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OPINIÃO<br />
Em defesa da Água<br />
A<br />
ilha da Madeira é conhecida<br />
por possuir água em<br />
abundância, e em anos<br />
‘normais’ não deixa de ser verdade,<br />
mas cada vez mais esta ideia<br />
tem dificuldade em corresponder<br />
à verdade. Embora, em média, a<br />
Madeira possua muito mais água<br />
disponível do que aquela que consome<br />
nas atividades humanas, a<br />
verdade é que a sua disponibilidade<br />
é cada vez mais variável, com<br />
os meses de verão a imporem dificuldades<br />
na gestão deste recurso,<br />
e sendo cada vez mais frequentes<br />
os anos hidrológicos secos. As<br />
alterações climáticas estão já aí<br />
para dificultar ainda mais a gestão<br />
dos recursos hídricos, com previsões<br />
de redução da precipitação<br />
que podem atingir os 40% até<br />
2050 e de 50% até ao fim do século,<br />
exigindo medidas que melhorem<br />
a nossa capacidade de responder<br />
às necessidades com quantidades<br />
inferiores. A Região possui desde<br />
2008 um Plano Regional da Água<br />
e uma versão recente (de 2016) do<br />
Plano de Gestão da Região Hidrográfica<br />
do Arquipélago da Madeira,<br />
documentos estes importantes<br />
para nos orientar no caminho certo.<br />
Mas não basta a existência destes<br />
documentos, é essencial que<br />
os conhecimentos que reúnem, e<br />
as medidas e regras que definem,<br />
sejam aplicados. Para complementar<br />
estes planos, seria desejável<br />
ainda a existência de um Programa<br />
para o Uso Eficiente da Água,<br />
à semelhança do que existe a nível<br />
nacional, e a disponibilidade de<br />
recursos humanos e financeiros<br />
para investir de forma eficaz na<br />
promoção da literacia ambiental,<br />
A Região possui<br />
desde 2008 um<br />
Plano Regional da<br />
Água e uma versão<br />
recente (de 2016) do<br />
Plano de Gestão da<br />
Região Hidrográfica<br />
do Arquipélago da<br />
Madeira, documentos<br />
estes importantes<br />
para nos orientar no<br />
caminho certo. Mas<br />
não basta a existência<br />
destes documentos,<br />
é essencial que os<br />
conhecimentos que<br />
reúnem, e as medidas<br />
e regras que definem,<br />
sejam aplicados.<br />
Hélder Spínola<br />
na redução das perdas ao longo das<br />
redes de distribuição, na proteção<br />
contra a poluição das nossas ribeiras<br />
e lenções freáticos, e na recuperação<br />
do coberto florestal indígena,<br />
essencial para a recarga das<br />
nossas reservas hídricas. Os problemas<br />
que mais afetam os recursos<br />
hídricos resumem-se à poluição e<br />
à escassez sendo, por isso, estes os<br />
que devem merecer prioridade na<br />
implementação de soluções. A prevenção<br />
da poluição implica muito<br />
cuidado relativamente às atividades<br />
que são desenvolvidas a quotas<br />
mais elevadas, não sendo de descurar<br />
a poluição difusa provocada<br />
pelos derrames de óleos que todos<br />
sabemos acontecer ao longo das<br />
vias de comunicação. As zonas de<br />
recarga dos aquíferos e as linhas<br />
de água, inclusive a quotas mais<br />
baixas, têm de estar protegidas de<br />
fontes de poluição bacteriológica<br />
ou química, não sendo admissível<br />
que continuem a ocorrer descargas<br />
de esgotos não tratados e a<br />
aplicação descontrolada de biocidas<br />
e adubos químicos nestas zonas<br />
mais sensíveis. Promover a recarga<br />
dos nossos aquíferos e fomentar<br />
os caudais nas nossas ribeiras<br />
pressupõe a proteção e expansão<br />
do manto florestal indígena.<br />
Já D. Manuel I, em Carta Régia<br />
de 1515, estabelecia medidas de<br />
proteção do arvoredo em zonas de<br />
nascentes ou águas correntes pois<br />
sabia da importância da vegetação<br />
na preservação dos recursos hídricos.<br />
Também D. João IV, em Carta<br />
Régia de 1641, condenava o abate<br />
de árvores por prejudicar a condensação<br />
atmosférica, o regime<br />
das chuvas e, consequentemente,<br />
os caudais das levadas e das fontes.<br />
Seria estranho que hoje, na<br />
entrada para o ano 2018, algum<br />
responsável pelo governo da nossa<br />
sociedade não estivesse consciente<br />
da importância em recuperar o<br />
coberto florestal, mas, infelizmente,<br />
não são assim tão raras as evidências<br />
de que tal impreparação<br />
ainda existe. Hoje está confirmado<br />
por evidência científica algo que<br />
já se sabe há séculos, que a vegetação<br />
autóctone nas nossas serras é<br />
essencial para a captação de água<br />
através do contacto com os nevoeiros<br />
(precipitação oculta). Uma única<br />
urze pode captar, para cada<br />
metro quadrado de solo debaixo da<br />
sua copa, mais de 40 litros de água<br />
por dia de nevoeiro. Está provado<br />
que as águas captadas através de<br />
furos e galerias para abastecimento<br />
na ilha da Madeira provém de<br />
uma mistura de contributos da chuva<br />
e da precipitação oculta e, particularmente<br />
no verão, este último<br />
contributo é muito relevante. Cerca<br />
de 34% da água captada no verão<br />
numa zona de floresta Laurissilva é<br />
através da precipitação oculta, e a<br />
própria chuva quando cai em zonas<br />
desflorestadas tem muito mais dificuldades<br />
em se infiltrar, escorrendo<br />
facilmente para as ribeiras e,<br />
destas, para o mar, perdendo-se.<br />
Proteger a renovação dos nossos<br />
recursos hídricos implica proteger<br />
as nossas florestas indígenas, significando<br />
isto a prevenção dos incêndios,<br />
o combate às espécies invasoras,<br />
como os eucaliptos e as acácias,<br />
e não permitir que se volte ao<br />
passado no que diz respeito à carga<br />
excessiva de gado em pastoreio nas<br />
nossas serras. ><br />
Biólogo/Professor Universitário<br />
6 saber | Dezembro | 2017