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A Noiva Fantasma - Yangsze Choo

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dentro. Estava embalado em papel pardo e amarrado com um barbante.<br />

Agarrei-o com as duas mãos e franzi o cenho. Depois da experiência aterradora<br />

da noite anterior, eu estava receosa de qualquer coisa vinda daquela família.<br />

Mas o pacote era uma peça de batique, lindamente estampada com motivos<br />

florais em índigo e rosa claro. Havia um bilhete de Yan Hong.<br />

Você esqueceu seu prêmio por ter ganhado a competição das<br />

agulhas. Espero vê-la novamente. Com os melhores cumprimentos etc.<br />

“Muito bonito”, disse Amah, aprovando.<br />

Para ela, a melhor parte da noite havia sido o fato de eu ter<br />

ganhado a competição. Eu fora forçada a contar aquilo diversas vezes, para seu<br />

deleite, e até a ouvira se gabando para o cozinheiro. Nunca havia me saído bem<br />

nas artes femininas, e suspeitava que Amah se sentia mal por causa disso.<br />

“Lendo, lendo!”, ela grunhia, e arrancava qualquer livro que eu tivesse em mãos.<br />

“Você vai estragar a vista, assim!” Uma vez argumentei que aquele trabalho de<br />

costura faria a mesma coisa, mas ela nunca me ouviu. Esta peça de tecido era a<br />

melhor coisa que eu podia trazer para casa, depois de uma proposta de<br />

casamento.<br />

Ainda que não admitisse, eu também estava contente. Balancei o<br />

tecido e alguma coisa brilhante caiu de suas dobras.<br />

“O que é aquilo?”, perguntou Amah. Seus olhos aguçados nunca<br />

perdiam nada.<br />

“É um relógio de bolso.”<br />

“Isso faz parte de seu prêmio?” Era um relógio masculino, de<br />

latão, com uma face redonda e ponteiros delicados. “Isso é muito estranho. Nem<br />

parece novo. E por que Yan Hong lhe daria um relógio? Isso dá azar.”<br />

Ela parecia aflita. Nós chineses não gostamos de dar ou receber<br />

alguns presentes, por superstição: facas, porque você pode cortar<br />

relacionamento; lenços, porque eles carregam pranto; e relógios, por que eles<br />

são feitos para medir a passagem dos dias de sua vida. Se algum deles é dado, o<br />

presenteado costuma pagar um valor simbólico para representar que aquilo foi<br />

uma compra, e não um presente. Meu coração batia tão forte que eu temia que<br />

Amah pudesse ouvi-lo. Eu tinha quase certeza de já ter visto aquele relógio<br />

antes.<br />

“Deve ter caído no embrulho por acidente”, eu disse.<br />

“Que negligência! Se não é seu, você não deve ficar com ele.”<br />

“Perguntarei a Yan Hong, se a vir outra vez.”<br />

Deixei Amah meneando a cabeça e escapei para meu quarto,<br />

onde examinei o achado. Ela estava certa, não era um relógio novo. Havia<br />

arranhões no tampo de latão e a corrente tinha sido perdida. Quanto mais eu o<br />

olhava, mais tinha certeza de que era o mesmo relógio que Tian Bai estava<br />

consertando na primeira vez que nos vimos.<br />

Nos romances que eu lera, as heroínas continuamente falavam<br />

sobre algum símbolo de amor que trocavam, fosse um grampo de cabelo, uma<br />

pedra de tinta ou, com mais ousadia, um sapatinho usado em pés atados. Eu<br />

sempre os considerara ridículos. Mas agora, com aquele relógio entre as mãos,<br />

eu ouvia seu tiquetaquear como se fosse o pulsar do coração de um passarinho.

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