Sangue Latino - Revista Filme Cultura - via: Ed. Alápis
Filme Cultura é uma realização viabilizada pela parceria entre o Centro Técnico Audiovisual – CTAv/SAV/MinC e a Associação Amigos do Centro Técnico Audiovisual – AmiCTAv. Este projeto tem o patrocínio da Petrobras e utiliza os incentivos da Lei 8.313/91 (Lei Rouanet).
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e a Associação Amigos do Centro Técnico Audiovisual – AmiCTAv.
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por Orlando Senna<br />
Influxos afro-latinos na relação<br />
entre Cuba e o cinema brasileiro<br />
SANGUE<br />
LATINO<br />
A relação das culturas cubana e brasileira existe, pelo menos, desde o século<br />
XVIII, com a música fazendo o ponto de contato. Em seu livro Desde quando o samba é<br />
samba (Planeta, 2012), Paulo Lins nos conta a virada do samba em 1928, quando apareceu<br />
o samba de avenida e a primeira Escola de Samba, e registra a popularidade da música de<br />
Cuba no Rio de Janeiro na época (junto com a da Argentina e a de Portugal). Os sambistas<br />
do Estácio querem tirar os instrumentos de sopro para que o realce sejam os tambores,<br />
enfrentam reações e um deles diz que sopro “é pra argentino, cubano, português, que<br />
vivem cantando essa música de corno que eles cantam… parece que estão chorando”.<br />
Se referiam ao tango, ao bolero e ao fado. Mas a história vem de antes e é mais profunda,<br />
tem a ver com sangue e escravidão.<br />
Até o século XVIII os negociantes europeus destinavam a metade de seus 100 mil escravos<br />
africanos anuais às Antilhas e a outra metade a portos diversos. Já no século XIX os destinos<br />
eram apenas Brasil e Cuba. Para evitar sedições e quilombos, os ditos negociantes<br />
separavam as famílias – pai para Cuba, filho para o Brasil, mãe para Havana, filha para a<br />
Bahia. Ou seja, além da identidade étnica (os escravos eram majoritariamente das culturas<br />
iorubá e banto), nossas populações têm laços de parentesco. Em ambos os países uma nova<br />
música apareceu na confluência de harmonias e ritmos africanos e europeus – espanhóis em<br />
Cuba gerando o sonportugueses no Brasil gerando o samba (e não esquecer os franceses<br />
no Sul dos Estados Unidos gerando o jazz). Então era natural que músicos afro-cubanos e<br />
afro-brasileiros, envolvidos em uma invenção artística que iria transformar a musicalidade<br />
do Ocidente e com laços de parentesco, estabelecessem uma ponte entre o Mar do Caribe<br />
e o Atlântico Sul.<br />
Se há uma pedra no sapato nessa relação consanguínea dos dois países, é uma pedra de<br />
açúcar. As economias escravistas fizeram de Cuba e Brasil os maiores produtores mundiais<br />
de café e de açúcar. A produção cubana teve muito a ver com a queda do Brasil do primeiro<br />
para o quinto lugar como país exportador de açúcar, no século XIX, o que desordenou a<br />
economia brasileira. Hoje o Brasil domina o mercado mundial e Cuba se sente prejudicada<br />
com os preços baixos oferecidos pelo Brasil (que produz seu açúcar aos menores custos do<br />
mundo). Fora esse longo atrito açucareiro e os 22 anos em que estiveram com as relações<br />
diplomáticas rompidas, de 1964 a 1986, a amizade cubano-brasileira se desenvolveu em<br />
clima de romance tropical. Hoje o Brasil é o oitavo maior fornecedor de produtos para Cuba<br />
e apoia as reformas que estão sendo realizadas por Raúl Castro, que tocam em questões<br />
sensíveis como direitos humanos, religião e organização política, além de uma liberalização<br />
gradual da economia (buscando, acredito, um “capitalismo de estado” diferenciado dos<br />
formatos da China e da Coreia do Norte).<br />
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filmecultura 57 | outubro · novembro · dezembro 2012<br />
Dossiê SANGUE LATINO