
e se levanta como um gigante, como um sol, e parte<br />
para o supremo sacrifício da Redenção.<br />
Na Agonia, a alma santíssima de Nosso Senhor sofreu<br />
de modo inenarrável. E por corolário, à maneira de reflexo,<br />
esse sofrimento espiritual ocasionou o suor de sangue.<br />
Mas, de si, o corpo sagrado de Jesus ainda não fora atingido.<br />
Começou a sê-lo na flagelação. É o segundo Mistério<br />
doloroso. Um contraste pungente entre a mansidão, a<br />
bondade, a voluntária incapacidade de defender-se, de um<br />
lado; e o ódio brutal, estúpido, cruel, de outro lado. No<br />
meio de bofetadas, gargalhadas e empurrões, Nosso Senhor<br />
é preso à coluna. Com açoites tremendos, os esbirros<br />
começam a fustigá-lo furiosamente. Jesus se põe a gemer.<br />
Gemidos de insondável doçura, gemidos harmoniosos, saídos<br />
de um corpo que se contorce de dor pela brutalidade<br />
do tormento que padecia. Pedaços de carne caem no chão,<br />
e é carne do Homem-Deus! Seu sangue salvador corre aos<br />
borbotões.<br />
Depois temos a Coroação de Espinhos. Por todos os<br />
títulos, divinos e humanos, Nosso Senhor Jesus Cristo foi e<br />
é verdadeiramente Rei. Insensíveis àquela realeza evidente,<br />
que se irradiava do Homem-Deus como a luz se<br />
irradia do sol, movidos por estados de espírito diversos,<br />
[seus cruéis e irredutíveis adversários] resolveram matá-<br />
Lo. E para provar que Ele não tinha poder, nem sabedoria,<br />
nem divindade nem realeza, colocam-Lhe, como numa<br />
encenação de comédia, a coroa de espinhos sobre a cabeça.<br />
Que padecimentos, não apenas físicos, mas sobretudo<br />
morais!<br />
Porém, posto naquele trono de irrisão, sentado nele<br />
com a mansidão de um cordeiro, tinha Jesus entretanto a<br />
altanaria de um leão e a excelsa dignidade de um Rei sentado<br />
em seu régio sólio, como quem diz: “Ninguém me<br />
abaterá, porque Eu sou Eu, sou ilho de David, mas, sobretudo,<br />
sou ilho de Deus!”<br />
Por fim, levam-No à morte. É o carregamento da Cruz<br />
até o alto do Calvário. Nosso Senhor não sorriu em face da<br />
dor. Quando sua hora chegou, tremeu, se perturbou, suou<br />
sangue diante da perspectiva do sofrimento. E neste dilúvio<br />
de apreensões, infelizmente por demais fundadas, está<br />
a consagração do heroísmo d’Ele. Jesus venceu os brados<br />
mais imperiosos, as injunções mais fortes, os pânicos<br />
mais atrozes. Tudo se dobrou ante a vontade humana e divina<br />
do Verbo Encarnado. Acima de tudo, pairou sua determinação<br />
inflexível de fazer aquilo para que havia sido<br />
enviado pelo Pai. E quando levava sua Cruz pela rua da<br />
amargura, mais uma vez as forças naturais fraquejaram.<br />
Caiu, porque não tinha forças. Caiu, mas não se deixou<br />
cair senão quando de todo não era possível prosseguir no<br />
caminho. Caiu, mas não recuou. Caiu, mas não abandonou<br />
a Cruz. Ele a conservou consigo, como a expressão visível<br />
e tangível do propósito de a levar ao alto do Gólgota.<br />
O Gólgota, o mais alto monte da terra...<br />
9
DR. PLINIO COMENTA...<br />
Prece dos fortes e dos batalhadores<br />
O Rosário é a prece dos fortes, é a súplica dos batalhadores,<br />
porque é um conjunto de orações de tal eficácia que<br />
faz avançar o bem e recuar o mal.<br />
Veja-se, por exemplo, o episódio da conversão dos albigenses.<br />
A heresia promovida por estes — que tiram seu nome<br />
da cidade de Albi, na rança — espalhou-se mais ou<br />
menos por toda a Europa.<br />
Durante três dias, sozinho, São Domingos não faz senão<br />
rezar e jejuar, suplicando a Nossa Senhora que Ela vencesse<br />
a dureza de alma dos albigenses e os incitasse à conversão.<br />
Por fim, sem alcançar nenhuma resposta do Céu, ele<br />
cai desfalecido, elevando à Santíssima Virgem uma última<br />
prece: “Minha Mãe, não tenho mais forças, mas em Vós<br />
continuo a confiar. Vós sabereis o que fazer de minhas pobres<br />
orações”. E continuava a rezar, enquanto seus lábios<br />
pudessem articular alguma palavra.<br />
É nesse momento de extrema angústia que Nossa Senhora<br />
lhe aparece e lhe revela, de uma vez, a grandeza e a<br />
magnificência do Rosário. Em seguida, encoraja São Domingos<br />
à luta contra a heresia. Munido da poderosa arma<br />
que lhe confiou a Mãe de Deus, o Santo corre para a Catedral,<br />
e começa a pregar. O Céu o prestigia: primeiro, os sinos<br />
começam a tocar por mãos de anjo; logo depois, raios e<br />
trovões fizeram estremecer o povo ali presente.<br />
Como o temor prepara para o amor! São duas escadas<br />
que, juntas, conduzem o homem à união com Deus. Uma,<br />
de nobre granito, o temor. Outra, de ouro, o amor.<br />
Desejando a Providência preparar aquelas almas endurecidas<br />
para amarem a Deus na palavra inflamada de São<br />
Domingos, incutiu-lhes antes o terror da ira divina. Depois, à<br />
medida que São Domingos falava, sucedeu o mesmo que<br />
quando Nosso Senhor ordenou que a tempestade amainasse.<br />
A borrasca cessou, e os ouvintes compreenderam que a palavra<br />
daquele homem era poderosa diante de Deus. A Providência<br />
lhe conferira o duplo poder de desencadear e de<br />
suspender as punições, como lhe dera a força de tomar as almas<br />
arrependidas, trêmulas e envergonhadas, e trazê-las para<br />
o perdão, para a contrição, para o amor de Deus.<br />
São Domingos, o que pregou? Ele pregou o Rosário.<br />
Segundo a história da Igreja, a partir do momento em<br />
que o Rosário começou a se difundir, a heresia albigense<br />
foi perdendo terreno, porque sofrera irremediável golpe<br />
no que ela tinha de mais vital.<br />
O Rosário representa, assim, magnífica arma de guerra.<br />
Dessa forma de guerra tão mais importante, na qual o<br />
católico luta pelos interesses da verdadeira Igreja de Deus,<br />
pela causa de Nossa Senhora, combate o demônio e os inimigos<br />
de sua própria salvação.<br />
A prática do Rosário, portanto, deve ser uma característica<br />
do católico de todos os tempos, sobretudo os que vivem<br />
neste paganizado século XX, em que tudo conspira<br />
contra a virtude e a é. Tão eficaz nos dias de São Domingos,<br />
vitorioso contra os albigenses, o Rosário o será ainda<br />
mais contra a impiedade deste fim de milênio. Pois não há<br />
razão alguma para pensar que ele perderá sua força numa<br />
época em que ela se faz mais necessária.<br />
v<br />
“São Domingos convertendo os albigenses”<br />
— Vitorioso contra a heresia no passado, o<br />
santo Rosário continua a ser poderoso<br />
instrumento de santificação e de<br />
apostolado nas mãos dos católicos<br />
10
DENÚNCIA PROÉTICA<br />
Se o Brasil quiser ser<br />
uma grande nação<br />
missionária...
DENÚNCIA PROÉTICA<br />
O<br />
s primeiros cristãos pensavam que a segunda vinda de Jesus se daria em seu tempo,<br />
e viviam em função dessa expectativa. Segundo ensinam os teólogos, nada<br />
mais normal. As iluminações proféticas a respeito do futuro não precisam datas, e<br />
as pessoas assim inspiradas pelo Espírito Santo a respeito de acontecimentos vindouros os esperam<br />
para seus dias. Não há erro na previsão; há uma pressa por ver a realização.<br />
Isto tem algo de semelhante com as esperanças de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em relação à vocação do<br />
Brasil. Não no século XX — como ele desejava —, porém no XXI, nossa Pátria está destinada a<br />
ser uma nação missionária, ardorosa na expansão do Reinado de Cristo sobre as almas. Mas,<br />
para chegar este grande dia, há uma condição indispensável, e ao mesmo tempo, a mais doce e<br />
suave que se possa imaginar. Vejamos do que se trata.<br />
Na época de laicismo em que vivemos, a missão<br />
histórica de Portugal costuma ser considerada<br />
de um ponto de vista inteiramente agnóstico. O<br />
ciclo das navegações é apreciado, pela maior parte dos<br />
compêndios, apenas em seus resultados econômicos e políticos.<br />
De nada ou quase nada tem valido que historiadores<br />
do melhor quilate hajam demonstrado coisa diversa.<br />
Acumulam-se as provas de que o primeiro móvel da alma<br />
lusa na aventura das navegações foi apostólico; de que os<br />
desbravadores de oceanos que o pequenino Portugal deitou<br />
pela vastidão dos mares tinham alma de cruzado, e<br />
não de mascate: para a história corrente, manipulada e<br />
deformada segundo as conveniências da irreligião, a glória<br />
de Portugal continua privada do esplendor sacral e heróico<br />
dos ideais religiosos, e reduzida ao mérito sem “panache”<br />
das realizações materiais da vida burguesa.<br />
Nada disto, porém, altera a evidente realidade dos fatos.<br />
A Monarquia idelíssima foi essencialmente missionária.<br />
O Brasil deve a Portugal, à ação missionária do luso,<br />
a suprema graça de pertencer à Igreja. E não é só o<br />
Brasil. Nem é só a África. Mais além, bem junto da zona<br />
conflagrada do Extremo Oriente, na Índia e, mais além,<br />
no mundo amarelo, é o esforço missionário português que<br />
deixou fincadas as sentinelas avançadas da Religião, as colônias<br />
lusas de onde se irradia nas gentilidades vizinhas<br />
um proselitismo até hoje vivaz e fecundo.<br />
Era bom que se lembrasse isto no mês das Missões. O<br />
Brasil nasceu como uma realização missionária.<br />
* * *<br />
Essa grande nação missionária que é Portugal não<br />
encerrou o ciclo de seus feitos religiosos, com as navegações.<br />
Muito recentemente, a Providência Divina confiou<br />
ao povo português outra grande obra missionária. Querendo<br />
falar ao mundo, Nossa Senhora escolheu um recanto<br />
do solo português para suas aparições. Escolheu três<br />
pequeninos portugueses como seus arautos, fixou em Portugal<br />
essa fonte perene de milagres que é átima, e com<br />
isto atraiu para Portugal as esperanças de todos os sofredores<br />
da Terra. [...] É impossível não ver que Nossa Se-<br />
nhora concedeu à antiga nação<br />
missionária uma grande tarefa<br />
histórica a realizar. Os que eram<br />
ontem arautos de Cristo são<br />
acrescidos de mais um título:<br />
arautos da Virgem. [...]<br />
* * *<br />
ruto de um esforço missionário,<br />
o Brasil foi sempre ardente<br />
devoto de Maria Santíssima. [...]<br />
Para Portugal, as aparições de<br />
átima significam que a gloriosa<br />
fecundidade da nação missionária<br />
não esgotou suas possibilidades<br />
de ação a serviço da Igreja.<br />
Para o Brasil, lembram de modo<br />
muito especial que estamos no<br />
momento de produzir, para a dilatação<br />
do Reino de Cristo, os<br />
frutos que as inúmeras graças e<br />
dons sobrenaturais e naturais, de<br />
que fomos cumulados, nos obrigam<br />
a dar ao mundo. [...]<br />
O esforço missionário é mais<br />
necessário do que nunca. Não se<br />
trata só de conduzir ao redil de<br />
Jesus Cristo as nações do Oriente.<br />
É no Ocidente, é no próprio<br />
grêmio da Cristandade em ruínas<br />
que se instalou um paganismo<br />
mil vezes pior do que o antigo. O<br />
neo-paganismo contemporâneo<br />
não tem a explicação tantas vezes<br />
cabível quanto aos pagãos orientais:<br />
a ignorância. No paganismo<br />
ocidental fermenta a apostasia, o<br />
pecado contra o Espírito Santo,<br />
o amor deliberado e satânico ao<br />
erro e ao mal. É contra os here-<br />
12
ges de hoje, que perderam suas últimas tintas de cristianismo,<br />
que o esforço missionário do Brasil se torna necessário.<br />
No admirável “Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima<br />
Virgem”, do Beato Grignion de Montfort, lê-se<br />
com freqüência esta súplica: “Para que venha o vosso Reino,<br />
venha a nós o Reino de Maria”.<br />
O Brasil tem de ser no século XX o grande arauto da<br />
realeza de Jesus Cristo. E para que ele cumpra sua missão,<br />
é preciso que ele atenda ao apelo marial de átima, se<br />
torne um pregoeiro infatigável da devoção a Nossa Senhora.<br />
Prepara-se o caminho para Cristo, pregando Nossa Senhora.<br />
As devoções marianas são as estradas reais pelas<br />
quais se chega a Nosso Senhor Jesus Cristo.<br />
Em átima, Nossa Senhora recomendou duas devoções,<br />
de modo todo particular. A elas há de se apegar o<br />
Brasil com o maior fervor.<br />
Uma é a do Coração Imaculado de Maria. Outra é a do<br />
Santo Rosário.<br />
Se o Brasil quiser ser a grande nação de cruzados e missionários<br />
do século XX, é por meio de uma ardente piedade<br />
marial que conseguirá essa graça. E se quiser essa graça,<br />
há de implorá-la pelos meios que a própria Virgem indicou.<br />
(Excerto do Legionário, 7/10/1945.<br />
Título original: “átima”.)<br />
ruto de um ingente esforço missionário, o Brasil será grande na sua gesta<br />
apostólica se fervorosa for sua devoção a Maria Santíssima (Nossa Senhora<br />
de átima e ruínas das Missões de São Miguel, Rio Grande do Sul)<br />
13
O PENSAMENTO ILOSÓICO DE DR. PLINIO<br />
Procurando<br />
fixar a “fisionomia”<br />
da Igreja<br />
C<br />
erto dia, na aculdade Sedes Sapientiae, uma religiosa belga que visitava essa instituição<br />
pediu licença para assistir a uma das aulas de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> sobre História Medieval e<br />
Contemporânea. Recebendo o consentimento dele, quis sentar-se no fundo da sala, “para<br />
observar a reação das alunas”.<br />
Sem se preocupar com a inusitada inspetora, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> fez normalmente sua preleção, finda a<br />
qual a freira saiu sem se manifestar. Algum tempo depois, a diretora da aculdade contou a ele o comentário<br />
da visitante:<br />
— Ela achou sua exposição tão clara, tão lógica, que o senhor possui o dom de se fazer entender<br />
até por pessoas pouco inteligentes.<br />
Era bem verdade: ao mesmo tempo que deixava encantados os “gênios”, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> tornava<br />
acessíveis as altas noções a qualquer público que tivesse diante de si. O que recorda a observação do<br />
célebre pensador espanhol Balmes (“El Criterio”): “A conversação e os escritos desses homens privilegiados<br />
se distinguem pela clareza, precisão e exatidão. Em cada palavra encontramos uma idéia, e<br />
vemos que essa idéia corresponde à realidade das coisas. Ilustram, convencem, deixam plenamente<br />
satisfeitos. [...] Para segui-los em suas dissertações, não é preciso esforço”.<br />
Já o temos dito, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, ao tratar uma matéria, não a enquadrava em limites estritos, mas<br />
procurava as correlações possíveis. A presente seção, que aparece hoje pela primeira vez, oferecerá<br />
oportunidade para se apreciar a distinta e sábia agilidade com que <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> relacionava considerações<br />
filosóficas com dados de psicologia, teologia, sociologia, política, etc., e especialmente com<br />
observações originais, colhidas na realidade suculenta da vida de todos os dias.<br />
Há outro aspecto fundamental a notar: o pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> ajusta-se em tudo<br />
e por tudo aos parâmetros traçados pelo Magistério da Igreja, recordados ainda recentemente pelo<br />
Papa João Paulo II na luminosa encíclica “ides et Ratio”. A baliza pela qual se guiava <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> está<br />
mesmo expressa nas palavras iniciais do Santo Padre: “A fé e a razão constituem como que as<br />
duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade.”<br />
Declarando sempre sua submissão amorosa ao juízo da Igreja, e sua disposição de reformular<br />
de imediato seu pensamento, caso reprovado por ela, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> se alicerçava nos grandes filósofos<br />
católicos, de modo particular em São Tomás de Aquino, para lançar-se em vôos de alto descortino.<br />
Também aí sua atitude se amoldava perfeitamente às diretrizes de Roma, que recomenda o tomismo<br />
como ponto de referência e incentiva os pensadores católicos a pesquisar, explicitar, explorar aspectos<br />
novos da verdade, enriquecendo a inteligência em harmonia com as máximas da Religião: “Ao desassombro<br />
(parrésia) da fé deve corresponder a audácia da razão”, lembra o Papa na citada encíclica.<br />
Sobre a conferência cuja primeira parte é transcrita a seguir (o restante o será nos próximos<br />
dois números da revista), é preciso ter em conta duas circunstâncias: <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> estava se dirigindo a<br />
um auditório muito jovem; e, em segundo lugar, como em todas as ocasiões, falava de improviso...<br />
14
Arespeito do aspecto humano<br />
da Igreja Católica, tenho<br />
a impressão de que a sua<br />
história gloriosa se desenvolve de tal<br />
maneira que, de acordo com as várias<br />
épocas, ela foi mostrando luzes diferentes.<br />
Razão pela qual só poderíamos<br />
ter uma idéia global da Igreja se fizéssemos<br />
o estudo dessas diversas épocas<br />
e compreendêssemos o que representa<br />
cada uma dessas luzes, predispondo<br />
em seguida nosso espírito<br />
para fazermos a síntese de todas elas.<br />
Entenderíamos então o que a Igreja
O PENSAMENTO ILOSÓICO DE DR. PLINIO<br />
Católica foi, o que ela é, e teríamos<br />
um vago vislumbre do que ela será,<br />
pois devemos supor que seu futuro estará<br />
no rumo do desenvolvimento das<br />
várias etapas do passado.<br />
De maneira que é preciso toda uma<br />
espécie de teoria, ou de doutrina histórica,<br />
para se compreender o que podemos<br />
ter no porvir, posto ser este o<br />
tema desta exposição.<br />
Devemos, portanto, falar algo sobre<br />
a Igreja no passado. Convém que<br />
a tomemos na sua primeira infância,<br />
nos seus primeiros movimentos. Se<br />
quiserem, na sua primeira inocência,<br />
embora ela, em si mesma considerada,<br />
tenha se conservado inocente durante<br />
toda a sua existência e assim<br />
chegará até o fim do mundo. A pergunta<br />
que se deve fazer é a seguinte:<br />
qual era a fisionomia moral dos virtuosos<br />
na Igreja primitiva?<br />
trombetas anunciando que o imperador<br />
chegava. De longe ouviam a marcha<br />
das coortes que o escoltavam, a<br />
música e as aclamações com as quais<br />
o César era recebido. Mais alguns instantes,<br />
e um carcereiro vinha abrir a<br />
porta da prisão e os empurrava para a<br />
arena.<br />
Ali havia um ídolo, diante do qual<br />
ardia uma pira com fogo contínuo, e<br />
um recipiente com incenso. Bastava a<br />
um dos condenados se aproximar do<br />
ídolo e jogar incenso no fogo, dando a<br />
entender que renegava Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo, para ter a vida salva. Esse<br />
gesto simples lhe devolveria toda a<br />
liberdade. Do contrário, seria executado<br />
do modo mais cruel.<br />
Acontecia então a vários que, ao<br />
chegar a hora suprema, fraquejavam,<br />
dirigiam-se ao ídolo e lhe jogavam incenso,<br />
cometendo o pecado da prevaricação.<br />
Eram imediatamente libertados.<br />
Tinham uma vida nova diante de<br />
si. Mas, e a consciência?<br />
Algum tempo depois, numa determinada<br />
noite, um deles voltava às catacumbas,<br />
puído de vergonha e de remorso.<br />
Ajoelhava-se diante do Bispo<br />
ou de um sacerdote e pedia perdão.<br />
Tinha renegado a fé católica, mas afirmava<br />
querer ser fiel a ela doravante,<br />
até a morte. Diante disso, era oficialmente<br />
readmitido ao culto. E aquele<br />
que dias antes queimara incenso diante<br />
dos ídolos, era aceito de novo para<br />
assistir à Missa e receber o Corpo e o<br />
Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo.<br />
Mais tarde, alguns ex-lapsi eram presos<br />
e morriam mártires. Outros, pelo<br />
contrário, se tornavam relapsi várias<br />
vezes, até não ser mais incomodados<br />
pela polícia. Muitos deles mor-<br />
Um primeiro traço da<br />
fisionomia da Igreja<br />
Em todas as épocas de sua história,<br />
considerando o número imenso de seus<br />
filhos, a Igreja tem alguns que são virtuosos,<br />
e outros não. Isto ocorreu, por<br />
exemplo, no tempo das catacumbas,<br />
quando havia os “lapsi”, ou seja, católicos<br />
que eram relapsos e apostatavam<br />
da fé cristã. Eram presos pela polícia<br />
imperial, levados a julgamento,<br />
condenados à morte e, finalmente,<br />
conduzidos ao Coliseu para serem<br />
executados.<br />
Como é sabido, aqueles cristãos passavam<br />
uma noite inteira no cárcere,<br />
ouvindo os bramidos das feras que rugiam<br />
de fome das carnes deles. Os<br />
presos viam a noite passar lentamente<br />
e a hora da morte que ia chegando.<br />
Quando o primeiro galo cantava, anunciava<br />
a aurora da morte, daquilo que<br />
para eles, terrenamente falando, seria<br />
uma penumbra sem fim. Aos poucos<br />
eles iam vendo o circo se encher de<br />
público. As pessoas que passavam<br />
perto escarneciam deles, escarravamlhes,<br />
diziam desaforos, jogavam objetos<br />
pelas grades da prisão. E eles<br />
rezando. Em certo momento, com o<br />
circo já lotado, esses católicos ouviam<br />
16
iam velhos, freqüentando as catacumbas<br />
com a nódoa da vergonha.<br />
E aqui encontramos um primeiro<br />
traço da fisionomia da Igreja, que devemos<br />
considerar: não há época na<br />
história dela em que todos os seus<br />
membros sejam fervorosos e satisfaçam<br />
inteiramente o perfil do cristão<br />
ideal. Isso só acontecerá no Céu. Na<br />
terra, não. Em todos os períodos históricos<br />
haverá o tíbio, o pecador empedernido,<br />
e o filão cristalino, áureo e<br />
sacrossanto dos que não são empedernidos<br />
nem tíbios, dos que incitam estes<br />
a tomar vergonha e causticam aqueles,<br />
convidando-os ao mesmo tempo<br />
misericordiosamente à conversão. Não<br />
se confundem, não se amalgamam, e<br />
continuam eles mesmos a preservar a<br />
fisionomia autêntica da Igreja. É neles<br />
que a santidade dela aparece.<br />
Em todas as<br />
épocas da história<br />
da Igreja houve<br />
católicos que se<br />
afastaram do ideal<br />
da perfeição<br />
cristã, como os<br />
lapsi e relapsi dos<br />
tempos das catacumbas<br />
(à esquerda,<br />
um aspecto<br />
do Coliseu<br />
romano; à direita,<br />
corredor da Catacumba<br />
de Santa<br />
Priscila)<br />
Um conjunto heterogêneo<br />
De maneira que, se fôssemos fazer<br />
uma história da fisionomia da Igreja,<br />
deveríamos nos perguntar o que significam<br />
essas duas palavras: “da Igreja”.<br />
Se querem se referir somente aos<br />
que são fiéis aos mandamentos e que,<br />
portanto, retratam os dons e as graças<br />
que o Espírito Santo quer que a Igreja<br />
tenha em determinada época, o sentido<br />
da expressão é um. Mas, se se referem<br />
à Igreja como um todo, ela não se<br />
compõe apenas daqueles que estão<br />
habitualmente em estado de graça.<br />
Ela é composta outrossim pelos que<br />
têm o pecado de tibieza, bem como<br />
pelos que vivem de modo constante<br />
em estado de pecado mortal.<br />
Trata-se, pois, de um conjunto heterogêneo.<br />
Assim, em cada época vemos<br />
a luta do Espírito Santo contra o<br />
demônio, porque nos católicos que<br />
não correspondem inteiramente à graça<br />
transluz algo do fulgor que o Espírito<br />
Santo deseja para a Igreja naquele<br />
tempo; mas transparece também<br />
algo do horror que o demônio<br />
quer impingir a ela. E são fisionomias<br />
divididas, contraditórias, nas quais se<br />
pode notar o bem e o mal, a verdade e<br />
o erro, permanecendo todavia no grêmio<br />
da Esposa Mística de Cristo. Só<br />
deixa de pertencer à Igreja o homem<br />
que apostata da é.<br />
Na impossibilidade de fazer o díptico<br />
inteiro do aspecto humano da<br />
Igreja, procuraremos dizer algo de<br />
17
O PENSAMENTO ILOSÓICO DE DR. PLINIO<br />
Eloqüente símbolo de<br />
duas épocas da vida da<br />
Igreja, a Basílica de<br />
São João de Latrão nos<br />
lembra o tempo das<br />
perseguições romanas e<br />
o do glorioso triunfo da<br />
Esposa Mística de<br />
Cristo. Nesta página,<br />
aspecto da fachada da<br />
Basílica lateranense, e<br />
na seguinte, uma vista<br />
de seu rico interior<br />
18
sua primeira época, que coincide com<br />
a chamada Antiguidade. Em termos<br />
de história eclesiástica, abrange desde<br />
a fundação da Igreja por Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo até a queda do Império<br />
Romano do Ocidente, no século<br />
V. Grosso modo falando, são 400 anos<br />
de história.<br />
Duas etapas bem diversas:<br />
a das perseguições e<br />
a da vitória<br />
Nessa análise, podemos demarcar<br />
então duas etapas bem diversas: uma,<br />
a das perseguições; outra, a da vitória.<br />
A primeira vai até o Imperador<br />
Constantino, filho da Imperatriz Santa<br />
Helena. Após vencer Maxêncio<br />
(candidato pagão ao trono) na batalha<br />
de Ponte Mílvia e se ter tornado<br />
senhor de Roma, ele deu liberdade à<br />
Igreja Católica. Do subsolo de todo o<br />
Império surgiram os católicos, os<br />
quais passaram a construir igrejas. O<br />
próprio Imperador requisitou o palácio<br />
de sua sogra — pertencente à ilustre<br />
família dos Laterani —, e o entregou<br />
para ser transformado em templo<br />
cristão. Daí existir hoje a Igreja de<br />
São João de Latrão (Johanis lateranensis),<br />
a catedral dos Papas. oi o<br />
primeiro templo da religião católica<br />
em Roma. Por isso, quando se transpõe<br />
aqueles umbrais sacrossantos, é<br />
preciso imaginar o palácio que ali<br />
existira, quando seus moradores eram<br />
pagãos. Imaginá-lo no tempo das perseguições,<br />
freqüentado por cristãos<br />
clandestinos ou, pouco depois, por<br />
católicos em plena liberdade. E, finalmente,<br />
contemplá-lo transformado em<br />
igreja.<br />
Cessadas as perseguições, tem início<br />
outra era, denominada de o Baixo<br />
Império, que vai até a queda do Império<br />
Romano do Ocidente e o começo<br />
da Idade Média.<br />
O papel dos orientais nos<br />
primórdios do Cristianismo<br />
Entretanto, cumpre ressaltar ainda<br />
outros aspectos na fase das perseguições.<br />
Nessa época houve um período<br />
em que o grosso dos fiéis compunhase<br />
de orientais, ou seja, judeus convertidos<br />
e povos do Oriente Próximo<br />
que tinham muito contato com Israel.<br />
Ali se deu o impacto inicial da religião<br />
Católica e se formou o núcleo<br />
grande da nova religião.<br />
A partir daquele centro, o Mediterrâneo<br />
é percorrido — notadamente por<br />
São Paulo — com o intuito de multiplicar<br />
o número de cristãos. Em certo<br />
momento, a Igreja deixa seu exclusivo<br />
caráter oriental e vai passando a ser<br />
preponderantemente ocidental. Cresce<br />
de tal maneira dentro do Império<br />
Romano que toma aos poucos um outro<br />
colorido, o de civilização clássica.<br />
Eis, portanto, mais alguns aspectos<br />
externos que se notam na primeira<br />
fase da expansão da Igreja Católica, a<br />
qual, repito, durou até o século V.<br />
No próximo número serão transcritas<br />
as observações de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> sobre<br />
os diferentes modos de raciocinar<br />
dos povos, e como essa diversidade<br />
marcou, nos primeiros séculos de sua<br />
existência, a Igreja Católica.
GESTA MARIAL DE UM VARÃO CATÓLICO<br />
João S. Clá Dias<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> reza diante do afresco milagroso da Mãe do Bom<br />
Conselho de Genazzano; ao fundo, vista dessa cidade
D<br />
ia 23 de setembro de 1988. <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> iniciava sua última<br />
viagem à Europa, realizando um antigo e acalentado sonho:<br />
visitar o Santuário de Genazzano para venerar o<br />
afresco de Nossa Senhora do Bom Conselho, que lhe concedera uma insigne<br />
graça cerca de vinte anos antes 1 . A visita acabou se estendendo<br />
por três dias, permitindo a <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> prolongados colóquios espirituais<br />
com a Rainha dos Céus.<br />
Redigida nessa ocasião, a narração reproduzida abaixo é do secretário<br />
particular de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>.<br />
O<br />
Ovôo de São Paulo a Roma<br />
deixou <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> um tanto<br />
cansado. Como sói acontecer<br />
nas fatigantes travessias do oceano,<br />
ele nada conseguiu dormir no<br />
avião. Por isso, já no hotel, resolveu<br />
descansar até mais tarde, antes da viagem<br />
de automóvel a Genazzano.<br />
Um camareiro do estabelecimento<br />
atendeu de modo especial <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>.<br />
icou tão impressionado com a virtude<br />
irradiada por esse varão católico,<br />
que decidiu colocar-se o tempo todo à<br />
disposição dele, e não dar ouvidos a<br />
nenhuma chamada vinda de outras<br />
pessoas, mesmo em se tratando de<br />
seus superiores. Encontrando-se depois<br />
conosco, o bom jovem não se conteve,<br />
desejando expressar toda a sua<br />
admiração por aquele brasileiro tão<br />
bondoso, piedoso e distinto.<br />
Às 14 horas, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> estava pronto,<br />
esperando-nos, a mim e aos outros<br />
que o acompanhariam. Tivemos nessa<br />
ocasião uma breve conversa a respeito<br />
de Roma e dos romanos, e meia<br />
hora mais tarde — sem ainda havermos<br />
almoçado — saímos em direção a<br />
Genazzano.<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> sempre teve admiração<br />
por Roma, não apenas por sua entranhada<br />
devoção ao Papa, mas também<br />
pelas obras arquitetônicas e pela história<br />
da cidade, muito especialmente<br />
por ser ela o centro da Cristandade.<br />
Imaginem-se, pois, os enlevados comentários<br />
que fazia ao encontrar diversas<br />
construções, especialmente as<br />
igrejas. Ao passar pela Igreja do Sagrado<br />
Coração de Jesus (construída<br />
sob a orientação de São João Bosco),<br />
tirou o chapéu e rezou três jaculatórias.<br />
A certa altura do caminho, propôs<br />
que rezássemos um terço e a ladainha<br />
lauretana durante o trajeto até o santuário,<br />
a fim de pedirmos graças que<br />
nos preparassem adequadamente para<br />
a importante visita.<br />
Estava tão tocado pela idéia de encontrar-se<br />
com Nossa Senhora que,<br />
depois dessas orações, externou o desejo<br />
de rezarmos mais dois terços, sugestão<br />
aceita imediatamente.<br />
Encanto pela cidadezinha<br />
de Genazzano<br />
Quando faltava uma dezena para<br />
encerrarmos o último terço, divisamos<br />
o arco de entrada de Genazzano.<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> parecia um menino defronte<br />
a um castelo que estivesse vendo<br />
pela primeira vez. Manifestou enfaticamente<br />
o desejo de que o carro subisse<br />
pela rampa da porta principal<br />
das muralhas, e se entristeceu ao lhe<br />
dizerem que era contramão. Pediu<br />
então que o veículo prosseguisse o<br />
mais lentamente possível, para darlhe<br />
tempo de terminar de rezar o terço<br />
e ainda contemplar a cidade.<br />
indo o rosário, ia percorrendo seu<br />
olhar encantado pelo panorama. Afirmou<br />
sentir muita bênção já no exterior<br />
da cidade, chegando a exclamar<br />
em certo momento: “Até a movimentação<br />
das folhas das árvores é produzido<br />
por um ar que se diria sobrenatural”.<br />
Entramos pela parte de trás de Genazzano,<br />
onde se localiza o castelo da<br />
família Colonna. <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, a todo<br />
instante, me perguntava se eu já havia<br />
fotografado tal porta, tal janela, tal<br />
vaso de flores, reação que denotava<br />
seu maravilhamento com a cidade,<br />
maior do que quando vira as fotos<br />
dela. Estas — ele o podia comprovar<br />
— nem davam idéia do que era a realidade.<br />
Chegou a dizer que gostaria<br />
muito de possuir uma casa dentro das<br />
muralhas de Genazzano, para visitar<br />
esta uma vez por ano.<br />
Assim que as paredes do santuário<br />
despontaram, indicamo-las a <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>,<br />
que no mesmo instante começou<br />
a rezar inúmeras jaculatórias, enquanto<br />
o carro ia se aproximando do edifício<br />
sagrado. Logo após descer, desejou<br />
dar uma volta pela praça, manifes-<br />
21
GESTA MARIAL DE UM VARÃO CATÓLICO<br />
achada e torre do Santuário, e<br />
muralha que fizeram o encanto<br />
de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em Genazzano
tando continuamente sua consolação<br />
com o que via. Quis entrar na igreja<br />
de forma lenta, analisando tudo: as<br />
paredes, o teto, o órgão, o altar.<br />
“Este é o lugar onde eu<br />
gostaria de morrer, bem<br />
junto a Nossa Senhora”<br />
Ao deparar com a imagem de Nossa<br />
Senhora do Bom Conselho, imediatamente<br />
fixou nela seu olhar, e ali<br />
permaneceu em oração por volta de<br />
uma hora.<br />
Logo de início, segurando uma parte<br />
da toalha do altar grande com sua<br />
mão esquerda, rezou quatro vezes seguidas<br />
o Confiteor. Comungou pouco<br />
depois e retornou ao lugar diante do<br />
santo afresco para fazer a ação de graças.<br />
Pouco antes de terminar as orações,<br />
pediu por uma série de intenções<br />
especiais, entre as quais: pelo triunfo<br />
da Santa Igreja; para que, aos filhos<br />
espirituais dele, sejam dadas graças<br />
extraordinárias de santificação;<br />
pelo retorno dos católicos a um grande<br />
fervor religioso e pela conversão<br />
de todo o mundo; e ainda, de modo<br />
particular, pelo Brasil.<br />
Como <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> havia preferido<br />
passar pela igreja antes do almoço, ao<br />
marcarem os ponteiros 17 horas dirigiu-se<br />
a um restaurante da cidade. Durante<br />
o percurso, manteve-se em silêncio.<br />
Tinha a intenção de permanecer recolhido<br />
o dia todo. Era patente estar<br />
impressionadíssimo e querer fixar-se<br />
inteiro na lembrança do belo afresco.<br />
Quando chegamos ao hotel, dissemos-lhe<br />
que certamente ele preferiria<br />
almoçar sozinho. Com bondade e muita<br />
distinção, agradeceu e aceitou o<br />
nosso oferecimento. No restaurante,<br />
escolheu o lugar que proporcionava<br />
melhor vista para contemplar toda a<br />
cidade, sendo a torre da Igreja da<br />
Mãe do Bom Conselho a parte mais<br />
saliente de todo o panorama.<br />
Durante o almoço, ao chamar o garçom<br />
para desossar um coelho à caçadora,<br />
fez o único comentário que dele<br />
ouvimos nessa ocasião: “Este é o lugar<br />
onde eu gostaria de morrer, bem<br />
junto a Nossa Senhora”.<br />
“Doravante, um ponto de<br />
atração fixo para as minhas<br />
idéias”<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> retornou à igreja por<br />
volta das 18h. Apenas subira no automóvel,<br />
rezou o Ângelus. Ao penetrar<br />
no recinto sagrado, quis visitar o<br />
corpo incorrupto do Beato Stefano<br />
Bellesini. A respeito deste, comentou<br />
depois: “A fisionomia dele é muito<br />
boa. Tinha-me chamado a atenção a<br />
estranha posição do corpo e julguei<br />
que fosse por obra de algum decorador<br />
artístico. Agora fiquei encantado,<br />
ao saber que foi um jeito que ele mesmo<br />
deu...” 2 23<br />
Manifestando sua profunda devoção<br />
à Mãe do Bom Conselho,<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> oscula a toalha<br />
do altar acima do qual se encontra<br />
o milagroso afresco
GESTA MARIAL DE UM VARÃO CATÓLICO<br />
O altar do afresco da Mãe do<br />
Bom Conselho, visto através da<br />
grade que o protege<br />
ez questão de tocar seu rosário no<br />
vidro que protege o afresco, em especial<br />
bem à altura do rosto de Nossa<br />
Senhora.<br />
Por volta das 19h, disse estar sentindo<br />
frio e muito sono, e propôs retornarmos<br />
ao hotel. Conhecedor de<br />
meu encanto e devoção pela imagem<br />
de Nossa Senhora do Bom Conselho,<br />
voltou-se para mim e paternalmente<br />
me perguntou: “Meu filho, você não<br />
preferiria continuar aqui rezando, enquanto<br />
eu retorno ao hotel?”<br />
Pedi então a ele que comparasse o<br />
afresco com algumas fotos que em<br />
outras ocasiões eu havia tirado daquela<br />
imagem. Ele destacou a beleza<br />
e os imponderáveis sobrenaturais do<br />
original, e comentou: “Eu acho que<br />
esta imagem é infotografável e impintável”.<br />
Antes de se retirar, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> ainda<br />
disse: “Vamos rezar um ‘Lembraivos’<br />
pela alma de Scanderbeg e dos<br />
dois albaneses que vieram para cá. Se<br />
eles estiverem no Céu, que rezem por<br />
nós”. 3<br />
Depois afirmou: “Mater Boni Consilii<br />
é a imagem mais expressiva que<br />
conheci. Meu filho, que grande bênção<br />
ter vindo até aqui! Quando eu<br />
voltar a São Paulo, Genazzano passará<br />
a ser um ponto de atração fixo para<br />
as minhas idéias.”<br />
“Tem-se a impressão que a<br />
oração vai para o céu”<br />
Quem teve o privilégio de observar<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> nos momentos de seu encontro<br />
com a Mãe do Bom Conselho<br />
de Genazzano, dificilmente consegue<br />
exprimir todas as suas impressões.<br />
Contudo, dado seu modo de ser extremamente<br />
comunicativo e apostólico,<br />
o simples fato de ele desejar permanecer<br />
em silêncio o tempo inteiro mostra<br />
o quanto a imagem falava à sua alma.<br />
Tanto assim que resolvemos lhe sugerir<br />
passar três dias inteiramente recolhido,<br />
sem ser incomodado com assuntos<br />
práticos ou ficar ao acesso de<br />
consultas de vários tipos, pois assim<br />
ele poderia se ocupar unicamente com<br />
Ela. Aceitou com toda a naturalidade,<br />
dizendo que já estava pensando em<br />
nos propor esse procedimento. O próprio<br />
retorno ao hotel — mais ou menos<br />
30 minutos de percurso — foi feito<br />
em silêncio.<br />
elizmente, seus acompanhantes<br />
compreenderam ser melhor deixá-lo<br />
só diante de Nossa Senhora do Bom<br />
Conselho. Era preciso permitir que<br />
ele tivesse um convívio íntimo, sacral<br />
e privado com Aquela que sempre foi<br />
o vigor de sua fortaleza, a luz de sua<br />
fé e a realização de sua esperança.<br />
Na manhã seguinte, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> afirmou<br />
haver em Genazzano algo de sobrenatural<br />
que lembrava um aspirador<br />
de pó — imagem um tanto singular,<br />
dizia ele, mas muito expressiva.<br />
Genazzano parecia ser um eficientíssimo<br />
aspirador de orações: “Rezandose<br />
aqui, tem-se a impressão que a oração<br />
vai de fato para o Céu. É uma verdadeira<br />
maravilha!”<br />
Na mesma manhã, comentou que<br />
há certas ocasiões em que devemos rezar<br />
por nós mesmos: “Eu não oculto<br />
que, ontem, diante da imagem de Genazzano,<br />
o principal objeto de minhas<br />
orações, além da Igreja, fui eu próprio.<br />
Eu sou responsável por mim diante<br />
de Deus. Se eu não rezar bastante<br />
por mim mesmo, onde vou parar?”<br />
Nossa Senhora “abre” o<br />
Santuário de Genazzano a<br />
horas não habituais<br />
Com visita marcada a Subiaco, situado<br />
a não grande distância de Ge-<br />
24
nazzano, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> pretendia aproveitar<br />
o ensejo para novamente estar com<br />
a Mãe do Bom Conselho: “Indo a<br />
Subiaco, ainda vou rezar um pouquinho<br />
a Ela, na ida e na volta, porque<br />
é indispensável. Agora, vamos.<br />
São Bento nos chama” — disse ele.<br />
A ida ao célebre mosteiro tomou<br />
toda a manhã. Certamente pela estafa<br />
resultante da travessia do oceano e da<br />
mudança de fuso horário, etc., <strong>Dr</strong>.<br />
<strong>Plinio</strong>, após o almoço, dormiu das 15h<br />
às 18h. Ao despertar, seu primeiro anseio<br />
foi retornar aos pés da Mãe do<br />
Bom Conselho. oi comovedor perceber<br />
sua tristeza quando ele soube ser<br />
impossível chegar a tempo ao santuário,<br />
pois o rush de domingo à noite tornaria<br />
moroso nosso acesso a Genazzano,<br />
partindo de iuggi, onde nos encontrávamos.<br />
Entretanto, tal era seu<br />
empenho que insistiu: “Mas não haverá<br />
um meio de me introduzirem na<br />
igreja, apesar da hora?”<br />
Telefonou-se, então, para o convento<br />
dos agostinianos e, por condescendência,<br />
um dos padres prometeu aguardar-nos<br />
por mais trinta minutos após<br />
a hora normal de fechamento do templo.<br />
Apesar da benevolente promessa<br />
do bom frade, quando chegamos já<br />
eram 19h30, e, por cúmulo, os que ali<br />
estávamos não sabíamos com qual dos<br />
sacerdotes fora feita a combinação.<br />
A situação estava sem saída, quando,<br />
por uma graça que só posso atribuir<br />
à Mãe do Bom Conselho de Genazzano,<br />
outro padre veio nos abrir a<br />
porta.<br />
nos ouvisse recitar um “Confiteor”,<br />
quis participar também. Ao lhe dizermos<br />
que ele não tinha essa necessidade,<br />
fechou a fisionomia, retrucando<br />
com muita gravidade que queria rezálo<br />
conosco. Quis prosseguir as orações<br />
com o “Te Deum”, mas não o encontrando<br />
no livro de preces, escolheu o<br />
“Veni Creator Spiritus”. E, por fim,<br />
rezou a Consagração a Nossa Senhora<br />
segundo o método de São Luís Maria<br />
Grignion de Montfort, na qual incluiu<br />
os que estavam presentes, como<br />
também os integrantes de sua obra<br />
espalhados pelo mundo, os que virão<br />
a ser dela, e uma prece especial pelos<br />
que dela haviam participado.<br />
Aproveitando a<br />
oportunidade de<br />
enriquecer ainda mais<br />
aqueles dias de<br />
contemplação e<br />
recolhimento,<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> visitou o<br />
célebre mosteiro<br />
beneditino de<br />
Subiaco<br />
Passeio pelas ruas de<br />
Genazzano<br />
Ao nos retirarmos da igreja, desejou<br />
fazer um passeio pelas ruas não<br />
carreáveis de Genazzano. São estreitíssimas,<br />
de um pitoresco excepcional.<br />
Novamente, parecia um menino visitando<br />
uma cidade medieval pela primeira<br />
vez. Não havia canto, arco, floreira<br />
ou janela que não elogiasse.<br />
Qualquer detalhe lhe chamava a atenção<br />
e era por ele comentado. Imbuído<br />
de senso altamente construtivo, passou<br />
a imaginar uma grandiosa e eloqüente<br />
cena de teatro, tendo como base<br />
aquele pitoresco e inocente quadro<br />
Longo tempo ante o santo<br />
afresco<br />
O sacerdote que nos atendeu estava<br />
tão solícito que deixou <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
das 19h45 até 21h30 diante do afresco.<br />
oram momentos de muita graça<br />
e muita unção. Novamente osculou várias<br />
vezes a toalha do altar, tal qual o<br />
fizera no seu primeiro encontro com a<br />
Mãe do Bom Conselho. Porém, agora<br />
não o vimos rezar o “Confiteor”. Ao<br />
terminar de orar, voltou-se para nós e<br />
propôs recitarmos o “Magnificat” em<br />
conjunto. Como lhe pedíssemos que<br />
25
GESTA MARIAL DE UM VARÃO CATÓLICO<br />
da história da pequena cidade. Quiçá<br />
algum dia as pedras daqueles muros e<br />
ruelas poderão contar o que ouviram<br />
nessa ocasião...<br />
Quando <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> deixava as inspiradoras<br />
muralhas da cidade, um suspiro<br />
aflorou a seus lábios: “Ai, ai! retornar<br />
à rotina da vida moderna! Deixar<br />
os perfumes históricos e legendários<br />
dessas ruelas para retomar o quotidiano<br />
sem graça das cidades de hoje<br />
em dia! Comparada com Genazzano,<br />
até iuggi parece sem muita substância”<br />
(cidade já mencionada atrás, onde<br />
ele estava hospedado, e que também<br />
tem seu pitoresco).<br />
Despedida de Genazzano:<br />
“Sai-se daqui dilacerado”<br />
O dia 26 de setembro constituiu<br />
para ele uma verdadeira maratona.<br />
Novamente, ao chegar à igreja de<br />
Mater Boni Consilii, as portas iam sendo<br />
fechadas pelo Pároco. Não sabemos<br />
explicar mais uma vez o que se<br />
passou nessa ocasião: o sacerdote não<br />
apenas deixou a igreja aberta para <strong>Dr</strong>.<br />
<strong>Plinio</strong> rezar quanto quisesse, como se<br />
dispôs a auxiliá-lo em tudo o de que<br />
necessitasse.<br />
Terminadas suas orações<br />
diárias, no momento<br />
de sair do recinto sagrado,<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> exprimiu<br />
sua dor por abandonar<br />
aquela redoma de<br />
bênçãos: “Sai-se daqui<br />
dilacerado”. Antes de ir<br />
embora, fez questão de<br />
visitar pela última vez o<br />
corpo incorrupto do Beato<br />
Stefano Belesinni.<br />
desejo, eu preciso voltar a São Paulo.<br />
Se eu decidisse ficar aqui, na hora de<br />
ir à Missa, sentir-me-ia como um soldado<br />
que se apresentasse a seu general,<br />
dizendo: ‘Resolvi abandonar aquele<br />
campo de batalha, porque este aqui<br />
me é mais cômodo’. Sinto que, se não<br />
retornasse a São Paulo, estaria cometendo<br />
uma grande falta”.<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> não mais voltaria a visitar,<br />
em Genazzano, sua querida Mãe<br />
do Bom Conselho... a não ser 7 anos<br />
depois, em 3 de outubro de 1995, mas<br />
aí, já no palácio celeste onde Ela está<br />
em seu trono.<br />
(João S. Clá Dias foi secretário particular<br />
de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> e é autor de vários livros,<br />
entre os quais “Mãe do Bom<br />
Conselho”, de 1992, publicado em português,<br />
inglês, italiano e albanês.)<br />
1) Em dezembro de 1967, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> encontrava-se<br />
internado em um hospital<br />
paulistano, convalescente de uma operação<br />
motivada por grave enfermidade.<br />
Ali foi que ele recebeu de presente um<br />
quadro com a reprodução fotográfica<br />
do afresco de Nossa Senhora do Bom<br />
Conselho de Genazzano. Ao contemplá-lo,<br />
foi favorecido por uma insigne<br />
graça sensível de consolação e confiança,<br />
que assinalaria profundamente<br />
sua alma até o fim de seus dias. Para<br />
maiores detalhes, ver o artigo "Uma<br />
graça que marcou a vida de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>",<br />
em nossa edição de dezembro de 1999,<br />
pp. 16-23.<br />
2) O corpo do Beato encontra-se num esquife<br />
de cristal. Na ocasião em que foi<br />
transladado, constatou-se que essa urna<br />
era pequena para a estatura do cadáver.<br />
Sendo impossível acomodá-lo<br />
nela, o superior dos agostinianos ordenou-lhe,<br />
em nome da santa obediência,<br />
que encolhesse as pernas. oi imediatamente<br />
atendido, e nesta postura o<br />
corpo é visto hoje.<br />
3) Scanderbeg foi o último — e o maior —<br />
herói católico da Albânia do século XV,<br />
na luta contra a invasão maometana.<br />
Após sua morte, a resistência albanesa<br />
se esboroou. Georgio e De Sclavis representavam<br />
o que a Albânia ainda<br />
conservava de fiel. Quando, dominado<br />
o país pelos turcos, o afresco de Nossa<br />
Senhora do Bom Conselho se destacou<br />
milagrosamente da parede e se alçou<br />
nos ares, acima do Mar Adriático em<br />
direção à Itália, os dois o seguiram caminhando<br />
sobre as águas. Acerca dessa<br />
história extraordinária, ver o mesmo<br />
artigo mencionado na nota 1, e “Mãe<br />
do Bom Conselho”, de João S. Clá Dias.<br />
O próximo<br />
encontro foi<br />
no céu<br />
Ao entrarmos em Roma,<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> exclamou:<br />
“Se pudéssemos<br />
viver numa cidade como<br />
Genazzano, seria extraordinário.<br />
Apesar desse<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> diante do corpo<br />
incorrupto do Beato<br />
Stefano Belesinni<br />
26
DONA LUCILIA<br />
Cuidados<br />
e<br />
desvelos maternais<br />
Q<br />
uiçá a fase crucial da vida de uma pessoa seja a adolescência. É a época em que lutam na alma<br />
tendências boas e más que, reprimidas ou cultivadas, exercerão influência até o fim da vida. É<br />
a hora em que a inocência corre perigo e, infelizmente, quase sempre naufraga. No 5º aniversário<br />
do falecimento do varão católico que foi <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> — homem de profunda fé, de fortaleza inquebrantável<br />
e de pureza virginal — é bem o momento de lembrar o decisivo apoio e a vigilância de sua querida<br />
mãe naquela difícil fase da vida.<br />
27
DONA LUCILIA<br />
Como vimos em anteriores artigos, Dª Lucilia se esmerava<br />
por dar a seus filhos, em casa, a melhor educação<br />
possível. Contudo, em 1919, tendo <strong>Plinio</strong> atingido<br />
a idade adequada para tal, viu-se ela na contingência<br />
de, não sem grande apreensão, ter de matriculá-lo numa<br />
escola.<br />
Naturalmente deveria ser a melhor de São Paulo na ocasião,<br />
o Colégio São Luís, dos padres jesuítas. Era sob a orientação<br />
dos discípulos de Santo Inácio que o menino devia<br />
continuar seus estudos, mas isto não bastava para tranqüilizar<br />
seu maternal coração. Possuía ela inteira noção dos<br />
perigos que, já naquele tempo, podia acarretar o convívio<br />
entre estudantes.<br />
Seu filho resistiria ou não, ao entrar em choque com um<br />
mundo em diversos aspectos oposto à preservação moral<br />
inerente à atmosfera do lar? Só o futuro o diria.<br />
Um dia o próprio <strong>Plinio</strong> abordou o assunto com sua<br />
mãe. Seus primos, que já freqüentavam aquele colégio, haviam-no<br />
convidado insistentemente a ir estudar também<br />
com eles. Um primo mais chegado, a fim de atraí-lo com<br />
mais facilidade, dissera que no pátio do recreio havia muitas<br />
cerejeiras, sendo um dos passatempos dos alunos comerem<br />
dessas saborosas frutas no intervalo das aulas.<br />
À tardezinha, quando <strong>Dr</strong>. João Paulo voltou do trabalho,<br />
Dª Lucilia tratou com ele do assunto. icou acertado que<br />
ele iria ao Colégio São Luís no dia seguinte falar com o reitor,<br />
Pe. du <strong>Dr</strong>éneuf, para matricular o filho. Tudo se fez<br />
sem a menor dificuldade. O sacerdote, recebendo-o amavelmente<br />
em sua sala, expôs o sistema e o horário do estabelecimento,<br />
informou que material <strong>Plinio</strong> necessitaria levar,<br />
e em pouco tempo estava o assunto resolvido. Despediram-se<br />
com cortesia e voltou cada um aos seus afazeres.<br />
O jesuíta, satisfeito por receber um aluno a mais; <strong>Dr</strong>. João<br />
Paulo, aliviado por ter um problema a menos para solucionar.<br />
No primeiro dia de colégio, após uma ou duas aulas, chegou<br />
a hora do recreio. Ao sair para o amplo pátio, <strong>Plinio</strong><br />
procurou seus primos com o olhar, em meio àquela multidão<br />
de meninos correndo de um lado para o outro e gritando,<br />
pois eles lhe haviam prometido apresentá-lo aos demais<br />
colegas. E onde estariam as cobiçadas cerejeiras? Por<br />
fim um deles apareceu, ofegante, agitado:<br />
— <strong>Plinio</strong>! — gritou.<br />
Devendo matricular seu filho num estabelecimento de ensino,<br />
Dª Lucilia o colocou no que havia de melhor na São<br />
Paulo daquele tempo: o Colégio São Luís, dos jesuítas,<br />
então dirigido pelo Padre Du <strong>Dr</strong>éneuf (no destaque)<br />
28
— E as cerejeiras, onde estão? — perguntou o novo<br />
aluno, desejoso de, já naquele primeiro intervalo, deliciarse<br />
com seu manjar preferido.<br />
— Vamos jogar futebol! — respondeu o primo.<br />
Esse esporte, que para a época ainda fazia parte das inovações<br />
da modernidade, atraía a atenção e a participação<br />
dos alunos. Entretanto, que diferença dos serenos entretenimentos<br />
de casa!...<br />
Sob o apreensivo olhar materno<br />
Para <strong>Plinio</strong> começava a dura batalha da vida, com suas<br />
tragédias, desilusões e fracassos, pela qual todo filho de<br />
Adão irremediavelmente tem de passar. A primeira decepção<br />
foi a de não encontrar as sonhadas cerejeiras. Depois,<br />
ante seus olhos, dois mundos se desenvolviam lado a lado,<br />
porém em constante oposição: o dos padres que, voltados<br />
para o sagrado, por seu porte grave e seus trajes austeros,<br />
criavam em torno de si um ambiente que simbolizava a<br />
tradição e lembrava as verdades eternas; e o dos alunos,<br />
empolgados, naquele pós-guerra, pelas “modernidades”<br />
soezes de Hollywood, e atraídos pelos costumes simples e<br />
fáceis daí decorrentes.<br />
Dª Lucilia discretamente observava as mínimas reações<br />
do filho, para ver se ele estava resistindo às más influências,<br />
ou se, de modo imperceptível, ia-se deixando levar<br />
por elas. Pelo modo de <strong>Plinio</strong> falar, gesticular, tratar os outros<br />
e, sobretudo, por aquele “sexto sentido” que só o desvelo<br />
materno dá, ela procurava discernir nele os eventuais<br />
sintomas de adaptação aos novos padrões.<br />
Ao fim da tarde, ao se aproximar a hora de <strong>Plinio</strong> retornar<br />
da escola, Dª Lucilia ia ao terraço da casa e o aguardava.<br />
Queria vê-lo ao longe chegando, a fim de observar os<br />
matizes quiçá deixados no espírito e no modo de ser de seu<br />
filho, quando trazia em si os vestígios acumulados, de ambientes<br />
tão diversos quanto o colégio, a rua e a casa de família.<br />
Em seguida entrava e, por uma janela, o via abrir e fechar<br />
com calma o pesado portão do jardim, ganhar ajuizadamente<br />
a escada que conduzia à moradia e tocar a campainha.<br />
Esperava-o numa sala, abraçava-o, beijava e davalhe<br />
a bênção. Tranqüilizava-se, notando que seu filho continuava<br />
o mesmo, como no primeiro dia de aula.<br />
Irredutibilidade e doçura<br />
O jovem <strong>Plinio</strong> (o primeiro no fundo à esquerda)<br />
ao lado de alguns de seus colegas no São Luís<br />
<strong>Plinio</strong> deu só contentamento a Dª Lucilia durante o curso<br />
secundário. De sua parte, continuava ela a dispensar-lhe<br />
todos os extremos de carinho de que era capaz. Provara-o<br />
mil vezes em circunstâncias diversas, e seu filho tinha experiência<br />
disso a cada momento. Eis um pequeno exemplo:<br />
Normalmente <strong>Plinio</strong> ia e voltava do colégio de bonde.<br />
Porém, quando chovia, Dª Lucilia mandava-lhe tomar um<br />
táxi, pois tinha receio de que, molhando-se, adoecesse.<br />
<strong>Plinio</strong>, que nunca deixava de seguir a recomendação materna,<br />
à saída do colégio já ia convidando alguns amigos<br />
para retornarem com ele no veículo.<br />
Evidentemente, se por preguiça ele quisesse ficar mais<br />
tempo na cama na hora de levantar, Dª Lucilia não toleraria,<br />
pois no cumprimento do dever não permitia moleza.<br />
Mas a irredutibilidade dela tinha sempre como contrapeso<br />
a doçura, que se manifestava por sua atitude compassiva<br />
em favor de quem havia-se esforçado para se desincumbir<br />
de uma obrigação.<br />
Deliciosos sanduíches<br />
Outra manifestação dessa doçura estava no modo de Dª<br />
Lucilia, todos os dias, preparar e com todo o cuidado empacotar<br />
sanduíches para seu filho. O conteúdo ia variando<br />
agradavelmente a cada dia, constituindo afetuoso incentivo<br />
para ele enfrentar a aridez dos estudos ou o ardor das<br />
polêmicas. Ora vinham recheados de saborosas fatias de<br />
língua, ora de lombo de porco ou filé, queijos ou alface,<br />
sem nunca faltar a manteiga. Tais petiscos faziam a cobiça<br />
dos outros meninos...<br />
Um dia, <strong>Plinio</strong> pediu a sua mãe que dali em diante preparasse<br />
sempre um pacote de sanduíches a mais, pois ficava<br />
mal para ele estar tomando lanche e não poder oferecer<br />
nada a um colega com quem estivesse conversando.<br />
Dª Lucilia alegrou-se com a atitude de seu filho e, diante<br />
de tão bons sentimentos, prontamente o atendeu. Mal<br />
sabia ela o destino real do inocente sanduíche. <strong>Plinio</strong> utilizava-o<br />
sagazmente para atrair a amizade de certos companheiros<br />
mais corpulentos, que o protegessem contra as in-<br />
29
DONA LUCILIA<br />
vestidas de certos alunos de mau caráter, visto que sua compleição,<br />
ainda pouco robusta, não lhe permitiria agüentar<br />
um embate físico contra seus primeiros opositores ideológicos.<br />
Sem o saber, Dª Lucilia prestou assim um valioso auxílio<br />
às pugnas iniciais de seu filho.<br />
O Menino Jesus entre os doutores<br />
no templo<br />
Apesar de em sua delicadeza não compreender certos<br />
métodos ou argumentos mais enérgicos utilizados por <strong>Plinio</strong>,<br />
Dª Lucilia de modo algum estava alheia à batalha que<br />
diariamente ele travava para se manter fiel aos princípios<br />
da Igreja Católica, Apostólica e Romana, ensinados por<br />
sua mãe ao longo dos anos.<br />
Por certos comentários dele a respeito dos próprios colegas,<br />
por seu relacionamento com eles, bem como por outros<br />
pequenos detalhes, notava Dª Lucilia que <strong>Plinio</strong> necessitava<br />
sobretudo de auxílio do alto. Talvez por isso, após<br />
a Missa dominical na Igreja do Sagrado Coração de Jesus,<br />
ela se detinha longamente a rezar diante de um belo conjunto<br />
de imagens de um altar lateral. Representam elas o<br />
encontro de Nossa Senhora com o Menino Jesus, em discussão<br />
no Templo com os Doutores da Lei.<br />
Nunca seu filho lhe perguntou o motivo daquelas preces,<br />
nem ela alguma vez o revelou. Mas certamente rezava<br />
para que o Divino Infante, vencedor da soberba e incredulidade<br />
dos orgulhosos escribas, concedesse também àquele<br />
menino, ali a seus pés, a vitória nas polêmicas mantidas<br />
com seus colegas de colégio.<br />
“Por que você há de ser tão<br />
ruinzinho assim?”<br />
Embora Dª Lucilia tivesse perfeita noção de como o<br />
mundo ia piorando cada vez mais, e das dificuldades que<br />
em conseqüência seus filhos enfrentariam, nunca lhes permitia<br />
qualquer falta de objetividade no apreciar as pessoas.<br />
Em certa ocasião, estando ela a conversar com <strong>Plinio</strong>,<br />
fez este um comentário depreciativo a respeito de um conhecido,<br />
carregando demais as tintas em certos defeitos da<br />
pessoa em questão. Dª Lucilia, sempre pronta a tomar a<br />
defesa dos outros, logo atalhou:<br />
— Por que você há de ser tão ruinzinho assim, meu filho?<br />
Você não vê que não se deve ser desse modo? Tenha<br />
pena, afinal!...<br />
Seu tom de voz ameno, era de quem queria dizer: “Desse<br />
pobre miserável, diga apenas o que é justo. Você não vê<br />
como sou benévola para com ele? Afinal, ele é filho de fulana,<br />
pessoa que tem lados muito bons, e a quem eu quero<br />
bem por isso”.<br />
A esse propósito, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> mais tarde comentaria: “Era<br />
tal a bondade com a qual mamãe corrigia seus filhos, que<br />
eu me sentia inteiramente tomado por sua benevolência.<br />
Esta contribuía mais para me afastar do perigo de reincidir<br />
na falta, do que o próprio temor de uma repetição da censura...”<br />
(Transcrito e adaptado da obra<br />
“Dona Lucilia”, de João S. Clá Dias.)<br />
Grupo de esculturas diante do<br />
qual costumava Dª Lucilia rezar,<br />
pedindo graças para seu pequeno<br />
<strong>Plinio</strong> sair vitorioso nas<br />
polêmicas travadas no colégio
LUZES DA CIVILIZAÇÃO CRISTÃ<br />
Cintilações<br />
da alma<br />
franciscana
LUZES DA CIVILIZAÇÃO CRISTÃ<br />
Surgindo das brumas matinais, a imponente<br />
mole da Basílica de São rancisco, em Assis
Em diversas regiões da velha Europa cristã, há lugares<br />
que ainda conservam uma certa unção, ligada<br />
à própria natureza deles, não só porque<br />
Deus assim o dispôs, mas também porque foram “sobrenaturalizados”<br />
pela santidade de homens que ali viveram.<br />
É exemplo paradigmático disto a cidade de Assis, marcada<br />
para todo o sempre pela extraordinária virtude do santo<br />
undador dos franciscanos.<br />
Ao peregrinarmos por aquelas paragens que conheceram<br />
a prodigiosa alma do Poverello, logo o imaginamos<br />
passeando pelos lindos e pitorescos arredores de Assis,<br />
analisando tudo e fazendo altas considerações que o uniam<br />
ainda mais ao Criador. Então se encantava com uma<br />
pequena flor, com as ervinhas a crescerem nos sopés das<br />
colinas, ou com o “irmão sol” num lindo crepúsculo, etc.,<br />
elevando-se na contemplação, no conhecimento e no amor<br />
de Deus com uma plenitude incomparável. Essa comunicação<br />
especial que São rancisco tinha com Nosso Senhor<br />
produzia, por sua vez, uma forma de circulação de sobrenatural<br />
por aqueles lugares, envolvendo e conferindo a tudo<br />
algo da própria perfeição espiritual do santo.<br />
Em Assis, ainda se pode degustar algo que só a autêntica<br />
piedade católica é capaz de engendrar, isto é, a harmonia<br />
de sentimentos opostos. Ali se experimenta um pouco<br />
da bondade e da doçura franciscanas, ao lado da austeridade<br />
e da combatividade de um varão que era entusiasta
LUZES DA CIVILIZAÇÃO CRISTÃ<br />
das Cruzadas. Sente-se a felicidade extraordinária de um<br />
dos santos mais alegres da história cristã e, ao mesmo tempo,<br />
o signo de uma tristeza digna, composta, senhora de si,<br />
que é o reflexo da dor de São rancisco pela morte do ilho<br />
de Deus. Tem-se a imponência das construções da monumental<br />
basílica, ao lado do espírito de humildade e desapego<br />
das coisas terrenas levadas ao último ponto no Êremo<br />
delle Carceri. Assim como a pureza estava para São<br />
Luís Gonzaga, estava a pobreza para São rancisco. A<br />
“dama pobreza”, como dizia, a qual ele misticamente desposara.<br />
Eis uma das grandes maravilhas a serem admiradas em<br />
Assis: extremos opostos que nascem dos troncos benditos<br />
da Igreja, que não entram em conflito, mas se equilibram<br />
de forma prodigiosa, manifestando, pelos fulgores da alma<br />
de um santo, algumas das infinitas perfeições do Criador.v<br />
“São rancisco e a ovelha”,<br />
estátua de Vincenzo Rosignoli<br />
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“Tristeza digna e senhora de si,<br />
espírito de humildade e pobreza levadas ao último<br />
ponto, felicidade de um dos santos mais alegres<br />
da história cristã...”<br />
(Vistas do Eremo delle Carceri)
Arco-íris da Esperança<br />
Neste vale de lágrimas<br />
em que somos<br />
peregrinos, tentações,<br />
sofrimentos e perplexidades<br />
são inerentes a toda<br />
vida espiritual. Contudo, em<br />
meio às nossas dores e aflições<br />
morais, sempre vislumbramos<br />
a esperançosa figura<br />
de um arco-íris: Maria<br />
Santíssima!<br />
Ela nos acompanha em<br />
nossa peregrinação rumo à<br />
Pátria Celestial, ajudandonos<br />
em todas as vicissitudes,<br />
envolvendo-nos com seu maternal,<br />
constante e infatigável<br />
amor, que nenhuma infidelidade<br />
poderá esmorecer,<br />
e que os reiterados atos de<br />
bondade dele emanados não<br />
lograrão exaurir.<br />
Nossa Senhora das Vitórias