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ZEMARIA 01

Edição 1/ Fev2017

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O DIREITO DE<br />

GOZAR<br />

Aquarius: um filme onde o sexo é metáfora da própria vida<br />

Pedro Jordão<br />

Marcado pelas resistências políticas – o que é de se esperar de<br />

um filme de Kleber Mendonça Filho – Aquarius recebeu do<br />

Ministério da Justiça a classificação indicativa para maiores<br />

de 18 anos, a única que é restritiva e não apenas sugestiva. De<br />

acordo com o ministério, a classificação havia sido aquela porque o filme<br />

apresenta uma “situação sexual complexa”. Resta entender o que isso significa.<br />

Lançado em setembro de 2<strong>01</strong>6, Aquarius conta a história de Clara (Sônia<br />

Braga), uma mulher viúva, aposentada, mãe de três filhos, que enfrentou um<br />

câncer e perdeu um seio. Clara é dona de um apartamento em um prédio antigo<br />

na praia de Boa Viagem, em Recife, que enfrenta as investidas de uma construtora<br />

que quer demolir o edifício para substitui-lo por um grande empreendimento. Ao<br />

longo da narrativa que trata sobre a preservação da memória, Clara se confunde<br />

com o edifício. Ela é Aquarius. Ela é a memória viva que quer permanecer viva.<br />

Mas, solitária, mãe e viúva, Clara não tem relações amorosas e não faz sexo. E<br />

os filhos quase não a enxergam mais como mulher, mas apenas como mãe e avó.<br />

Assim, o rosto daquela que foi, por muitos anos, considerada a mulher mais<br />

bonita e sensual do Brasil, após interpretar Gabriela em uma telenovela baseada<br />

no romance de Jorge Amado, é o mesmo de Clara, anos depois. Mas, diferente de<br />

Gabriela, Clara é velha e, aos poucos, percebe que não pode ser sensual, bonita, ter<br />

desejos, foder. Pelo menos é o que a sociedade – como aparece nas entrelinhas do<br />

filme – tenta lhe impor. Clara percebe que se tornou tia Lucia, uma personagem<br />

que aparece no começo do filme sendo homenageada pelos sobrinhos-netos em<br />

seu aniversário de 70 anos. A homenagem consiste em relatar os méritos que ela<br />

teve no passado. “Tia Lucia foi uma danada”, lê um deles, enquanto a senhora<br />

com o pensamento distante relembra das transas e posições que havia feito com<br />

seu falecido marido naquele mesmo lugar – o apartamento do edifício Aquarius.<br />

Rodeada de metáforas do esquecimento e da troca do antigo pelo novo, como<br />

na cena em que vai ao cemitério, Clara decide tomar as rédeas das situações, o que<br />

se vê na evolução da história pelas três partes do filme. Ela descobre as fraquezas<br />

da empreiteira e também as da sociedade. Diz a todos para a enxergarem de<br />

verdade, não como querem vê-la; sai para dançar; namora; beija e contrata um<br />

garoto de programa, com quem transa na sala de casa. “Eu quero que você me<br />

coma”, diz Clara derramando a última gota d’água na “situação sexual complexa”<br />

que o filme constrói ao contar a história que é, na verdade, de todas as mulheres<br />

que envelheceram, mas que não deixaram de desejar, sentir prazer e gozar.<br />

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