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De sonho e de desgraça

Cidades têm as suas mitologias. Têm o seu Olimpo e o seu Hades, o seu rol de deuses e demônios, os seus picos e os seus abismos, as suas histórias exemplares e os seus vexames, as suas zonas de indecisão entre fato e lenda. No acervo mitológico do Rio de Janeiro, o Carnaval de 1919 ocupa uma dessas zonas. Foi o primeiro carnaval depois do fim da Grande Guerra. Foi também o primeiro carnaval depois da voragem da Gripe Espanhola, a mais avassaladora pandemia a abater a cidade até então. Entre setembro e dezembro de 1918, a doença, inicialmente desprezada, infectou 600 mil pessoas e matou 15 mil — números aproximados, talvez subestimados, num universo de cerca de um milhão de habitantes. Foi um carnaval que, por décadas, povoou as memórias próprias e emprestadas de cronistas como Nelson Rodrigues, Mário Filho, Austregésilo de Athayde, Vina Centi e Carlos Heitor Cony – que nasceu em 1926. Foi um carnaval que passou à posteridade como de liberação e de alívio, de desejo e de vingança. Foi um carnaval puxado por pessoas que haviam visto a morte de perto: se não por terem dela escapado elas mesmas, por terem presenciado, no mínimo, a agonia de amigos e parentes. No auge, na Terça-Feira Gorda, o Carnaval de 1919 levou cerca de 400 mil pessoas ao Centro do Rio de Janeiro, de acordo com a estimativa um tanto livre do jornal A Noite. O que aquelas testemunhas e aqueles sobreviventes fizeram nas ruas – naquele e noutros dias? O que elas e eles imaginaram durante e depois da folia? Com uma pesquisa cuidadosa e inédita, David Butter reconstrói essa história em detalhes. Não há momento mais oportuno do que este 2022 para relembrarmos aqueles dias, feitos de sonho e de desgraça, de tristeza e de esperança.

Cidades têm as suas mitologias. Têm o seu Olimpo e o seu Hades, o seu rol de deuses e demônios, os seus picos e os seus abismos, as suas histórias exemplares e os seus vexames, as suas zonas de indecisão entre fato e lenda. No acervo mitológico do Rio de Janeiro, o Carnaval de 1919 ocupa uma dessas zonas.

Foi o primeiro carnaval depois do fim da Grande Guerra. Foi também o primeiro carnaval depois da voragem da Gripe Espanhola, a mais avassaladora pandemia a abater a cidade até então. Entre setembro e dezembro de 1918, a doença, inicialmente desprezada, infectou 600 mil pessoas e matou 15 mil — números aproximados, talvez subestimados, num universo de cerca de um milhão de habitantes.

Foi um carnaval que, por décadas, povoou as memórias próprias e emprestadas de cronistas como Nelson Rodrigues, Mário Filho, Austregésilo de Athayde, Vina Centi e Carlos Heitor Cony – que nasceu em 1926. Foi um carnaval que passou à posteridade como de liberação e de alívio, de desejo e de vingança. Foi um carnaval puxado por pessoas que haviam visto a morte de perto: se não por terem dela escapado elas mesmas, por terem presenciado, no mínimo, a agonia de amigos e parentes. No auge, na Terça-Feira Gorda, o Carnaval de 1919 levou cerca de 400 mil pessoas ao Centro do Rio de Janeiro, de acordo com a estimativa um tanto livre do jornal A Noite.

O que aquelas testemunhas e aqueles sobreviventes fizeram nas ruas – naquele e noutros dias? O que elas e eles imaginaram durante e depois da folia?

Com uma pesquisa cuidadosa e inédita, David Butter reconstrói essa história em detalhes. Não há momento mais oportuno do que este 2022 para relembrarmos aqueles dias, feitos de sonho e de desgraça, de tristeza e de esperança.

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DAVID BUTTER

DE SONHO

E DE DESGRAÇA:

O CARNAVAL CARIOCA DE

1919


Carnaval vem de carne-vale, adeus

à carne, em latim. Depois da

primeira grande guerra e de uma

pandemia que infectou mais da

metade de sua população e matou em torno

de 15 mil pessoas, o Rio de Janeiro ansiava,

em 1919, pela festa da carne viva, pulsante e

frenética pelas ruas da cidade.

“Há coisas que estão além das palavras e

não por baixo das palavras. E uma delas é o

riso”, disse Virgínia Woolf num ensaio sobre

o valor do riso. Disse também que “a doença

é um dos grandes temas da literatura, que

no geral ignora o corpo, o considera como

um vidro liso pelo qual passa o olhar direto

e claro da alma”.

Ao se debruçar sobre o carnaval do Rio de

Janeiro, depois da Gripe Espanhola, David

Butter faz uma espécie de volta para o

futuro: são outros tempos, outra pandemia,

mas a mesma vontade de farra que ambicionamos

hoje. “A cidade da morte se

transforma na cidade da vida”, nosso desejo

ainda impossível.

Com pesquisa minuciosa, o livro é como

uma grande reportagem sobre a explosão

dessa alegria reprimida e, principalmente,

sobre a enorme vocação do Rio de Janeiro

para a festa, o canto, a dança, o entregar-se

à carne, o corpo em primeiro plano. Como

diz, o poeta e jornalista Bastos Tigre, em

nota publicada no Correio da Manhã

daquele ano: “Quem não morreu da

Espanhola, quem dela pôde escapar, não dá

mais tratos à bola, toca a rir, toca a brincar”.


de sonho e de desgraça



DAVID BUTTER

DE SONHO

E DE DESGRAÇA:

O CARNAVAL CARIOCA DE

1919


Copyright © David Butter.

Todos os direitos desta edição reservados

à MV Serviços e Editora Ltda.

revisão

Marília Gonçalves

projeto gráfico

Patrícia Oliveira

dados internacionais de catalogação na publicação (cip)

câmara brasileira do livro, sp, brasil

Bibliotecária Eliete Marques da Silva — crb 8/9380

Butter, David

De sonho e de desgraça: o carnaval carioca de

1919 / David Butter. — Rio de Janeiro: Mórula Editorial,

2022.

328 p. ; 21 cm

isbn 978-65-86464-84-9

1. Carnaval – Rio de Janeiro (RJ) – História. 2.

Gripe Espanhola, 1918-1919 I. Título.

22-100481 cdd: 394.2508153

Rua Teotônio Regadas 26 sala 904

20021_360 _ Lapa _ Rio de Janeiro _ RJ

www.morula.com.br _ contato@morula.com.br

/morulaeditorial /morula_editorial


A Oldon e Brum, amigos em vermelho e preto,

E a Silvia Helena, a voz do meu samba,

Que seguem morando aqui.



9 Introdução

15 Dias da Gripe

43 Pré-carnaval (parte 1)

75 Pré-carnaval (parte 2)

125 Sábado

175 Domingo

217 Segunda-feira

245 Terça-feira

289 Cinzas

315 referências

325 agradecimentos



INTRODUÇÃO



cidades têm as suas mitologias. Têm o seu Olimpo e o seu Hades,

o seu rol de deuses e demônios, os seus picos e os seus abismos,

as suas histórias exemplares e os seus vexames, as suas zonas

de indecisão entre fato e lenda. No acervo mitológico do Rio de

Janeiro, o Carnaval de 1919 ocupa uma dessas zonas.

Foi um carnaval iniciado no aniversário de 354 anos da cidade,

primeiro de março, um sábado. Foi o primeiro carnaval depois do

fim da Grande Guerra. Foi também o primeiro carnaval depois

da voragem da Gripe Espanhola, a mais avassaladora pandemia

a abater a cidade até então. Entre setembro e dezembro de 1918,

a doença, inicialmente desprezada, infectou 600 mil pessoas e

matou 15 mil — números aproximados, talvez subestimados, num

universo de cerca de um milhão de habitantes.

Foi um carnaval que, por décadas, povoou as memórias próprias

e emprestadas de cronistas como Nelson Rodrigues, Mário Filho,

Austregésilo de Athayde, Vina Centi e Carlos Heitor Cony — que

nasceu em 1926. Foi um carnaval que passou à posteridade como

de liberação e de alívio, de desejo e de vingança. Foi um carnaval

puxado por pessoas que haviam visto a morte de perto: se não

por terem dela escapado elas mesmas, por terem presenciado,

no mínimo, a agonia de amigos e parentes. No auge, na Terça-

Feira Gorda, o Carnaval de 1919 levou cerca de 400 mil pessoas

ao Centro do Rio de Janeiro, de acordo com a estimativa um tanto

11


livre do jornal A Noite 1 . O que aquelas testemunhas e aqueles sobreviventes

fizeram nas ruas — naquele e noutros dias? O que elas e

eles imaginaram durante e depois da folia?

Nos idos do século XIV, a Peste Negra era enxergada e representada

na Europa como um bailar junto a caveiras rumo à morte.

Eram os tempos da bactéria Yersinia Pestis, que sumiu e voltou em

ondas por meio mundo até o século XIX. Já nos últimos anos da

segunda década do século XX, quem puxou o baile foi a Dansarina,

representação chargística de uma gripe que pegou da Espanha

o nome (e não a origem): a Gripe Espanhola, filha da Primeira

Guerra Mundial. No Carnaval de 1919, o Rio de Janeiro saiu com

a Dansarina às ruas, como memória ainda viva: pulou com ela,

cantou, zombou.

Uma pandemia força a natureza sobre o homem. Enquanto

a doença produz o seu estrago, ela reduz as ilusões a pó, como

num samba de Cartola. Resta o corpo, que, mesmo vestido, nunca

poderia estar tão nu. A cultura, seus credos, suas representações,

suas certezas ancoradas em tudo que é criado, inclusive na

ciência — tudo entra em suspensão. Fica o humano, mais do que

nunca um bicho em seus giros. Acordar. Andar. Arranjar comida

(como for). Comer. Um tanto de loucura. Dormir. Ou não: lutar

para ficar, largar a mão para ir embora, convalescer, desabar ou

levantar. E repetir, tendo a morte como sombra. Mas o carnaval é

o inverso da pandemia. É o triunfo da cultura, da representação,

da brincadeira, do jogo, do humano e também da luta, ritualizada

— assunto “divertido e perigoso”, como descreveu Marcelo D2. É

uma construção coletiva de homens e mulheres em fluxo, criadores

e destruidores de máscaras, todos eles autores e autoras de

discursos sobre costumes e identidades, acontecimentos e anseios,

corpos e natureza.

1

A Noite, Rio de janeiro, 6 mar. 1919.

12


Este livro busca navegar entre relatos e versões para oferecer

um panorama sobre um carnaval real — e também mitificado. É

menos História (não sou historiador), e mais uma história sobre

histórias. Para trilhar o caminho, puxei o fio do tempo: cada capítulo

corresponde a um recorte temporal e a progressão desses

capítulos toma a forma de uma contagem regressiva até o ápice:

a Terça-Feira Gorda.

Boa jornada. Mas, antes: mea culpa, mea culpa, mea maxima

culpa. As falhas e as omissões são todas minhas, ainda que, vá lá,

três por cento delas devam-se a fatores alheios ao meu controle,

como a suspensão das consultas presenciais aos acervos do Arquivo

Nacional e da Biblioteca Nacional sob a pandemia da Covid-19.

Nos acertos e nos erros, este livro é também obra da pandemia.

Desfilamos. Estamos desfilando — mesmo em ideia. Desfilaremos.

Com a veste do pierrô imaginado por Manuel Bandeira em ‘Poema

de uma Quarta-feira de Cinzas’, com a túnica “feita de sonho e

de desgraça”.

13


1ª edição fevereiro 2022

impressão rotaplan

papel miolo pólen soft 80g/m 2

papel capa cartão triplex 300g/m 2

tipografia fs ostro e braga huis


E depois de tanto frenesi, o que aconteceu?

Qual foi o saldo de toda a euforia depois da

guerra e, sobretudo, da peste? Essa talvez

seja a parte mais original e relevante do

livro. E aqui, de novo, podemos nos enxergar

hoje. Mais de um século depois, o Rio ainda

não terá sua esperada revanche. Já são dois

anos de pandemia e o vírus não nos deixa.

Na cidade, as pessoas ocupam as ruas, não

para cantar e dançar, mas para sobreviver.

A violência de uma outra guerra, urbana,

não arrefece. E se parte da população desafia

a ciência e a prudência sem pensar nas

consequências, outra parte carrega o peso

da desigualdade brutal que nos assola.

Estamos longe de poder cantar como os

Fenianos, em 1919: “Não mais a tirania

impera sobre a terra, não mais a fome, a

peste, em todo o seu horror”.

EUGENIA MOREYRA, jornalista.

DAVID BUTTER é jornalista formado pela

Escola de Comunicação da UFRJ e mestre

em Religião na Sociedade Contemporânea

pelo King's College de Londres. Atuou na

televisão e no digital como editor, produtor,

comentarista e diretor em empresas como a

TV Globo. Além de ser destinado ao

Flamengo e à Portela, é nascido numa

família de médicos e de comerciantes de

artigos de Carnaval (dentre outros itens).


Alguns eventos, em virtude dos

impactos e dos múltiplos sentidos que

adquirem, transformam-se em marcos

incontornáveis para a compreensão

da História e das histórias de um povo.

Não estou me referindo à Guerra

do Peloponeso, à Revolução Francesa

ou à queda de Constantinopla, mas

ao Carnaval Carioca de 1919; aquele que

veio depois do fim da Grande Guerra de

1914 e da pandemia de Gripe Espanhola.

Dissecado com maestria pelo jornalista

David Butter — que sabiamente percorre

as encruzilhadas em que a História e o

Mito se encontram e se complementam

— nenhum outro evento foi tão definidor

de uma impressão que tenho e este livro

confirma: o carnaval é uma luta

incessante entre o corpo e a morte.

LUIZ ANTONIO SIMAS, historiador.

ISBN 978658646484-9

9 78 6 5 8 6 4 6 4 8 4 9

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