O gabinete do doutor Blanc
"O gabinete do doutor Blanc - sobre jazz, literatura e outros improvisos" é o segundo volume da coleção Aldir70, que celebra os 70 anos do compositor Aldir Blanc. O livro reúne textos sobre jazz e literatura publicado por Aldir no site no.com no início dos anos 2000. Em "O gabinete do Doutor Blanc" o leitor terá contato com um Aldir amante de música e voraz leitor de livros policiais. Os textos, no entanto, não fogem das características mais marcantes de seu autor: são ácidos, repletos de ironias e trocadilhos no clássico estilo de Aldir.
"O gabinete do doutor Blanc - sobre jazz, literatura e outros improvisos" é o segundo volume da coleção Aldir70, que celebra os 70 anos do compositor Aldir Blanc. O livro reúne textos sobre jazz e literatura publicado por Aldir no site no.com no início dos anos 2000.
Em "O gabinete do Doutor Blanc" o leitor terá contato com um Aldir amante de música e voraz leitor de livros policiais. Os textos, no entanto, não fogem das características mais marcantes de seu autor: são ácidos, repletos de ironias e trocadilhos no clássico estilo de Aldir.
- TAGS
- jazz
- cronicas
- aldirblanc
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Dá o intervalo, você surta e mete a mão no pistom.<br />
Soprar, apertar três botõezinhos e aguardar “o rio de<br />
notas abrin<strong>do</strong> o cortejo fúnebre sob a chuva", como<br />
sugeriu Aldir. Importa pouco a tragédia que é: o músico<br />
enfureci<strong>do</strong> porque pegaram no seu íntimo-instrumento<br />
sem consentimento; o meteoro que você, com suas notas<br />
destrambelhadas, convocou para se chocar em definitivo<br />
com a Terra. Importa é que toda poesia pareceu fácil de<br />
ser manejada. Até mesmo por você, seu desatina<strong>do</strong>.<br />
É como escrever depois de Aldir. Juntar Picasso,<br />
Morengueira, Coltrane e Benzetacil – como ninguém<br />
pensou nisso antes? Tava ali pra quem quisesse ver, os<br />
cronópios de Cortázar jogan<strong>do</strong> purrinha na Maia<br />
Lacerda.<br />
Partitura e cusparada. Quan<strong>do</strong> a gente se dá conta,<br />
Aldir já nos convenceu: Ray Charles e Miles Davis (com<br />
algum ajuste nos nomes, é verdade) poderiam ser da<br />
turma da rua ou <strong>do</strong> time de botão campeão intergaláctico<br />
da brincadeira solitária no chão <strong>do</strong> quarto depois<br />
de ficar de castigo por alguma coisa que a gente chorou<br />
muito, mas não se lembra mais. Charles, Davis, Lorca e<br />
Esmeral<strong>do</strong>. Danrlei e Zinho. Dá pra escalar no Fifa<br />
Soccer também.<br />
Aldir tem um porrão de etc. – foi como ele resumiu o<br />
jazz. Tanto que não cabe num volume só, e foi preciso<br />
republicar Rua <strong>do</strong>s Artistas e arre<strong>do</strong>res e agora esse<br />
livro de improvisos pra começar a dar conta <strong>do</strong>s 70 anos<br />
<strong>do</strong> mestre-sala das palavras – quaisquer que sejam suas<br />
tonalidades.<br />
A verve vai rasgan<strong>do</strong> temas, o que era música modula<br />
pra literatura. E a trupe aqui embasbacada, achan<strong>do</strong><br />
que é só soprar três botõezinhos pra arrancar <strong>do</strong><br />
mun<strong>do</strong> contracantos de poesia e escrever como o<br />
médico receitou, “dirigin<strong>do</strong> contra as limusines de<br />
nossos sena<strong>do</strong>res”.<br />
Sejamos francos: tu<strong>do</strong> aquilo que o Aldir disse por aqui<br />
dá pra dizer dele – "feitio de oração e <strong>do</strong>ença venérea",<br />
"o diabo deve estar morren<strong>do</strong> de rir", "percorrer o<br />
hiperespaço com um sax tenor". Tarde demais, <strong>do</strong>utor,<br />
nós já te temos no mesmo veredito que você deu pro<br />
Coltrane em Summertime: “Quem continuar o mesmo<br />
pode dirigir-se ao Jardim da Saudade e cavar a própria<br />
sepultura”. Nerudamente.<br />
MANUELA TRINDADE OITICICA<br />
Escritora e compositora