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V - Brasiliana USP

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34 LUIZ<br />

inspirado; aquelle, como zeloso portuguez, teve raros competidores, como poeta<br />

não teve um só rival. ,. .. . . . n .<br />

As cinzas do Camões, piedosamente buscadas e recolhidas, ha vinte e cinco<br />

annos por uma diligente commissão de homens de letras, jazem obscuramente, depostadas<br />

na igreja do convento de SanfAnna, sem túmulo, nem campa, nem epitaphio,<br />

nem um simples nome, que no seu laconismo nos esteja dizendo perennemente:<br />

«Aqui está o espolio mortal de um egrégio portuguez, de um vate ílluslre,<br />

a quem os seus deixam esquecido n'um desvão, como se até aqui Portugal se comprazêra<br />

em desprezar os restos gloriosos dos seus mais beneméritos varões.».<br />

Todas as nações, que se prezam de cultas, ás relíquias dos seus filhos mais<br />

insignes em sciencias, em letras, em feitos memoráveis, não somente lhes dão honrada<br />

sepultura, mas sagram-lhes grandiosos monumentos noslogares onde repousam<br />

as cinzas dos heroes.<br />

A Inglaterra tem na cathedral de S. Paulo e na abbadia de Westminster a<br />

fúnebre galeria dos nomes, em que estão compendiadas as glorias multiformes da<br />

nação. Somente os portuguezes mais illuslres da epocha verdadeiramente heróica de<br />

Portugal não têem, na maior parle, nem sequer modestíssimo ossuario onde os<br />

seus ossos repousem guarecidos de ultraje e profanação. É preciso que Portugal,<br />

no honrar os grandes homens, siga o exemplo e o dictado, não diremos já das<br />

nações policiadas e modernas, senão das próprias tribus rudes eincullissimas, que<br />

nas idades mais remotas erigiram, segundo lh*o consentia a sua arte grosseira e<br />

primitiva, monumentos funerários aos seus próeeres. Não queiramos que se diga<br />

oe nós outros portuguezes, que por uma grangearia interesseira, e material e egoísta<br />

consideração, perfilhámos como nossas as glorias dos nossos grandes homens de<br />

outras eras, e desdenhámos, como herança inútil e mesquinha, o pó, que elles despiram,<br />

quando o espirito voou. Honremo-nos com os cânticos heróicos do poeta,<br />

mas acatemos a cinza veneranda, em que o seu corpo se volveu. Aspiremos o<br />

suavíssimo perfume do seu gênio depois que se derramou e diffundiu, mas não<br />

deixemos desprezados e esparzidos os pedaços do vaso precioso, que durante a<br />

existência terrenal o recolheu e recatou.<br />

A celebração dp centenário é o ensejo opportuno para trasladar pomposamente<br />

as cinzas do Camões. A academia pensa, que entre todas as demonstrações de veneração<br />

ao nome do poeta, nenhuma ha tão valiosa e tão significativa como-o sagrar<br />

jazigo honroso á sua ossada.<br />

Ha, porém, outro homem não menos glorioso, cujos despojos, trocada a gloria<br />

antiga pelo olvido e desamparo, jazem na Vidigueira, talvez a estas horas profanados<br />

e revoltos na jazida. Aquelles ossos foram o fortiásimo arcabouço em que<br />

se firmou a maior gloria de Portugal. N'aquella cinza, hoje esquecida, se levantou<br />

como em solido cimento o antigo e florente império portuguez nas regiões ultramarinas.<br />

Se o Camões desde âs ethereas pasagens, onde revoa, podesse ver que<br />

trasladavam os seus ossos e deixavam •deslembrados e obscuros os restos do seu<br />

heroe, então acabaria de descrer inteiramente da justiça e da pátria que cantou.<br />

Mudemos, pois, a jazigo illustre as relíquias d'aquelles dois-grandíssimos varões,<br />

que são, por assim dizer, os gêmeos da gloria nacional, d'aquelles que personificam<br />

nobremente os dois aspectos da civilisação de Portugal, a conquista e<br />

a poesia; de um, que nos deu a nós e á velha Europa um mundo novo; do outro,<br />

que nos sagrou a nós e á litteratura universal a primeira epopéa das modernas<br />

gentes europeas.,<br />

Um vinculo moral liga estreitamente na tradição e nos fastos nacionaes os<br />

nomes de Camões e Vasco da Gama. É a espada e a tuba de Portugal. Andaram<br />

sempre unidos. São os dois elementos da nossa gloria. Por elles nos conhece e nos<br />

venera o inundo inteiro. Por elles entrámos na communhão universal. D'elles vivemos<br />

ainda hoje, no que tem de espiritual e despida de lucros materiaes a nossa<br />

vida de nação. N'elles estriba ainda hoje, porventura, o respeito pela nossa independência.<br />

Unamos, pois, as cinzas, como sempre temos trazido juntas as memórias.<br />

Encerre o mesmo templo os ossos dos dois primeiros homens de Portugal.

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