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04 Geral<br />
Foz do Iguaçu, quarta-feira, 25 de outubro de 2017<br />
PARAGUAI<br />
Estudantes de Medicina mudam a<br />
rotina e a economia de Foz do Iguaçu<br />
Pesquisa mostra que eles já somam quase 16 mil pessoas em<br />
sete faculdades de Ciudad del Este<br />
Abilene Rodrigues<br />
Reportagem (Revista Sobre Rodas)<br />
Eduarda, Liana e<br />
Andressa têm um sonho<br />
comum: ser médicas.<br />
Elas se juntam a<br />
outros quase 16 mil<br />
brasileiros* que vieram<br />
de várias partes do Brasil<br />
para cursar Medicina<br />
no Paraguai, em uma<br />
das sete universidades<br />
de Ciudad del Este. E<br />
este sonho está mudando<br />
a rotina e a economia<br />
de Foz do Iguaçu,<br />
cidade vizinha. Os sotaques<br />
antes escutados<br />
apenas em pontos turísticos<br />
agora são sons<br />
comuns nos restaurantes,<br />
salões de beleza,<br />
mercados, pontos de<br />
ônibus, bancos e praças.<br />
"Desde 2016 percebemos<br />
uma maior frequência<br />
de estudantes<br />
no nosso supermercado.<br />
A vinda deles movimenta<br />
a economia, seja no<br />
comércio, na prestação<br />
de serviço e, sobretudo,<br />
no setor de imóveis",<br />
afirmou Clauri Ferrari,<br />
gerente do Supermercado<br />
Muffato.<br />
Não é à toa que pequenos<br />
hotéis estão sendo<br />
transformados em<br />
pensões. Os aluguéis<br />
R<br />
dos quartos não são<br />
mais diários, mas mensais.<br />
Empresários estão<br />
construindo prédios<br />
com apartamentos de<br />
um quarto para atender<br />
a esse público que cresce<br />
a cada dia. Outros,<br />
que construíram quitinetes<br />
pensando em alugar<br />
para iguaçuenses,<br />
surpreenderam-se com<br />
os inquilinos.<br />
Samuel Félix é um<br />
deles. No início de<br />
2016, terminou a construção<br />
de quatro quitinetes<br />
na região central<br />
de Foz. Nem chegou a<br />
anunciar. Um conhecido<br />
indicou para um jovem<br />
que estava vindo<br />
de São Paulo para morar<br />
em Foz e estudar no<br />
Paraguai. "Ele foi o primeiro,<br />
depois, em poucos<br />
dias, os próprios<br />
colegas de faculdade se<br />
interessaram. Hoje parece<br />
uma república de<br />
estudantes", contou.<br />
Ettore Mori, o primeiro<br />
inquilino, veio<br />
sozinho. Mas meses depois<br />
os pais deixaram<br />
São Paulo para aproveitar<br />
as oportunidades do<br />
país vizinho. Hoje moram<br />
em Ciudad del<br />
Este. "Eu já tinha faculdade<br />
de Educação Física,<br />
mas sempre sonhei<br />
Dra. Ana Brito e Dr. Besaleel com a pequena<br />
Ana Rodrigues Félix<br />
Eduarda, Liana e Andressa sonham em ser médicas;<br />
a opção foi estudar no Paraguai<br />
em ser médico. No Brasil<br />
seria impossível.<br />
Acabei convencendo<br />
meus pais, e aqui estamos<br />
há quase dois<br />
anos."<br />
Liana Guimarães,<br />
mais conhecida como<br />
"Liah", tem 38 anos. Já<br />
tinha uma vida estável<br />
em São Paulo, era enfermeira,<br />
mas como boa<br />
parte das enfermeiras,<br />
apaixonadas pela área<br />
da saúde, queria ser<br />
médica. E acabou aliando<br />
o sonho aos pedidos<br />
da sobrinha Eduarda,<br />
de 18 anos, a vir com<br />
ela para cursar Medicina<br />
no Paraguai. "Estou<br />
adorando o curso. No<br />
primeiro ano não foi fácil,<br />
pois nunca tinha<br />
tido contato com o espanhol.<br />
Agora já estou<br />
mais acostumada."<br />
Andressa França<br />
veio do Maranhão. Desde<br />
a infância queria cuidar<br />
de pessoas. Muitas<br />
vezes, utilizava as bonecas<br />
como pacientes.<br />
Primeiro tentou no Brasil,<br />
fez o Exame Nacional<br />
do Ensino Médio<br />
(ENEM) várias vezes,<br />
mas a nota foi insuficiente<br />
para ingressar em<br />
uma faculdade de Medicina.<br />
Depois tentou<br />
estudar na Argentina;<br />
no final acabou optando<br />
pelo Paraguai. Agora,<br />
no terceiro ano, ela<br />
acredita que o sonho<br />
está bem mais próximo<br />
de se tornar realidade.<br />
"Só vou embora com<br />
meu diploma na mão. O<br />
que parecia utopia, agora,<br />
está perto do real."<br />
Impossível no Brasil<br />
O impossível para<br />
Ettori, Andressa, Liana<br />
e Eduarda, assim como<br />
para tantos outros, está<br />
na grande concorrência<br />
dos vestibulares nas universidades<br />
públicas e,<br />
no caso das privadas, no<br />
valor. O preço da mensalidade<br />
no país vizinho<br />
e quase dez vezes menor<br />
se comparado ao<br />
brasileiro. "O valor que<br />
gastamos nas nossas<br />
duas mensalidades, mais<br />
o custo para morar em<br />
Foz, é ainda menor se<br />
comparado ao valor de<br />
São Paulo", contou<br />
Eduarda Guimarães.<br />
Compensa estudar no<br />
Paraguai?<br />
Embora tenha levado muitos anos para conseguir<br />
o registro de médico no Conselho Regional de<br />
Medicina (CRM), o ginecologista e obstetra<br />
Besaleel Dias afirma que sim. "Quando comecei a<br />
faculdade em 1992, meu pai era sapateiro e não<br />
tinha condições de pagar um curso de Medicina<br />
no Brasil, então descobri Villarrica, no Paraguai<br />
[distante 240 quilômetros de Foz do Iguaçu]. Foi a<br />
solução para mim", relembrou. Na época,<br />
atravessar a fronteira para estudar não era muito<br />
comum. "Éramos uns cinco brasileiros. Bem<br />
diferente de hoje. Não era fácil."<br />
Segundo Dias, a pouca procura era justamente<br />
pela dificuldade de validar o diploma. A prova do<br />
Ministério da Educação, o Revalida, para quem<br />
cursou Medicina fora do Brasil poder atuar como<br />
médico no país era muito burocrática, complicada<br />
e cara. E era feita a cada cinco anos. Muitos<br />
documentos precisavam ser traduzidos do<br />
espanhol para o português. "Cheguei a transferir o<br />
curso para universidades brasileiras. Queria<br />
concluir no Brasil, mas não deu. Acabei me<br />
formando no Paraguai. Depois de formado,<br />
precisei esperar cinco anos para fazer a prova. A<br />
vantagem é ter estudado muito", contou.<br />
A prova da recompensa<br />
Ele é o financiador e o grande incentivador do<br />
filho, Besaleel Filho. "Hoje, além de vários<br />
convênios entre os dois países, fazer a prova ficou<br />
muito mais simples." Basta pagar a inscrição, que<br />
nas duas fases soma pouco mais de R$ 600. Ainda<br />
há cursos preparatórios.<br />
"Não passei, não estou passando e, com certeza, não<br />
passarei pelas dificuldades pelas quais meu pai<br />
passou. Mas, até por isso, eu o admiro muito. Um<br />
vencedor. E um grande médico", disse Filho.<br />
De acordo com ele, mais importante que pensar no<br />
CRM é estudar em uma boa faculdade e ter bons<br />
professores. E, sobretudo, gostar da profissão. Ser<br />
médico é quase um sacerdócio. É uma paixão. Um<br />
vício, pois o trabalho é árduo. Nos primeiros anos,<br />
passa-se a maior parte do tempo no trabalho que<br />
com a família. "A minha faculdade é muito boa.<br />
Vou me formar em 2018 como cirurgião geral,<br />
mas depois quero fazer especializações no Brasil."<br />
(A jornalista Abilene Rodrigues, da Revista Sobre Rodas, enviou<br />
gentilmente a reportagem para ser publicada na Gazeta Diário)<br />
* Dado da Quality Cursos<br />
Besaleel Filho segue os mesmos passos do pai, mas<br />
com muito mais facilidade