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Revista literalivre - 7ª edição

7ª Edição da Revista LiteraLivre, uma revista virtual e ecológica, criada para unir autores que escrevem em Língua Portuguesa em todo o mundo. 7nd Edition of LiteraLivre Magazine, a virtual and ecological magazine, created to bring together authors who write in Portuguese throughout the world. Http://cultissimo.wixsite.com/revistaliteralivre/comoparticipar

7ª Edição da Revista LiteraLivre, uma revista virtual e ecológica, criada para unir autores que escrevem em Língua Portuguesa em todo o mundo. 7nd Edition of LiteraLivre Magazine, a virtual and ecological magazine, created to bring together authors who write in Portuguese throughout the world. Http://cultissimo.wixsite.com/revistaliteralivre/comoparticipar

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LiteraLivre nº 7 – janeiro de 2018<br />

Carlos Almeida<br />

Viseu - Portugal<br />

No Fundo do Poço<br />

Os gritos da sirene preenchendo a extensão da longa e estreita rua<br />

assemelhavam-se aos uivos do vento em digressão cortando as esquinas das<br />

tardes de inverno. O carro gigantesco dos bombeiros aproximava-se do fundo da<br />

rua onde se acotovelavam algumas criaturas atropelando vocabulário<br />

ensurdecedor, gesticulando sobre as sombras já caídas das árvores e das<br />

fachadas rústicas. Um rapazito sobressaltado acorreu em passo acelerado à<br />

chegada dos bombeiros. O rapazito tinha uma história para contar. O rapazito era<br />

senhor de um gatinho ainda bebé, bichano encontrado ali mesmo no final da<br />

longa rua, animal assustado e esfomeado, logo arrancado da rua e apresentado à<br />

família com a fama de andarilho.<br />

Não descansava o petiz enquanto não chegava da escola, as mãos e as<br />

brincadeiras enredando o gatito em longas investidas desde os cantos da sala até<br />

aos ângulos do quintal. Uma única e frondosa cerejeira refrescava o espaço do<br />

quintal aberto à inclemência do sol de tardes escaldantes. O gatito depressa<br />

descobriu todos os recantos e labirintos da moradia, em poucas semanas<br />

conquistando peso e os corações da família. O quintal ao final da tarde tornavase<br />

um espaço apetitoso, a copa da árvore frutífera logo descoberta e tornada<br />

floresta gigantesca para as aventuras do bichano irreverente.<br />

Não descansava o bichano na ânsia e deslumbre em conquistar os espaços<br />

abertos e fechados, as alturas e os esconderijos, arriscando ficar prisioneiro em<br />

algum buraco ou tubo mais apertado, dando-se a cheirar com estranho empenho<br />

todas e quaisquer substâncias ou objetos espalhados pelo condomínio. Não<br />

descansava ele nem o rapazito atarefado e ansioso nas correrias ao encontro dos<br />

disparates e fugas precipitadas do gatito, a algazarra de um transformada no<br />

divertimento do outro. Até que naquele dia a tragédia se instalara: o diabo do<br />

bichano descobrira um antiquado e mal protegido e profundo poço seco e por ele<br />

perdera – se de amores, o corpito apertado lançado adentro do poço quiçá atrás<br />

de algum bichito dos matos até se estatelar bem no fundo de uns dez metros de<br />

escuridão, o corpito assustado miando em gritos à espera de um gesto salvador.<br />

O petiz mirava em lágrimas a enorme viatura dos bombeiros, o petiz mirava de<br />

rosto em lágrimas os rostos comprometidos de todos os bombeiros equipados<br />

descendo da enorme viatura, o petiz gesticulava em lágrimas ao longo de horas<br />

de pânico apontando para a entrada do poço de onde ainda se escutavam quase<br />

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