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linguistica_romanica_leia_um_trecho

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SUMÁRIO<br />

Relação dos mapas e créditos ............................................................................................................................................13<br />

Símbolos fonéticos usados no livro ...........................................................................................................................15<br />

Abreviaturas utilizadas no texto .....................................................................................................................................17<br />

Nota prévia ................................................................................................................................................................................................19<br />

PRIMEIRA PARTE<br />

História e métodos da Linguística Românica<br />

As origens da Linguística Românica:<br />

o método histórico-comparativo ....................................................................................................................................23<br />

Os primeiros comparatistas .......................................................................................................................................23<br />

Diez .........................................................................................................................................................................................................25<br />

Os neogramáticos e seus críticos........................................................................................................................25<br />

O método comparativo aplicado às línguas derivadas do latim ......................................27<br />

Ciência da Linguagem e Linguística Românica nos séculos XIX e XX ............................29<br />

Reações aos neogramáticos entre os séculos XIX e XX ....................................................29<br />

Gilliéron .................................................................................................................................................................................29<br />

O movimento das “palavras e coisas” ..............................................................................................36<br />

O Idealismo Linguístico .....................................................................................................................................36<br />

O legado de Gilliéron e do movimento das “palavras e coisas”:<br />

a Geografia Linguística .......................................................................................................................................37<br />

O estruturalismo ......................................................................................................................................................................42<br />

A gramática gerativa ..........................................................................................................................................................45


SEGUNDA PARTE<br />

A romanização<br />

România, romano e romance ..............................................................................................................................................49<br />

A expansão territorial do Estado romano.................................................................................................49<br />

Decadência do Império e perdas territoriais ........................................................................................54<br />

A difusão do latim e a romanização ...............................................................................................................55<br />

O termo România e seus cognatos ...................................................................................................................57<br />

A România atual ......................................................................................................................................................................58<br />

TERCEIRA PARTE<br />

O latim vulgar<br />

O latim vulgar e o latim literário no primeiro milênio .......................................................................63<br />

Sociolinguística do latim vulgar .........................................................................................................................63<br />

Latim vulgar e latim literário na Alta Idade Média .....................................................................67<br />

Variedades de latim e línguas românicas .................................................................................................69<br />

As precárias fontes escritas do protorromance ............................................................................................71<br />

Textos que opõem intencionalmente duas formas de latim ..............................................72<br />

Obras em que o latim vulgar penetra parcialmente ....................................................................73<br />

Inscrições..........................................................................................................................................................................................74<br />

Termos latinos vulgares transmitidos<br />

por empréstimo às línguas não românicas vizinhas ...................................................................75<br />

Características fonológicas do latim vulgar .....................................................................................................77<br />

Acentuação e vocalismo................................................................................................................................................77<br />

As vogais do latim vulgar depois da perda da duração ..............................................77<br />

Os ditongos .........................................................................................................................................................................81<br />

Os hiatos ................................................................................................................................................................................82<br />

As consoantes do latim vulgar ..............................................................................................................................82<br />

O sistema consonantal do latim clássico .......................................................................................82<br />

Consoantes simples ..................................................................................................................................................83<br />

Consoantes “geminadas”....................................................................................................................................87<br />

Grupos consonantais ...............................................................................................................................................88<br />

Doc<strong>um</strong>ento: os sistemas fonêmicos em alg<strong>um</strong>as línguas românicas....................90


Características morfológicas do latim vulgar ................................................................................................93<br />

A morfologia dos nomes ...............................................................................................................................................93<br />

A perda das declinações .....................................................................................................................................93<br />

Reinterpretação dos paradigmas de declinação<br />

como expressão do gênero ..............................................................................................................................96<br />

Desaparecimento do neutro ...........................................................................................................................97<br />

O grau dos adjetivos ...............................................................................................................................................98<br />

Os pronomes ................................................................................................................................................................................98<br />

A morfologia do verbo ................................................................................................................................................100<br />

Mudanças de conjugação ..............................................................................................................................103<br />

O desenvolvimento de <strong>um</strong>a nova conjugação<br />

baseada nos verbos incoativos ...............................................................................................................103<br />

Desaparecimento de tempos e formas ..........................................................................................104<br />

Reinterpretação dos tempos do perfect<strong>um</strong> ..............................................................................105<br />

Casos de supletividade .....................................................................................................................................105<br />

A conjugação verbal em latim clássico e latim vulgar: recapitulação ...........106<br />

As palavras invariáveis ...............................................................................................................................................107<br />

Características sintáticas do latim vulgar ........................................................................................................109<br />

Fatos a lembrar na construção<br />

sintática vulgar de alg<strong>um</strong>as classes de palavras ..........................................................................109<br />

Os adjetivos ...................................................................................................................................................................109<br />

Os pronomes pessoais .......................................................................................................................................110<br />

Formas nominais do verbo .........................................................................................................................111<br />

No domínio das palavras invariáveis .............................................................................................112<br />

A sintaxe da oração ..........................................................................................................................................................112<br />

Concordância ...............................................................................................................................................................113<br />

Regência .............................................................................................................................................................................113<br />

Tipos de orações independentes ...........................................................................................................115<br />

A sintaxe do período ......................................................................................................................................................115<br />

Orações substantivas ..........................................................................................................................................115<br />

Orações adjetivas ....................................................................................................................................................117<br />

Orações subordinadas adverbiais .......................................................................................................117<br />

Doc<strong>um</strong>ento: o Testament<strong>um</strong> porcelli .........................................................................................................118


O léxico em latim vulgar .....................................................................................................................................................123<br />

Processos de formação de palavras .............................................................................................................124<br />

A composição propriamente dita ........................................................................................................125<br />

A prefixação ..................................................................................................................................................................125<br />

A sufixação .....................................................................................................................................................................126<br />

A derivação imprópria ......................................................................................................................................128<br />

Tendências gerais na mudança de significado ...............................................................................129<br />

Circunstâncias na mudança de significado ............................................................................129<br />

Dimensões na mudança de significado .......................................................................................134<br />

Preferências e diferenças regionais .............................................................................................................136<br />

QUARTA PARTE<br />

A fragmentação do romance e a formação das línguas românicas<br />

A dialetação do latim vulgar ...........................................................................................................................................141<br />

Mudanças fônicas determinadas por pressões paradigmáticas .................................142<br />

Mudanças fônicas devidas ao entorno .....................................................................................................143<br />

Os substratos ............................................................................................................................................................................145<br />

Os substratos da Itália peninsular.......................................................................................................146<br />

Os povos do Mediterrâneo ocidental .............................................................................................147<br />

Os povos da França, da região do Pó e dos Alpes .........................................................147<br />

Os substratos do Vêneto, da Dalmácia e da região danubiana ......................148<br />

Os superstratos ......................................................................................................................................................................148<br />

Os reinos romano-barbáricos ...................................................................................................................149<br />

Influências dos superstratos ......................................................................................................................151<br />

Superstratos germânicos .....................................................................................................................151<br />

O superstrato árabe....................................................................................................................................153<br />

Os superstratos do romeno ..............................................................................................................153<br />

Os adstratos ...............................................................................................................................................................................153<br />

Os empréstimos ........................................................................................................................................................154<br />

O grego como adstrato .....................................................................................................................................155<br />

A influência do latim literário .................................................................................................................156<br />

Fases da influência do latim culto ..........................................................................................156<br />

Aspectos da influência culta nas línguas românicas ocidentais ............158


A formação de domínios dialetais na România .......................................................................................161<br />

A fragmentação linguística da România no final do primeiro milênio ...............163<br />

O Stammba<strong>um</strong> de Agard ................................................................................................................................163<br />

A reconstrução de Robert Hall ...............................................................................................................167<br />

România Oriental e România Ocidental ...............................................................................................169<br />

România Oriental e România Ocidental: a tese de Von Wartburg .................169<br />

România Oriental e România Ocidental: a divisão de Maurer Jr. .................170<br />

Recapitulação ..........................................................................................................................................................................171<br />

Os domínios dialetais na România do século XX ...............................................................................173<br />

Península ibérica .................................................................................................................................................................174<br />

Os dialetos portugueses ..................................................................................................................................180<br />

Os dialetos da Espanha ....................................................................................................................................182<br />

Os dialetos catalães ..............................................................................................................................................183<br />

Os dialetos da Gália ........................................................................................................................................................184<br />

A langue d’oil..............................................................................................................................................................185<br />

A langue d’oc ..............................................................................................................................................................187<br />

O franco-provençal ...............................................................................................................................................190<br />

Os dialetos da Itália e da Suíça meridional .......................................................................................191<br />

Os dialetos sardos...................................................................................................................................................193<br />

Os dialetos réticos ..................................................................................................................................................195<br />

Os dialetos galo-itálicos e vênetos ....................................................................................................197<br />

Os dialetos do centro e do sul da Itália e os dialetos toscanos ......................198<br />

O dalmático ....................................................................................................................................................................200<br />

Os dialetos do romeno .................................................................................................................................................200<br />

O acesso dos romances à escrita:<br />

os primeiros doc<strong>um</strong>entos em romance ...............................................................................................................203<br />

Condições de acesso dos romances à escrita...................................................................................203<br />

Os primeiros doc<strong>um</strong>entos em romance ..................................................................................................204<br />

Ipsa verba .........................................................................................................................................................................205<br />

As glosas ............................................................................................................................................................................207<br />

A adivinha de Verona ........................................................................................................................................210<br />

Os textos literários ................................................................................................................................................210<br />

Os textos de edificação religiosa .........................................................................................................213


A constituição das línguas nacionais ....................................................................................................................217<br />

Critérios para o reconhecimento das línguas nacionais .....................................................217<br />

Língua nacional e literatura .......................................................................................................................217<br />

Língua nacional e política............................................................................................................................218<br />

O papel cultural das línguas nacionais ........................................................................................219<br />

O despontar das línguas nacionais românicas ...............................................................................220<br />

As três línguas da Ibéria .................................................................................................................................220<br />

O português.........................................................................................................................................................220<br />

O castelhano ......................................................................................................................................................221<br />

O catalão .................................................................................................................................................................222<br />

As línguas da Gália ..............................................................................................................................................223<br />

O provençal.........................................................................................................................................................223<br />

O francês ................................................................................................................................................................224<br />

A formação do italiano literário ...........................................................................................................226<br />

O romeno ..........................................................................................................................................................................228<br />

Alg<strong>um</strong>as linhas comuns na história das línguas românicas ..........................................229<br />

O período renascentista ...................................................................................................................................229<br />

O período barroco ..................................................................................................................................................230<br />

Os empréstimos entre línguas .................................................................................................................232<br />

Os efeitos linguísticos da Revolução Industrial ...............................................................234<br />

A democratização do poder .......................................................................................................................235<br />

O século XX e a absorção dos dialetos ......................................................................................236<br />

QUINTA PARTE<br />

As línguas românicas atuais: amostras e comparações .................................................................241<br />

Um mesmo texto, seis línguas ...........................................................................................................................241<br />

Português...........................................................................................................................................................................243<br />

Espanhol .............................................................................................................................................................................245<br />

Catalão .................................................................................................................................................................................249<br />

Francês .................................................................................................................................................................................252<br />

Italiano .................................................................................................................................................................................256<br />

Romeno ...............................................................................................................................................................................259<br />

As seis línguas das amostras: semelhanças e contrastes...................................................262<br />

Bibliografia .........................................................................................................................................................................................269<br />

O autor .......................................................................................................................................................................................................271


NOTA PRÉVIA<br />

No passado, a Linguística Românica (ou “Filologia Românica”) ocupava <strong>um</strong><br />

lugar privilegiado na formação do professor de Português, com outras disciplinas<br />

que tratavam de história da língua. Muito secundarista iniciou-se nos mistérios<br />

da língua por essa perspectiva e aprendeu assim a valorizar a língua como <strong>um</strong>a<br />

instituição social sempre presente. A esse período, seguiu-se outro, em que o ensino<br />

ministrado nos cursos de Letras foi orientado por teorias que encaram a língua por<br />

<strong>um</strong> ângulo sincrônico, valorizando seu caráter sistemático ou procurando expressar<br />

com rigor matemático suas regularidades. Mas os últimos anos têm assistido<br />

a <strong>um</strong> interesse renovado pelo passado das línguas, como prova a quantidade de<br />

trabalhos universitários em que se procura esclarecer os mais diversos aspectos<br />

da história do português brasileiro levados a termo nos últimos anos, e a coleção<br />

mon<strong>um</strong>ental de livros que o professor Ataliba Castilho vem publicando sobre o<br />

assunto pela Editora Contexto.<br />

Dado esse quadro, pareceu oportuno lançar <strong>um</strong>a nova edição desta Linguística<br />

Românica, cuja falta nas livrarias nos vinha sendo cobrada por vários tipos<br />

de leitores. A nova edição não só corrige alg<strong>um</strong>as pequenas falhas de redação e<br />

conceituação que nos foram apontadas na primeira, mas também procura tratar<br />

o assunto de maneira mais didática e amigável pela introdução de exercícios (os<br />

quais estarão disponíveis no site da editora) e pelo recurso a <strong>um</strong>a diagramação mais<br />

clara. Também traz amostras atuais das principais línguas românicas, explicadas<br />

de modo a realçar suas características e a mostrar como se ligam a sua história<br />

passada. A quinta parte do livro, escrita para esse fim, é inteiramente nova.<br />

Escrito em primeiro lugar para os estudantes dos cursos de Letras, mas também<br />

para todos aqueles leitores que se interessam pela história da língua portuguesa e<br />

de suas irmãs neolatinas, o livro encara o desafio de dar <strong>um</strong>a visão equilibrada, não<br />

técnica, do conjunto de problemas que se cost<strong>um</strong>a reunir sob o rótulo “Linguística<br />

Românica”; deve servir ao estudante de Letras, como estímulo e orientação na


usca de leituras mais especializadas, e a qualquer pessoa interessada em construir<br />

<strong>um</strong>a imagem densa das línguas e de suas peripécias, em alternativa à que<br />

se continua cultivando na sociedade, com a bênção da imprensa, e nos meios de<br />

comunicação de massa.<br />

O livro é dedicado à memória de <strong>um</strong> velho amigo que chegou ao Brasil quando<br />

já tinha 30 anos, e que soube amar a língua portuguesa como ninguém, mas também<br />

a todos os professores universitários da disciplina Linguística Românica. Com<br />

o primeiro, estou saldando <strong>um</strong>a dívida de formação; nestes últimos penso com<br />

a esperança de que o livro os ajude a organizar <strong>um</strong> conjunto de problemas que à<br />

primeira vista parecem disparatados, e <strong>um</strong>a bibliografia que, no caso brasileiro,<br />

é dispersa e de difícil acesso.<br />

Rodolfo Ilari


As origens dA LinguísticA românicA:<br />

o método histórico-compArAtivo<br />

os primeiros compArAtistAs<br />

A Linguística Românica é <strong>um</strong>a disciplina de orientação histórica, que se<br />

constituiu na segunda metade do século XIX, graças aos trabalhos de Friedrich<br />

Diez, cujos textos fundamentais (a Gramática das línguas românicas, publicada<br />

entre 1836 e 1844, e Dicionário etimológico das línguas românicas, de<br />

1854) deram <strong>um</strong> exemplo marcante de rigor e método no estudo histórico<br />

das línguas derivadas do latim, mostrando a possibilidade de tratar “cientificamente”<br />

de <strong>um</strong>a série de temas que haviam preocupado os intelectuais<br />

durante séculos, mas que haviam sempre sido abordados com certa dose de<br />

impressionismo e assistematicidade.<br />

A Linguística Românica é também conhecida por outro nome, na verdade mais<br />

antigo, Filologia Românica, e esse nome mais antigo, que é mantido em muitos<br />

países, evoca <strong>um</strong>a linha de estudos mais tradicional, que é a Filologia Clássica.<br />

Mas o que é a Filologia Clássica? Ou, mais geralmente, o que é a Filologia?<br />

Desde o período do H<strong>um</strong>anismo (o movimento intelectual que precede e prepara<br />

a Renascença), muitos estudiosos vinham-se dedicando ao trabalho de estudar<br />

textos da Antiguidade, <strong>um</strong>a tarefa que exigia, além de conhecimentos técnicos (por<br />

exemplo, de edótica e diplomática), indispensáveis para restabelecer o texto em<br />

sua forma original, a capacidade de manipular informações extremamente varia-


24<br />

Linguística românica<br />

das sobre a época a que se referiam os doc<strong>um</strong>entos, e <strong>um</strong> domínio muito grande<br />

das línguas antigas. A esse interesse nos textos das literaturas antigas chamou-se<br />

Filologia Clássica respeitando de alg<strong>um</strong> modo a etimologia da palavra filologia,<br />

que significa literalmente “amor pela expressão”; mas, dada a importância dos<br />

conhecimentos linguísticos que se exigiam para que o estudo literário se tornasse<br />

viável, a expressão Filologia Clássica designou também, desde sempre, o estudo<br />

erudito daquelas línguas.<br />

O culto criado pelo H<strong>um</strong>anismo e pela Renascença em torno das literaturas<br />

grega e a latina alargou-se no final do século XVIII, quando os investigadores europeus<br />

tomaram conhecimento dos livros dos Vedas, e da língua em que haviam<br />

sido escritos, na Índia, antes do ano 1.000 a.C., o sânscrito. O sânscrito não é o<br />

antepassado com<strong>um</strong> do grego e do latim, é <strong>um</strong>a espécie de “primo”, isto é, descende<br />

como eles de <strong>um</strong>a mesma língua mais antiga que teria sido falada na Índia<br />

no final do período Neolítico.<br />

Pouco depois da descoberta do sânscrito, as semelhanças existentes entre<br />

as línguas europeias começaram a ser estudadas sistematicamente n<strong>um</strong>a série<br />

de trabalhos de grande envergadura, e assim foram descobertas características<br />

comuns entre línguas que sempre haviam sido consideradas independentes.<br />

Os autores que fizeram esta história são o dinamarquês Rasmus Rask (1787-<br />

1832), que escreveu em 1814 <strong>um</strong>a Investigação da origem do antigo escandinavo<br />

e do islandês, em que relacionava o antigo norueguês com germânico,<br />

o gótico e as línguas eslavas; e os alemães Jakob Grimm (1785-1863) – o<br />

mais velho dos irmãos Grimm, hoje conhecidos principalmente como autores<br />

de <strong>um</strong> célebre livro de fábulas –, e Franz Bopp (1791-1867), que publicou<br />

entre 1833 e 1852 <strong>um</strong>a mon<strong>um</strong>ental Gramática comparativa do sânscrito,<br />

zend (avestano), grego, latim, lituano, eslavo antigo, gótico e alemão; August<br />

Schleicher (1821-1868), autor em 1861-1862 de <strong>um</strong> Compêndio de gramática<br />

comparativa das línguas indo-germânicas; Bopp e Schleicher sofreram<br />

a influência do evolucionismo de Darwin e conceberam as línguas como organismos<br />

vivos, que nascem, crescem e depois degeneram; e isso os levou à<br />

ideia de comparar as principais línguas europeias e depois de reconstituir seu<br />

antepassado com<strong>um</strong>, o “indo-germânico” (hoje, falamos em indo-europeu, e<br />

sabemos que dele descendem também o celta, o albanês, o armênio, o hitita e<br />

o tocário (estas duas últimas são hoje línguas extintas). Nessa mesma linha,<br />

Jakob Grimm formulou a “lei” que ainda hoje traz o seu nome e organizou<br />

<strong>um</strong>a correlação observada entre os fonemas do grego e do latim, de <strong>um</strong> lado,<br />

e das línguas germânicas, de outro.


As origens da Linguística românica 25<br />

diez<br />

Com suas obras (principalmente a Gramática de 1836), Friedriech Christian<br />

Diez (1974-1876) confirmou que havia entre o latim e as principais línguas<br />

românicas <strong>um</strong>a relação semelhante à do indo-europeu com o latim, o grego e o<br />

sânscrito; aplicando o método comparativo dos indo-europeístas, chegou a alg<strong>um</strong>as<br />

teses que são hoje postulados da Linguística Românica. Uma dessas teses é<br />

que as línguas românicas se originaram não do latim clássico, mas de <strong>um</strong>a outra<br />

variedade de latim, conhecida como “latim vulgar”; outra tese de Diez é que não<br />

tem qualquer fundamento a hipótese (defendida pelo francês François-Just-Marie<br />

Raynouard, 1761-1836 e endossada antes dele por outros intelectuais, entre os<br />

quais o filósofo Voltaire), segundo a qual todas as línguas românicas teriam como<br />

ascendente mais próximo o provençal. Diez se interessou também pelo estudo de<br />

narrativas em espanhol antigo; assim, seu trabalho, que tinha orientação paralela<br />

ao da Filologia Clássica, criou espaço para <strong>um</strong>a Filologia Românica, com o duplo<br />

aspecto de estudo textual, justificado pelas dificuldades encontradas na leitura dos<br />

doc<strong>um</strong>entos românicos escritos antes da imprensa e da consolidação das línguas<br />

românicas, e de investigação genética das línguas derivadas do latim.<br />

os neogrAmáticos e seus críticos<br />

A geração de Diez, fundador da Linguística Românica, esteve sob influência<br />

direta da filosofia dos românticos, impregnada de espiritualismo e historicismo.<br />

A próxima escola linguística com influência marcante para a Romanística foi, ao<br />

contrário, <strong>um</strong>a escola fortemente marcada pelos progressos vividos no final do<br />

século XIX pelas ciências naturais. Nessa escola, que teve por centro a Universidade<br />

de Leipzig, há grandes indo-europeístas como Karl Brugmann (1887-1919),<br />

August Leskien (1840-1916) e Hermann Osthoff (1847-1909), autores de obras<br />

respeitadas e originais, mas é com<strong>um</strong> referir-se a esses autores como <strong>um</strong> grupo,<br />

utilizando para isso o nome de “neogramáticos” (Junggramatiker), que lhes foi<br />

dado de início por troça, mas que acabou tornando-se respeitado, à medida que<br />

eles passaram a representar a “posição oficial” em matéria de história das línguas.<br />

Os neogramáticos ganharam espaço no universo acadêmico da época<br />

defendendo <strong>um</strong> programa que afrontava ostensivamente as orientações dos<br />

primeiros comparatistas. Fizeram troça do propósito que havia animado seus<br />

predecessores no domínio da Linguística Indo-europeia – encontrar pela comparação<br />

a protolíngua, que estaria na origem de todas as línguas modernas;<br />

recomendaram ao contrário que a atenção dos pesquisadores se voltasse para


26<br />

Linguística românica<br />

as línguas vivas, onde a evolução da língua pode ser objeto de observação e<br />

não de conjecturas. Na prática, o trabalho dos neogramáticos se caracterizou<br />

por <strong>um</strong>a exigência de extremo rigor, e pela crença de que as “leis” da evolução<br />

fonética agem de maneira absolutamente regular, aparecendo exceções apenas<br />

quando sua ação é contrariada pela força psicológica da analogia. Exemplos<br />

simples de como a analogia atua no funcionamento das línguas podem ser<br />

encontrados na fala das crianças, em “erros” como eu fazi ou eu trazi por eu<br />

fiz e eu trouxe: segundo Ferdinand de Saussure, que expõe em seu Curso de<br />

linguística geral o conceito de analogia dos neogramáticos, operaria aí <strong>um</strong>a<br />

espécie de regra de três: se viver, correr etc. fazem o perfeito em -i, pode-se<br />

esperar que fazer e trazer também o façam. Um exemplo muito simples de como<br />

a analogia afeta a evolução das línguas é dado pelo verbo português render e<br />

seus correspondentes românicos fr. rendre, it. rendere etc.: essas formas não<br />

poderiam provir do verbo que significa “render” em latim clássico, ou seja,<br />

reddere, pois nenh<strong>um</strong>a lei fonética conhecida justifica que apareça do nada <strong>um</strong><br />

-n- fechando a primeira sílaba; as formas românicas derivam verossimilmente<br />

de *rendere, construído por analogia com o verbo que significava “tomar”,<br />

isto é, prendere (clássico prehendere).<br />

Pela rigidez que atribuíram à evolução fonética, os neogramáticos atraíram<br />

as críticas de autores que, ou por razões teóricas (como o linguista alemão Hugo<br />

Schuchardt [1842-1927]) ou por estarem em contato direto com a realidade multiforme<br />

dos dialetos, como o dialetólogo italiano Graziadio Isaia Ascoli (1829-<br />

1907), não estavam dispostos a aceitar a tese de que as leis fonéticas operam de<br />

maneira cega. Tiveram, contudo, <strong>um</strong>a influência determinante, para a Linguística<br />

e para a Romanística. Ferdinand de Saussure, em quem se cost<strong>um</strong>a reconhecer<br />

o fundador da Linguística moderna, era neogramático de formação, tendo estudado<br />

com Brugmann na Universidade de Leipzig; como se sabe, Saussure teve<br />

entre seus alunos alguns linguistas de grande porte, como Charles Bally, Albert<br />

Sechehaye (1870-1946) e Antoine Meillet (1886-1946), e seu ensinamento deu<br />

origem à Linguística estrutural; também teve formação neogramática o mais<br />

importante romanista depois de Diez, William Meyer-Lübke (1861-1936), cujas<br />

obras Gramática das línguas românicas e Dicionário etimológico românico (este<br />

geralmente conhecido pela sigla REW, formada pelas três primeiras letras do título<br />

original) são ainda hoje fundamentais. Os trabalhos dos neogramáticos em geral,<br />

e de Meyer-Lübke em particular, refinaram o método de Diez, isto é, o método<br />

histórico-comparativo, que é fundamental nos estudos de Linguística Histórica<br />

em geral, e nos estudos românicos em particular.


As origens da Linguística românica 27<br />

o método compArAtivo ApLicAdo<br />

às LínguAs derivAdAs do LAtim<br />

Comparar é <strong>um</strong>a tendência natural e <strong>um</strong>a importante fonte de intuições e<br />

de descobertas em todos os campos do conhecimento. Na análise das línguas, a<br />

comparação e o confronto levam às vezes ao estabelecimento de tipologias (como<br />

a que distinguia, tradicionalmente, entre línguas monossilábicas, aglutinantes e<br />

flexivas), outras vezes à busca de características supostamente inerentes a toda<br />

língua h<strong>um</strong>ana (como nos levantamentos acerca dos “universais da linguagem”<br />

realizados pela Linguística estrutural americana nas décadas de 1950 e 1960).<br />

Nesses casos, a comparação nada tem a ver com genealogia.<br />

Em Linguística Românica, porém, o método comparativo ass<strong>um</strong>e tipicamente<br />

propósitos genéticos, de reconstituição. Entende-se, em outras palavras, que as semelhanças<br />

constatadas entre expressões pertencentes às diferentes línguas têm que ser<br />

explicadas por sua origem com<strong>um</strong>; e que a forma que essas expressões apresentam<br />

hoje nas línguas românicas é o melhor indício de como pode ter sido a forma originária.<br />

Quando se comparam, por exemplo, port. e esp. saber, fr. savoir, it. sapere, fica<br />

legitimada a conjectura de que sua origem com<strong>um</strong> tenha sido <strong>um</strong>a palavra latina<br />

(i) cuja primeira sílaba começa por sibilante e (II) cuja segunda sílaba é tônica, e<br />

comporta <strong>um</strong>a consoante bilabial ou labiodental (p, b ou v). Constatando-se, além<br />

disso, que na evolução do latim para o espanhol e o português é regular a passagem<br />

do p intervocálico a b; que o p intervocálico do latim passa regularmente a b e em<br />

seguida a v em francês; que, ainda em francês, o e longo das sílabas tônicas não<br />

travadas passou a ei, depois oi, oé, ué e wá (a grafia acompanhou esta evolução<br />

apenas até a forma oi), torna-se legítimo supor que a forma originária com<strong>um</strong> fosse<br />

*sapére, paroxítona. A identificação de *sapére como a forma de que se originaram<br />

saber e seus correspondentes românicos não deixa de ser surpreendente quando<br />

referida ao vocabulário conhecido do latim clássico: o latim clássico tinha <strong>um</strong> verbo<br />

sápere, proparoxítono e conjugado como cápere, que significava entre outras<br />

coisas “saborear, provar <strong>um</strong>a comida para sentir-lhe o sabor”. Sápere deve ter sido<br />

conjugado em latim vulgar como <strong>um</strong> verbo da 2ª conjugação; e deve ter mudado<br />

de sentido, ou seja, a habilidade em não confundir o gosto dos alimentos deve ter<br />

sido tomada como representação metafórica da esperteza e da inteligência (quem<br />

é esperto... “não come gato por lebre”). Essas alterações na forma e no sentido do<br />

verbo sápere não são fatos isolados: a comparação de outras formas românicas aponta<br />

para conclusões semelhantes. Assim, port. fazer, caber, esp. hacer, caber mostram<br />

que o latim vulgar deve ter tido facére e capére, ao invés das formas clássicas fácere


28<br />

Linguística românica<br />

e cápere; e o uso de metáforas físicas para representar operações do pensamento é<br />

com<strong>um</strong> (por exemplo, o nosso pensar e o mais erudito ponderar provêm de verbos<br />

que significam “pesar”, “colocar dois pesos na balança” etc.).<br />

Em s<strong>um</strong>a, a comparação permitiu que os romanistas fizessem conjecturas<br />

bastante exatas sobre as formas latinas originárias. É até certo ponto casual que<br />

essas formas resultantes de conjecturas baseadas na comparação sejam efetivamente<br />

confirmadas mediante prova doc<strong>um</strong>ental, isto é, que sejam encontradas nos<br />

textos latinos que sobreviveram até nossos dias. Às vezes, a prova doc<strong>um</strong>ental<br />

é possível. Por exemplo, as formas port. velho, esp. viejo, fr. vieil, it. vecchio,<br />

rom. vechi apontam para <strong>um</strong>a forma veclus (que se explica a partir de veculus e<br />

vetulus, esta última diminutivo da forma clássica vetus, “velho”). Veclus é atestada<br />

no Appendix Probi, <strong>um</strong> glossário que data provavelmente ao século IV d.C., e que<br />

registra <strong>um</strong>a série de coisas que <strong>um</strong>a pessoa culta não deveria escrever, por serem<br />

consideradas erradas. Outras vezes ainda, formas que haviam sido propostas como<br />

resultado de reconstituição acabaram sendo encontradas em textos. É o caso da<br />

forma anxia, da qual derivam o port. ânsia e seus cognatos. Muitas vezes, por fim,<br />

as formas resultantes de reconstituição permanecem não atestadas; neste último<br />

caso, os romanistas, à imitação do que faziam os indo-europeístas, antepõem à<br />

palavra <strong>um</strong> asterisco. Seja como for, segundo <strong>um</strong>a estimativa reproduzida em<br />

Vidos (1968), as formas com asterisco não passam de 10% do total de materiais<br />

com que os romanistas têm trabalhado, e é importante lembrar que elas não são<br />

menos importantes ou menos seguras do que as formas atestadas: as línguas românicas<br />

tomadas em seu conjunto n<strong>um</strong>a visão comparativa são a melhor fonte<br />

para o conhecimento de sua própria origem, <strong>um</strong> fato que ressalta quando se leva<br />

em conta a precariedade das fontes escritas do latim não literário.<br />

As conclusões que se tiram da comparação das línguas românicas são tanto<br />

mais seguras quanto maior for o número de línguas românicas que trazem evidências<br />

em seu favor, e quanto mais afastadas no espaço forem essas línguas. O<br />

sardo e o romeno, que se situam hoje nos limites do território em que o latim foi<br />

falado, e se desenvolveram por assim dizer à parte, sem comunicação com as<br />

outras regiões de fala latina, constituem <strong>um</strong>a espécie de teste da Antiguidade e<br />

do caráter panromânico das regularidades apontadas pela comparação.<br />

O campo em que o método comparativo deu os resultados mais sistemáticos<br />

é o da Fonética; em Morfologia e em Sintaxe, sua aplicação exige a manipulação<br />

de dados mais complexos, e seus resultados sempre foram menos espetaculares.

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