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Revista Dr Plinio 85

Abril de 2005

Abril de 2005

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Em defesa<br />

da Igreja


T. Ring<br />

D<br />

e bandido a religioso,<br />

de filho pródigo<br />

a servo eleito de Nossa<br />

Senhora, São Pedro Armengol<br />

é um dos mais belos exemplos<br />

de confiança no insondável<br />

amparo de Maria Santíssima.<br />

Pendurado na forca que o<br />

deveria ter matado, sobreviveu<br />

graças ao milagre alcançado<br />

pela Patrona de sua Ordem, e<br />

enquanto a corda lhe estreitava<br />

o pescoço, manteve sempre<br />

a calma admirável de quem se<br />

sabia objeto daquele maternal<br />

e misericordioso socorro.<br />

Assim devemos ser nós nas<br />

dificuldades de nossa vida, a<br />

exemplo de São Pedro Armengol:<br />

por maiores que sejam os<br />

problemas, ainda que estejamos<br />

como um enforcado suspenso<br />

no ar, diante dos obstáculos<br />

mais impossíveis ou das<br />

dores mais terríveis, jamais<br />

duvidemos do auxílio de Nossa<br />

Senhora. N’Ela depositemos<br />

toda a nossa confiança, na<br />

calma e na paz de espírito, sabendo<br />

que a Virgem Santíssima<br />

tudo resolverá.<br />

São Pedro Armengol -<br />

Catedral de Lima, Peru<br />

2


Sumário<br />

<br />

<br />

Na capa, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

na época em que<br />

saíram as primeiras<br />

edições de seu<br />

livro “Revolução e<br />

Contra-Revolução”<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />

propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />

CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />

INSC. - 115.227.674.110<br />

Diretor:<br />

Antonio Augusto Lisbôa Miranda<br />

Jornalista Responsável:<br />

Othon Carlos Werner – DRT/SP 7650<br />

Conselho Consultivo:<br />

Antonio Rodrigues Ferreira<br />

Marcos Ribeiro Dantas<br />

Edwaldo Marques<br />

Carlos Augusto G. Picanço<br />

Jorge Eduardo G. Koury<br />

Redação e Administração:<br />

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02461-010 S. Paulo - SP - Tel: (11) 6236-1027<br />

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Impressão e acabamento:<br />

Pavagraf Editora Gráfica Ltda.<br />

Rua Barão do Serro Largo, 296<br />

03335-000 S. Paulo - SP - Tel: (11) 6606-2409<br />

Preços da assinatura anual<br />

Abril de 2005<br />

Comum . . . . . . . . . . . . . . R$ 75,00<br />

Colaborador . . . . . . . . . . R$ 110,00<br />

Propulsor . . . . . . . . . . . . . R$ 220,00<br />

Grande Propulsor . . . . . . R$ 370,00<br />

Exemplar avulso . . . . . . . R$ 10,00<br />

Serviço de Atendimento<br />

ao Assinante<br />

Tel./Fax: (11) 6236-1027<br />

EDITORIAL<br />

4 Ao “doce Cristo na Terra”<br />

DATAS NA VIDA DE UM CRUZADO<br />

5 7 de abril de 1929:<br />

Congregado Mariano de Santa Cecília<br />

DONA LUCILIA<br />

6 Uma surpresa e um<br />

encanto de alma<br />

DR. PLINIO COMENTA...<br />

10 “E Tu, Senhor,<br />

permanecerás para sempre”<br />

14 Calendário litúrgico<br />

A SOCIEDADE, ANALISADA POR DR. PLINIO<br />

18 A supressão dos trajes: um<br />

atentado à beleza<br />

O PENSAMENTO FILOSÓFICO DE DR. PLINIO<br />

22 Inocência e as noções<br />

primárias do ser<br />

O SANTO DO MÊS<br />

26 Santa Bernadete<br />

Soubirous: a virtude atesta o milagre<br />

LUZES DA CIVILIZAÇÃO CRISTÃ<br />

32 Cortesia filha da caridade<br />

ÚLTIMA PÁGINA<br />

36 Rainha do Conselho<br />

3


Editorial<br />

Ao “doce Cristo na Terra”<br />

Em abril de 1959 <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> publica o seu livro “Revolução e Contra-Revolução”, síntese de<br />

uma longa análise da História e de uma série de reflexões a respeito dos males que vêm se<br />

abatendo sobre o homem ocidental há mais de cinco séculos. Tais pensamentos começaram<br />

a se formar em seu espírito já nos primeiros encontros que travou com o mundo, nos recreios do Colégio<br />

São Luís, conforme ele mesmo descreveu:<br />

“Fiquei atordoado ao me ver cercado de barulheira, algazarra, de gente pulando, se empurrando, contando<br />

certo tipo de piadas e tudo o mais. Alunos davam rasteira em outros, ou faziam pior, como um conhecido<br />

meu que, logo de início, atirou-me uma pedra, gritando: ‘Você está arranjado demais!’. Não tomei<br />

parte nas diversões do recreio. Em vez disso, comecei a prestar atenção no ambiente, em tudo diferente<br />

daquele com o qual eu estava habituado. Eu me senti um corpo estranho, malvisto, mal compreendido.<br />

“Com o correr dos dias, à medida que fui conhecendo melhor o colégio, essa diversidade se tornava<br />

mais patente, e me levava a entender também a completa oposição entre os padres e alguns meninos:<br />

aqueles ensinavam um modo de proceder e esses colegas faziam o contrário. Embora eu não soubesse<br />

ainda explicar, percebi que aquele mundo obedecia a certas regras não escritas, e pensei comigo: ‘Quando<br />

eu conhecer essas regras, farei as minhas — estas, sim, escritas — e eles acabarão vendo como dois mais<br />

dois dá quatro’. Passei a observar melhor as atitudes e episódios durante os recreios, e comecei a fazer estudos,<br />

elucubrações, quieto, silencioso, para não despertar a atenção de ninguém. Com meus 11 ou 12<br />

anos, eu traçava assim as primeiras letras de um livro chamado Revolução e Contra-Revolução...”<br />

Durante 4 décadas <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> aprofundaria aquelas observações e reflexões iniciais, até consolidálas<br />

nas idéias-mestras que compõem o seu magistral ensaio, cujo conteúdo, no dizer do célebre canonista<br />

espanhol, Pe. Anastasio Gutiérrez, CMF, “deveria ser ensinado nos centros superiores da Igreja,<br />

e difundido até fazê-lo penetrar na consciência de todos os que se sintam verdadeiramente católicos”.<br />

Fazendo eco às palavras do ilustre sacerdote cordimariano, podemos afirmar que, escrito em 1959,<br />

Revolução e Contra-Revolução conserva toda a sua atualidade, deitando luz para a compreensão da<br />

lamentável decadência moral que atinge o mundo contemporâneo. E tanto mais atual quanto se alicerça<br />

na perene e inerrante doutrina emanada da Cátedra de Pedro, e numa confiança inabalável no<br />

amparo de Maria Santíssima:<br />

“A mediação universal e onipotente da Mãe de Deus é a maior razão de esperança dos contra-revolucionários.<br />

E em Fátima Ela já lhes deu a certeza da vitória, quando anunciou que .... ‘por fim seu Imaculado<br />

Coração triunfará’. Aceite a Virgem, pois, esta homenagem filial, tributo de amor e expressão de<br />

confiança absoluta em seu triunfo.<br />

“Não quereríamos dar por encerrado o presente [livro], sem um preito de filial devotamento e obediência<br />

irrestrita ao ‘doce Cristo na Terra’, coluna e fundamento infalível da Verdade, Sua Santidade o Papa<br />

João XXIII.<br />

“Ubi Ecclesia ibi Christus, ubi Petrus ibi Ecclesia. É, pois, para o Santo Padre que se volta todo o<br />

nosso amor, todo o nosso entusiasmo, toda a nossa dedicação. Sobre cada uma das teses que constituem<br />

[esta obra], não temos em nosso coração a menor dúvida. Sujeitamo-las todas, porém, irrestritamente ao<br />

juízo do Vigário de Jesus Cristo, dispostos a renunciar de pronto a qualquer delas, desde que se distancie,<br />

ainda que de leve, do ensinamento da Santa Igreja, nossa Mãe, Arca da Salvação e Porta do Céu.”<br />

DECLARAÇÃO: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />

4


DATAS NA VIDA DE UM CRUZADO<br />

7 de abril de 1929<br />

Congregado Mariano de Santa Cecília<br />

N<br />

essa data, o então noviço <strong>Plinio</strong> Corrêa<br />

de Oliveira era recebido como<br />

membro pleno da Congregação Mariana<br />

de Santa Cecília, na qual ingressara pouco<br />

depois de participar do Congresso da Mocidade<br />

Católica, em setembro do ano anterior.<br />

Para ele, representava não apenas um passo<br />

decisivo na sua entrega fervorosa ao serviço da<br />

Igreja, como também o corajoso triunfo sobre os<br />

preconceitos vigentes naquela época — notadamente<br />

no seu âmbito social — contra a prática<br />

da religião por parte de um jovem. Assim descreveu<br />

ele, certa feita, esse importante momento<br />

de sua gesta católica:<br />

Pertencentes a essas altas camadas da sociedade,<br />

as pessoas de meu círculo de relações também<br />

ignoravam tudo a respeito da progressiva influência<br />

da Igreja sobre a juventude da minha época.<br />

Eu mesmo, antes de participar do Congresso da<br />

Mocidade Católica, nunca tivera notícia da existência<br />

de rapazes fervorosamente católicos na cidade<br />

onde eu havia nascido.<br />

Quando as pessoas de meu meio viram emergir<br />

do chão um vigoroso movimento de jovens católicos,<br />

pouco noticiado pelos jornais, mas do<br />

qual eu lhes dava conhecimento em nossas conversas,<br />

ficavam espantadas. Cientes de minha retidão<br />

moral, essas pessoas se davam conta da veracidade<br />

de tudo o que eu lhes narrava, entendiam<br />

bem o significado dos termos “moços católicos”,<br />

e compreendiam que a era das mentiras<br />

havia terminado.<br />

Minha nova conduta e atividades eram notadas,<br />

sobretudo, não tanto por meus parentes — os<br />

quais, afinal, tinham comigo a intimidade da vida<br />

de família — mas pelos conhecidos, colegas de<br />

faculdade, amigos de escola ou do tempo do Colégio<br />

São Luís. Estes, por exemplo, surpresos me<br />

viam entrar na igreja de Santa Cecília junto com<br />

os congregados marianos que, com raras exceções,<br />

pertenciam em geral a classes mais modestas. Eu<br />

com o distintivo, uma fita azul, cantando no meio<br />

dos congregados, dirigindo-me aos bancos reservados<br />

a eles, percorrendo as estações da Via-Sacra<br />

nas laterais do templo ou rezando o Rosário<br />

no meu tercinho de porcelana.<br />

Atitudes dessas tornaram notório em pouco<br />

tempo, para a sociedade de São Paulo, que eu tinha<br />

mudado completamente de vida e me encontrava<br />

encaixado em outro ambiente... <br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> (também no destaque) junto com seus<br />

companheiros da Congregação Mariana de Santa Cecília:<br />

“Estava encaixado em outro ambiente...”<br />

5


DONA LUCILIA<br />

Uma surpresa e um<br />

encanto de alma<br />

Conforme pudemos verificar<br />

pela narração da história de<br />

Dª Lucilia, durante sua longa<br />

existência permaneceu ela quase<br />

sempre recolhida na respeitável atmosfera<br />

do lar, como fiel cumpridora<br />

dos deveres de uma dona-de-casa<br />

católica fervorosa.<br />

Com seu filho se dava exatamente<br />

o contrário. Por exigências de suas<br />

numerosas atividades apostólicas e<br />

profissionais, ele era obrigado a permanecer<br />

muito pouco tempo em seu<br />

ambiente familiar. Mas, com a doença,<br />

viu-se forçado a passar cinco meses<br />

convalescendo entre as paredes<br />

de seu apartamento.<br />

Logo começou a receber um inusitado<br />

número de visitas de admiradores<br />

e amigos, e assim, seu estado<br />

de saúde acabou por proporcionar<br />

muitos encontros fortuitos com Dª<br />

Lucilia de pessoas até então alheias<br />

às relações dela.<br />

Conhecida e admirada<br />

Naquele findar de 1967 e primeiros<br />

meses de 1968, esses visitantes<br />

que passaram a freqüentar a casa de<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> tiveram oportunidade de<br />

observar o invariável modo de proceder<br />

de Dª Lucilia, resultante não<br />

só da fidelidade a hábitos de outrora,<br />

mas sobretudo do cultivo das virtudes<br />

cristãs em sua alma tão amante<br />

da Fé e das tradições.<br />

Muitos anos depois, em carta a<br />

um matutino paulista, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> relatava<br />

sucintamente o maravilhamento<br />

daqueles que então foram objeto<br />

da gentil e encantadora acolhida<br />

de sua mãe:<br />

Como é notório, até o ano de 1967<br />

constituíram compartimentos inteiramente<br />

estanques meu lar, onde vivia<br />

na suave dignidade da vida privada a<br />

tradicional dama paulista da qual me<br />

honro de ter nascido — e de outro lado<br />

os meus valorosos companheiros<br />

de ação pública. A tal ponto, que apenas<br />

uma meia dúzia deles freqüentava<br />

minha casa, e para todos os demais<br />

minha Mãe era uma desconhecida, ou<br />

quase tanto.<br />

No ano de 1967, adoeci com sério<br />

risco de vida, e minha residência se encheu<br />

naturalmente de amigos. Profundamente<br />

aflita, a todos recebia minha<br />

Mãe, já então com a avançada idade<br />

de 92 anos. Nesse difícil transe ela<br />

lhes dispensava uma acolhida na qual<br />

transpareciam seu afeto materno, sua<br />

resignação cristã, sua ilimitada bondade<br />

de coração e a encantadora gentileza<br />

dos velhos tempos da São Paulo<br />

de outrora. Para todos foi uma surpresa<br />

e, explicavelmente, também um encanto<br />

de alma. Durou assim este convívio<br />

por longos meses.<br />

O abalo físico sofrido por <strong>Dr</strong>.<br />

<strong>Plinio</strong> deu azo, portanto, a que Dª<br />

Lucilia fosse conhecida mais de perto<br />

e, por que não dizê-lo, admirada.<br />

As incontáveis facetas morais da<br />

mãe ideal ali estavam ao alcance da<br />

observação de todos, convidando-os<br />

a fazer parte daqueles “mil filhos”<br />

pelos quais seu coração transbordante<br />

de benevolência anelava.<br />

Trato ameno e todo<br />

feito de bondade<br />

Quem teve a felicidade de freqüentar<br />

aquele apartamento, convivendo<br />

com Dª Lucilia nos últimos<br />

meses de sua existência terrena, bem<br />

pôde avaliar o alto grau de consideração,<br />

gentileza e estima inerentes<br />

a seu nobre trato, mesmo em suas<br />

mais simples expressões. De índole<br />

respeitosa e afetiva, era ela mestra<br />

na difícil arte de se dirigir aos outros<br />

com afável dignidade, de modo<br />

a deixá-los sempre à vontade.<br />

Por um muito apreciável dom de<br />

causerie, que ela herdara e requintara,<br />

ao qual se acrescia um suave savoir-faire<br />

1 , se tornava muito agradável<br />

àqueles que a ouviam. Entretanto,<br />

por trás destas excelentes qualidades<br />

estava uma virtude mais alta: a<br />

disposição de ouvir, com incansável<br />

paciência, tudo o que os outros lhe<br />

quisessem expor, procurando sempre<br />

os lados bons dos fatos narrados<br />

e, mais especialmente, os de seus interlocutores.<br />

Por um sobrenatural senso de<br />

compaixão, causava-lhe profundo<br />

sofrimento ver alguém entristecido<br />

ou magoado, ainda que se tratasse<br />

de um desconhecido. E era admirável<br />

o esmero com que logo procurava<br />

aplicar o lenitivo da palavra justa,<br />

da fórmula adequada, do bom con-<br />

6


“Dispensava-lhes uma<br />

acolhida na qual<br />

transpareciam seu afeto<br />

materno, sua resignação<br />

cristã, sua ilimitada<br />

bondade de coração e a<br />

encantadora gentileza<br />

dos velhos tempos da São<br />

Paulo de outrora.”<br />

Dona Lucilia<br />

aos 91 anos


DONA LUCILIA<br />

selho para a difícil situação, do afago<br />

para a dor, da esmola para a necessidade.<br />

Para Dª Lucilia, a felicidade<br />

do próximo era a dela... Sua alma se<br />

movia pelo desejo de causar contentamento<br />

a cada um, e daí seu grande<br />

pesar quando não podia fazê-lo. Era<br />

o afeto de um coração total e essencialmente<br />

católico. Sua alegria de alma<br />

consistia em querer bem aos outros<br />

por amor de Deus, e ser por eles<br />

querida. Porém, quando sua benquerença<br />

não era correspondida, jamais<br />

cedia ao menor sentimento de rancor,<br />

pois não visava qualquer benefício<br />

pessoal ou vantagem própria nesse<br />

relacionamento.<br />

Destas belas características de<br />

trato, são testemunhas várias pessoas<br />

que estiveram com Dª Lucilia naquelas<br />

tardes de seus últimos cinco<br />

meses de vida. Foram elas objeto<br />

de uma afabilidade que vinha invariavelmente<br />

acompanhada de simpatia<br />

benévola e obsequiosa. A todos<br />

encantava sua propensão contínua<br />

de agradar a seu interlocutor e<br />

fazer-lhe bem de todos os modos.<br />

Novos hábitos rompem<br />

a antiga rotina da<br />

casa de Dª Lucilia<br />

Habituada de há muito a um isolamento<br />

diário e prolongado, em que<br />

nada vinha romper sua rotina, Dª<br />

Lucilia passou, de repente, a ouvir<br />

em sua casa sons, vozes, passos que<br />

não lhe eram familiares. Seu telefone,<br />

antes mais bem silencioso, começou<br />

a soar repetidas vezes ao longo<br />

do dia. Igualmente a campainha da<br />

porta de entrada daí em diante se fez<br />

ouvir com maior freqüência...<br />

As circunstâncias da longa convalescença<br />

de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> tornaram indispensável<br />

estabelecer um plantão<br />

que, com certa diplomacia, cuidasse<br />

dos eventuais problemas que fossem<br />

surgindo. Era um verdadeiro sistema<br />

de relações públicas, o que Dª Lucilia<br />

em sua avançada idade jamais poderia<br />

imaginar. Por isso, sentiu-se<br />

na obrigação de se interessar diretamente<br />

pelo que se passava.<br />

— Quem tocou a campainha? —<br />

perguntava à empregada.<br />

— É um amigo de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>.<br />

— Faça-o entrar.<br />

Aquele invariável “faça-o entrar”<br />

se evolava de seus lábios tão impregnado<br />

de serenidade e gravidade, doçura<br />

e dignidade, que o visitante se<br />

sentia irresistivelmente atraído.<br />

Em outras ocasiões, ao ser avisada<br />

por Mirene, que então a servia,<br />

de que mais um senhor acabava de<br />

chegar a fim de visitar seu filho, Dª<br />

Lucilia dizia:<br />

— Você lhe explicou que <strong>Dr</strong>.<br />

<strong>Plinio</strong> está repousando?<br />

— Não, porque outra pessoa o<br />

atendeu à porta, e ele entrou diretamente<br />

no escritório. Parece que <strong>Dr</strong>.<br />

<strong>Plinio</strong> já o estava esperando.<br />

— Mas você não sabe o nome dele?<br />

— Não, mas já o vi outras vezes.<br />

— Seria bom você ir preparando<br />

um lanche para lhe servir.<br />

— Acho que a visita é rápida —<br />

dizia a empregada, visivelmente desejosa<br />

de escapar das obrigações impostas<br />

pelas antigas maneiras vividas<br />

por Dª Lucilia.<br />

As épocas haviam mudado, e com<br />

elas as normas da boa acolhida. Porém,<br />

não seria a suposição de uma<br />

simples servente que, de maneira fácil,<br />

convenceria Dª Lucilia, demovendo-a<br />

de seus tradicionais e entranhados<br />

hábitos.<br />

Um inolvidável convite,<br />

a que se seguiram outros<br />

Logo ao iniciar-se a convalescença<br />

de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, um de seus jovens discípulos<br />

teve a felicidade de ser escolhido<br />

para cuidar do plantão estabelecido<br />

no “1º Andar”. Um dia, acabara<br />

ele de atender a uma chamada<br />

telefônica, quando ouviu, vindo da<br />

sala de jantar, o som de uma sineta.<br />

Pouco depois lhe chegavam os ecos<br />

de um pequeno diálogo entre Dª Lucilia<br />

e a empregada:<br />

— Pois não, a senhora me chamou?<br />

— Quem telefonou?<br />

— Não sei, Dª Lucilia. Foi um senhor<br />

que atendeu.<br />

— Quem é esse senhor?<br />

— Não sei. Parece que ele veio visitar<br />

o <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>.<br />

— Vá preparando um chá para esse<br />

senhor e para mim, pois vou convidá-lo<br />

a estar em minha companhia<br />

até o <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> despertar.<br />

Tendo-se retirado a empregada,<br />

Dª Lucilia continuou suas orações.<br />

Era compreensível que, sendo dona<br />

da casa e dotada de profundo senso<br />

de responsabilidade, se sentisse na<br />

obrigação de fazer sala aos que visitavam<br />

seu filho.<br />

Algum tempo depois, voltou a soar<br />

a sineta e a empregada, ao assomar<br />

à porta, ouviu de Dª Lucilia:<br />

— Você quer dizer a esse senhor<br />

que faça o favor de entrar?<br />

Logo que ele se apresentou, Dª<br />

Lucilia o cumprimentou de maneira<br />

acolhedora, e assim introduziu a<br />

conversa:<br />

— O senhor certamente está esperando<br />

o <strong>Plinio</strong>, não é? Eu queria<br />

dizer ao senhor o seguinte: ele tem<br />

uns amigos que o estimam muito e,<br />

às vezes, convidam-no para passarem<br />

juntos alguns dias numa fazenda,<br />

perto de Amparo. E o senhor sabe?<br />

Estando ali, o <strong>Plinio</strong> andava por<br />

um terreno irregular e muito pedregoso,<br />

quando torceu o pé. Ele foi socorrido<br />

pelos amigos, mas os médicos<br />

que depois o examinaram recomendaram-lhe<br />

muito descanso...<br />

Após essa explicação, Dª Lucilia,<br />

com sua arte de colocar o visitante<br />

inteiramente à vontade, prosseguiu:<br />

— Por esse motivo, o <strong>Plinio</strong> vai<br />

demorar ainda um pouco para atendê-lo,<br />

de maneira que o senhor vai<br />

ter de esperar mais do que imagi-<br />

8


A mesa posta para o chá da tarde, no “1º Andar”: todos os dias, o<br />

delicado e acolhedor convite para fazer companhia a Dona Lucilia<br />

nava... Mas o senhor, enquanto o<br />

aguarda, vai me dar o prazer de sua<br />

companhia. O senhor aceitaria tomar<br />

chá?<br />

— Por favor, a senhora não se deve<br />

preocupar!<br />

— Talvez o senhor não goste de<br />

chá e prefira café com leite, ou alguma<br />

outra coisa...<br />

Não foi possível ao jovem recusar.<br />

Dona Lucilia tocou então a sineta e<br />

ordenou à empregada que trouxesse<br />

chá e biscoitos.<br />

Esta cena — evocativa da antiga<br />

douceur de vivre — doravante irá repetir-se<br />

todos os dias. Dona Lucilia<br />

empregará, de cada vez, aquele seu<br />

invariável e delicado modo de acolher.<br />

Parecia que os biscoitos<br />

provinham do Paraíso...<br />

Antes mesmo de a empregada pôr<br />

a mesa, Dª Lucilia convidava o interlocutor<br />

a se acomodar:<br />

— Por favor, sente-se onde for<br />

mais de seu agrado.<br />

Em geral, depois de explicar por<br />

que seu filho demoraria em atender,<br />

ela prosseguia a conversa relatando<br />

a origem dos excelentes biscoitos<br />

que desejava oferecer ao visitante.<br />

— O senhor sabe? Todas as quintas-feiras<br />

meu sobrinho vai a Campinas.<br />

E, certa vez, retornando de lá,<br />

teve a gentileza de me trazer uns biscoitos.<br />

Ao agradecer, eu disse que os<br />

tinha achado muito saborosos e que<br />

ficara contente com o gesto dele. Depois<br />

disso, ele sempre me traz uma<br />

quantidade suficiente para a semana<br />

inteira. O senhor vai gostar muito<br />

deles porque são realmente deliciosos.<br />

A maneira como contava este pequeno<br />

episódio da vida doméstica<br />

envolvia o interlocutor numa atmosfera<br />

de maravilhoso, por onde se tinha<br />

a impressão de que a farinha do<br />

biscoito viera do Paraíso e fora moída<br />

pelos Anjos... Era de notar o desapego<br />

com que ela oferecia os<br />

biscoitos: sem egoísmos nem receio<br />

de que pudessem vir a faltar-lhe.<br />

Conduzia a conversa com<br />

uma singela e encantadora gentileza.<br />

Do cimo de seus 91 anos,<br />

não procurava falar de si mesma,<br />

de suas dificuldades passadas ou<br />

presentes. Havia um certo momento<br />

em que ela fazia uma sugestiva<br />

pausa, muito nobre, muito<br />

distinta, dando oportunidade<br />

à pessoa que diante dela se encontrava<br />

de levantar algum tema,<br />

pois estava sempre disposta<br />

a conversar a respeito do que<br />

o outro quisesse. Era uma excelente<br />

ocasião para se apreciar o<br />

modo harmonioso com que ela<br />

abordava os assuntos. Fazia-o de<br />

maneira a atender, acima de tudo,<br />

aos legítimos anseios do visitante.<br />

Naquelas ditosas e inesquecíveis<br />

conversas com Dª Lucilia,<br />

era freqüente o visitante perguntar-lhe<br />

algo a respeito de seus filhos,<br />

pelo extremo gosto de ouvi-la discorrer<br />

sobre acontecimentos da vida familiar.<br />

Tema, aliás, não lhe fosse proposto,<br />

ela jamais tomaria a iniciativa<br />

de sequer insinuar.<br />

Saudosos meses aqueles, durante<br />

os quais foi possível conhecer um<br />

bom número de fatos da longa existência<br />

de Dª Lucilia, narrados diretamente<br />

por ela. O que mais atraía<br />

o interlocutor eram os detalhes da<br />

infância dos filhos dela, pois permitiam<br />

aquilatar o grande esmero que<br />

ela pusera em os educar e formar. <br />

(Transcrito, com adaptações, da obra<br />

“Dona Lucilia”, de João Clá Dias<br />

1) Literalmente “saber fazer”. Expressão<br />

com que o espírito francês designa<br />

a habilidade, freqüentemente unida<br />

à astúcia, para obter bom resultado<br />

naquilo que se faz.<br />

9


DR. PLINIO COMENTA...<br />

“E Tu, Senhor,<br />

permanecerás<br />

para sempre”<br />

Ao encerrar suas reflexões sobre o Salmo 101, traça <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> eloqüente<br />

paralelo entre as promessas contidas no texto sagrado e uma<br />

futura renovação da face da Terra, sob o misericordioso reinado do Imaculado<br />

Coração de Maria.<br />

Depois de evocar a conversão do povo judeu<br />

e se referir a um tempo de ventura que, por<br />

analogia, pensamos ser a época marial prevista<br />

por São Luís Grignion de Montfort, o Salmista prossegue<br />

em sua manifestação de arrependimento e contrição,<br />

exaltando a misericórdia e a grandeza de Deus.<br />

O simbolismo do nome<br />

Então diz:<br />

E as nações temerão o teu nome, Senhor, e todos os reis<br />

da terra respeitarão a tua glória.<br />

Em muitas de suas orações, a Igreja exalta o nome do<br />

Criador, como, por exemplo, após a Bênção do Santíssimo<br />

Sacramento: “Benedictum nomem sanctum eius —<br />

bendito seja seu santo nome”. E também se bendiz o nome<br />

de Jesus, do Espírito Santo, de Maria, etc.<br />

Há toda uma filosofia do nome, sobre a qual não<br />

trataria no momento, que mostra ser ele o símbolo do<br />

indivíduo, e reciprocamente este último se identifica<br />

com seu nome. E o verdadeiro nome do homem é o<br />

que ele simboliza. Assim, um guerreiro indômito pode<br />

passar a se chamar Leão. Isso sucedeu com um personagem<br />

medieval, cuja alcunha é uma das mais belas<br />

daquela época: Ricardo Coração de Leão. Embora<br />

não fosse modelo de piedade e virtude, ele lutou<br />

com tanta coragem que mereceu ser comparado ao temido<br />

rei dos animais. O símbolo tornou-se o nome do<br />

homem.<br />

A Europa antiga, Sião do universo<br />

Porque o Senhor edificou Sião e será visto na sua glória.<br />

Não foram os judeus que edificaram Sião, isto é, Jerusalém.<br />

Eles apenas empregaram suas mãos como instrumentos<br />

de Deus. E o Criador cobriu de glória aquela cidade,<br />

a qual, pela sua beleza, é um símbolo da Civilização<br />

Cristã.<br />

Durante muito tempo a Europa foi a Sião do universo,<br />

a cidade construída por Deus através dos homens, cuja<br />

glória lhe conferiu um lúmen, um esplendor, uma primazia<br />

que fizeram dela o continente de Jesus Cristo.<br />

Atendeu a oração dos humildes e não desprezou a sua<br />

prece.<br />

10


Christus Rex Inc.<br />

O Rei David<br />

em oração -<br />

Iluminura das<br />

“Ricas Horas<br />

do Duque<br />

de Berry”<br />

Nessa linha de comparação, poderíamos perguntar<br />

por que Sião, ou seja, a Europa, chegou a esse ponto de<br />

magnificência? Por que engendrou muitos batalhadores,<br />

intelectuais, homens de Estado que souberam dirigir os<br />

assuntos públicos?<br />

Secundariamente, sim, mas a razão principal foi que<br />

Deus atendeu as preces dos corações arrependidos, e<br />

lhes concedeu uma abundância de graças que, correspondidas,<br />

resultaram nas incontáveis maravilhas da Cristandade.<br />

É o que se infere da recitação dos Salmos Penitenciais.<br />

Falam eles dos pecados cometidos por um homem, mas<br />

11


DR. PLINIO COMENTA...<br />

igualmente fazem vibrar o rugido de uma pessoa castigada<br />

por Deus, que lhe infligiu sua cólera santíssima e regeneradora.<br />

E, no auge de seu sofrimento, ele caiu em<br />

si, como o filho pródigo quando teve de comer as bolotas<br />

dos porcos, sentiu remorsos por suas culpas e disse:<br />

“Voltarei à casa de meu pai, pedir-lhe-ei perdão e que<br />

me aceite como escravo, pois já não mereço outra coisa”.<br />

Sabemos que ele recebeu mais do que teria se houvesse<br />

permanecido fiel.<br />

Durante séculos, a<br />

Europa foi a Sião do<br />

universo, construída por<br />

Deus através dos homens<br />

Estátua eqüestre de Ricardo<br />

Coração de Leão (Londres);<br />

Castelo de Mosental (Alemanha)<br />

E a face da Terra será renovada<br />

Sejam escritas essas coisas para a geração futura...<br />

Quer dizer, os homens se esquecem dessas verdades.<br />

Importa anotá-las para que as gerações futuras delas se<br />

lembrem. Somente quem se baseia num texto escrito<br />

preto sobre o branco — e não no mole e indeciso das lendas<br />

—, sabendo conservar o elo do presente com o passado,<br />

somente este ama a tradição e compreende o profundo<br />

sentido da História.<br />

Não basta, porém, escrever livros sobre os bons princípios.<br />

É preciso vivê-los. Do contrário, tais obras permanecerão<br />

dormindo nas bibliotecas.<br />

... e o povo que há de ser criado louvará o Senhor.<br />

Virão novos céus e novas terras. E Deus criará um povo<br />

novo, descendente de Adão e Eva, passando por nós,<br />

evidentemente. Será um povo novo porque possuirá o<br />

espírito e a mentalidade de Maria Santíssima, conforme<br />

explica São Luís de Montfort. Este povo renderá ao Criador<br />

uma glória e um louvor incomparáveis.<br />

Razão pela qual costumamos rezar antes de nossas<br />

reuniões: “Emitte Spiritum tuum et creabuntur, et renovabis<br />

faciem terrae” — Enviai vosso Espírito e tudo será<br />

criado, e renovareis a face da Terra”. No fundo de nos-<br />

V. Domingues e S. Hollmann


sas almas queremos dizer: “Ó Deus, nada se resolverá<br />

nem se arranjará enquanto não mandardes vosso espírito,<br />

e as coisas serão criadas, ou seja, os homens que faltam.<br />

Somos tão poucos, Senhor, e como contra-revolucionários,<br />

constituímos uma maravilha da obra de vossas<br />

mãos. Mas que maravilha pequena diante do monstro<br />

tremendo — a Revolução — que, com vossa permissão,<br />

vai esmagando tudo quanto tem vida. Que venham<br />

dos quatro cantos do mundo todos aqueles que desejam<br />

a derrota do Baal contemporâneo e a vitória da Igreja de<br />

Jesus Cristo.”<br />

E a face da Terra ficará renovada. De face rugosa e<br />

feia, com pele envelhecida por toda espécie de fumos e<br />

vícios, passará ela a ter o brilho da juventude. Será uma<br />

Terra nova, a Terra de Maria.<br />

“Eis vossa Mãe; vivei no<br />

Reino de Maria!”<br />

Porque olhou do alto do seu santuário: o Senhor olhou<br />

do Céu sobre a Terra.<br />

Também este versículo pode ser aplicado ao Reino de<br />

Maria.<br />

Do alto do seu santuário, ou seja, da glória celestial,<br />

Deus olhou com amor sobre a Terra. Isso nos remonta<br />

à criação do universo, quando Ele considerou cada uma<br />

de suas obras e constatou que eram boas, mas o conjunto<br />

melhor. E depois descansou. Assim também o Criador<br />

olhará sobre o Reino de Maria, notará que cada indivíduo<br />

será bom, e o conjunto ainda melhor.<br />

Imaginemos, por exemplo, um jogo cujo tabuleiro seja<br />

de mármore, as peças de bronze, de pedra preciosa ou<br />

qualquer outro metal de valor. Tudo isso é bonito. Entretanto,<br />

mais belo será o fato de as pedras estarem dispostas<br />

em ordem sobre o tabuleiro, pois então discerniremos<br />

o esplendor do conjunto. E se alguém nos explicar<br />

as regras do jogo, entenderemos a beleza do xadrez, inventado<br />

por um homem desconhecido mas genial.<br />

E ainda mais belo que o conjunto físico das peças é o<br />

plano, a idéia, a intenção. Assim, ao instituir o Reino de<br />

Maria, Deus tem um desígnio: manifestar o carinho e o<br />

afeto que devota à sua Mãe, e tributar uma glória Àquela<br />

que, sozinha, vale a criação inteira, excetuando a natureza<br />

humana de Nosso Senhor Jesus Cristo. Então, Ele restaura<br />

este mundo e o entrega a Maria: “Tomai conta de<br />

tudo isso que é vosso”. E, repetindo as palavras do Redentor<br />

no alto da Cruz, referindo-se a nós, acrescentará:<br />

“Eis vossos filhos”. E se dirigindo aos homens: “Eis vossa<br />

Mãe. Vivei no Reino de Maria!”<br />

A libertação dos que gemem<br />

sob a Revolução<br />

Para ouvir os gemidos dos encarcerados, para libertar os<br />

filhos dos condenados à morte.<br />

Considerando o mundo atual, Deus viu que os condenados<br />

à morte, ou seja, à ruína, ao Inferno, estavam gemendo.<br />

Porém, no meio deles havia justos; o Altíssimo os<br />

fitou também, e interveio na situação. Assim, tudo começou<br />

a reflorescer.<br />

Esses fiéis gemem no cárcere. E que prisão mais parecida<br />

com a descrita pelo Salmista do que o século revolucionário<br />

em que vivemos?<br />

Quanto mais nos é dada a possibilidade de usar veículos<br />

rápidos e seguros, tanto mais nos iludimos de que somos<br />

livres. Mas, na realidade, dentro deles o homem está<br />

num cárcere, pois se acha imerso numa civilização que<br />

não é cristã e da qual não se pode libertar, uma vez que<br />

ela se estabeleceu por toda parte. De uma ponta à outra<br />

do planeta, onde há homens, encontramos uma maioria<br />

entregue à Revolução.<br />

Isto é ou não um cárcere?<br />

Deus, portanto, olhará para seus filhos que O amam e<br />

perceberá o pranto deles, por se encontrarem nessa prisão.<br />

O Criador quebrará o cárcere e os libertará por meio<br />

13


DR. PLINIO COMENTA...<br />

de grande intervenção nos acontecimentos, dando início<br />

ao Reino de Maria.<br />

A fim de que anunciem em Sião o nome do Senhor, e o<br />

seu louvor em Jerusalém.<br />

Esse rompimento da cadeia tem uma superior finalidade.<br />

Deus não a executa para que os homens continuem a<br />

gozar a vida, como fazem hoje, e sim para que anunciem<br />

o nome do Senhor em Sião — quer dizer, na Terra Santa,<br />

que significa também a Igreja, estendida por todo o mundo.<br />

Esses justos deverão louvar o Criador por tê-los libertado<br />

do cárcere, que é a Revolução.<br />

Quando se juntarem os povos e os reis para servirem ao<br />

Senhor.<br />

E temos aqui uma bela definição desse Reino de Maria<br />

tão ansiado pelos homens fiéis: será a época em que<br />

os povos e os reis se unirão para servir a Deus.<br />

“Não me chames na metade<br />

dos meus dias...”<br />

Disse-lhe na expansão da sua força: manifesta-se o curto<br />

número dos meus dias.<br />

O salmista parece ter pressentimento de que sua morte<br />

não está distante, e compreende o efêmero da glória<br />

terrena, cuja duração não é ilimitada como nós quereríamos.<br />

Então pede a Deus que lhe imprima na alma essa<br />

noção: mesmo as coisas magníficas passam, como todas<br />

as demais nesta vida. Só Deus e o Céu são eternos. Eterno<br />

também é o Inferno.<br />

E a prece dele é esta: “Manifesta-me, ó Deus, o curto<br />

número dos meus dias. Faz-me ver como tudo nesse<br />

mundo é relativamente rápido.<br />

Não me chames na metade dos meus dias...<br />

Este versículo encerra particular beleza. Alguém poderia<br />

cogitar: “É possível, ó Deus, que eu, estando dentro<br />

do cárcere, ou seja, da Revolução, meditando sobre<br />

os vossos Salmos, tenha um vislumbre dos dias magníficos<br />

que virão. E, não sendo imprevidente, compreendo<br />

que posso pecar de novo e vossa cólera cair sobre mim,<br />

tirando-me a vida”. Então ele faz um pedido: “Não me<br />

chames na metade dos meus dias”.<br />

“Chamar” significa, evidentemente, arrebatar pela<br />

morte, e os “meus dias”, a minha vida. Portanto, tendo<br />

consciência de que pode tornar a pecar, ele pede a<br />

Deus que não o leve deste mundo na hora em que esteja<br />

pecando, pois isto seria como que lhe cortar seus<br />

dias pela metade. O pecador suplica a clemência divina:<br />

“Vós sois tão grande, poderoso, imenso, não tivestes<br />

início e não tereis fim! Vede quanto sou pequeno,<br />

minha vida é passageira e em mim tudo é tão fraco, Senhor!<br />

Não corteis minha vida pela metade, embora eu<br />

mereça. Tende pena da fraqueza do homem que Vós<br />

criastes!”<br />

Só Deus permanece eternamente<br />

... os teus anos se estendem de geração em geração.<br />

Para falar da eternidade de Deus, o Salmista emprega<br />

esta linda frase. Quer dizer, as gerações passam, só Ele é<br />

eterno e absoluto. Então, diante de tanta magnitude, o<br />

pecador poderia retomar a expressão camoniana: “Tende<br />

pena deste verme da terra tão pequeno”.<br />

“Todos eles perecerão com um<br />

vestido; Tu, porém, és<br />

sempre o mesmo e os teus<br />

anos não terão fim...”<br />

Ruínas de Cesaréia, na Terra Santa<br />

14


No princípio, Senhor, fundastes a Terra, e os Céus são<br />

a obra das tuas mãos. Eles perecerão, mas Tu permanecerás...<br />

A palavra “eles” se refere aos pecadores, que talvez<br />

pareçam muito importantes, mas morrerão. Somente<br />

Deus permanecerá para sempre.<br />

Essa verdade pode ser constatada em certos monumentos<br />

a grandes homens (ou que foram imaginados como<br />

tais pelos pequenos). Por exemplo, na bela Abadia<br />

de Westminster, em Londres, de estilo gótico, fizeram algo<br />

a meu ver de muito mau gosto: a fim de rememorar<br />

supostos grandes homens da Igreja anglicana, aplicaram<br />

nas suas paredes internas uma série de esculturas que representam<br />

esses personagens praticando determinado<br />

gesto, considerado o culminante de sua vida.<br />

Aquela série de figuras, dispostas de um lado e de outro,<br />

causam a impressão de agitação, de efêmero, de vazio.<br />

Bem acima dessas esculturas há lindas ogivas, fazendo-nos<br />

sentir tranqüilidade, e como que nos dizendo:<br />

“Os homens são esse amontoado de pedra; Tu, ó Deus,<br />

permanecerás eternamente!”<br />

Sérgio Patrício<br />

... todos eles envelhecerão como um vestido.<br />

Que linda comparação: “envelhecerão como um vestido”!<br />

Todos os trajes, por mais magníficos que sejam, envelhecem<br />

e se tornam trapos. Deus, porém, é o único perene<br />

e eterno.<br />

E como roupa os mudarás, e serão mudados.<br />

Quer dizer, Deus substitui os homens, instrumentos<br />

para sua ação, como se muda de roupa. Ele põe de lado<br />

um e escolhe outro para agir melhor. Quando alguém<br />

não corresponde à graça, ele muitas vezes o descarta —<br />

embora o conserve vivo — e elege outro. E este último<br />

surge com passos a ecoarem um bonito som, solene, nobre,<br />

marca a História, tudo se inclina diante dele. O novo<br />

escolhido prossegue sempre fiel na caminhada que Deus<br />

lhe indicou, até o dia em que sua alma sobe ao Céu. A<br />

existência humana, em sua trajetória, apresenta vários<br />

episódios como esse.<br />

Tu, porém, és sempre o mesmo, e os teus anos não terão<br />

fim.<br />

Sobre os católicos dos últimos tempos, pela sua fidelidade,<br />

poder-se-á dizer: “Vós sereis sempre os mesmos<br />

e vossos anos não terão fim, pois serão conduzidos<br />

ao Céu e ali não haverá mais mudança para vós,<br />

nem morte. Vivereis eternamente”. É o final da História.<br />

Servos fiéis a Deus e a Nossa Senhora<br />

Os filhos dos teus servos habitarão, e a sua posteridade<br />

será estável para sempre.<br />

Segundo algumas traduções, esses filhos “habitarão<br />

seguros em Jerusalém”.<br />

Mais uma vez, é interessante estabelecermos um paralelo<br />

entre a situação descrita pelo Salmista e a dos católicos<br />

em nossos dias. Assim, servos de Deus são os que<br />

se consagram ao serviço d’Ele, como o fazemos em nosso<br />

movimento. Somos servos do Altíssimo, e nos gloriamos<br />

de o sermos também de Maria.<br />

Além de servos, o Rei David fala em filhos. E na linha<br />

das analogias, nós somos também filhos de Nossa Senhora.<br />

São Luís Grignion de Montfort chega a falar da raça<br />

da Virgem. Evidentemente não no sentido físico da palavra,<br />

mas no de estirpe intelectual, moral, sobrenatural,<br />

nos mais altos e nobres significados que o termo comporte.<br />

Esses “habitarão”, quer dizer, vivendo nesta Terra,<br />

ainda que às vezes perseguidos e execrados, permanecerão<br />

fiéis a Deus.<br />

Com a alma posta na esperança de perseverarmos nessa<br />

fidelidade de filhos e servos de Nosso Senhor e de sua<br />

Mãe Santíssima, concluímos nossas considerações sobre<br />

o belo Salmo 101.<br />

<br />

15


CALENDÁRIO LITÚRGICO<br />

1. São Celso, Bispo, séc. XII.<br />

2. São Francisco de Paula, eremita,<br />

séc. XVI. Fundador da Ordem<br />

dos Eremitas de São Francisco<br />

de Assis, também conhecidos como<br />

os Mínimos.<br />

3. Domingo da Divina Misericórdia<br />

(e 2º da Páscoa). Festa estabelecida<br />

pelo Papa João Paulo II,<br />

em 1997, atendendo às revelações<br />

de Nosso Senhor a Santa Faustina<br />

Kowalska. Naquela ocasião, afirmou<br />

o Sumo Pontífice: “Dou graças<br />

à Divina Providência por ter podido<br />

contribuir pessoalmente para o<br />

cumprimento da vontade de Cristo,<br />

através da instituição [desta festa].<br />

Rezo incessantemente para que<br />

Deus tenha misericórdia de nós e<br />

do mundo inteiro”.<br />

4. Anunciação do Senhor. Transferida<br />

de 25 de março para esta data,<br />

pelo fato de aquele dia ter caído<br />

na Sexta-feira Santa.<br />

Santo Isidoro, Bispo e Doutor da<br />

Igreja, séc. VII. Sucedeu seu irmão,<br />

São Leandro, à frente da diocese de<br />

Sevilha, na Espanha.<br />

7. São João Batista de la Salle,<br />

Presbítero, séc. XVIII. Fundador<br />

da Congregação dos Irmãos das Escolas<br />

Cristãs.<br />

8. Santo Ágabo, séc. I. Discípulo<br />

de Jesus, mencionado nos Atos dos<br />

Apóstolos (11, 28).<br />

9. São Celestino I, Papa, séc. II.<br />

10. 3º Domingo da Páscoa.<br />

11. Santo Estanislau de Cracóvia,<br />

Bispo e Mártir, séc. XI. Foi assassinado<br />

pelo Rei Boleslau II, em<br />

frente ao altar, enquanto celebrava<br />

a Missa. O monarca, homem dissoluto<br />

e infiel, havia sido excomungado<br />

pelo santo prelado, e sobre este<br />

descarregou assim sua vingança.<br />

12. São José Moscati, sécs. XIX-<br />

XX. Médico italiano, incansável<br />

benfeitor dos pobres e zeloso apóstolo<br />

das almas, enquanto aliviava os<br />

sofrimentos corporais.<br />

13. São Martinho I, Papa e Mártir,<br />

séc. VII.<br />

14. São Júlio II, Papa, séc. IV.<br />

15. Beato Padre Damião de Veuster,<br />

Presbítero, séc. XIX. Sacerdote<br />

belga, da Congregação dos Missionários<br />

dos Sagrados Corações<br />

de Jesus e Maria, contraiu a lepra<br />

quando cuidava dos enfermos desta<br />

moléstia no Havaí, e da qual veio<br />

a falecer.<br />

16. Santa Bernadete Soubirous,<br />

Virgem, séc. XIX. Ver artigo na página<br />

26.<br />

17. 4º Domingo da Páscoa.<br />

18. São Perfeito, Presbítero e<br />

Mártir, séc. IX.<br />

19. São Leão IX, Papa, séc. XI.<br />

Empenhou-se na reforma do Clero,<br />

secundado pelo futuro pontífice<br />

São Gregório VII.<br />

5. São Vicente Ferrer, Presbítero,<br />

séc. XV. Grande pregador da Ordem<br />

dominicana, percorreu diversas cidades<br />

e regiões da Europa divulgando<br />

o Evangelho, estimulando nas almas<br />

a piedade e a mortificação, em busca<br />

da unidade na Igreja, então abalada<br />

pelo Cisma do Ocidente.<br />

6. São Pedro de Verona, Presbítero<br />

e Mártir, séc. XIII. Outro insigne<br />

discípulo de São Domingos,<br />

consagrou-se no combate às heresias<br />

de sua época, sendo assassinado<br />

durante uma de suas viagens.<br />

É igualmente conhecido como São<br />

Pedro Mártir.<br />

Santo Isidoro de Sevilha<br />

20. Beato Anastácio Pankiewicz,<br />

Mártir, séc. XX. Sacerdote da Ordem<br />

dos Frades Menores, foi morto<br />

quando o transferiam para o campo<br />

de concentração de Dachau, na<br />

Áustria.<br />

21. Santo Anselmo, Bispo e<br />

Doutor da Igreja, séc. XII. Monge<br />

beneditino e Arcebispo da<br />

Cantuária (Inglaterra), defendeu<br />

a Igreja na luta das investiduras,<br />

sendo exilado duas vezes.<br />

Seus escritos exerceram grande<br />

influência em sua época e lhe<br />

granjearam o título de “pai da<br />

Escolástica”.<br />

16


22. São Leônidas, Mártir, sécs.<br />

II-III.<br />

23. São Jorge, Mártir, sécs. III-<br />

IV. Soldado e tribuno do exército<br />

imperial romano, foi decapitado<br />

por se recusar a renegar a fé cristã.<br />

24. 5º Domingo da Páscoa.<br />

São Fidelis de Sigmaringa, Presbítero<br />

e Mártir, séc. XVII. Da Ordem<br />

dos Frades Menores, sofreu o<br />

martírio na porta da igreja de Seewis,<br />

na Suíça, aonde fora enviado<br />

para pregar contra os erros da heresia<br />

calvinista.<br />

25. São Marcos Evangelista, séc.<br />

I. Discípulo de São Pedro e autor<br />

do segundo Evangelho.<br />

26. Nossa Senhora do Bom Conselho<br />

de Genazzano.<br />

27. São Pedro Armengol, Religioso,<br />

séc. XIV. Aragonês, filho do<br />

Conde de Urgel, após uma conturbada<br />

juventude entregue a dissipações,<br />

converteu-se e ingressou na<br />

Ordem das Mercês para a redenção<br />

dos cativos. Deixou-se ficar como<br />

refém dos mouros em garantia<br />

do resgate de 18 cristãos capturados.<br />

Como o dinheiro não chegou<br />

no prazo marcado, foi enforcado.<br />

Porém, a Santíssima Virgem<br />

operou o milagre de mantê-lo vivo<br />

durante vários dias, pendurado na<br />

forca, até aparecer a quantia esperada.<br />

Libertado por sua vez, retornou<br />

à Espanha, onde faleceu santamente.<br />

* ABRIL *<br />

28. São Luís Maria Grignion<br />

de Montfort, Presbítero, sécs.<br />

XVII-XVIII. Ardoroso devoto da<br />

Santíssima Virgem, difundiu na<br />

Igreja a escravidão de amor à Sabedoria<br />

Eterna e Encarnada, Jesus<br />

Cristo, pelas mãos de Nossa<br />

Senhora.<br />

29. Santa Catarina de Sena, Virgem<br />

e Doutora da Igreja, séc. XIV.<br />

Terciária dominicana, favorecida<br />

por visões de Nosso Senhor, desempenhou<br />

importante papel na solução<br />

de graves problemas da Igreja,<br />

como o retorno do Papa de Avinhão<br />

para Roma e a reforma da<br />

Cúria Romana.<br />

30. São Pio V, Papa, séc. XVI. É<br />

o grande Papa da Contra-Reforma.<br />

Juntamente com a Espanha e a República<br />

de Veneza organizou a Santa<br />

Aliança, cuja participação na célebre<br />

Batalha de Lepanto verificou-se decisiva<br />

para a vitória da esquadra cristã.<br />

São Pio V<br />

17


A SOCIEDADE, ANALISADA POR DR. PLINIO<br />

A supressão dos trajes:<br />

um atentado à beleza<br />

P<br />

ara <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, a decadência do vestuário, observada desde o<br />

século XVIII até os dias atuais, representa não apenas uma marcha<br />

gradual para o nudismo, mas também o avanço progressivo da<br />

feiúra, o desaparecimento paulatino da beleza e da dignidade como<br />

grandes riquezas espirituais da existência humana.<br />

Consideramos em anterior exposição a beleza dos<br />

trajes como sendo algo a ser apreciado, mais do<br />

que pelo seu aspecto material, pelo valor espiritual<br />

que ela representa, como reflexo da infinita formosura<br />

do Criador.<br />

Vimos, em seguida, como esse esplendor nas vestimentas,<br />

nos costumes e nas boas maneiras sofreu um<br />

processo de decadência, notadamente a partir da Revolução<br />

Francesa de 1789, chegando às roupas e hábitos vigentes<br />

no pós-Primeira Guerra Mundial.<br />

Trajetória irrefreável<br />

Tal processo de diminuição não se deteve em nenhum<br />

momento, exigindo sempre novas modificações. Assim,<br />

o chapéu de feltro foi suprimido, surgiram paletós mais<br />

simples, apertados, que muitos abandonaram para começar<br />

a usar apenas calça e camisa. E o tecido destas tornou-se<br />

tão ralo que, às vezes, deixa transparecer alguma<br />

cicatriz ou mancha que por ventura exista na pele da pessoa.<br />

Ou seja, ele cobre mal o indivíduo. É um tecido feito<br />

não para ocultar o corpo, mas quase para exibi-lo.<br />

Não seria exagero pensar que, nessa toada incoercível,<br />

caminhava-se para a total, ou quase, ausência de roupa,<br />

como infelizmente se vai verificando no mundo hodierno.<br />

O que se disse das camisas pode-se afirmar em relação<br />

às calças. Houve tempo em que estas tinham a sua extremidade<br />

inferior tão apertada que mal se podia passar o<br />

pé através dela. Depois se alargaram, dando origem<br />

às calças “boca de sino”, as quais se estreitaram<br />

de novo, passado um certo período.<br />

De tanto remexer, as calças foram se encolhendo,<br />

até surgirem as bermudas após a Segunda<br />

Guerra Mundial. A princípio, apenas para o<br />

uso militar na África quentíssima. Pouco depois,<br />

também para a prática de esportes. E não estava<br />

longe a época em que passaram a ser vestimenta<br />

quotidiana, sobretudo nos dias de calor. Uma vez<br />

abandonada a camisa, a bermuda se encurtará e<br />

se tornará uma espécie de tanga, igualmente votada<br />

ao desaparecimento. De todos os modos, portanto,<br />

ruma-se para o nudismo.<br />

Interessante observar que muitos propugnadores<br />

do nudismo julgam ter sido o homem mais feliz na era<br />

da pedra lascada, por não usar roupa. Razão pela qual<br />

deveríamos retroceder àquele tempo. E estes se consideram<br />

ultramodernos...<br />

Ofensa ao pudor e à beleza do espírito<br />

Dessa breve análise decorre a importante ilação de<br />

que a ausência dos trajes é uma coisa má porque conduz<br />

ao pecado contra o pudor, isto é, à exposição de<br />

partes do corpo denominadas pudendas.<br />

De fato, conforme a doutrina católica, há no corpo<br />

humano três zonas: as pudendas — do latim pudere,<br />

pudor — as semipudendas e as não-pudendas.<br />

18


As pernas das<br />

calças, que<br />

já tinham<br />

sido estreitas,<br />

encurtaram,<br />

até aparecerem<br />

as bermudas,<br />

incialmente usadas<br />

apenas para fins<br />

militares durante<br />

a II Guerra<br />

Mundial<br />

19


A SOCIEDADE, ANALISADA POR DR. PLINIO<br />

Para se guardar a decência, as primeiras devem ser inteiramente<br />

cobertas; as segundas devem ou não sê-lo, de<br />

acordo com as circunstâncias; e as últimas são indiferentes<br />

ao recato, como por exemplo a face e as mãos. Estas<br />

podem ser mostradas por inteiro, não havendo necessidade<br />

moral de ocultá-las, ao contrário de outras partes<br />

do corpo humano que devem ser protegidas pelas vestimentas.<br />

Ora, o nudismo para o qual a Revolução conduz o<br />

mundo, é ruim não só por atentar contra o pudor, mas<br />

também por ofender a formosura humana. Com efeito,<br />

Deus conferiu ao homem e à mulher uma grande beleza<br />

a qual deve ser velada quando ofensiva ao pudor, porém<br />

realçada no que valoriza o nosso espírito.<br />

Por exemplo, uma distinta senhora que possua traços<br />

fisionômicos bonitos deve se cuidar e se arranjar para se<br />

apresentar de maneira a salientar, no seu todo, a beleza<br />

de sua alma. Assim, em lugar de atrair para a concupiscência,<br />

suscita movimentos de admiração por seu aspecto<br />

mais digno de apreço, que é a formosura espiritual,<br />

convidando o próximo para a virtude.<br />

Vale recordar que não existiu na história terrena ninguém<br />

tão belo quanto Nosso Senhor Jesus Cristo e, logo<br />

abaixo d’Ele, Nossa Senhora. Ambos concebidos sem<br />

pecado original, lindíssimos, perfeitíssimos. A consideração<br />

de sua formosura não provocava a mínima fímbria<br />

de sensualidade: nenhuma mulher se sentia tentada ao<br />

ver Jesus, assim como nenhum homem se sentia movido<br />

à concupiscência ao contemplar Maria Santíssima, pois a<br />

beleza da face d’Eles era um reflexo de suas almas.<br />

Uma senhora<br />

de traços distintos<br />

e elegantes<br />

deve se cuidar e se<br />

arranjar, a fim de<br />

que seu aspecto<br />

exterior saliente a<br />

formosura espiritual,<br />

e assim convide o próximo<br />

para a virtude<br />

Dona Lucilia em traje de gala<br />

20


No período anterior a 1789, as vestimentas serviam como um<br />

instrumento de santificação, não só ocultando as partes pudendas do<br />

corpo, como ressaltando a graciosidade do espírito<br />

Atelier de costura em Arles, França, no Ancien Régime<br />

Superior razão para se<br />

opor ao nudismo<br />

Isso posto, podemos dizer que, antes da Revolução<br />

Francesa, a compostura nos trajes não somente servia<br />

à moral, ocultando as partes pudendas do corpo, como<br />

também realçava a graciosidade deste e, sobretudo, a da<br />

alma. A vestimenta era mais um instrumento de santificação.<br />

Ora, a Revolução, odiando a beleza — por ser um reflexo<br />

de Deus —, e enfeiando e desfigurando todas as<br />

coisas, não poderia deixar de promover o nudismo o qual<br />

é um modo de eliminar as manifestações do esplendor da<br />

criatura humana, masculina ou feminina.<br />

Por essas razões, o verdadeiro católico (e me dirijo de<br />

modo particular aos meus jovens seguidores) deve fazer<br />

face à essa galopante minimização dos trajes, no intuito<br />

de fazer cessar a marcha da Revolução rumo ao nudismo.<br />

E uma das formas — talvez a mais importante — de empreender<br />

essa luta é em tudo procurar a pulcritude. Por isso<br />

nossos ambientes precisam ser bem decorados, a fim de<br />

despertar nos corações o gosto estético, artístico, para se<br />

compreender o que é uma vida dentro da beleza, trilhada<br />

com virtude, seriedade, dignidade e compenetração. <br />

21


O PENSAMENTO FILOSÓFICO DE DR. PLINIO<br />

Inocência e as noções<br />

primárias do ser<br />

O<br />

desenvolvimento do senso do ser, a construção da mentalidade e<br />

das reflexões no homem fiel à sua inocência batismal era tema sobremaneira<br />

caro a <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, a respeito do qual discorreu em diversas oportunidades<br />

ao longo de sua vida. Sempre permeando tais exposições com expressivos<br />

e didáticos exemplos, como poderemos constatar nas considerações<br />

transcritas a seguir.<br />

Pediram-me que tratasse sobre<br />

a inocência, tema tão<br />

vasto quanto complexo. Por<br />

isso, abordarei apenas um aspecto<br />

dele, fazendo o apanhado do ponto<br />

de vista filosófico-prático, sobre<br />

a coerência e a contradição na alma<br />

do inocente.<br />

Aceitação, rejeição<br />

ou indiferença<br />

Imaginemos uma criança nos passos<br />

iniciais de sua vida. Ainda não<br />

fala, exprime-se por gestos ou pelo<br />

balbucio de algumas sílabas, e em<br />

sua mente desenham-se esboços de<br />

pensamentos. Ao lhe ser mostrado<br />

algo, ela tem um conhecimento elementar<br />

e superficial, do qual decorrem<br />

três atitudes: deseja aquilo e estende<br />

a mão para apanhá-lo; rejeitao,<br />

afastando-o ou virando o rosto para<br />

outro lado; ou pode não manifestar<br />

reação alguma em relação ao objeto.<br />

Portanto, a criança toma uma<br />

dessas posições: aceitação, rejeição<br />

ou indiferença.<br />

Então, antes mesmo de formar<br />

um juízo elaborado a respeito do<br />

que tem diante de si, ela sente e assume<br />

uma dessas três atitudes.<br />

Suponhamos que o menino esteja<br />

deitado num berço, coberto na parte<br />

da cabeceira por pequeno dossel.<br />

Alguém toma uma bonita bola, brilhante,<br />

usada para enfeitar árvore de<br />

natal, e a pendura no dossel. A criança<br />

pode ficar encantada e querer segurar<br />

a bola, ou permanecer indiferente,<br />

ou, se for de maus bofes, olhar<br />

meio vesga e fazer careta.<br />

Por que razão ela toma tais atitudes?<br />

Se alguém analisasse várias reações<br />

assim de uma criança, poderia<br />

discernir alguns movimentos que<br />

irão determinar a orientação dela<br />

durante a vida?<br />

Tais indagações me vinham freqüentemente<br />

ao espírito no tempo<br />

em que havia muitas crianças<br />

passeando na Praça Buenos Aires 1 ,<br />

conduzidas por uma nurse, Fräulein,<br />

mademoiselle, babá, ou pela própria<br />

mãe. Eu notava suas reações diante<br />

dos fatos. Passava, às vezes, um caminhão<br />

fazendo seu barulho característico<br />

e medonho, o menino permanecia<br />

indiferente. Dali a pouco<br />

um cachorro latia, a criança se assustava.<br />

Mais adiante via uma flor e<br />

queria apanhá-la. Sucedia em certas<br />

ocasiões que, levada pela mãe, esta<br />

encontrava uma pessoa conhecida e<br />

parava para conversarem. A amiga<br />

fazia um agrado no pequeno, e este<br />

virava o rosto, causando desapontamento<br />

na sua progenitora, desejosa<br />

de provar que seu rebento herdara o<br />

bom gênio da família...<br />

Notícia e seletivo<br />

Qual a razão desse movimento? O<br />

que se passa na alma da criança? Ela<br />

já conhece algo, tanto é que reage.<br />

Se não conhecesse, não reagiria.<br />

Na realidade, ela não tem propriamente<br />

ciência, mas o que, em filosofia,<br />

chama-se notícia. A visão e<br />

os demais sentidos lhe transmitem<br />

notícia sobre os fatos. Mas, nota-se<br />

que a criança possui um seletivo. Selecionar<br />

é uma operação que supõe<br />

22


Antes mesmo de<br />

formar um juízo<br />

a respeito do que<br />

tem diante de si,<br />

a criança toma<br />

uma atitude de<br />

aceitação, rejeição<br />

ou indiferença<br />

23


O PENSAMENTO FILOSÓFICO DE DR. PLINIO<br />

aceitação de umas coisas e recusa de<br />

outras. E esta última, por sua vez,<br />

apresenta duas modalidades: rejeição<br />

na sua totalidade (a qual é manifestada,<br />

por exemplo, empurrando<br />

o objeto que lhe é mostrado); e a segunda,<br />

por indiferença. Como já dissemos,<br />

se a criança aceita, ela procurar<br />

segurar o que lhe interessa.<br />

Esse seletivo possui certos critérios<br />

de escolha antes mesmo de a inteligência<br />

ter elaborado raciocínios.<br />

Essa faculdade trabalha ainda de um<br />

modo rudimentar, incompleto, enquanto<br />

o seletivo já inicia seu operar.<br />

Tal tabela de valores, de preferências,<br />

recusas e indiferenças é desenvolvida<br />

pela criança ao longo de<br />

sua vida, sofrendo algumas modificações,<br />

de vez em quando perdendo<br />

algum atributo, adquirindo outros,<br />

etc., mas em suas linhas gerais ela o<br />

conserva até o fim da existência.<br />

Manifestação do<br />

senso do ser<br />

Retomamos, então, a pergunta:<br />

quais são esses elementos iniciais, esse<br />

ponto de partida no qual se acha<br />

escrito o fim da vida?<br />

Pensemos naquela criança deitada<br />

no berço, olhando a esmo para<br />

o ambiente que a cerca. De súbito,<br />

uma mão materna, afável, pendura<br />

diante dela uma bola lustrosa,<br />

azul bleu-de-roi, dourada ou vermelha,<br />

presa por uma fita de seda corde-rosa<br />

ou azul claro. Ela tem noção<br />

de que ali não estava a bola, que em<br />

determinado momento surgiu à sua<br />

frente.<br />

O bebê não se pergunta por que a<br />

bola apareceu, quem a pôs, etc. Sua<br />

reação simples, primária, é: a bola.<br />

Talvez nem saiba dizer “bola”, mas o<br />

primeiro pressuposto consiste na noção<br />

de que ele é e a bola é, e daí se<br />

estabelece uma relação entre os dois,<br />

aceitação ou recusa, etc.<br />

Verifica-se aqui o processo mental<br />

humano de se desprender da noite<br />

do não-criado para o criado, do nãoser<br />

para o ser. A criança é, mas há<br />

pouco tempo atrás ela não era. Vêse<br />

que na primeira atitude tomada<br />

por ela há um primeiro olhar da inteligência,<br />

no qual seu espírito capta,<br />

pelos dados que lhe fornecem os<br />

sentidos, o fato de que algo é: “a bola<br />

é, eu sou”.<br />

O que significa o verbo “ser”? O<br />

menino nem chega a definir isso, a<br />

primeira noção é que ele é, e a bola<br />

é. Segunda: ela e a bola não são a<br />

mesma coisa. Terceira: uma vez que<br />

as duas coisas são, tem de haver uma<br />

relação entre ambas. Normalmente<br />

a criança não pode ser indiferente à<br />

bola e talvez a bola não seja, sob certo<br />

aspecto, indiferente a ela. O menino<br />

vê a bola e acha que esta constitui<br />

um bem para ele, o completa em<br />

algum ponto, estende a mãozinha e<br />

pega a bola. Logo depois, instintivamente,<br />

a põe nos lábios. É a idéia incipiente<br />

de que aquele bem contido<br />

na bola fica participando dele, se a<br />

lamber e morder.<br />

O grande problema da<br />

vida: somos incompletos<br />

Portanto, esse movimento vem<br />

acompanhado da noção obscura,<br />

profunda, de que a ela, criança, faltam<br />

coisas existentes em outros seres.<br />

Ela tem vontade de se apropriar<br />

daquilo que contém um grau de beleza<br />

que não sente em si mesma. E<br />

não só de possuir, mas também de<br />

comer. Suponhamos que ela visse<br />

uma bonita cereja ou nêspera. Estando<br />

ao seu alcance, ela iria diretamente<br />

comê-las, pois sente a necessidade<br />

de complementação.<br />

A criança tem, então, a impressão<br />

de que algumas coisas a completam,<br />

e outras não. Ela quer as primeiras e<br />

afasta as últimas, pois as julga malfazejas.<br />

Assim, juntamente com o conhecimento<br />

de que ela é, aparece<br />

a idéia confusa, instintiva, tendente<br />

a ser quase um circuito de sensações,<br />

pela qual percebe<br />

no que é completa,<br />

e, por outro lado,<br />

os pontos em que<br />

não o é. E procura realizar<br />

em si uma totalidade<br />

de algo que ela<br />

sente não ter. Começa<br />

aí, para cada um de<br />

nós, o grande e verdadeiro<br />

problema da vida:<br />

eu sou incompleto.<br />

Sinto falhas, lacunas<br />

em mim, talvez<br />

instintivas, não sou<br />

capaz de exprimi-las<br />

em palavras. E sintoas<br />

de tal modo que algumas<br />

coisas causamme<br />

a impressão de me<br />

completarem, outras,<br />

pelo contrário, constituem<br />

uma demasia<br />

e me deformam. Outras,<br />

ainda, me deixam<br />

indiferentes.<br />

Esse problema da complementação<br />

de si mesmo vai se estender ao<br />

longo de toda a vida do homem. E<br />

embora sem dizer, se formos analisar<br />

tudo quanto ele procura na sua existência,<br />

perceberemos tratar-se de algo<br />

que acha necessário ter; e todas<br />

24


as coisas que evita, o faz por julgá-las<br />

supérfluas ou nocivas. Ele tem, portanto,<br />

um seletivo originado de um<br />

conhecimento instintivo e elementar<br />

de si próprio, de suas atrações, fobias,<br />

bem como do que lhe é conveniente<br />

ou inconveniente.<br />

Errôneo seria pensar que a criança<br />

não é passível de engano nessa seleção.<br />

Afirmo mesmo o contrário:<br />

com freqüência ela se equivoca. Por<br />

exemplo, deseja comer a bola a qual<br />

Junto com o conhecimento, vem a<br />

idéia de que devemos ser completados,<br />

e uma ação seletiva a respeito<br />

do que nos falta<br />

não é comestível e lhe causaria graves<br />

danos se fosse ingerida. Além<br />

disso, a criança toma toda a aparência<br />

como contendo a realidade, pensa<br />

que a bola é maciça, feita de uma<br />

substância daquela cor. De fato, a<br />

bola é vazia e quebradiça, como tantas<br />

outras coisas da vida.<br />

A pergunta interessante que se<br />

põe é como seria esse seletivo no homem<br />

antes do pecado original. Suponhamos<br />

que Abel — o perfeito,<br />

o predileto, pré-figura de Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo — tivesse sido concebido<br />

por Adão e Eva antes da queda,<br />

e nascido no Paraíso terrestre.<br />

Como seria a inocência de Abel?<br />

Como ele tomaria contato com as<br />

maravilhas do Paraíso? Qual seria<br />

a conduta dos animais, das plantas,<br />

etc., para com Abel pequenino?<br />

Respondendo a essas indagações<br />

teríamos idéia do plano<br />

A de Deus 2 quanto aos<br />

homens, e como se desenvolveria<br />

a inocência da<br />

criança de modo perfeito,<br />

sem as claudicações<br />

e desordens oriundas<br />

da culpa original.<br />

Disso trataremos em<br />

próxima exposição. <br />

1) Situada em frente ao apartamento em<br />

que <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> residia com seus pais,<br />

desde o início da década de 1950.<br />

2 ) Conforme ensinava <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, para<br />

cada pessoa, família, nação e até para<br />

a humanidade, Deus tem um plano,<br />

cumprido o qual elas atingem a<br />

perfeição e, assim, dão glória ao Criador:<br />

é o plano A. Sendo infiéis a este<br />

desígnio primeiro, o Altíssimo lhes<br />

oferece um plano B. Mas, além de<br />

ser justo, Deus é misericordioso. E,<br />

na sua infinita bondade, a alguns que<br />

não seguiram seu plano A, Ele lhes<br />

proporciona um plano A+A.<br />

25


O SANTO DO MÊS<br />

Santa<br />

Bernadete Soubirous:<br />

a virtude<br />

atesta o milagre<br />

Na vida apagada e silenciosa de um convento, Santa Bernadete ratifica<br />

com sua santidade a veracidade das aparições de Lourdes, local<br />

tão prodigioso em curas de corpos. Mas, como nos ensina <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> nesses<br />

seus comentários, de Nossa Senhora devemos esperar também, e com<br />

maior razão, a cura das almas.<br />

Éuniversal a fama do Santuário de Lourdes, local<br />

onde Nossa Senhora apareceu por 18 vezes<br />

a Santa Bernadete Soubirous, em 1<strong>85</strong>4, e que se<br />

tornou nos anos sucessivos um dos maiores centros de<br />

peregrinações do mundo. Sobre o intenso amor que a<br />

piedosa vidente nutriu para com a Mãe de Deus ao longo<br />

de sua vida, escreve o Pe. Trochu:<br />

“Eu A levo no coração!”<br />

A devoção à Santíssima Virgem tinha de ser particularmente<br />

terna e filial. Maria, seu ideal vivo, ocupava em seu<br />

coração um lugar muito próximo a Nossa Senhora, declarou<br />

sua enfermeira, Irmã Marta. “Era preciso ouvi-la quando<br />

pronunciava a Ave-Maria. Que acento de piedade, especialmente<br />

quando pronunciava as palavras ‘pobres pecadores’!<br />

E quando dizia ‘Minha Mãe celestial’, nada mais podia<br />

acrescentar.”<br />

Alguém se atreveu a perguntar-lhe se a lembrança da<br />

aparição se tinha apagado em sua memória. “Apagado? —<br />

exclamou em tom de censura. Oh! não, jamais!”. E levando<br />

a mão direita sobre sua fronte, dizia: “Está aqui”. “Deveria<br />

nos fazer — lhe sugeriu uma companheira — uma<br />

descrição de como era a Virgem, posto que a senhora sabe<br />

como era Ela”. “Não poderia nem saberia fazê-lo — foi a<br />

única resposta que deu. Eu para mim não necessito, pois A<br />

levo no coração”.<br />

A devoção mariana encheu de certo modo toda sua vida.<br />

Tinha necessidade de meditar sobre a Virgem. Via Maria<br />

em tudo e por tudo com seu coração e entendimento.<br />

Quando rezava à Santíssima Virgem, atesta Irmã Gonzaga,<br />

parecia ainda que A estava vendo. Se alguém lhe pedia<br />

alcançasse alguma graça, imediatamente respondia que rogaria<br />

à Santíssima Virgem.<br />

Santa Bernadete se comprazia em louvá-La, fazê-La<br />

conhecer, amá-La e servi-La. Esforçava-se em imitar suas<br />

virtudes, especialmente sua humildade e renúncia. Dedicou-se,<br />

para sua devoção, a compor acrósticos — escritos<br />

poéticos em que as letras iniciais, reunidas, formam verticalmente<br />

uma palavra ou frase — em homenagem a Nos-<br />

26


Fotos: V. Domingues e S. Hollmann<br />

Santa Bernadete<br />

Soubirous, antes<br />

de entrar para<br />

o convento<br />

27


O SANTO DO MÊS<br />

sa Senhora, e o primeiro deles tinha o nome de MARIA,<br />

a partir dos termos: mortificação, amor, regularidade, inocência,<br />

abandono.<br />

Toda sua vida desfiou o Rosário como tinha feito em<br />

Lourdes. Esta era sua devoção preferida, disse uma superiora<br />

geral. Mais de uma vez, na enfermaria, a Irmã Gonzaga<br />

Champi alternou as Ave-Marias com ela. “Então, recorda<br />

essa freira, os olhos escuros, profundos e brilhantes<br />

de Bernadete, pareciam como se estivessem vendo Nossa<br />

Senhora”. Pela noite, quando se ia dormir, recomendava a<br />

uma companheira: “Toma o Rosário e durma rezando. Farás<br />

o mesmo que fazem as crianças pequenas que adormecem<br />

dizendo ‘mamãe, mamãe’...”.<br />

As virtudes da vidente abonam<br />

a autenticidade das aparições<br />

Essas notas sobre Santa Bernadete atestam sua ardente<br />

devoção a Nossa Senhora, e nos mostram como<br />

seu filial e terno relacionamento com a Santíssima Virgem<br />

era motivo de grande edificação para suas irmãs de<br />

hábito.<br />

É interessante observar que Santa Bernadete teve uma<br />

vocação bastante similar à da Irmã Lúcia. A esta foi confiada<br />

a missão de revelar ao mundo as aparições de Fátima,<br />

e àquela, as de Lourdes. Uma vez cumprida a tarefa,<br />

Bernadete — assim como Lúcia — prestigiou as apa-<br />

28


A santidade<br />

de Bernadete<br />

Soubirous é uma das<br />

maiores provas da<br />

autenticidade das<br />

aparições de Lourdes,<br />

ao lado das graças<br />

extraordinárias e<br />

curas miraculosas que<br />

ali se verificam<br />

Gruta das aparições, com a imagem<br />

da Santíssima Virgem;<br />

na página anterior, vista lateral<br />

do Santuário de Lourdes<br />

rições de Massabielle tornando-se freira, santificandose<br />

no convento e, posteriormente, sendo elevada à honra<br />

dos altares.<br />

Embora a Igreja não determine, sob pena de pecado,<br />

acreditar-se nas aparições de Lourdes — pois são de caráter<br />

privado, e em matéria de fatos sobrenaturais somos<br />

obrigados apenas a crer nos oficiais —, na realidade roça<br />

pela heresia quem as conteste. Porque seria preciso admitir<br />

que uma santa canonizada tivesse tido tais ilusões.<br />

Ora, isso não se pode fazer. De maneira que a vida<br />

e as virtudes de Santa Bernadete de algum modo atestam<br />

a autenticidade das aparições de Lourdes. Aliás,<br />

elas estão também exuberantemente corroboradas pelos<br />

milagres que ali se operam, os quais constituem<br />

uma prova de que em Lourdes realmente é a graça que<br />

atua.<br />

Durante uma das visões de Santa Bernadete, a Santíssima<br />

Virgem lhe disse: “Revolva a terra com suas mãos,<br />

que dela nascerá uma fonte”. A menina, uma camponesa,<br />

não teve dificuldade em escavar o solo no local indicado<br />

por Nossa Senhora. E ali, onde ninguém supunha<br />

existir água, esta começou a brotar. Assim surgiu a fonte<br />

de Lourdes, manancial de curas e conversões miraculosas,<br />

conforme prometera a Rainha do Céu.<br />

Portanto, a santidade de vida de Bernadete atesta a<br />

sinceridade de suas visões, seu equilíbrio mental e contribui,<br />

de certa forma, para demonstrar a veracidade dos fatos<br />

milagrosos ocorridos em Lourdes.<br />

Fora desses acontecimentos públicos, ela permaneceu<br />

silenciosa, cumprindo sua missão privada. E nisso<br />

podemos aquilatar a beleza e a riqueza extraordinárias<br />

da Igreja, em cujo universo a Providência suscita diferentes<br />

vocações. Este tem uma tarefa, aquele outra, e aquele<br />

outra. Nossa Senhora distribui a cada pessoa uma determinada<br />

missão, que ela deve cumprir inteiramente, sem<br />

se imiscuir na função para a qual não foi chamada.<br />

29


O SANTO DO MÊS<br />

Em três grandes aparições,<br />

importantes mensagens<br />

A propósito desses breves comentários, seja-me permitido<br />

ainda fazer notar um pormenor interessante. Em<br />

Lourdes Nossa Senhora comunicou também a Santa Bernadete<br />

um segredo, que deveria chegar ao Papa Pio IX.<br />

De maneira que temos uma série de mensagens transmitidas<br />

pela Santíssima Virgem, desde meados do século<br />

XIX até 1917, em três grandes aparições — La Salette,<br />

Lourdes e Fátima — que deveriam ser reveladas aos homens<br />

gradualmente, com as devidas cautelas.<br />

Isso nos leva a pedir a Santa Bernadete, verdadeira<br />

precursora da Irmã Lúcia, que disponha nossas almas para,<br />

com todo fervor, seriedade e recolhimento, estarmos<br />

prontos a conhecer e dar ouvidos a essas mensagens, de<br />

modo muito particular à de Fátima, cujas partes divulgadas<br />

já tiveram impressionantes confirmações.<br />

Mais do que a regeneração<br />

dos corpos, importa pedir a<br />

Nossa Senhora, pelos rogos de<br />

Santa Bernadete, a cura de<br />

nossas doenças espirituais<br />

À esquerda, imagem de Santa Bernadete<br />

na esplanada de Lourdes; no centro, seu<br />

corpo incorrupto, venerado na capela<br />

do Convento de Nevers (à direita)<br />

30


Devemos pedir a cura de nossas almas<br />

Por fim, vale ainda refletirmos no seguinte ponto. Nossa<br />

Senhora de Lourdes opera muitas curas. Que é mais<br />

difícil: sanar o corpo ou a alma?<br />

Evidentemente, para a Rainha do Céu e da Terra não<br />

há dificuldade em fazer uma ou outra coisa. Tudo aquilo<br />

que a Santíssima Virgem pedir a Deus, Ela obtém.<br />

Ora, se Ela restituiu a saúde a tantos corpos, peçamos-<br />

Lhe que o faça igualmente em relação às nossas almas.E<br />

supliquemos à Mãe do Criador transmudar nossos corações,<br />

de maneira tal que chagas ocultas, defeitos ignorados<br />

às vezes por nós mesmos, apegos, desordens de todo<br />

tipo desapareçam maravilhosamente pela ação d’Ela.<br />

Sabemos que as moléstias físicas curadas por Nosso<br />

Senhor, como narra o Evangelho, simbolizam enfermidades<br />

morais. Assim como há cegueira ou paralisia no<br />

corpo, existem as das almas. E segundo os comentaristas<br />

da Sagrada Escritura, o Redentor curava os corpos para<br />

atestar seu poder de operar curas morais.<br />

Quiçá alguns de nós terão um estado de alma simbolizado<br />

pelos cegos, surdos, mudos, paralíticos, epilépticos<br />

e, infelizmente, até pelos leprosos. Peçamos, pois, a Nossa<br />

Senhora, pela intercessão de Santa Bernadete Soubirous,<br />

que nos cure de tudo isso e nos obtenha a graça de<br />

ficarmos com a alma verdadeiramente renovada e pura,<br />

semelhante à d’Ela.<br />

<br />

31


LUZES DA CIVILIZAÇÃO CRISTÃ<br />

Cortesia<br />

filha da caridade<br />

32


S. Hollmann<br />

“A rendição de<br />

Breda” - Museu do<br />

Prado, Madrid<br />

Um dos célebres quadros<br />

de Velásquez, pintor espanhol,<br />

representa a rendição<br />

de Breda, nos Países Baixos.<br />

Quando menino, ao entrar numa<br />

loja de estampas, deparei-me com<br />

uma gravura desta cena histórica, e<br />

logo me senti cativado. Depois de a<br />

contemplar por longo tempo, pensei:<br />

“Como gostaria de ter esse quadro,<br />

a fim de passar horas olhando-o e o<br />

admirando!”<br />

É, de fato, uma tela magnífica,<br />

não apenas por sua riqueza pictórica<br />

a qual demonstra de sobejo o talento<br />

do mestre, como também pela<br />

bela expressão de valores morais que<br />

ela retrata.<br />

Episódio superiormente imortalizado:<br />

o Marquês de Spinola, comandante<br />

das tropas de Felipe II, recebe<br />

das mãos de Justino de Nassau, defensor<br />

de Breda, as chaves da cidade,<br />

que capitula depois de uma resistência<br />

intrépida.<br />

O general do Rei Católico está revestido<br />

de uma imponente armadura<br />

sobre a qual uma gola com rendas<br />

dá uma nota de amenidade, realçada<br />

ainda pela grande faixa própria ao<br />

comandante-chefe. Em sua mão esquerda<br />

nota-se o bastão do marechalato.<br />

Justino de Nassau se apresenta<br />

em um rico traje, e também usa gola<br />

e punhos de renda.<br />

A cena se passa no campo, e num<br />

ambiente estritamente bélico, no<br />

qual figuram tropas de armas na<br />

mão. Tudo não obstante, o encontro<br />

tem uma nota de distinção e afabili-<br />

33


LUZES DA CIVILIZAÇÃO CRISTÃ<br />

dade que lembra uma cena de salão.<br />

Justino de Nassau, tendo sido derrotado,<br />

apresenta-se de chapéu na<br />

mão, e entrega as chaves curvandose<br />

ligeiramente. Spinola, por respeito<br />

para com o valoroso vencido, está<br />

também com a cabeça descoberta.<br />

Atrás dele, os hidalgos de seu séquito<br />

o imitam.<br />

Vê-se que o chefe vencedor, ao<br />

mesmo tempo que se inclina levemente,<br />

contém com o braço a reverência<br />

do gentil-homem flamengo,<br />

e o seu semblante é impregnado de<br />

simpatia e consideração. Percebe-se<br />

que ele felicita o adversário pelo brilho<br />

da resistência, amenizando assim<br />

cavalheirescamente o que o ato de<br />

rendição tem de amargo para o vencido.<br />

Toda uma doutrina de cortesia,<br />

toda uma tradição de nobreza de alma<br />

se exprime nos pormenores discretos<br />

mas eloqüentes deste quadro<br />

admirável. Elevação de alma, decorrente<br />

da fé, cortesia nascida da caridade,<br />

que faziam rutilar valores espirituais<br />

inestimáveis, num ato que em<br />

si mesmo é inevitavelmente rude e<br />

humilhante, como toda rendição 1 .<br />

E não será sem interesse considerar,<br />

ainda, que a faixa meio cor-derosa,<br />

meio lilás, ornando a couraça<br />

do general espanhol era uma lembrança<br />

da mortalha, pois os chefes<br />

militares daquela época partiam para<br />

o combate tendo em vista a possibilidade<br />

de morrerem, sacrificando<br />

a própria vida pela causa de sua pátria.<br />

Então, esse homem que se apresenta<br />

para o momento no qual sua<br />

coragem e sua vitória serão reconhecidas,<br />

conserva cingido o símbolo<br />

de sua mortalha. Ele não estremece<br />

nem hesita, e se mantém numa<br />

posição ao mesmo tempo de triunfo<br />

e bondade que, a meu ver, não alcançaria<br />

sem uma particular ação da<br />

graça. Pois atitudes como essa só são<br />

possíveis dentro do âmbito sobrenatural<br />

que confere luz e esplendor à<br />

Civilização Cristã.<br />

<br />

1<br />

) Cf. Catolicismo, novembro de 1956.<br />

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Toda uma doutrina de<br />

cortesia, toda uma<br />

tradição de nobreza<br />

de alma se exprime nos<br />

pormenores eloqüentes<br />

desta admirável pintura<br />

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Rainha do Conselho<br />

Afresco da Mãe do<br />

Bom Conselho -<br />

Santuário de<br />

Genazzano, Itália<br />

T. Ring<br />

Nossa Senhora foi o oráculo vivo que São Pedro consultou nas suas principais dificuldades, a estrela que<br />

São Paulo não cessou de olhar para se dirigir em suas numerosas e perigosas navegações — afirma um<br />

piedoso autor a propósito das relações de Maria com a pregação da Igreja nascente. Esse papel inspirador<br />

da Virgem Santíssima nos sugere cenas de rara beleza. Por exemplo, Ela tendo a seu lado São Pedro, São Paulo<br />

ou São João Evangelista, explicando, interpretando e os ajudando a compreender os fatos da vida de Nosso Senhor,<br />

realçando este ou aquele episódio, espargindo assim o aroma do bom espírito que perfumava a Igreja inteira. Não<br />

sem razão, portanto, se A exalta no Cantus Marialis como a Rainha da prudência e do conselho, vaso de eleição,<br />

de ortodoxia, sabedoria e santidade.

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