Descolonizar_o_Imaginario_web
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um contexto de desnaturalização e questionamento do neoliberalismo,<br />
alimentado pela emergência de governos progressistas<br />
– sobretudo em países como Bolívia e Equador –,<br />
o Estado nacional recuperou capacidades institucionais,<br />
erigindo-se em um ator econômico relevante e, em certos<br />
casos, em um agente de redistribuição. No entanto, no marco<br />
das teorias da governança mundial, a tendência não é precisamente<br />
que o Estado se torne novamente um “mega-ator”.<br />
Na verdade, o retorno do Estado regulador se instala em<br />
um espaço de geometria variável, isto é, em um esquema de<br />
múltiplos atores (de complexificação da sociedade civil, ilustrada<br />
por movimentos sociais, ongs e outros atores), mas em<br />
estreita associação com os capitais privados multinacionais,<br />
cujo peso nas economias nacionais é cada vez maior. Desse<br />
modo, o retorno do Estado a suas funções redistributivas se<br />
afiança sobre um tecido social diferente de outrora, produto<br />
das transformações dos anos neoliberais e, em muitos casos,<br />
em continuidade – aberta ou solapada – com aquelas políticas<br />
sociais compensatórias, difundidas nos anos 1990 pelo<br />
Banco Mundial. Em razão disso, uma análise dos atuais conflitos<br />
socioambientais exige um exame das diferentes políticas<br />
públicas nacionais e, portanto, das estratégias de desenvolvimento<br />
em curso, à luz de tais transformações.<br />
Dito desse modo, o atual cenário ilustra um continuado<br />
acoplamento não apenas entre extrativismo neodesenvolvimentista<br />
e neoliberalismo, expresso de maneira paradigmática<br />
pelos casos de Peru, Colômbia ou México, como também<br />
entre extrativismo neodesenvolvimentista e governos “progressistas”,<br />
em um contexto de fortalecimento das capacidades<br />
estatais, o que torna ainda mais complexa a problemática<br />
ligada ao multiescalonamento dos conflitos e das alternativas<br />
existentes, em que se entrecruzam políticas públicas, diferentes<br />
lógicas de ação e territorialidades diversas.<br />
144<br />
A pluralidade de sujeitos e a geração<br />
de um saber contraespecialista<br />
Nesse cenário caracterizado por fortes conflitos socioambientais,<br />
destacam-se certos elementos comuns:<br />
em primeiro lugar, a explosão de conflitos socioambientais<br />
tem como correlato aquilo que o mexicano Enrique<br />
Leff chamou de “ambientalização das lutas indígenas e<br />
camponesas e a emergência de um pensamento ambiental<br />
latino-americano”. 1 A isso, é preciso acrescentar que<br />
o cenário aparece marcado também pelo surgimento de<br />
novos movimentos socioambientais, rurais e urbanos<br />
(pequenas e médias localidades), de caráter policlassista<br />
e caracterizados por um formato assembleísta. Por sua<br />
vez, nessa nova estrutura desempenham um papel relevante<br />
diferentes coletivos culturais, certas ongs ambientalistas<br />
– uma estrutura muitas vezes preexistente –,<br />
intelectuais e especialistas, que acompanham a ação de<br />
organizações e movimentos sociais. Como costuma<br />
acontecer em outros campos de luta, essa dinâmica organizacional<br />
tem como atores centrais os jovens, muitos<br />
deles mulheres, cujo papel é também crucial tanto nas<br />
grandes estruturas organizacionais quanto nos pequenos<br />
coletivos de apoio às ações. O horizonte coletivo<br />
das lutas e a geração de um diagnóstico comum apontaram<br />
para a criação de uma rede densa de organizações e a<br />
multiplicação de lugares de confluência, que se situam em<br />
continuidade com um novo internacionalismo – uma<br />
tendência que a América Latina conhece desde o ano<br />
145<br />
1 Cf. Enrique Leff, “Decrecimiento o deconstrucción de la economía:<br />
Hacia un mundo sustentable” (Peripecias, Centro Latino<br />
Americano de Ecología Social (claes), Montevidéu, n.117, 8 out.<br />
2008. http://www.peripecias.com/desarrollo/630LeffMundo-<br />
Sustentable.html).