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Descolonizar_o_Imaginario_web

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Qual modelo político?<br />

Qual tipo de democracia?<br />

Qual Estado?<br />

Essa constatação nos coloca uma série de interrogantes –<br />

sobre o modelo político, sobre a forma de Estado, sobre<br />

a cultura política e sobre o tipo de democracia que precisaríamos<br />

construir para poder implementar alternativas<br />

ao desenvolvimento. Embora a Constituição da Bolívia,<br />

por exemplo, pretendesse combinar a democracia representativa<br />

com a participativa e a comunitária, estabelecendo<br />

assim a “demodiversidade” (Boaventura de Sousa<br />

Santos) como princípio, o modelo político, aplicado de<br />

maneira semelhante ao dos demais progressismos, acabou<br />

sendo o hiperpresidencialismo, que já contém os fundamentos<br />

do Estado patriarcal e colonial. Isso foi acompanhado,<br />

na maioria dos casos, de partidos de novo tipo que<br />

operavam mais como engrenagem eleitoral e de distribuição<br />

de vantagens do que como espaços de deliberação e<br />

construção coletiva. Poder-se-ia concluir que, por causa<br />

da centralidade outorgada ao Estado como motor da mudança,<br />

desperdiçou-se grande parte da criatividade popular<br />

para uma transformação social profunda. E, como não<br />

foi dada muita ênfase à transformação do próprio Estado,<br />

tornou-se protagonista a dinâmica própria inerente aos<br />

aparatos estatais, que, em muitos casos, traduziu impulsos<br />

de transformação em procedimentos burocráticos.<br />

O que se espera do Estado na construção de alternativas<br />

ao desenvolvimento? É realista a visão, proposta por alguns<br />

dos progressismos, de instalar nos países latino-americanos<br />

um Estado de bem-estar como existiu nos Estados Unidos e<br />

na Europa nos “trinta anos gloriosos” entre 1945 e 1975?<br />

Um Estado provedor que solucione tudo? A disjuntiva<br />

que enfrentamos em relação ao papel do Estado é jogada<br />

38<br />

realmente entre neoliberalismo e neokeynesianismo?<br />

Ou podem existir outras alternativas?<br />

O Estado de bem-estar, diz a economista feminista<br />

espanhola Amaia Pérez-Orozco, foi uma exceção<br />

histórica. Para ela, “o conflito capital-vida é consubstancial<br />

ao Estado de bem-estar, pois, inclusive onde<br />

pareceu instalar-se temporariamente, se manteve<br />

também sobre a depredação do meio ambiente, a<br />

espoliação dos países da periferia e a divisão sexual do<br />

trabalho”. 14 Deve-se levar em conta que o Estado de<br />

bem-estar somente se concretizou em uma parte muito<br />

pequena do planeta e em uma época muito peculiar:<br />

a Guerra Fria, durante a qual o capital via-se obrigado<br />

a fazer concessões às lutas operárias, porque existia a<br />

percepção de uma alternativa viável ao capitalismo.<br />

O Estado de bem-estar realmente existente foi, em<br />

certo sentido, uma forma de garantir a governabilidade<br />

e evitar que mais países passassem para o bloco soviético.<br />

Uma vez que este ruiu, o Estado de bem-estar<br />

já não tinha muitas condições de possibilidade, como<br />

vemos na atualidade, nem sequer na Europa.<br />

Para além disso, o Estado de bem-estar somente<br />

foi possível graças ao patamar geopolítico e material<br />

imperial/colonial, em que uma elevada proporção das<br />

riquezas materiais – econômicas e naturais – do planeta<br />

foi apropriada de forma extraordinariamente desigual<br />

pelos países capitalistas centrais. Foi também possível<br />

por causa de um fornecimento inesgotável de energia<br />

muito barata. Essas não são, de modo algum, condições<br />

replicáveis para o conjunto da Humanidade, e hoje sequer<br />

para a Europa ocidental. Na verdade, o Estado de<br />

39<br />

14 Amaia Pérez-Orozco, Subversión feminista de la economía: aportes<br />

para un debate sobre el conflicto capital-vida (Madrid: Traficantes<br />

de Sueños, 2014).

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