JORNAL ACRATA Nº 1 BAKUNIN 7
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OS<br />
ADORMECEDORES<br />
Mikhail Bakunin<br />
<strong>Nº</strong> 1 Ano 1 - Jornal de corte<br />
anarquista<br />
1º semestre de 2017<br />
O jornal Operário Ácrata, é um jornal<br />
independente, que primará a cultura, a<br />
história, a educação, a filosofia, o<br />
trabalho, a memória, difusão e<br />
propaganda do Espírito libertário.<br />
https://www.facebook.com/OperarioAcrata/<br />
As reflexões do revolucionário russo<br />
Mikhail Bakunin ( 1814 - 1876) aqui<br />
presentes concernem<br />
fundamentalmente à educação à luz<br />
da emancipação dos trabalhadores.<br />
Os Adormecedores, foi escrito entre<br />
junho e julho de 1869, em Genebra, e<br />
publicado no jornal L’Égalité, nos<br />
dias 26 de junho, 3, 10, 17 e 24 de<br />
julho de 1869. Bakunin contribuiu<br />
determinantemente, em teoria e<br />
prática, para o desenvolvimento do<br />
anarquismo na Europa ocidental e<br />
que teve influência significativa nos<br />
rumos do movimento dos<br />
trabalhadores, em nível mundial.<br />
(...)Que papel deve assumir a<br />
burguesia na questão social ?<br />
Se realmente ela deseja prestar um<br />
último serviço à humanidade; se seu<br />
amor pela verdadeira liberdade, isto<br />
é, universal, completa e igual para<br />
todos, é sincera; se ela quer, em<br />
resumo, cessar de ser a reação, só<br />
lhe resta um papel a desempenhar:<br />
MORRER COM GRAÇA E O MAIS<br />
CEDO POSSÍVEL.<br />
Entendemo-nos bem. Não se trata<br />
da morte dos indivíduos que a<br />
compõem, mas de sua morte como<br />
corpo político e social,<br />
economicamente separado da<br />
classe operária.<br />
Qual é hoje a sincera expressão, o<br />
sentido único, o único objetivo da<br />
questão social? É a realização da<br />
igualdade. Entretanto, não é<br />
evidente que a burguesia deve<br />
acabar, porquanto sua existência<br />
como corpo economicamente<br />
separado da massa dos<br />
trabalhadores implica e produz<br />
necessariamente a desigualdade?<br />
De nada adiantará recorrer a todos<br />
os artifícios da linguagem,<br />
embaralhar as idéias e as palavras<br />
e sofisticar a ciência social em<br />
proveito da exploração burguesa,<br />
todos os espíritos judiciosos e que<br />
não têm absolutamente interesse<br />
em enganar-se, hoje compreendem<br />
que enquanto tiver, para um certo<br />
Jornal Operário Ácrata Os adormecedores Página 1
número de homens<br />
economicamente privilegiados, uma<br />
maneira e meios particulares de<br />
viver, que não são aqueles da<br />
classe operária; que enquanto tiver<br />
um número mais ou menos<br />
considerável de indivíduos que<br />
herdarão em diferentes proporções<br />
capitais ou terras que eles não<br />
tiverem produzido por seu próprio<br />
trabalho, enquanto a imensa maioria<br />
dos trabalhadores não herdará<br />
absolutamente nada; enquanto o<br />
interesse do capital e a renda da<br />
terra permitirem mais ou menos a<br />
esses indivíduos privilegiados viver<br />
sem trabalhar; e que, supondo,<br />
inclusive, o que em semelhante<br />
relação de fortunas não é<br />
admissível – supondo que na<br />
sociedade todos trabalhem, seja por<br />
obrigação, seja por gosto, mas que<br />
uma classe da sociedade, graças à<br />
sua posição economicamente e, por<br />
isso mesmo, social e politicamente<br />
privilegiada possa entregar-se<br />
exclusivamente aos trabalhos do<br />
espírito, enquanto a IMENSA<br />
MAIORIA DOS HOMENS NÃO<br />
PUDER ALIMENTAR-SE senão do<br />
trabalho de seus braços, e, em<br />
resumo, enquanto todos os<br />
indivíduos humanos, ao nascerem,<br />
não encontrarem na sociedade os<br />
mesmos meios de sustento,<br />
educação, instrução, trabalho e<br />
fruições, – a igualdade política,<br />
econômica e social será para<br />
sempre impossível.<br />
É em nome da igualdade que a<br />
burguesia outrora derrubou,<br />
massacrou a nobreza.<br />
É em nome da igualdade que nós<br />
hoje reividicamos seja a MORTE<br />
VIOLENTA, seja o SUICÍDIO<br />
voluntário da burguesia, com essa<br />
diferença que, menos sanguinários<br />
do que foram os burgueses,<br />
QUEREMOS MASSACRAR NÃO<br />
OS HOMENS, MAS AS POSIÇÕES<br />
E AS COISAS. Se os burgueses<br />
resignam-se e deixam fazer, não se<br />
tocará num único fio de seus<br />
cabelos.<br />
Mas pior para eles se, esquecendo<br />
a prudência e sacrificando seus<br />
interesses individuais aos interesses<br />
coletivos de sua classe condenada<br />
a morrer, eles se opuserem à<br />
justiça, simultaneamente histórica e<br />
popular, para salvar uma posição<br />
que logo não será mais sustentável.<br />
O ESTADO SOCIAL<br />
O socialismo burguês, como uma<br />
espécie de ser híbrido, situou-se<br />
entre dois mundos doravante<br />
irreconciliáveis: o mundo burguês e<br />
o mundo operário, e sua ação<br />
equívoca e deletéria acelera, é<br />
verdade, de um lado, a morte da<br />
burguesia, mas ao mesmo tempo,<br />
por outro lado, corrompe em seu<br />
nascimento o trabalhador. Ela o<br />
corrompe duplamente: de início<br />
diminuindo e desnaturando seu<br />
princípio. Em seguida, fazendo-lhe<br />
conceber esperanças impossíveis,<br />
acompanhadas de uma fé ridícula<br />
na próxima conversão dos<br />
burgueses, e esforçando-se para<br />
atraí-lo por isso mesmo, para fazêlo<br />
desempenhar o papel de<br />
instrumento na política<br />
burguesa.Quanto ao princípio que<br />
ele professa, o socialismo burguês<br />
encontra-se numa posição tão<br />
embaraçosa quanto ridícula;<br />
demasiado amplo ou demasiado<br />
depravado para ater-se a um único<br />
Jornal Operário Ácrata Os adormecedores Página 2
princípio bem determinado, ele<br />
tenciona casar dois ao mesmo<br />
tempo, dois princípios dos quais um<br />
exclui absolutamente o outro, ele<br />
tem a pretensão singular de<br />
reconcilia-los.<br />
Por exemplo, quer conservar para<br />
os burgueses a propriedade<br />
individual do capital e da terra, e<br />
anuncia ao mesmo tempo a decisão<br />
generosa de assegurar o bem estar<br />
do trabalhador. Promete-lhe,<br />
inclusive, mais: o gozo integral dos<br />
frutos do seu trabalho, o que não<br />
será realizável, contudo, senão<br />
quando o capital não receber mais<br />
interesse e a propriedade da terra<br />
não produzir mais renda, porquanto<br />
o interesse e a renda só podem ser<br />
retirado sobre os frutos do trabalho.<br />
Do mesmo modo, ele quer<br />
conservar para os burgueses sua<br />
liberdade atual, que não é outra<br />
coisa senão a faculdade de<br />
explorar, graças ao poder que lhe<br />
dão o capital e a propriedade, o<br />
trabalho dos operários, e ele<br />
promete ao mesmo tempo a estes<br />
últimos a mais completa igualdade<br />
econômica e social: a igualdade<br />
dos explorados com seus<br />
exploradores!<br />
Eles mantém o direito de<br />
herança, isto é, a faculdade<br />
para os filhos dos ricos de<br />
nascerem na riqueza e para os<br />
filhos dos pobres de nascerem<br />
na miséria, e promete a todas<br />
as crianças a igualdade da<br />
educação e da instrução que a<br />
justiça reclama.<br />
Mantém, em favor dos<br />
burgueses, a desigualdade das<br />
condições, consequência<br />
natural do direito de herança, e<br />
promete aos proletários que, em<br />
seu sistema, todos trabalharão<br />
em igualdade, sem outra<br />
diferença senão aquela que<br />
será determinada pelas<br />
capacidades e pendores<br />
naturais de cada um; o que só<br />
seria possível sob duas<br />
condições, ambas igualmente<br />
absurdas: ou o Estado, do qual<br />
os socialistas burgueses<br />
detestam tanto quanto nós a<br />
força, obriga os filhos dos ricos<br />
a trabalhar da mesma maneira<br />
que os filhos dos pobres, o que<br />
nos conduziria diretamente ao<br />
comunismo despótico do<br />
Estado; ou todos os filhos dos<br />
ricos levados por um milagre de<br />
abnegação e por uma<br />
determinação generosa, põemse<br />
a trabalhar livremente, sem<br />
ser forçados a isso pela<br />
necessidade, tanto e da mesma<br />
maneira que todos aqueles que<br />
serão forçados por sua miséria,<br />
pela fome. E, mesmo nesta<br />
suposição, fundamentando-nos<br />
nessa lei psicológica e<br />
sociológica natural, que faz com<br />
que dois atos emanados de<br />
causas diferentes jamais<br />
possam ser iguais, podemos<br />
predizer com certeza que o<br />
trabalhador forçado seria<br />
necessariamente inferior, o<br />
dependente e o escravo do<br />
trabalhador pela graça de sua<br />
vontade.<br />
O socialismo burguês reconhece-se<br />
sobretudo por um signo: ele é um<br />
egoísta raivoso e experimenta um<br />
furor concentrado todas as vezes<br />
que ouve falar de propriedade<br />
coletiva. Inimigo desta, ele o é<br />
igualmente do trabalho coletivo, e,<br />
não podendo eliminá-lo<br />
completamente do programa<br />
socialista, em nome dessa liberdade<br />
que ele compreende tão mal,<br />
Jornal Operário Ácrata Os adormecedores Página 3
tenciona conceder um espaço muito<br />
amplo ao trabalho individual.<br />
Mas o que é o trabalho individual?<br />
Em todos os trabalhos dos quais<br />
participam imediatamente a força ou<br />
a habilidade corporal do homem,<br />
isto é, em tudo o que se chama<br />
produção material – é a impotência;<br />
o trabalho isolado de um único<br />
homem, por mais forte e hábil que<br />
ele seja, jamais está em condições<br />
de lutar contra o trabalho coletivo de<br />
muitos homens associados e bem<br />
organizados. O que na indústria<br />
atualmente se chama trabalho<br />
individual nada mais é que a<br />
exploração do trabalho coletivo dos<br />
operários por indivíduos, detentores<br />
privilegiados, seja do capital, seja<br />
da ciência. Todavia, a partir do<br />
momento que essa exploração<br />
cessar – e os burgueses socialistas<br />
assegurarem ao menos que eles<br />
querem seu fim, tanto quanto nós –<br />
não poderá mais existir na indústria<br />
outro trabalho senão o trabalho<br />
coletivo, nem, por consequência,<br />
outra propriedade senão a<br />
propriedade coletiva.<br />
O trabalho individual, portanto, só<br />
será possível na produção<br />
intelectual, nos trabalhos de<br />
espírito. E olhe lá! O espírito do<br />
maior gênio da terra não é<br />
sempre o produto do trabalho<br />
coletivo intelectual tanto quanto<br />
industrial de todas as gerações<br />
passadas e presentes? Para<br />
convencer-se disso basta que se<br />
imagine esse mesmo gênio<br />
transportado desde sua mais<br />
tenra infância para uma ilha<br />
deserta; supondo que não pareça<br />
de fome, o que ele se tornará?<br />
Um animal, um bruto que não<br />
saberá pronunciar uma única<br />
palavra e que,<br />
consequentemente, jamais terá<br />
pensado; transportai-o aos dez<br />
anos de idade, o que ele será<br />
alguns anos mais tarde? Ainda<br />
um bruto que terá perdido o<br />
hábito da palavra e que só terá<br />
conservado de sua humanidade<br />
passada um vago instinto.<br />
Transportai-o, enfim, aos vinte<br />
anos, aos trinta anos – num prazo<br />
de dez, quinze, vinte anos ele<br />
tornar-se-á estúpido. Talvez<br />
invente alguma nova religião!<br />
O que isso prova? Isso prova que o<br />
homem mais bem dotado pela<br />
natureza só recebe faculdades, mas<br />
essas faculdades permanecem<br />
mortas se não<br />
forem fertilizadas pela ação<br />
benfazeja e pela poderosa da<br />
coletividade. Dizemos mais.<br />
Quanto mais o homem é<br />
beneficiado pela natureza, mais ele<br />
assimila da coletividade; disso<br />
resulta que mais ele deverá<br />
devolver-lhe, com toda justiça.<br />
Todavia, reconhecemos de bom<br />
grado que, conquanto uma grande<br />
parte dos trabalhos intelectuais<br />
possa fazer-se melhor e mais rápido<br />
coletivamente do que<br />
individualmente, há outros que<br />
exigem o trabalho isolado. Mas o<br />
que pretendemos concluir disso?<br />
Que os trabalhos isolados do gênio<br />
ou do talento sendo mais raros,<br />
mais preciosos e mais úteis do que<br />
aqueles dos trabalhadores comuns,<br />
devem ser mais bem remunerados<br />
do que estes últimos? Sobre que<br />
base? Rogo-vos que me digam. –<br />
Esses trabalhos são mais árduos<br />
que os trabalhos manuais? Ao<br />
contrário, estes últimos são sem<br />
comparação mais fatigantes. O<br />
trabalho intelectual é um trabalho<br />
atraente que traz sua recompensa<br />
em si mesmo, e não necessita de<br />
outra retribuição. Encontra outra<br />
mais na estima e no<br />
Jornal Operário Ácrata Os adormecedores Página 4
econhecimento de seus<br />
contemporâneos, na luz que ele<br />
lhes dá e no bem que lhes faz. Vós<br />
que cultivais tão fortemente o ideal,<br />
Senhores socialistas burgueses,<br />
não credes que essa recompensa<br />
vale muito bem uma outra, ou então<br />
preferiríeis a ela uma remuneração<br />
mais sólida em moeda bem<br />
sonante?<br />
Por sinal, estaríeis bem enrascados<br />
se tivésseis de estabelecer o valor<br />
dos produtos intelectuais do gênio.<br />
São, como Proudhon observou<br />
muito bem, valores<br />
incomensuráveis: não custam nada,<br />
ou então custam milhões... Mas<br />
compreendeis que, com esse<br />
sistema, devereis apressar-vos a<br />
abolir o mais rápido possível o<br />
direito de herança, pois tereis os<br />
filhos dos homens de gênio ou de<br />
grande talento que herdarão, sem<br />
isso, milhões ou centenas de<br />
milhões de francos; acrescentai que<br />
essas crianças são ordinariamente,<br />
seja pelo efeito de uma lei natural<br />
ainda desconhecida, seja pelo efeito<br />
da posição privilegiada que lhes<br />
proporcionaram os trabalhos de<br />
seus pais – que são ordinariamente<br />
espíritos muito comuns e com<br />
frequência, inclusive, homens muito<br />
estúpidos. Mas então, o que será<br />
dessa justiça distributiva da qual<br />
tanto gostais de falar, e em nome<br />
da qual vós nos combateis?<br />
Como se realizará essa igualdade<br />
que vós nos prometeis [em suas<br />
Constituições]?<br />
Parece-nos resultar evidentemente<br />
de tudo isso que os trabalhos<br />
isolados da inteligência individual,<br />
todos os trabalhos do espírito, como<br />
invenção, não como aplicação,<br />
devem ser trabalhos gratuitos. Mas<br />
então, de que viverão os homens de<br />
talento, os homens de gênio? Por<br />
Deus! Eles viverão de seu trabalho<br />
manual e coletivo como os outros.<br />
Como? Quereis impor as grandes<br />
inteligências a um trabalho manual,<br />
em igualdade com as inteligências<br />
mais inferiores?<br />
Sim, queremos, e por dois motivos.<br />
O primeiro é que estamos<br />
convencidos de que as grandes<br />
inteligências, longe de perderem<br />
alguma coisa com isso, ganharão,<br />
ao contrário, muito em saúde de<br />
corpo e em vigor de espírito, e<br />
sobretudo, em espírito de<br />
solidariedade e de justiça. O<br />
segundo motivo é que é o único<br />
meio de elevar e humanizar o<br />
trabalho manual e estabelecer, por<br />
isso mesmo, uma igualdade real<br />
entre os homens.<br />
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