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Em defesa<br />
da Igreja
T. Ring<br />
D<br />
e bandido a religioso,<br />
de filho pródigo<br />
a servo eleito de Nossa<br />
Senhora, São Pedro Armengol<br />
é um dos mais belos exemplos<br />
de confiança no insondável<br />
amparo de Maria Santíssima.<br />
Pendurado na forca que o<br />
deveria ter matado, sobreviveu<br />
graças ao milagre alcançado<br />
pela Patrona de sua Ordem, e<br />
enquanto a corda lhe estreitava<br />
o pescoço, manteve sempre<br />
a calma admirável de quem se<br />
sabia objeto daquele maternal<br />
e misericordioso socorro.<br />
Assim devemos ser nós nas<br />
dificuldades de nossa vida, a<br />
exemplo de São Pedro Armengol:<br />
por maiores que sejam os<br />
problemas, ainda que estejamos<br />
como um enforcado suspenso<br />
no ar, diante dos obstáculos<br />
mais impossíveis ou das<br />
dores mais terríveis, jamais<br />
duvidemos do auxílio de Nossa<br />
Senhora. N’Ela depositemos<br />
toda a nossa confiança, na<br />
calma e na paz de espírito, sabendo<br />
que a Virgem Santíssima<br />
tudo resolverá.<br />
São Pedro Armengol -<br />
Catedral de Lima, Peru<br />
2
Sumário<br />
<br />
<br />
Na capa, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
na época em que<br />
saíram as primeiras<br />
edições de seu<br />
livro “Revolução e<br />
Contra-Revolução”<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />
propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />
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EDITORIAL<br />
4 Ao “doce Cristo na Terra”<br />
DATAS NA VIDA DE UM CRUZADO<br />
5 7 de abril de 1929:<br />
Congregado Mariano de Santa Cecília<br />
DONA LUCILIA<br />
6 Uma surpresa e um<br />
encanto de alma<br />
DR. PLINIO COMENTA...<br />
10 “E Tu, Senhor,<br />
permanecerás para sempre”<br />
14 Calendário litúrgico<br />
A SOCIEDADE, ANALISADA POR DR. PLINIO<br />
18 A supressão dos trajes: um<br />
atentado à beleza<br />
O PENSAMENTO FILOSÓFICO DE DR. PLINIO<br />
22 Inocência e as noções<br />
primárias do ser<br />
O SANTO DO MÊS<br />
26 Santa Bernadete<br />
Soubirous: a virtude atesta o milagre<br />
LUZES DA CIVILIZAÇÃO CRISTÃ<br />
32 Cortesia filha da caridade<br />
ÚLTIMA PÁGINA<br />
36 Rainha do Conselho<br />
3
Editorial<br />
Ao “doce Cristo na Terra”<br />
Em abril de 1959 <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> publica o seu livro “Revolução e Contra-Revolução”, síntese de<br />
uma longa análise da História e de uma série de reflexões a respeito dos males que vêm se<br />
abatendo sobre o homem ocidental há mais de cinco séculos. Tais pensamentos começaram<br />
a se formar em seu espírito já nos primeiros encontros que travou com o mundo, nos recreios do Colégio<br />
São Luís, conforme ele mesmo descreveu:<br />
“Fiquei atordoado ao me ver cercado de barulheira, algazarra, de gente pulando, se empurrando, contando<br />
certo tipo de piadas e tudo o mais. Alunos davam rasteira em outros, ou faziam pior, como um conhecido<br />
meu que, logo de início, atirou-me uma pedra, gritando: ‘Você está arranjado demais!’. Não tomei<br />
parte nas diversões do recreio. Em vez disso, comecei a prestar atenção no ambiente, em tudo diferente<br />
daquele com o qual eu estava habituado. Eu me senti um corpo estranho, malvisto, mal compreendido.<br />
“Com o correr dos dias, à medida que fui conhecendo melhor o colégio, essa diversidade se tornava<br />
mais patente, e me levava a entender também a completa oposição entre os padres e alguns meninos:<br />
aqueles ensinavam um modo de proceder e esses colegas faziam o contrário. Embora eu não soubesse<br />
ainda explicar, percebi que aquele mundo obedecia a certas regras não escritas, e pensei comigo: ‘Quando<br />
eu conhecer essas regras, farei as minhas — estas, sim, escritas — e eles acabarão vendo como dois mais<br />
dois dá quatro’. Passei a observar melhor as atitudes e episódios durante os recreios, e comecei a fazer estudos,<br />
elucubrações, quieto, silencioso, para não despertar a atenção de ninguém. Com meus 11 ou 12<br />
anos, eu traçava assim as primeiras letras de um livro chamado Revolução e Contra-Revolução...”<br />
Durante 4 décadas <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> aprofundaria aquelas observações e reflexões iniciais, até consolidálas<br />
nas idéias-mestras que compõem o seu magistral ensaio, cujo conteúdo, no dizer do célebre canonista<br />
espanhol, Pe. Anastasio Gutiérrez, CMF, “deveria ser ensinado nos centros superiores da Igreja,<br />
e difundido até fazê-lo penetrar na consciência de todos os que se sintam verdadeiramente católicos”.<br />
Fazendo eco às palavras do ilustre sacerdote cordimariano, podemos afirmar que, escrito em 1959,<br />
Revolução e Contra-Revolução conserva toda a sua atualidade, deitando luz para a compreensão da<br />
lamentável decadência moral que atinge o mundo contemporâneo. E tanto mais atual quanto se alicerça<br />
na perene e inerrante doutrina emanada da Cátedra de Pedro, e numa confiança inabalável no<br />
amparo de Maria Santíssima:<br />
“A mediação universal e onipotente da Mãe de Deus é a maior razão de esperança dos contra-revolucionários.<br />
E em Fátima Ela já lhes deu a certeza da vitória, quando anunciou que .... ‘por fim seu Imaculado<br />
Coração triunfará’. Aceite a Virgem, pois, esta homenagem filial, tributo de amor e expressão de<br />
confiança absoluta em seu triunfo.<br />
“Não quereríamos dar por encerrado o presente [livro], sem um preito de filial devotamento e obediência<br />
irrestrita ao ‘doce Cristo na Terra’, coluna e fundamento infalível da Verdade, Sua Santidade o Papa<br />
João XXIII.<br />
“Ubi Ecclesia ibi Christus, ubi Petrus ibi Ecclesia. É, pois, para o Santo Padre que se volta todo o<br />
nosso amor, todo o nosso entusiasmo, toda a nossa dedicação. Sobre cada uma das teses que constituem<br />
[esta obra], não temos em nosso coração a menor dúvida. Sujeitamo-las todas, porém, irrestritamente ao<br />
juízo do Vigário de Jesus Cristo, dispostos a renunciar de pronto a qualquer delas, desde que se distancie,<br />
ainda que de leve, do ensinamento da Santa Igreja, nossa Mãe, Arca da Salvação e Porta do Céu.”<br />
DECLARAÇÃO: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />
de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />
na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />
outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />
4
DATAS NA VIDA DE UM CRUZADO<br />
7 de abril de 1929<br />
Congregado Mariano de Santa Cecília<br />
N<br />
essa data, o então noviço <strong>Plinio</strong> Corrêa<br />
de Oliveira era recebido como<br />
membro pleno da Congregação Mariana<br />
de Santa Cecília, na qual ingressara pouco<br />
depois de participar do Congresso da Mocidade<br />
Católica, em setembro do ano anterior.<br />
Para ele, representava não apenas um passo<br />
decisivo na sua entrega fervorosa ao serviço da<br />
Igreja, como também o corajoso triunfo sobre os<br />
preconceitos vigentes naquela época — notadamente<br />
no seu âmbito social — contra a prática<br />
da religião por parte de um jovem. Assim descreveu<br />
ele, certa feita, esse importante momento<br />
de sua gesta católica:<br />
Pertencentes a essas altas camadas da sociedade,<br />
as pessoas de meu círculo de relações também<br />
ignoravam tudo a respeito da progressiva influência<br />
da Igreja sobre a juventude da minha época.<br />
Eu mesmo, antes de participar do Congresso da<br />
Mocidade Católica, nunca tivera notícia da existência<br />
de rapazes fervorosamente católicos na cidade<br />
onde eu havia nascido.<br />
Quando as pessoas de meu meio viram emergir<br />
do chão um vigoroso movimento de jovens católicos,<br />
pouco noticiado pelos jornais, mas do<br />
qual eu lhes dava conhecimento em nossas conversas,<br />
ficavam espantadas. Cientes de minha retidão<br />
moral, essas pessoas se davam conta da veracidade<br />
de tudo o que eu lhes narrava, entendiam<br />
bem o significado dos termos “moços católicos”,<br />
e compreendiam que a era das mentiras<br />
havia terminado.<br />
Minha nova conduta e atividades eram notadas,<br />
sobretudo, não tanto por meus parentes — os<br />
quais, afinal, tinham comigo a intimidade da vida<br />
de família — mas pelos conhecidos, colegas de<br />
faculdade, amigos de escola ou do tempo do Colégio<br />
São Luís. Estes, por exemplo, surpresos me<br />
viam entrar na igreja de Santa Cecília junto com<br />
os congregados marianos que, com raras exceções,<br />
pertenciam em geral a classes mais modestas. Eu<br />
com o distintivo, uma fita azul, cantando no meio<br />
dos congregados, dirigindo-me aos bancos reservados<br />
a eles, percorrendo as estações da Via-Sacra<br />
nas laterais do templo ou rezando o Rosário<br />
no meu tercinho de porcelana.<br />
Atitudes dessas tornaram notório em pouco<br />
tempo, para a sociedade de São Paulo, que eu tinha<br />
mudado completamente de vida e me encontrava<br />
encaixado em outro ambiente... <br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> (também no destaque) junto com seus<br />
companheiros da Congregação Mariana de Santa Cecília:<br />
“Estava encaixado em outro ambiente...”<br />
5
DONA LUCILIA<br />
Uma surpresa e um<br />
encanto de alma<br />
Conforme pudemos verificar<br />
pela narração da história de<br />
Dª Lucilia, durante sua longa<br />
existência permaneceu ela quase<br />
sempre recolhida na respeitável atmosfera<br />
do lar, como fiel cumpridora<br />
dos deveres de uma dona-de-casa<br />
católica fervorosa.<br />
Com seu filho se dava exatamente<br />
o contrário. Por exigências de suas<br />
numerosas atividades apostólicas e<br />
profissionais, ele era obrigado a permanecer<br />
muito pouco tempo em seu<br />
ambiente familiar. Mas, com a doença,<br />
viu-se forçado a passar cinco meses<br />
convalescendo entre as paredes<br />
de seu apartamento.<br />
Logo começou a receber um inusitado<br />
número de visitas de admiradores<br />
e amigos, e assim, seu estado<br />
de saúde acabou por proporcionar<br />
muitos encontros fortuitos com Dª<br />
Lucilia de pessoas até então alheias<br />
às relações dela.<br />
Conhecida e admirada<br />
Naquele findar de 1967 e primeiros<br />
meses de 1968, esses visitantes<br />
que passaram a freqüentar a casa de<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> tiveram oportunidade de<br />
observar o invariável modo de proceder<br />
de Dª Lucilia, resultante não<br />
só da fidelidade a hábitos de outrora,<br />
mas sobretudo do cultivo das virtudes<br />
cristãs em sua alma tão amante<br />
da Fé e das tradições.<br />
Muitos anos depois, em carta a<br />
um matutino paulista, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> relatava<br />
sucintamente o maravilhamento<br />
daqueles que então foram objeto<br />
da gentil e encantadora acolhida<br />
de sua mãe:<br />
Como é notório, até o ano de 1967<br />
constituíram compartimentos inteiramente<br />
estanques meu lar, onde vivia<br />
na suave dignidade da vida privada a<br />
tradicional dama paulista da qual me<br />
honro de ter nascido — e de outro lado<br />
os meus valorosos companheiros<br />
de ação pública. A tal ponto, que apenas<br />
uma meia dúzia deles freqüentava<br />
minha casa, e para todos os demais<br />
minha Mãe era uma desconhecida, ou<br />
quase tanto.<br />
No ano de 1967, adoeci com sério<br />
risco de vida, e minha residência se encheu<br />
naturalmente de amigos. Profundamente<br />
aflita, a todos recebia minha<br />
Mãe, já então com a avançada idade<br />
de 92 anos. Nesse difícil transe ela<br />
lhes dispensava uma acolhida na qual<br />
transpareciam seu afeto materno, sua<br />
resignação cristã, sua ilimitada bondade<br />
de coração e a encantadora gentileza<br />
dos velhos tempos da São Paulo<br />
de outrora. Para todos foi uma surpresa<br />
e, explicavelmente, também um encanto<br />
de alma. Durou assim este convívio<br />
por longos meses.<br />
O abalo físico sofrido por <strong>Dr</strong>.<br />
<strong>Plinio</strong> deu azo, portanto, a que Dª<br />
Lucilia fosse conhecida mais de perto<br />
e, por que não dizê-lo, admirada.<br />
As incontáveis facetas morais da<br />
mãe ideal ali estavam ao alcance da<br />
observação de todos, convidando-os<br />
a fazer parte daqueles “mil filhos”<br />
pelos quais seu coração transbordante<br />
de benevolência anelava.<br />
Trato ameno e todo<br />
feito de bondade<br />
Quem teve a felicidade de freqüentar<br />
aquele apartamento, convivendo<br />
com Dª Lucilia nos últimos<br />
meses de sua existência terrena, bem<br />
pôde avaliar o alto grau de consideração,<br />
gentileza e estima inerentes<br />
a seu nobre trato, mesmo em suas<br />
mais simples expressões. De índole<br />
respeitosa e afetiva, era ela mestra<br />
na difícil arte de se dirigir aos outros<br />
com afável dignidade, de modo<br />
a deixá-los sempre à vontade.<br />
Por um muito apreciável dom de<br />
causerie, que ela herdara e requintara,<br />
ao qual se acrescia um suave savoir-faire<br />
1 , se tornava muito agradável<br />
àqueles que a ouviam. Entretanto,<br />
por trás destas excelentes qualidades<br />
estava uma virtude mais alta: a<br />
disposição de ouvir, com incansável<br />
paciência, tudo o que os outros lhe<br />
quisessem expor, procurando sempre<br />
os lados bons dos fatos narrados<br />
e, mais especialmente, os de seus interlocutores.<br />
Por um sobrenatural senso de<br />
compaixão, causava-lhe profundo<br />
sofrimento ver alguém entristecido<br />
ou magoado, ainda que se tratasse<br />
de um desconhecido. E era admirável<br />
o esmero com que logo procurava<br />
aplicar o lenitivo da palavra justa,<br />
da fórmula adequada, do bom con-<br />
6
“Dispensava-lhes uma<br />
acolhida na qual<br />
transpareciam seu afeto<br />
materno, sua resignação<br />
cristã, sua ilimitada<br />
bondade de coração e a<br />
encantadora gentileza<br />
dos velhos tempos da São<br />
Paulo de outrora.”<br />
Dona Lucilia<br />
aos 91 anos
DONA LUCILIA<br />
selho para a difícil situação, do afago<br />
para a dor, da esmola para a necessidade.<br />
Para Dª Lucilia, a felicidade<br />
do próximo era a dela... Sua alma se<br />
movia pelo desejo de causar contentamento<br />
a cada um, e daí seu grande<br />
pesar quando não podia fazê-lo. Era<br />
o afeto de um coração total e essencialmente<br />
católico. Sua alegria de alma<br />
consistia em querer bem aos outros<br />
por amor de Deus, e ser por eles<br />
querida. Porém, quando sua benquerença<br />
não era correspondida, jamais<br />
cedia ao menor sentimento de rancor,<br />
pois não visava qualquer benefício<br />
pessoal ou vantagem própria nesse<br />
relacionamento.<br />
Destas belas características de<br />
trato, são testemunhas várias pessoas<br />
que estiveram com Dª Lucilia naquelas<br />
tardes de seus últimos cinco<br />
meses de vida. Foram elas objeto<br />
de uma afabilidade que vinha invariavelmente<br />
acompanhada de simpatia<br />
benévola e obsequiosa. A todos<br />
encantava sua propensão contínua<br />
de agradar a seu interlocutor e<br />
fazer-lhe bem de todos os modos.<br />
Novos hábitos rompem<br />
a antiga rotina da<br />
casa de Dª Lucilia<br />
Habituada de há muito a um isolamento<br />
diário e prolongado, em que<br />
nada vinha romper sua rotina, Dª<br />
Lucilia passou, de repente, a ouvir<br />
em sua casa sons, vozes, passos que<br />
não lhe eram familiares. Seu telefone,<br />
antes mais bem silencioso, começou<br />
a soar repetidas vezes ao longo<br />
do dia. Igualmente a campainha da<br />
porta de entrada daí em diante se fez<br />
ouvir com maior freqüência...<br />
As circunstâncias da longa convalescença<br />
de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> tornaram indispensável<br />
estabelecer um plantão<br />
que, com certa diplomacia, cuidasse<br />
dos eventuais problemas que fossem<br />
surgindo. Era um verdadeiro sistema<br />
de relações públicas, o que Dª Lucilia<br />
em sua avançada idade jamais poderia<br />
imaginar. Por isso, sentiu-se<br />
na obrigação de se interessar diretamente<br />
pelo que se passava.<br />
— Quem tocou a campainha? —<br />
perguntava à empregada.<br />
— É um amigo de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>.<br />
— Faça-o entrar.<br />
Aquele invariável “faça-o entrar”<br />
se evolava de seus lábios tão impregnado<br />
de serenidade e gravidade, doçura<br />
e dignidade, que o visitante se<br />
sentia irresistivelmente atraído.<br />
Em outras ocasiões, ao ser avisada<br />
por Mirene, que então a servia,<br />
de que mais um senhor acabava de<br />
chegar a fim de visitar seu filho, Dª<br />
Lucilia dizia:<br />
— Você lhe explicou que <strong>Dr</strong>.<br />
<strong>Plinio</strong> está repousando?<br />
— Não, porque outra pessoa o<br />
atendeu à porta, e ele entrou diretamente<br />
no escritório. Parece que <strong>Dr</strong>.<br />
<strong>Plinio</strong> já o estava esperando.<br />
— Mas você não sabe o nome dele?<br />
— Não, mas já o vi outras vezes.<br />
— Seria bom você ir preparando<br />
um lanche para lhe servir.<br />
— Acho que a visita é rápida —<br />
dizia a empregada, visivelmente desejosa<br />
de escapar das obrigações impostas<br />
pelas antigas maneiras vividas<br />
por Dª Lucilia.<br />
As épocas haviam mudado, e com<br />
elas as normas da boa acolhida. Porém,<br />
não seria a suposição de uma<br />
simples servente que, de maneira fácil,<br />
convenceria Dª Lucilia, demovendo-a<br />
de seus tradicionais e entranhados<br />
hábitos.<br />
Um inolvidável convite,<br />
a que se seguiram outros<br />
Logo ao iniciar-se a convalescença<br />
de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, um de seus jovens discípulos<br />
teve a felicidade de ser escolhido<br />
para cuidar do plantão estabelecido<br />
no “1º Andar”. Um dia, acabara<br />
ele de atender a uma chamada<br />
telefônica, quando ouviu, vindo da<br />
sala de jantar, o som de uma sineta.<br />
Pouco depois lhe chegavam os ecos<br />
de um pequeno diálogo entre Dª Lucilia<br />
e a empregada:<br />
— Pois não, a senhora me chamou?<br />
— Quem telefonou?<br />
— Não sei, Dª Lucilia. Foi um senhor<br />
que atendeu.<br />
— Quem é esse senhor?<br />
— Não sei. Parece que ele veio visitar<br />
o <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>.<br />
— Vá preparando um chá para esse<br />
senhor e para mim, pois vou convidá-lo<br />
a estar em minha companhia<br />
até o <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> despertar.<br />
Tendo-se retirado a empregada,<br />
Dª Lucilia continuou suas orações.<br />
Era compreensível que, sendo dona<br />
da casa e dotada de profundo senso<br />
de responsabilidade, se sentisse na<br />
obrigação de fazer sala aos que visitavam<br />
seu filho.<br />
Algum tempo depois, voltou a soar<br />
a sineta e a empregada, ao assomar<br />
à porta, ouviu de Dª Lucilia:<br />
— Você quer dizer a esse senhor<br />
que faça o favor de entrar?<br />
Logo que ele se apresentou, Dª<br />
Lucilia o cumprimentou de maneira<br />
acolhedora, e assim introduziu a<br />
conversa:<br />
— O senhor certamente está esperando<br />
o <strong>Plinio</strong>, não é? Eu queria<br />
dizer ao senhor o seguinte: ele tem<br />
uns amigos que o estimam muito e,<br />
às vezes, convidam-no para passarem<br />
juntos alguns dias numa fazenda,<br />
perto de Amparo. E o senhor sabe?<br />
Estando ali, o <strong>Plinio</strong> andava por<br />
um terreno irregular e muito pedregoso,<br />
quando torceu o pé. Ele foi socorrido<br />
pelos amigos, mas os médicos<br />
que depois o examinaram recomendaram-lhe<br />
muito descanso...<br />
Após essa explicação, Dª Lucilia,<br />
com sua arte de colocar o visitante<br />
inteiramente à vontade, prosseguiu:<br />
— Por esse motivo, o <strong>Plinio</strong> vai<br />
demorar ainda um pouco para atendê-lo,<br />
de maneira que o senhor vai<br />
ter de esperar mais do que imagi-<br />
8
A mesa posta para o chá da tarde, no “1º Andar”: todos os dias, o<br />
delicado e acolhedor convite para fazer companhia a Dona Lucilia<br />
nava... Mas o senhor, enquanto o<br />
aguarda, vai me dar o prazer de sua<br />
companhia. O senhor aceitaria tomar<br />
chá?<br />
— Por favor, a senhora não se deve<br />
preocupar!<br />
— Talvez o senhor não goste de<br />
chá e prefira café com leite, ou alguma<br />
outra coisa...<br />
Não foi possível ao jovem recusar.<br />
Dona Lucilia tocou então a sineta e<br />
ordenou à empregada que trouxesse<br />
chá e biscoitos.<br />
Esta cena — evocativa da antiga<br />
douceur de vivre — doravante irá repetir-se<br />
todos os dias. Dona Lucilia<br />
empregará, de cada vez, aquele seu<br />
invariável e delicado modo de acolher.<br />
Parecia que os biscoitos<br />
provinham do Paraíso...<br />
Antes mesmo de a empregada pôr<br />
a mesa, Dª Lucilia convidava o interlocutor<br />
a se acomodar:<br />
— Por favor, sente-se onde for<br />
mais de seu agrado.<br />
Em geral, depois de explicar por<br />
que seu filho demoraria em atender,<br />
ela prosseguia a conversa relatando<br />
a origem dos excelentes biscoitos<br />
que desejava oferecer ao visitante.<br />
— O senhor sabe? Todas as quintas-feiras<br />
meu sobrinho vai a Campinas.<br />
E, certa vez, retornando de lá,<br />
teve a gentileza de me trazer uns biscoitos.<br />
Ao agradecer, eu disse que os<br />
tinha achado muito saborosos e que<br />
ficara contente com o gesto dele. Depois<br />
disso, ele sempre me traz uma<br />
quantidade suficiente para a semana<br />
inteira. O senhor vai gostar muito<br />
deles porque são realmente deliciosos.<br />
A maneira como contava este pequeno<br />
episódio da vida doméstica<br />
envolvia o interlocutor numa atmosfera<br />
de maravilhoso, por onde se tinha<br />
a impressão de que a farinha do<br />
biscoito viera do Paraíso e fora moída<br />
pelos Anjos... Era de notar o desapego<br />
com que ela oferecia os<br />
biscoitos: sem egoísmos nem receio<br />
de que pudessem vir a faltar-lhe.<br />
Conduzia a conversa com<br />
uma singela e encantadora gentileza.<br />
Do cimo de seus 91 anos,<br />
não procurava falar de si mesma,<br />
de suas dificuldades passadas ou<br />
presentes. Havia um certo momento<br />
em que ela fazia uma sugestiva<br />
pausa, muito nobre, muito<br />
distinta, dando oportunidade<br />
à pessoa que diante dela se encontrava<br />
de levantar algum tema,<br />
pois estava sempre disposta<br />
a conversar a respeito do que<br />
o outro quisesse. Era uma excelente<br />
ocasião para se apreciar o<br />
modo harmonioso com que ela<br />
abordava os assuntos. Fazia-o de<br />
maneira a atender, acima de tudo,<br />
aos legítimos anseios do visitante.<br />
Naquelas ditosas e inesquecíveis<br />
conversas com Dª Lucilia,<br />
era freqüente o visitante perguntar-lhe<br />
algo a respeito de seus filhos,<br />
pelo extremo gosto de ouvi-la discorrer<br />
sobre acontecimentos da vida familiar.<br />
Tema, aliás, não lhe fosse proposto,<br />
ela jamais tomaria a iniciativa<br />
de sequer insinuar.<br />
Saudosos meses aqueles, durante<br />
os quais foi possível conhecer um<br />
bom número de fatos da longa existência<br />
de Dª Lucilia, narrados diretamente<br />
por ela. O que mais atraía<br />
o interlocutor eram os detalhes da<br />
infância dos filhos dela, pois permitiam<br />
aquilatar o grande esmero que<br />
ela pusera em os educar e formar. <br />
(Transcrito, com adaptações, da obra<br />
“Dona Lucilia”, de João Clá Dias<br />
1) Literalmente “saber fazer”. Expressão<br />
com que o espírito francês designa<br />
a habilidade, freqüentemente unida<br />
à astúcia, para obter bom resultado<br />
naquilo que se faz.<br />
9
DR. PLINIO COMENTA...<br />
“E Tu, Senhor,<br />
permanecerás<br />
para sempre”<br />
Ao encerrar suas reflexões sobre o Salmo 101, traça <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> eloqüente<br />
paralelo entre as promessas contidas no texto sagrado e uma<br />
futura renovação da face da Terra, sob o misericordioso reinado do Imaculado<br />
Coração de Maria.<br />
Depois de evocar a conversão do povo judeu<br />
e se referir a um tempo de ventura que, por<br />
analogia, pensamos ser a época marial prevista<br />
por São Luís Grignion de Montfort, o Salmista prossegue<br />
em sua manifestação de arrependimento e contrição,<br />
exaltando a misericórdia e a grandeza de Deus.<br />
O simbolismo do nome<br />
Então diz:<br />
E as nações temerão o teu nome, Senhor, e todos os reis<br />
da terra respeitarão a tua glória.<br />
Em muitas de suas orações, a Igreja exalta o nome do<br />
Criador, como, por exemplo, após a Bênção do Santíssimo<br />
Sacramento: “Benedictum nomem sanctum eius —<br />
bendito seja seu santo nome”. E também se bendiz o nome<br />
de Jesus, do Espírito Santo, de Maria, etc.<br />
Há toda uma filosofia do nome, sobre a qual não<br />
trataria no momento, que mostra ser ele o símbolo do<br />
indivíduo, e reciprocamente este último se identifica<br />
com seu nome. E o verdadeiro nome do homem é o<br />
que ele simboliza. Assim, um guerreiro indômito pode<br />
passar a se chamar Leão. Isso sucedeu com um personagem<br />
medieval, cuja alcunha é uma das mais belas<br />
daquela época: Ricardo Coração de Leão. Embora<br />
não fosse modelo de piedade e virtude, ele lutou<br />
com tanta coragem que mereceu ser comparado ao temido<br />
rei dos animais. O símbolo tornou-se o nome do<br />
homem.<br />
A Europa antiga, Sião do universo<br />
Porque o Senhor edificou Sião e será visto na sua glória.<br />
Não foram os judeus que edificaram Sião, isto é, Jerusalém.<br />
Eles apenas empregaram suas mãos como instrumentos<br />
de Deus. E o Criador cobriu de glória aquela cidade,<br />
a qual, pela sua beleza, é um símbolo da Civilização<br />
Cristã.<br />
Durante muito tempo a Europa foi a Sião do universo,<br />
a cidade construída por Deus através dos homens, cuja<br />
glória lhe conferiu um lúmen, um esplendor, uma primazia<br />
que fizeram dela o continente de Jesus Cristo.<br />
Atendeu a oração dos humildes e não desprezou a sua<br />
prece.<br />
10
Christus Rex Inc.<br />
O Rei David<br />
em oração -<br />
Iluminura das<br />
“Ricas Horas<br />
do Duque<br />
de Berry”<br />
Nessa linha de comparação, poderíamos perguntar<br />
por que Sião, ou seja, a Europa, chegou a esse ponto de<br />
magnificência? Por que engendrou muitos batalhadores,<br />
intelectuais, homens de Estado que souberam dirigir os<br />
assuntos públicos?<br />
Secundariamente, sim, mas a razão principal foi que<br />
Deus atendeu as preces dos corações arrependidos, e<br />
lhes concedeu uma abundância de graças que, correspondidas,<br />
resultaram nas incontáveis maravilhas da Cristandade.<br />
É o que se infere da recitação dos Salmos Penitenciais.<br />
Falam eles dos pecados cometidos por um homem, mas<br />
11
DR. PLINIO COMENTA...<br />
igualmente fazem vibrar o rugido de uma pessoa castigada<br />
por Deus, que lhe infligiu sua cólera santíssima e regeneradora.<br />
E, no auge de seu sofrimento, ele caiu em<br />
si, como o filho pródigo quando teve de comer as bolotas<br />
dos porcos, sentiu remorsos por suas culpas e disse:<br />
“Voltarei à casa de meu pai, pedir-lhe-ei perdão e que<br />
me aceite como escravo, pois já não mereço outra coisa”.<br />
Sabemos que ele recebeu mais do que teria se houvesse<br />
permanecido fiel.<br />
Durante séculos, a<br />
Europa foi a Sião do<br />
universo, construída por<br />
Deus através dos homens<br />
Estátua eqüestre de Ricardo<br />
Coração de Leão (Londres);<br />
Castelo de Mosental (Alemanha)<br />
E a face da Terra será renovada<br />
Sejam escritas essas coisas para a geração futura...<br />
Quer dizer, os homens se esquecem dessas verdades.<br />
Importa anotá-las para que as gerações futuras delas se<br />
lembrem. Somente quem se baseia num texto escrito<br />
preto sobre o branco — e não no mole e indeciso das lendas<br />
—, sabendo conservar o elo do presente com o passado,<br />
somente este ama a tradição e compreende o profundo<br />
sentido da História.<br />
Não basta, porém, escrever livros sobre os bons princípios.<br />
É preciso vivê-los. Do contrário, tais obras permanecerão<br />
dormindo nas bibliotecas.<br />
... e o povo que há de ser criado louvará o Senhor.<br />
Virão novos céus e novas terras. E Deus criará um povo<br />
novo, descendente de Adão e Eva, passando por nós,<br />
evidentemente. Será um povo novo porque possuirá o<br />
espírito e a mentalidade de Maria Santíssima, conforme<br />
explica São Luís de Montfort. Este povo renderá ao Criador<br />
uma glória e um louvor incomparáveis.<br />
Razão pela qual costumamos rezar antes de nossas<br />
reuniões: “Emitte Spiritum tuum et creabuntur, et renovabis<br />
faciem terrae” — Enviai vosso Espírito e tudo será<br />
criado, e renovareis a face da Terra”. No fundo de nos-<br />
V. Domingues e S. Hollmann
sas almas queremos dizer: “Ó Deus, nada se resolverá<br />
nem se arranjará enquanto não mandardes vosso espírito,<br />
e as coisas serão criadas, ou seja, os homens que faltam.<br />
Somos tão poucos, Senhor, e como contra-revolucionários,<br />
constituímos uma maravilha da obra de vossas<br />
mãos. Mas que maravilha pequena diante do monstro<br />
tremendo — a Revolução — que, com vossa permissão,<br />
vai esmagando tudo quanto tem vida. Que venham<br />
dos quatro cantos do mundo todos aqueles que desejam<br />
a derrota do Baal contemporâneo e a vitória da Igreja de<br />
Jesus Cristo.”<br />
E a face da Terra ficará renovada. De face rugosa e<br />
feia, com pele envelhecida por toda espécie de fumos e<br />
vícios, passará ela a ter o brilho da juventude. Será uma<br />
Terra nova, a Terra de Maria.<br />
“Eis vossa Mãe; vivei no<br />
Reino de Maria!”<br />
Porque olhou do alto do seu santuário: o Senhor olhou<br />
do Céu sobre a Terra.<br />
Também este versículo pode ser aplicado ao Reino de<br />
Maria.<br />
Do alto do seu santuário, ou seja, da glória celestial,<br />
Deus olhou com amor sobre a Terra. Isso nos remonta<br />
à criação do universo, quando Ele considerou cada uma<br />
de suas obras e constatou que eram boas, mas o conjunto<br />
melhor. E depois descansou. Assim também o Criador<br />
olhará sobre o Reino de Maria, notará que cada indivíduo<br />
será bom, e o conjunto ainda melhor.<br />
Imaginemos, por exemplo, um jogo cujo tabuleiro seja<br />
de mármore, as peças de bronze, de pedra preciosa ou<br />
qualquer outro metal de valor. Tudo isso é bonito. Entretanto,<br />
mais belo será o fato de as pedras estarem dispostas<br />
em ordem sobre o tabuleiro, pois então discerniremos<br />
o esplendor do conjunto. E se alguém nos explicar<br />
as regras do jogo, entenderemos a beleza do xadrez, inventado<br />
por um homem desconhecido mas genial.<br />
E ainda mais belo que o conjunto físico das peças é o<br />
plano, a idéia, a intenção. Assim, ao instituir o Reino de<br />
Maria, Deus tem um desígnio: manifestar o carinho e o<br />
afeto que devota à sua Mãe, e tributar uma glória Àquela<br />
que, sozinha, vale a criação inteira, excetuando a natureza<br />
humana de Nosso Senhor Jesus Cristo. Então, Ele restaura<br />
este mundo e o entrega a Maria: “Tomai conta de<br />
tudo isso que é vosso”. E, repetindo as palavras do Redentor<br />
no alto da Cruz, referindo-se a nós, acrescentará:<br />
“Eis vossos filhos”. E se dirigindo aos homens: “Eis vossa<br />
Mãe. Vivei no Reino de Maria!”<br />
A libertação dos que gemem<br />
sob a Revolução<br />
Para ouvir os gemidos dos encarcerados, para libertar os<br />
filhos dos condenados à morte.<br />
Considerando o mundo atual, Deus viu que os condenados<br />
à morte, ou seja, à ruína, ao Inferno, estavam gemendo.<br />
Porém, no meio deles havia justos; o Altíssimo os<br />
fitou também, e interveio na situação. Assim, tudo começou<br />
a reflorescer.<br />
Esses fiéis gemem no cárcere. E que prisão mais parecida<br />
com a descrita pelo Salmista do que o século revolucionário<br />
em que vivemos?<br />
Quanto mais nos é dada a possibilidade de usar veículos<br />
rápidos e seguros, tanto mais nos iludimos de que somos<br />
livres. Mas, na realidade, dentro deles o homem está<br />
num cárcere, pois se acha imerso numa civilização que<br />
não é cristã e da qual não se pode libertar, uma vez que<br />
ela se estabeleceu por toda parte. De uma ponta à outra<br />
do planeta, onde há homens, encontramos uma maioria<br />
entregue à Revolução.<br />
Isto é ou não um cárcere?<br />
Deus, portanto, olhará para seus filhos que O amam e<br />
perceberá o pranto deles, por se encontrarem nessa prisão.<br />
O Criador quebrará o cárcere e os libertará por meio<br />
13
DR. PLINIO COMENTA...<br />
de grande intervenção nos acontecimentos, dando início<br />
ao Reino de Maria.<br />
A fim de que anunciem em Sião o nome do Senhor, e o<br />
seu louvor em Jerusalém.<br />
Esse rompimento da cadeia tem uma superior finalidade.<br />
Deus não a executa para que os homens continuem a<br />
gozar a vida, como fazem hoje, e sim para que anunciem<br />
o nome do Senhor em Sião — quer dizer, na Terra Santa,<br />
que significa também a Igreja, estendida por todo o mundo.<br />
Esses justos deverão louvar o Criador por tê-los libertado<br />
do cárcere, que é a Revolução.<br />
Quando se juntarem os povos e os reis para servirem ao<br />
Senhor.<br />
E temos aqui uma bela definição desse Reino de Maria<br />
tão ansiado pelos homens fiéis: será a época em que<br />
os povos e os reis se unirão para servir a Deus.<br />
“Não me chames na metade<br />
dos meus dias...”<br />
Disse-lhe na expansão da sua força: manifesta-se o curto<br />
número dos meus dias.<br />
O salmista parece ter pressentimento de que sua morte<br />
não está distante, e compreende o efêmero da glória<br />
terrena, cuja duração não é ilimitada como nós quereríamos.<br />
Então pede a Deus que lhe imprima na alma essa<br />
noção: mesmo as coisas magníficas passam, como todas<br />
as demais nesta vida. Só Deus e o Céu são eternos. Eterno<br />
também é o Inferno.<br />
E a prece dele é esta: “Manifesta-me, ó Deus, o curto<br />
número dos meus dias. Faz-me ver como tudo nesse<br />
mundo é relativamente rápido.<br />
Não me chames na metade dos meus dias...<br />
Este versículo encerra particular beleza. Alguém poderia<br />
cogitar: “É possível, ó Deus, que eu, estando dentro<br />
do cárcere, ou seja, da Revolução, meditando sobre<br />
os vossos Salmos, tenha um vislumbre dos dias magníficos<br />
que virão. E, não sendo imprevidente, compreendo<br />
que posso pecar de novo e vossa cólera cair sobre mim,<br />
tirando-me a vida”. Então ele faz um pedido: “Não me<br />
chames na metade dos meus dias”.<br />
“Chamar” significa, evidentemente, arrebatar pela<br />
morte, e os “meus dias”, a minha vida. Portanto, tendo<br />
consciência de que pode tornar a pecar, ele pede a<br />
Deus que não o leve deste mundo na hora em que esteja<br />
pecando, pois isto seria como que lhe cortar seus<br />
dias pela metade. O pecador suplica a clemência divina:<br />
“Vós sois tão grande, poderoso, imenso, não tivestes<br />
início e não tereis fim! Vede quanto sou pequeno,<br />
minha vida é passageira e em mim tudo é tão fraco, Senhor!<br />
Não corteis minha vida pela metade, embora eu<br />
mereça. Tende pena da fraqueza do homem que Vós<br />
criastes!”<br />
Só Deus permanece eternamente<br />
... os teus anos se estendem de geração em geração.<br />
Para falar da eternidade de Deus, o Salmista emprega<br />
esta linda frase. Quer dizer, as gerações passam, só Ele é<br />
eterno e absoluto. Então, diante de tanta magnitude, o<br />
pecador poderia retomar a expressão camoniana: “Tende<br />
pena deste verme da terra tão pequeno”.<br />
“Todos eles perecerão com um<br />
vestido; Tu, porém, és<br />
sempre o mesmo e os teus<br />
anos não terão fim...”<br />
Ruínas de Cesaréia, na Terra Santa<br />
14
No princípio, Senhor, fundastes a Terra, e os Céus são<br />
a obra das tuas mãos. Eles perecerão, mas Tu permanecerás...<br />
A palavra “eles” se refere aos pecadores, que talvez<br />
pareçam muito importantes, mas morrerão. Somente<br />
Deus permanecerá para sempre.<br />
Essa verdade pode ser constatada em certos monumentos<br />
a grandes homens (ou que foram imaginados como<br />
tais pelos pequenos). Por exemplo, na bela Abadia<br />
de Westminster, em Londres, de estilo gótico, fizeram algo<br />
a meu ver de muito mau gosto: a fim de rememorar<br />
supostos grandes homens da Igreja anglicana, aplicaram<br />
nas suas paredes internas uma série de esculturas que representam<br />
esses personagens praticando determinado<br />
gesto, considerado o culminante de sua vida.<br />
Aquela série de figuras, dispostas de um lado e de outro,<br />
causam a impressão de agitação, de efêmero, de vazio.<br />
Bem acima dessas esculturas há lindas ogivas, fazendo-nos<br />
sentir tranqüilidade, e como que nos dizendo:<br />
“Os homens são esse amontoado de pedra; Tu, ó Deus,<br />
permanecerás eternamente!”<br />
Sérgio Patrício<br />
... todos eles envelhecerão como um vestido.<br />
Que linda comparação: “envelhecerão como um vestido”!<br />
Todos os trajes, por mais magníficos que sejam, envelhecem<br />
e se tornam trapos. Deus, porém, é o único perene<br />
e eterno.<br />
E como roupa os mudarás, e serão mudados.<br />
Quer dizer, Deus substitui os homens, instrumentos<br />
para sua ação, como se muda de roupa. Ele põe de lado<br />
um e escolhe outro para agir melhor. Quando alguém<br />
não corresponde à graça, ele muitas vezes o descarta —<br />
embora o conserve vivo — e elege outro. E este último<br />
surge com passos a ecoarem um bonito som, solene, nobre,<br />
marca a História, tudo se inclina diante dele. O novo<br />
escolhido prossegue sempre fiel na caminhada que Deus<br />
lhe indicou, até o dia em que sua alma sobe ao Céu. A<br />
existência humana, em sua trajetória, apresenta vários<br />
episódios como esse.<br />
Tu, porém, és sempre o mesmo, e os teus anos não terão<br />
fim.<br />
Sobre os católicos dos últimos tempos, pela sua fidelidade,<br />
poder-se-á dizer: “Vós sereis sempre os mesmos<br />
e vossos anos não terão fim, pois serão conduzidos<br />
ao Céu e ali não haverá mais mudança para vós,<br />
nem morte. Vivereis eternamente”. É o final da História.<br />
Servos fiéis a Deus e a Nossa Senhora<br />
Os filhos dos teus servos habitarão, e a sua posteridade<br />
será estável para sempre.<br />
Segundo algumas traduções, esses filhos “habitarão<br />
seguros em Jerusalém”.<br />
Mais uma vez, é interessante estabelecermos um paralelo<br />
entre a situação descrita pelo Salmista e a dos católicos<br />
em nossos dias. Assim, servos de Deus são os que<br />
se consagram ao serviço d’Ele, como o fazemos em nosso<br />
movimento. Somos servos do Altíssimo, e nos gloriamos<br />
de o sermos também de Maria.<br />
Além de servos, o Rei David fala em filhos. E na linha<br />
das analogias, nós somos também filhos de Nossa Senhora.<br />
São Luís Grignion de Montfort chega a falar da raça<br />
da Virgem. Evidentemente não no sentido físico da palavra,<br />
mas no de estirpe intelectual, moral, sobrenatural,<br />
nos mais altos e nobres significados que o termo comporte.<br />
Esses “habitarão”, quer dizer, vivendo nesta Terra,<br />
ainda que às vezes perseguidos e execrados, permanecerão<br />
fiéis a Deus.<br />
Com a alma posta na esperança de perseverarmos nessa<br />
fidelidade de filhos e servos de Nosso Senhor e de sua<br />
Mãe Santíssima, concluímos nossas considerações sobre<br />
o belo Salmo 101.<br />
<br />
15
CALENDÁRIO LITÚRGICO<br />
1. São Celso, Bispo, séc. XII.<br />
2. São Francisco de Paula, eremita,<br />
séc. XVI. Fundador da Ordem<br />
dos Eremitas de São Francisco<br />
de Assis, também conhecidos como<br />
os Mínimos.<br />
3. Domingo da Divina Misericórdia<br />
(e 2º da Páscoa). Festa estabelecida<br />
pelo Papa João Paulo II,<br />
em 1997, atendendo às revelações<br />
de Nosso Senhor a Santa Faustina<br />
Kowalska. Naquela ocasião, afirmou<br />
o Sumo Pontífice: “Dou graças<br />
à Divina Providência por ter podido<br />
contribuir pessoalmente para o<br />
cumprimento da vontade de Cristo,<br />
através da instituição [desta festa].<br />
Rezo incessantemente para que<br />
Deus tenha misericórdia de nós e<br />
do mundo inteiro”.<br />
4. Anunciação do Senhor. Transferida<br />
de 25 de março para esta data,<br />
pelo fato de aquele dia ter caído<br />
na Sexta-feira Santa.<br />
Santo Isidoro, Bispo e Doutor da<br />
Igreja, séc. VII. Sucedeu seu irmão,<br />
São Leandro, à frente da diocese de<br />
Sevilha, na Espanha.<br />
7. São João Batista de la Salle,<br />
Presbítero, séc. XVIII. Fundador<br />
da Congregação dos Irmãos das Escolas<br />
Cristãs.<br />
8. Santo Ágabo, séc. I. Discípulo<br />
de Jesus, mencionado nos Atos dos<br />
Apóstolos (11, 28).<br />
9. São Celestino I, Papa, séc. II.<br />
10. 3º Domingo da Páscoa.<br />
11. Santo Estanislau de Cracóvia,<br />
Bispo e Mártir, séc. XI. Foi assassinado<br />
pelo Rei Boleslau II, em<br />
frente ao altar, enquanto celebrava<br />
a Missa. O monarca, homem dissoluto<br />
e infiel, havia sido excomungado<br />
pelo santo prelado, e sobre este<br />
descarregou assim sua vingança.<br />
12. São José Moscati, sécs. XIX-<br />
XX. Médico italiano, incansável<br />
benfeitor dos pobres e zeloso apóstolo<br />
das almas, enquanto aliviava os<br />
sofrimentos corporais.<br />
13. São Martinho I, Papa e Mártir,<br />
séc. VII.<br />
14. São Júlio II, Papa, séc. IV.<br />
15. Beato Padre Damião de Veuster,<br />
Presbítero, séc. XIX. Sacerdote<br />
belga, da Congregação dos Missionários<br />
dos Sagrados Corações<br />
de Jesus e Maria, contraiu a lepra<br />
quando cuidava dos enfermos desta<br />
moléstia no Havaí, e da qual veio<br />
a falecer.<br />
16. Santa Bernadete Soubirous,<br />
Virgem, séc. XIX. Ver artigo na página<br />
26.<br />
17. 4º Domingo da Páscoa.<br />
18. São Perfeito, Presbítero e<br />
Mártir, séc. IX.<br />
19. São Leão IX, Papa, séc. XI.<br />
Empenhou-se na reforma do Clero,<br />
secundado pelo futuro pontífice<br />
São Gregório VII.<br />
5. São Vicente Ferrer, Presbítero,<br />
séc. XV. Grande pregador da Ordem<br />
dominicana, percorreu diversas cidades<br />
e regiões da Europa divulgando<br />
o Evangelho, estimulando nas almas<br />
a piedade e a mortificação, em busca<br />
da unidade na Igreja, então abalada<br />
pelo Cisma do Ocidente.<br />
6. São Pedro de Verona, Presbítero<br />
e Mártir, séc. XIII. Outro insigne<br />
discípulo de São Domingos,<br />
consagrou-se no combate às heresias<br />
de sua época, sendo assassinado<br />
durante uma de suas viagens.<br />
É igualmente conhecido como São<br />
Pedro Mártir.<br />
Santo Isidoro de Sevilha<br />
20. Beato Anastácio Pankiewicz,<br />
Mártir, séc. XX. Sacerdote da Ordem<br />
dos Frades Menores, foi morto<br />
quando o transferiam para o campo<br />
de concentração de Dachau, na<br />
Áustria.<br />
21. Santo Anselmo, Bispo e<br />
Doutor da Igreja, séc. XII. Monge<br />
beneditino e Arcebispo da<br />
Cantuária (Inglaterra), defendeu<br />
a Igreja na luta das investiduras,<br />
sendo exilado duas vezes.<br />
Seus escritos exerceram grande<br />
influência em sua época e lhe<br />
granjearam o título de “pai da<br />
Escolástica”.<br />
16
22. São Leônidas, Mártir, sécs.<br />
II-III.<br />
23. São Jorge, Mártir, sécs. III-<br />
IV. Soldado e tribuno do exército<br />
imperial romano, foi decapitado<br />
por se recusar a renegar a fé cristã.<br />
24. 5º Domingo da Páscoa.<br />
São Fidelis de Sigmaringa, Presbítero<br />
e Mártir, séc. XVII. Da Ordem<br />
dos Frades Menores, sofreu o<br />
martírio na porta da igreja de Seewis,<br />
na Suíça, aonde fora enviado<br />
para pregar contra os erros da heresia<br />
calvinista.<br />
25. São Marcos Evangelista, séc.<br />
I. Discípulo de São Pedro e autor<br />
do segundo Evangelho.<br />
26. Nossa Senhora do Bom Conselho<br />
de Genazzano.<br />
27. São Pedro Armengol, Religioso,<br />
séc. XIV. Aragonês, filho do<br />
Conde de Urgel, após uma conturbada<br />
juventude entregue a dissipações,<br />
converteu-se e ingressou na<br />
Ordem das Mercês para a redenção<br />
dos cativos. Deixou-se ficar como<br />
refém dos mouros em garantia<br />
do resgate de 18 cristãos capturados.<br />
Como o dinheiro não chegou<br />
no prazo marcado, foi enforcado.<br />
Porém, a Santíssima Virgem<br />
operou o milagre de mantê-lo vivo<br />
durante vários dias, pendurado na<br />
forca, até aparecer a quantia esperada.<br />
Libertado por sua vez, retornou<br />
à Espanha, onde faleceu santamente.<br />
* ABRIL *<br />
28. São Luís Maria Grignion<br />
de Montfort, Presbítero, sécs.<br />
XVII-XVIII. Ardoroso devoto da<br />
Santíssima Virgem, difundiu na<br />
Igreja a escravidão de amor à Sabedoria<br />
Eterna e Encarnada, Jesus<br />
Cristo, pelas mãos de Nossa<br />
Senhora.<br />
29. Santa Catarina de Sena, Virgem<br />
e Doutora da Igreja, séc. XIV.<br />
Terciária dominicana, favorecida<br />
por visões de Nosso Senhor, desempenhou<br />
importante papel na solução<br />
de graves problemas da Igreja,<br />
como o retorno do Papa de Avinhão<br />
para Roma e a reforma da<br />
Cúria Romana.<br />
30. São Pio V, Papa, séc. XVI. É<br />
o grande Papa da Contra-Reforma.<br />
Juntamente com a Espanha e a República<br />
de Veneza organizou a Santa<br />
Aliança, cuja participação na célebre<br />
Batalha de Lepanto verificou-se decisiva<br />
para a vitória da esquadra cristã.<br />
São Pio V<br />
17
A SOCIEDADE, ANALISADA POR DR. PLINIO<br />
A supressão dos trajes:<br />
um atentado à beleza<br />
P<br />
ara <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, a decadência do vestuário, observada desde o<br />
século XVIII até os dias atuais, representa não apenas uma marcha<br />
gradual para o nudismo, mas também o avanço progressivo da<br />
feiúra, o desaparecimento paulatino da beleza e da dignidade como<br />
grandes riquezas espirituais da existência humana.<br />
Consideramos em anterior exposição a beleza dos<br />
trajes como sendo algo a ser apreciado, mais do<br />
que pelo seu aspecto material, pelo valor espiritual<br />
que ela representa, como reflexo da infinita formosura<br />
do Criador.<br />
Vimos, em seguida, como esse esplendor nas vestimentas,<br />
nos costumes e nas boas maneiras sofreu um<br />
processo de decadência, notadamente a partir da Revolução<br />
Francesa de 1789, chegando às roupas e hábitos vigentes<br />
no pós-Primeira Guerra Mundial.<br />
Trajetória irrefreável<br />
Tal processo de diminuição não se deteve em nenhum<br />
momento, exigindo sempre novas modificações. Assim,<br />
o chapéu de feltro foi suprimido, surgiram paletós mais<br />
simples, apertados, que muitos abandonaram para começar<br />
a usar apenas calça e camisa. E o tecido destas tornou-se<br />
tão ralo que, às vezes, deixa transparecer alguma<br />
cicatriz ou mancha que por ventura exista na pele da pessoa.<br />
Ou seja, ele cobre mal o indivíduo. É um tecido feito<br />
não para ocultar o corpo, mas quase para exibi-lo.<br />
Não seria exagero pensar que, nessa toada incoercível,<br />
caminhava-se para a total, ou quase, ausência de roupa,<br />
como infelizmente se vai verificando no mundo hodierno.<br />
O que se disse das camisas pode-se afirmar em relação<br />
às calças. Houve tempo em que estas tinham a sua extremidade<br />
inferior tão apertada que mal se podia passar o<br />
pé através dela. Depois se alargaram, dando origem<br />
às calças “boca de sino”, as quais se estreitaram<br />
de novo, passado um certo período.<br />
De tanto remexer, as calças foram se encolhendo,<br />
até surgirem as bermudas após a Segunda<br />
Guerra Mundial. A princípio, apenas para o<br />
uso militar na África quentíssima. Pouco depois,<br />
também para a prática de esportes. E não estava<br />
longe a época em que passaram a ser vestimenta<br />
quotidiana, sobretudo nos dias de calor. Uma vez<br />
abandonada a camisa, a bermuda se encurtará e<br />
se tornará uma espécie de tanga, igualmente votada<br />
ao desaparecimento. De todos os modos, portanto,<br />
ruma-se para o nudismo.<br />
Interessante observar que muitos propugnadores<br />
do nudismo julgam ter sido o homem mais feliz na era<br />
da pedra lascada, por não usar roupa. Razão pela qual<br />
deveríamos retroceder àquele tempo. E estes se consideram<br />
ultramodernos...<br />
Ofensa ao pudor e à beleza do espírito<br />
Dessa breve análise decorre a importante ilação de<br />
que a ausência dos trajes é uma coisa má porque conduz<br />
ao pecado contra o pudor, isto é, à exposição de<br />
partes do corpo denominadas pudendas.<br />
De fato, conforme a doutrina católica, há no corpo<br />
humano três zonas: as pudendas — do latim pudere,<br />
pudor — as semipudendas e as não-pudendas.<br />
18
As pernas das<br />
calças, que<br />
já tinham<br />
sido estreitas,<br />
encurtaram,<br />
até aparecerem<br />
as bermudas,<br />
incialmente usadas<br />
apenas para fins<br />
militares durante<br />
a II Guerra<br />
Mundial<br />
19
A SOCIEDADE, ANALISADA POR DR. PLINIO<br />
Para se guardar a decência, as primeiras devem ser inteiramente<br />
cobertas; as segundas devem ou não sê-lo, de<br />
acordo com as circunstâncias; e as últimas são indiferentes<br />
ao recato, como por exemplo a face e as mãos. Estas<br />
podem ser mostradas por inteiro, não havendo necessidade<br />
moral de ocultá-las, ao contrário de outras partes<br />
do corpo humano que devem ser protegidas pelas vestimentas.<br />
Ora, o nudismo para o qual a Revolução conduz o<br />
mundo, é ruim não só por atentar contra o pudor, mas<br />
também por ofender a formosura humana. Com efeito,<br />
Deus conferiu ao homem e à mulher uma grande beleza<br />
a qual deve ser velada quando ofensiva ao pudor, porém<br />
realçada no que valoriza o nosso espírito.<br />
Por exemplo, uma distinta senhora que possua traços<br />
fisionômicos bonitos deve se cuidar e se arranjar para se<br />
apresentar de maneira a salientar, no seu todo, a beleza<br />
de sua alma. Assim, em lugar de atrair para a concupiscência,<br />
suscita movimentos de admiração por seu aspecto<br />
mais digno de apreço, que é a formosura espiritual,<br />
convidando o próximo para a virtude.<br />
Vale recordar que não existiu na história terrena ninguém<br />
tão belo quanto Nosso Senhor Jesus Cristo e, logo<br />
abaixo d’Ele, Nossa Senhora. Ambos concebidos sem<br />
pecado original, lindíssimos, perfeitíssimos. A consideração<br />
de sua formosura não provocava a mínima fímbria<br />
de sensualidade: nenhuma mulher se sentia tentada ao<br />
ver Jesus, assim como nenhum homem se sentia movido<br />
à concupiscência ao contemplar Maria Santíssima, pois a<br />
beleza da face d’Eles era um reflexo de suas almas.<br />
Uma senhora<br />
de traços distintos<br />
e elegantes<br />
deve se cuidar e se<br />
arranjar, a fim de<br />
que seu aspecto<br />
exterior saliente a<br />
formosura espiritual,<br />
e assim convide o próximo<br />
para a virtude<br />
Dona Lucilia em traje de gala<br />
20
No período anterior a 1789, as vestimentas serviam como um<br />
instrumento de santificação, não só ocultando as partes pudendas do<br />
corpo, como ressaltando a graciosidade do espírito<br />
Atelier de costura em Arles, França, no Ancien Régime<br />
Superior razão para se<br />
opor ao nudismo<br />
Isso posto, podemos dizer que, antes da Revolução<br />
Francesa, a compostura nos trajes não somente servia<br />
à moral, ocultando as partes pudendas do corpo, como<br />
também realçava a graciosidade deste e, sobretudo, a da<br />
alma. A vestimenta era mais um instrumento de santificação.<br />
Ora, a Revolução, odiando a beleza — por ser um reflexo<br />
de Deus —, e enfeiando e desfigurando todas as<br />
coisas, não poderia deixar de promover o nudismo o qual<br />
é um modo de eliminar as manifestações do esplendor da<br />
criatura humana, masculina ou feminina.<br />
Por essas razões, o verdadeiro católico (e me dirijo de<br />
modo particular aos meus jovens seguidores) deve fazer<br />
face à essa galopante minimização dos trajes, no intuito<br />
de fazer cessar a marcha da Revolução rumo ao nudismo.<br />
E uma das formas — talvez a mais importante — de empreender<br />
essa luta é em tudo procurar a pulcritude. Por isso<br />
nossos ambientes precisam ser bem decorados, a fim de<br />
despertar nos corações o gosto estético, artístico, para se<br />
compreender o que é uma vida dentro da beleza, trilhada<br />
com virtude, seriedade, dignidade e compenetração. <br />
21
O PENSAMENTO FILOSÓFICO DE DR. PLINIO<br />
Inocência e as noções<br />
primárias do ser<br />
O<br />
desenvolvimento do senso do ser, a construção da mentalidade e<br />
das reflexões no homem fiel à sua inocência batismal era tema sobremaneira<br />
caro a <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, a respeito do qual discorreu em diversas oportunidades<br />
ao longo de sua vida. Sempre permeando tais exposições com expressivos<br />
e didáticos exemplos, como poderemos constatar nas considerações<br />
transcritas a seguir.<br />
Pediram-me que tratasse sobre<br />
a inocência, tema tão<br />
vasto quanto complexo. Por<br />
isso, abordarei apenas um aspecto<br />
dele, fazendo o apanhado do ponto<br />
de vista filosófico-prático, sobre<br />
a coerência e a contradição na alma<br />
do inocente.<br />
Aceitação, rejeição<br />
ou indiferença<br />
Imaginemos uma criança nos passos<br />
iniciais de sua vida. Ainda não<br />
fala, exprime-se por gestos ou pelo<br />
balbucio de algumas sílabas, e em<br />
sua mente desenham-se esboços de<br />
pensamentos. Ao lhe ser mostrado<br />
algo, ela tem um conhecimento elementar<br />
e superficial, do qual decorrem<br />
três atitudes: deseja aquilo e estende<br />
a mão para apanhá-lo; rejeitao,<br />
afastando-o ou virando o rosto para<br />
outro lado; ou pode não manifestar<br />
reação alguma em relação ao objeto.<br />
Portanto, a criança toma uma<br />
dessas posições: aceitação, rejeição<br />
ou indiferença.<br />
Então, antes mesmo de formar<br />
um juízo elaborado a respeito do<br />
que tem diante de si, ela sente e assume<br />
uma dessas três atitudes.<br />
Suponhamos que o menino esteja<br />
deitado num berço, coberto na parte<br />
da cabeceira por pequeno dossel.<br />
Alguém toma uma bonita bola, brilhante,<br />
usada para enfeitar árvore de<br />
natal, e a pendura no dossel. A criança<br />
pode ficar encantada e querer segurar<br />
a bola, ou permanecer indiferente,<br />
ou, se for de maus bofes, olhar<br />
meio vesga e fazer careta.<br />
Por que razão ela toma tais atitudes?<br />
Se alguém analisasse várias reações<br />
assim de uma criança, poderia<br />
discernir alguns movimentos que<br />
irão determinar a orientação dela<br />
durante a vida?<br />
Tais indagações me vinham freqüentemente<br />
ao espírito no tempo<br />
em que havia muitas crianças<br />
passeando na Praça Buenos Aires 1 ,<br />
conduzidas por uma nurse, Fräulein,<br />
mademoiselle, babá, ou pela própria<br />
mãe. Eu notava suas reações diante<br />
dos fatos. Passava, às vezes, um caminhão<br />
fazendo seu barulho característico<br />
e medonho, o menino permanecia<br />
indiferente. Dali a pouco<br />
um cachorro latia, a criança se assustava.<br />
Mais adiante via uma flor e<br />
queria apanhá-la. Sucedia em certas<br />
ocasiões que, levada pela mãe, esta<br />
encontrava uma pessoa conhecida e<br />
parava para conversarem. A amiga<br />
fazia um agrado no pequeno, e este<br />
virava o rosto, causando desapontamento<br />
na sua progenitora, desejosa<br />
de provar que seu rebento herdara o<br />
bom gênio da família...<br />
Notícia e seletivo<br />
Qual a razão desse movimento? O<br />
que se passa na alma da criança? Ela<br />
já conhece algo, tanto é que reage.<br />
Se não conhecesse, não reagiria.<br />
Na realidade, ela não tem propriamente<br />
ciência, mas o que, em filosofia,<br />
chama-se notícia. A visão e<br />
os demais sentidos lhe transmitem<br />
notícia sobre os fatos. Mas, nota-se<br />
que a criança possui um seletivo. Selecionar<br />
é uma operação que supõe<br />
22
Antes mesmo de<br />
formar um juízo<br />
a respeito do que<br />
tem diante de si,<br />
a criança toma<br />
uma atitude de<br />
aceitação, rejeição<br />
ou indiferença<br />
23
O PENSAMENTO FILOSÓFICO DE DR. PLINIO<br />
aceitação de umas coisas e recusa de<br />
outras. E esta última, por sua vez,<br />
apresenta duas modalidades: rejeição<br />
na sua totalidade (a qual é manifestada,<br />
por exemplo, empurrando<br />
o objeto que lhe é mostrado); e a segunda,<br />
por indiferença. Como já dissemos,<br />
se a criança aceita, ela procurar<br />
segurar o que lhe interessa.<br />
Esse seletivo possui certos critérios<br />
de escolha antes mesmo de a inteligência<br />
ter elaborado raciocínios.<br />
Essa faculdade trabalha ainda de um<br />
modo rudimentar, incompleto, enquanto<br />
o seletivo já inicia seu operar.<br />
Tal tabela de valores, de preferências,<br />
recusas e indiferenças é desenvolvida<br />
pela criança ao longo de<br />
sua vida, sofrendo algumas modificações,<br />
de vez em quando perdendo<br />
algum atributo, adquirindo outros,<br />
etc., mas em suas linhas gerais ela o<br />
conserva até o fim da existência.<br />
Manifestação do<br />
senso do ser<br />
Retomamos, então, a pergunta:<br />
quais são esses elementos iniciais, esse<br />
ponto de partida no qual se acha<br />
escrito o fim da vida?<br />
Pensemos naquela criança deitada<br />
no berço, olhando a esmo para<br />
o ambiente que a cerca. De súbito,<br />
uma mão materna, afável, pendura<br />
diante dela uma bola lustrosa,<br />
azul bleu-de-roi, dourada ou vermelha,<br />
presa por uma fita de seda corde-rosa<br />
ou azul claro. Ela tem noção<br />
de que ali não estava a bola, que em<br />
determinado momento surgiu à sua<br />
frente.<br />
O bebê não se pergunta por que a<br />
bola apareceu, quem a pôs, etc. Sua<br />
reação simples, primária, é: a bola.<br />
Talvez nem saiba dizer “bola”, mas o<br />
primeiro pressuposto consiste na noção<br />
de que ele é e a bola é, e daí se<br />
estabelece uma relação entre os dois,<br />
aceitação ou recusa, etc.<br />
Verifica-se aqui o processo mental<br />
humano de se desprender da noite<br />
do não-criado para o criado, do nãoser<br />
para o ser. A criança é, mas há<br />
pouco tempo atrás ela não era. Vêse<br />
que na primeira atitude tomada<br />
por ela há um primeiro olhar da inteligência,<br />
no qual seu espírito capta,<br />
pelos dados que lhe fornecem os<br />
sentidos, o fato de que algo é: “a bola<br />
é, eu sou”.<br />
O que significa o verbo “ser”? O<br />
menino nem chega a definir isso, a<br />
primeira noção é que ele é, e a bola<br />
é. Segunda: ela e a bola não são a<br />
mesma coisa. Terceira: uma vez que<br />
as duas coisas são, tem de haver uma<br />
relação entre ambas. Normalmente<br />
a criança não pode ser indiferente à<br />
bola e talvez a bola não seja, sob certo<br />
aspecto, indiferente a ela. O menino<br />
vê a bola e acha que esta constitui<br />
um bem para ele, o completa em<br />
algum ponto, estende a mãozinha e<br />
pega a bola. Logo depois, instintivamente,<br />
a põe nos lábios. É a idéia incipiente<br />
de que aquele bem contido<br />
na bola fica participando dele, se a<br />
lamber e morder.<br />
O grande problema da<br />
vida: somos incompletos<br />
Portanto, esse movimento vem<br />
acompanhado da noção obscura,<br />
profunda, de que a ela, criança, faltam<br />
coisas existentes em outros seres.<br />
Ela tem vontade de se apropriar<br />
daquilo que contém um grau de beleza<br />
que não sente em si mesma. E<br />
não só de possuir, mas também de<br />
comer. Suponhamos que ela visse<br />
uma bonita cereja ou nêspera. Estando<br />
ao seu alcance, ela iria diretamente<br />
comê-las, pois sente a necessidade<br />
de complementação.<br />
A criança tem, então, a impressão<br />
de que algumas coisas a completam,<br />
e outras não. Ela quer as primeiras e<br />
afasta as últimas, pois as julga malfazejas.<br />
Assim, juntamente com o conhecimento<br />
de que ela é, aparece<br />
a idéia confusa, instintiva, tendente<br />
a ser quase um circuito de sensações,<br />
pela qual percebe<br />
no que é completa,<br />
e, por outro lado,<br />
os pontos em que<br />
não o é. E procura realizar<br />
em si uma totalidade<br />
de algo que ela<br />
sente não ter. Começa<br />
aí, para cada um de<br />
nós, o grande e verdadeiro<br />
problema da vida:<br />
eu sou incompleto.<br />
Sinto falhas, lacunas<br />
em mim, talvez<br />
instintivas, não sou<br />
capaz de exprimi-las<br />
em palavras. E sintoas<br />
de tal modo que algumas<br />
coisas causamme<br />
a impressão de me<br />
completarem, outras,<br />
pelo contrário, constituem<br />
uma demasia<br />
e me deformam. Outras,<br />
ainda, me deixam<br />
indiferentes.<br />
Esse problema da complementação<br />
de si mesmo vai se estender ao<br />
longo de toda a vida do homem. E<br />
embora sem dizer, se formos analisar<br />
tudo quanto ele procura na sua existência,<br />
perceberemos tratar-se de algo<br />
que acha necessário ter; e todas<br />
24
as coisas que evita, o faz por julgá-las<br />
supérfluas ou nocivas. Ele tem, portanto,<br />
um seletivo originado de um<br />
conhecimento instintivo e elementar<br />
de si próprio, de suas atrações, fobias,<br />
bem como do que lhe é conveniente<br />
ou inconveniente.<br />
Errôneo seria pensar que a criança<br />
não é passível de engano nessa seleção.<br />
Afirmo mesmo o contrário:<br />
com freqüência ela se equivoca. Por<br />
exemplo, deseja comer a bola a qual<br />
Junto com o conhecimento, vem a<br />
idéia de que devemos ser completados,<br />
e uma ação seletiva a respeito<br />
do que nos falta<br />
não é comestível e lhe causaria graves<br />
danos se fosse ingerida. Além<br />
disso, a criança toma toda a aparência<br />
como contendo a realidade, pensa<br />
que a bola é maciça, feita de uma<br />
substância daquela cor. De fato, a<br />
bola é vazia e quebradiça, como tantas<br />
outras coisas da vida.<br />
A pergunta interessante que se<br />
põe é como seria esse seletivo no homem<br />
antes do pecado original. Suponhamos<br />
que Abel — o perfeito,<br />
o predileto, pré-figura de Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo — tivesse sido concebido<br />
por Adão e Eva antes da queda,<br />
e nascido no Paraíso terrestre.<br />
Como seria a inocência de Abel?<br />
Como ele tomaria contato com as<br />
maravilhas do Paraíso? Qual seria<br />
a conduta dos animais, das plantas,<br />
etc., para com Abel pequenino?<br />
Respondendo a essas indagações<br />
teríamos idéia do plano<br />
A de Deus 2 quanto aos<br />
homens, e como se desenvolveria<br />
a inocência da<br />
criança de modo perfeito,<br />
sem as claudicações<br />
e desordens oriundas<br />
da culpa original.<br />
Disso trataremos em<br />
próxima exposição. <br />
1) Situada em frente ao apartamento em<br />
que <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> residia com seus pais,<br />
desde o início da década de 1950.<br />
2 ) Conforme ensinava <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, para<br />
cada pessoa, família, nação e até para<br />
a humanidade, Deus tem um plano,<br />
cumprido o qual elas atingem a<br />
perfeição e, assim, dão glória ao Criador:<br />
é o plano A. Sendo infiéis a este<br />
desígnio primeiro, o Altíssimo lhes<br />
oferece um plano B. Mas, além de<br />
ser justo, Deus é misericordioso. E,<br />
na sua infinita bondade, a alguns que<br />
não seguiram seu plano A, Ele lhes<br />
proporciona um plano A+A.<br />
25
O SANTO DO MÊS<br />
Santa<br />
Bernadete Soubirous:<br />
a virtude<br />
atesta o milagre<br />
Na vida apagada e silenciosa de um convento, Santa Bernadete ratifica<br />
com sua santidade a veracidade das aparições de Lourdes, local<br />
tão prodigioso em curas de corpos. Mas, como nos ensina <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> nesses<br />
seus comentários, de Nossa Senhora devemos esperar também, e com<br />
maior razão, a cura das almas.<br />
Éuniversal a fama do Santuário de Lourdes, local<br />
onde Nossa Senhora apareceu por 18 vezes<br />
a Santa Bernadete Soubirous, em 1<strong>85</strong>4, e que se<br />
tornou nos anos sucessivos um dos maiores centros de<br />
peregrinações do mundo. Sobre o intenso amor que a<br />
piedosa vidente nutriu para com a Mãe de Deus ao longo<br />
de sua vida, escreve o Pe. Trochu:<br />
“Eu A levo no coração!”<br />
A devoção à Santíssima Virgem tinha de ser particularmente<br />
terna e filial. Maria, seu ideal vivo, ocupava em seu<br />
coração um lugar muito próximo a Nossa Senhora, declarou<br />
sua enfermeira, Irmã Marta. “Era preciso ouvi-la quando<br />
pronunciava a Ave-Maria. Que acento de piedade, especialmente<br />
quando pronunciava as palavras ‘pobres pecadores’!<br />
E quando dizia ‘Minha Mãe celestial’, nada mais podia<br />
acrescentar.”<br />
Alguém se atreveu a perguntar-lhe se a lembrança da<br />
aparição se tinha apagado em sua memória. “Apagado? —<br />
exclamou em tom de censura. Oh! não, jamais!”. E levando<br />
a mão direita sobre sua fronte, dizia: “Está aqui”. “Deveria<br />
nos fazer — lhe sugeriu uma companheira — uma<br />
descrição de como era a Virgem, posto que a senhora sabe<br />
como era Ela”. “Não poderia nem saberia fazê-lo — foi a<br />
única resposta que deu. Eu para mim não necessito, pois A<br />
levo no coração”.<br />
A devoção mariana encheu de certo modo toda sua vida.<br />
Tinha necessidade de meditar sobre a Virgem. Via Maria<br />
em tudo e por tudo com seu coração e entendimento.<br />
Quando rezava à Santíssima Virgem, atesta Irmã Gonzaga,<br />
parecia ainda que A estava vendo. Se alguém lhe pedia<br />
alcançasse alguma graça, imediatamente respondia que rogaria<br />
à Santíssima Virgem.<br />
Santa Bernadete se comprazia em louvá-La, fazê-La<br />
conhecer, amá-La e servi-La. Esforçava-se em imitar suas<br />
virtudes, especialmente sua humildade e renúncia. Dedicou-se,<br />
para sua devoção, a compor acrósticos — escritos<br />
poéticos em que as letras iniciais, reunidas, formam verticalmente<br />
uma palavra ou frase — em homenagem a Nos-<br />
26
Fotos: V. Domingues e S. Hollmann<br />
Santa Bernadete<br />
Soubirous, antes<br />
de entrar para<br />
o convento<br />
27
O SANTO DO MÊS<br />
sa Senhora, e o primeiro deles tinha o nome de MARIA,<br />
a partir dos termos: mortificação, amor, regularidade, inocência,<br />
abandono.<br />
Toda sua vida desfiou o Rosário como tinha feito em<br />
Lourdes. Esta era sua devoção preferida, disse uma superiora<br />
geral. Mais de uma vez, na enfermaria, a Irmã Gonzaga<br />
Champi alternou as Ave-Marias com ela. “Então, recorda<br />
essa freira, os olhos escuros, profundos e brilhantes<br />
de Bernadete, pareciam como se estivessem vendo Nossa<br />
Senhora”. Pela noite, quando se ia dormir, recomendava a<br />
uma companheira: “Toma o Rosário e durma rezando. Farás<br />
o mesmo que fazem as crianças pequenas que adormecem<br />
dizendo ‘mamãe, mamãe’...”.<br />
As virtudes da vidente abonam<br />
a autenticidade das aparições<br />
Essas notas sobre Santa Bernadete atestam sua ardente<br />
devoção a Nossa Senhora, e nos mostram como<br />
seu filial e terno relacionamento com a Santíssima Virgem<br />
era motivo de grande edificação para suas irmãs de<br />
hábito.<br />
É interessante observar que Santa Bernadete teve uma<br />
vocação bastante similar à da Irmã Lúcia. A esta foi confiada<br />
a missão de revelar ao mundo as aparições de Fátima,<br />
e àquela, as de Lourdes. Uma vez cumprida a tarefa,<br />
Bernadete — assim como Lúcia — prestigiou as apa-<br />
28
A santidade<br />
de Bernadete<br />
Soubirous é uma das<br />
maiores provas da<br />
autenticidade das<br />
aparições de Lourdes,<br />
ao lado das graças<br />
extraordinárias e<br />
curas miraculosas que<br />
ali se verificam<br />
Gruta das aparições, com a imagem<br />
da Santíssima Virgem;<br />
na página anterior, vista lateral<br />
do Santuário de Lourdes<br />
rições de Massabielle tornando-se freira, santificandose<br />
no convento e, posteriormente, sendo elevada à honra<br />
dos altares.<br />
Embora a Igreja não determine, sob pena de pecado,<br />
acreditar-se nas aparições de Lourdes — pois são de caráter<br />
privado, e em matéria de fatos sobrenaturais somos<br />
obrigados apenas a crer nos oficiais —, na realidade roça<br />
pela heresia quem as conteste. Porque seria preciso admitir<br />
que uma santa canonizada tivesse tido tais ilusões.<br />
Ora, isso não se pode fazer. De maneira que a vida<br />
e as virtudes de Santa Bernadete de algum modo atestam<br />
a autenticidade das aparições de Lourdes. Aliás,<br />
elas estão também exuberantemente corroboradas pelos<br />
milagres que ali se operam, os quais constituem<br />
uma prova de que em Lourdes realmente é a graça que<br />
atua.<br />
Durante uma das visões de Santa Bernadete, a Santíssima<br />
Virgem lhe disse: “Revolva a terra com suas mãos,<br />
que dela nascerá uma fonte”. A menina, uma camponesa,<br />
não teve dificuldade em escavar o solo no local indicado<br />
por Nossa Senhora. E ali, onde ninguém supunha<br />
existir água, esta começou a brotar. Assim surgiu a fonte<br />
de Lourdes, manancial de curas e conversões miraculosas,<br />
conforme prometera a Rainha do Céu.<br />
Portanto, a santidade de vida de Bernadete atesta a<br />
sinceridade de suas visões, seu equilíbrio mental e contribui,<br />
de certa forma, para demonstrar a veracidade dos fatos<br />
milagrosos ocorridos em Lourdes.<br />
Fora desses acontecimentos públicos, ela permaneceu<br />
silenciosa, cumprindo sua missão privada. E nisso<br />
podemos aquilatar a beleza e a riqueza extraordinárias<br />
da Igreja, em cujo universo a Providência suscita diferentes<br />
vocações. Este tem uma tarefa, aquele outra, e aquele<br />
outra. Nossa Senhora distribui a cada pessoa uma determinada<br />
missão, que ela deve cumprir inteiramente, sem<br />
se imiscuir na função para a qual não foi chamada.<br />
29
O SANTO DO MÊS<br />
Em três grandes aparições,<br />
importantes mensagens<br />
A propósito desses breves comentários, seja-me permitido<br />
ainda fazer notar um pormenor interessante. Em<br />
Lourdes Nossa Senhora comunicou também a Santa Bernadete<br />
um segredo, que deveria chegar ao Papa Pio IX.<br />
De maneira que temos uma série de mensagens transmitidas<br />
pela Santíssima Virgem, desde meados do século<br />
XIX até 1917, em três grandes aparições — La Salette,<br />
Lourdes e Fátima — que deveriam ser reveladas aos homens<br />
gradualmente, com as devidas cautelas.<br />
Isso nos leva a pedir a Santa Bernadete, verdadeira<br />
precursora da Irmã Lúcia, que disponha nossas almas para,<br />
com todo fervor, seriedade e recolhimento, estarmos<br />
prontos a conhecer e dar ouvidos a essas mensagens, de<br />
modo muito particular à de Fátima, cujas partes divulgadas<br />
já tiveram impressionantes confirmações.<br />
Mais do que a regeneração<br />
dos corpos, importa pedir a<br />
Nossa Senhora, pelos rogos de<br />
Santa Bernadete, a cura de<br />
nossas doenças espirituais<br />
À esquerda, imagem de Santa Bernadete<br />
na esplanada de Lourdes; no centro, seu<br />
corpo incorrupto, venerado na capela<br />
do Convento de Nevers (à direita)<br />
30
Devemos pedir a cura de nossas almas<br />
Por fim, vale ainda refletirmos no seguinte ponto. Nossa<br />
Senhora de Lourdes opera muitas curas. Que é mais<br />
difícil: sanar o corpo ou a alma?<br />
Evidentemente, para a Rainha do Céu e da Terra não<br />
há dificuldade em fazer uma ou outra coisa. Tudo aquilo<br />
que a Santíssima Virgem pedir a Deus, Ela obtém.<br />
Ora, se Ela restituiu a saúde a tantos corpos, peçamos-<br />
Lhe que o faça igualmente em relação às nossas almas.E<br />
supliquemos à Mãe do Criador transmudar nossos corações,<br />
de maneira tal que chagas ocultas, defeitos ignorados<br />
às vezes por nós mesmos, apegos, desordens de todo<br />
tipo desapareçam maravilhosamente pela ação d’Ela.<br />
Sabemos que as moléstias físicas curadas por Nosso<br />
Senhor, como narra o Evangelho, simbolizam enfermidades<br />
morais. Assim como há cegueira ou paralisia no<br />
corpo, existem as das almas. E segundo os comentaristas<br />
da Sagrada Escritura, o Redentor curava os corpos para<br />
atestar seu poder de operar curas morais.<br />
Quiçá alguns de nós terão um estado de alma simbolizado<br />
pelos cegos, surdos, mudos, paralíticos, epilépticos<br />
e, infelizmente, até pelos leprosos. Peçamos, pois, a Nossa<br />
Senhora, pela intercessão de Santa Bernadete Soubirous,<br />
que nos cure de tudo isso e nos obtenha a graça de<br />
ficarmos com a alma verdadeiramente renovada e pura,<br />
semelhante à d’Ela.<br />
<br />
31
LUZES DA CIVILIZAÇÃO CRISTÃ<br />
Cortesia<br />
filha da caridade<br />
32
S. Hollmann<br />
“A rendição de<br />
Breda” - Museu do<br />
Prado, Madrid<br />
Um dos célebres quadros<br />
de Velásquez, pintor espanhol,<br />
representa a rendição<br />
de Breda, nos Países Baixos.<br />
Quando menino, ao entrar numa<br />
loja de estampas, deparei-me com<br />
uma gravura desta cena histórica, e<br />
logo me senti cativado. Depois de a<br />
contemplar por longo tempo, pensei:<br />
“Como gostaria de ter esse quadro,<br />
a fim de passar horas olhando-o e o<br />
admirando!”<br />
É, de fato, uma tela magnífica,<br />
não apenas por sua riqueza pictórica<br />
a qual demonstra de sobejo o talento<br />
do mestre, como também pela<br />
bela expressão de valores morais que<br />
ela retrata.<br />
Episódio superiormente imortalizado:<br />
o Marquês de Spinola, comandante<br />
das tropas de Felipe II, recebe<br />
das mãos de Justino de Nassau, defensor<br />
de Breda, as chaves da cidade,<br />
que capitula depois de uma resistência<br />
intrépida.<br />
O general do Rei Católico está revestido<br />
de uma imponente armadura<br />
sobre a qual uma gola com rendas<br />
dá uma nota de amenidade, realçada<br />
ainda pela grande faixa própria ao<br />
comandante-chefe. Em sua mão esquerda<br />
nota-se o bastão do marechalato.<br />
Justino de Nassau se apresenta<br />
em um rico traje, e também usa gola<br />
e punhos de renda.<br />
A cena se passa no campo, e num<br />
ambiente estritamente bélico, no<br />
qual figuram tropas de armas na<br />
mão. Tudo não obstante, o encontro<br />
tem uma nota de distinção e afabili-<br />
33
LUZES DA CIVILIZAÇÃO CRISTÃ<br />
dade que lembra uma cena de salão.<br />
Justino de Nassau, tendo sido derrotado,<br />
apresenta-se de chapéu na<br />
mão, e entrega as chaves curvandose<br />
ligeiramente. Spinola, por respeito<br />
para com o valoroso vencido, está<br />
também com a cabeça descoberta.<br />
Atrás dele, os hidalgos de seu séquito<br />
o imitam.<br />
Vê-se que o chefe vencedor, ao<br />
mesmo tempo que se inclina levemente,<br />
contém com o braço a reverência<br />
do gentil-homem flamengo,<br />
e o seu semblante é impregnado de<br />
simpatia e consideração. Percebe-se<br />
que ele felicita o adversário pelo brilho<br />
da resistência, amenizando assim<br />
cavalheirescamente o que o ato de<br />
rendição tem de amargo para o vencido.<br />
Toda uma doutrina de cortesia,<br />
toda uma tradição de nobreza de alma<br />
se exprime nos pormenores discretos<br />
mas eloqüentes deste quadro<br />
admirável. Elevação de alma, decorrente<br />
da fé, cortesia nascida da caridade,<br />
que faziam rutilar valores espirituais<br />
inestimáveis, num ato que em<br />
si mesmo é inevitavelmente rude e<br />
humilhante, como toda rendição 1 .<br />
E não será sem interesse considerar,<br />
ainda, que a faixa meio cor-derosa,<br />
meio lilás, ornando a couraça<br />
do general espanhol era uma lembrança<br />
da mortalha, pois os chefes<br />
militares daquela época partiam para<br />
o combate tendo em vista a possibilidade<br />
de morrerem, sacrificando<br />
a própria vida pela causa de sua pátria.<br />
Então, esse homem que se apresenta<br />
para o momento no qual sua<br />
coragem e sua vitória serão reconhecidas,<br />
conserva cingido o símbolo<br />
de sua mortalha. Ele não estremece<br />
nem hesita, e se mantém numa<br />
posição ao mesmo tempo de triunfo<br />
e bondade que, a meu ver, não alcançaria<br />
sem uma particular ação da<br />
graça. Pois atitudes como essa só são<br />
possíveis dentro do âmbito sobrenatural<br />
que confere luz e esplendor à<br />
Civilização Cristã.<br />
<br />
1<br />
) Cf. Catolicismo, novembro de 1956.<br />
34
Toda uma doutrina de<br />
cortesia, toda uma<br />
tradição de nobreza<br />
de alma se exprime nos<br />
pormenores eloqüentes<br />
desta admirável pintura<br />
35
Rainha do Conselho<br />
Afresco da Mãe do<br />
Bom Conselho -<br />
Santuário de<br />
Genazzano, Itália<br />
T. Ring<br />
Nossa Senhora foi o oráculo vivo que São Pedro consultou nas suas principais dificuldades, a estrela que<br />
São Paulo não cessou de olhar para se dirigir em suas numerosas e perigosas navegações — afirma um<br />
piedoso autor a propósito das relações de Maria com a pregação da Igreja nascente. Esse papel inspirador<br />
da Virgem Santíssima nos sugere cenas de rara beleza. Por exemplo, Ela tendo a seu lado São Pedro, São Paulo<br />
ou São João Evangelista, explicando, interpretando e os ajudando a compreender os fatos da vida de Nosso Senhor,<br />
realçando este ou aquele episódio, espargindo assim o aroma do bom espírito que perfumava a Igreja inteira. Não<br />
sem razão, portanto, se A exalta no Cantus Marialis como a Rainha da prudência e do conselho, vaso de eleição,<br />
de ortodoxia, sabedoria e santidade.