You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
O SAMBA DO MORTO<br />
- E eu me chamo Adoniran Barbosa, a seu serviço doutor.<br />
- Escute Adoniran, sigamos então, vamos sair <strong>de</strong> frente<br />
<strong>de</strong> este tumulo <strong>de</strong> dor. Deu uma última olhada a casa em luto e<br />
começou a caminhar.<br />
Assim seguiam os três, o estranho a frente e os dois amigos<br />
incrédulos atrás. O estranho falava da noite e <strong>de</strong> tudo que gostava<br />
nela. Como da noite saiam à inspiração para mais lindas poesias<br />
e musicas. Quando estavam perto do viaduto Santa Ifigênia<br />
o estranho parou, num canto entre um poste e um jogo <strong>de</strong> escadas<br />
que <strong>de</strong>scia rumo a viela da figueira, havia ali uma macumba. Uma<br />
imensa tigela <strong>de</strong> barro com farofa, frango e especiarias diversas.<br />
O estranho ficou parado como se estivesse hipnotizado, abaixou<br />
e sem pestanejar pegou a garrafa <strong>de</strong> champagne abrindo-a com<br />
facilida<strong>de</strong>, sorveu num gole longo a bebida. Fazendo um som <strong>de</strong><br />
satisfação.<br />
- Desculpe-me a falta <strong>de</strong> educação, mas estava com muita<br />
se<strong>de</strong>. De on<strong>de</strong> vim o calor torrava minha alma e uma boa bebida<br />
como esta não <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>sperdiçada. Querem um gole? Falou o<br />
estranho limpando a boca com a manga do terno.<br />
- Obrigado doutor, mas estamos cheios <strong>de</strong> bebida. Desconversou<br />
Adoniran, que agora estava estranhamente assustado<br />
com o estranho, olhando a figura <strong>de</strong> branco que bebia com um<br />
gosto <strong>de</strong> um perdido no <strong>de</strong>serto escaldante. No ar o cheiro forte<br />
<strong>de</strong> rosas que agora se acentuava, um temor forte crescia em seu<br />
coração. Imaginava que se estava morrendo <strong>de</strong> medo daquele jeito,<br />
como estaria o Joca? E olhando o amigo encontrou uma figura<br />
pálida que suava frio <strong>de</strong> olhos estatelados <strong>de</strong> medo. Soube então<br />
que estava diante <strong>de</strong> um morto! Joca fez um movimento com se<br />
quisesse correr, mas Adoniran lhe acenou discretamente, com as<br />
mãos, enquanto o morto bebia o último gole da garrafa.<br />
- O amigo ainda não falou o motivo <strong>de</strong> tão inusitada visita.<br />
Perguntou Adoniran <strong>de</strong> forma cautelosa. No rosto do morto<br />
se formou um sorriso empe<strong>de</strong>rnido. Seus <strong>de</strong>ntes possuíam tom<br />
amarelo, seco.<br />
- Ainda tenho se<strong>de</strong>... Sim amigo, não contei o quero aqui.<br />
21