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III III Na hora de pagar pelos ingressos, uma grata surpresa: havia uma promoção, duas entradas pelo preço de uma. A bilheteira era uma senhora de idade. Ela usava óculos e eu sorri ao pegar meu ingresso, tentando parecer simpática. Ela não me intimidava de forma alguma. Comecei a olhar o interior daquele local. O espaço era pequeno. Da entrada era possível ver uma catraca pintada de laranja. Parecia antiga, um pouco desgastada. Mais ao fundo, à direita, uma espécie de bomboniere com refrigerante, cerveja e até chocolate. “Me sigam”, disse o homem de camisa social e gravata com a lanterna do celular ligado. Do lado esquerdo, havia um homem de bigode sentado em uma cadeira plástica. Ao seu lado, dois banheiros pequenos, com privada. Em cada um deles, havia um homem. Eles nos encararam, parecendo curiosos. Nós éramos pelo menos vinte anos mais novos que eles. À nossa frente, uma cortina grossa separava a entrada da sala do cinema. O homem de gravata entrou primeiro, nos guiando pelo local. Marina foi logo em seguida, depois Pedro e por último eu. Era escuro. Era muito escuro. Era o lugar mais escuro em que eu já tinha entrado na vida. Instintivamente, comecei a tatear o ar, procurando pela mão do meu amigo. Ao encontrar seu pulso, o segurei com tanta força que achei que fosse quebra-lo. O som de uma mulher gemendo ocupava a sala por inteiro. Ao meu lado, eu nada enxergava. E minha falta de coragem me impedia de fazer um esforço extra em busca de rostos. Fomos levados à terceira fileira e logo seguimos até o final dela. As poltronas eram de madeira, sem estofamento, lembrando a de um teatro antigo. “Que merda é essa?”, perguntei ao olhar para a tela. A mulher que gemia estava de quatro. A câmera fazia um close no seu bumbum empinado. Mãos masculinas se moviam por sua vagina e ela gozava. Pedro começou a rir e eu pedi para que ele parasse. “Vamos acabar sendo expulsos desse jeito”. Dois minutos depois, Pedro disse que não poderia ficar sentado ali. “Desse jeito eu não vou ver nada do que as pessoas tão fazendo, a gente deveria se sentar lá atrás”, sugeriu. “Tá muito escuro, não tem como a gente ir”, opinei. Eu não queria correr o risco de me sentar perto de um desconhecido que estivesse verdadeiramente interessado no filme. “Vamos ficar aqui mesmo”, disse Marina. “Eu vou indo”, Pedro avisou e rapidamente ligou a lanterna do celular e seguiu para o fundo da sala. A sala era pequena demais para qualquer cinema que eu já havia frequentado e grande demais para somente um único ar condicionado velho que consegui ver no teto. Estava muito quente lá dentro. Foi a primeira coisa que percebi quando passei pelas cortinas grossas da entrada, que mantinha o ambiente escuro e separado do hall. Seguimos o homem da gravata listrada, que ia nos conduzindo até às primeiras fileiras com a lanterna do celular acesa nas mãos. Sentamos na terceira ou quarta fila mais próxima da tela. As cadeiras sem estofado me fizeram pensar que, dessa forma, a limpeza deveria ser facilitada e que eu não estava sentando em restos de secreções corporais de nenhum estranho. De toda forma, não me espalhei demais, ficando somente no canto da cadeira. Era mais seguro. Com a iluminação do filme, pude perceber que o Cine Especial era mais decadente do que achei numa primeira impressão. O teto descascando e com mancha de infiltração, o reboco das paredes caindo aos pedaços, o chão com lâminas de emborrachado escuro, a tela muito pequena. O filme que estava passando era péssimo, muito violento e nem um pouco excitante. Foi a primeira vez na vida que vi um pornô, mesmo heterossexual, sem ficar nem um pouco excitado. Duas mulheres gritavam escandalosamente, enquanto fingiam sentir prazer e dois homens botavam pra lascar nelas. Não percebi nada de prazeroso para elas e, eles não faziam meu tipo, eram musculosos demais. Aquilo não era excitante. Pelo menos não para mim. No lugar em que estávamos sentados, não havia como ver muito mais do que o filme. Avisei às meninas que ia mudar de lugar, convencendo-as de que estava tudo bem, de que eu ficaria bem “sozinho”. Levantei e fui andando para trás pelo corredor central que separava as cadeiras. Vi vários homens, a maioria barrigudo e careca, de pé, atrás de uma mureta que havia por trás da última fila, no lado oposto da tela. Um lugar privilegiado para ver o que acontecia na sala. Sentei na terceira ou quarta fileira mais próxima a eles. Agora, podia ver quase todas as cadeiras – vazias, com exceção de Cecília e Marina lá na frente e um homem magro e muito quieto no meio da sala. Depois de alguns minutos vendo o filme que continuava muito violento e sem graça, comecei a ouvir um barulho diferente. Imaginei ser a fivela de um cinto batendo em outra superfície. Aquele barulho não era do filme. Instintos mode on. 25