Ed. Outubro
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outubro 2018 | N.º 15 | ANO I | MENSAL | PREÇO: 3€<br />
Diretor: Miguel Múrias Mauritti<br />
SNS vai<br />
ter mais<br />
201 milhões<br />
em 2019<br />
PÁG. 20<br />
Especial – Rota da Saúde<br />
USF Araceti<br />
PÁG. 16<br />
As ideias polémicas da nova<br />
ministra da Saúde: relação com os<br />
médicos promete ser tensa<br />
Marta Temido defende exclusividade de funções para<br />
alguns médicos e a transferência de algumas competências<br />
dos médicos para os enfermeiros. Bastonário<br />
dos Médicos está contra.<br />
Entrevista<br />
Investigadora<br />
Isabel Barbosa<br />
O misterioso Linfoma<br />
de Hodgkin<br />
Francisco Ramos e Raquel Bessa<br />
de Melo são os novos secretários<br />
de Estado da Saúde<br />
A remodelação governamental levada a cabo<br />
por António Costa resultou numa alteração total<br />
no Ministério da Saúde. Francisco Ramos<br />
e Raquel Bessa de Melo são os escolhidos<br />
para ocupar a Secretaria de Estado. PÁG. 18<br />
Pág. 14<br />
PÁG. 28<br />
uma iniciativa<br />
Profissão<br />
Ana Miranda<br />
Doença<br />
de Alzheimer<br />
PÁG. 15<br />
Número de<br />
utentes sem<br />
médico de família<br />
aumentou 20%<br />
este ano<br />
Pág. 34
sumário<br />
pág. 20<br />
SNS vai ter mais 201<br />
milhões em 2019<br />
Marta Temido, a nova ministra da<br />
Saúde, vai contar com mais 523<br />
milhões de euros no orçamento<br />
para 2019 face ao valor estimado<br />
para 2018 (5%), atingindo a despesa<br />
total consolidada 11013.3 milhões de<br />
euros. Já as transferências para o SNS<br />
crescem menos: 201.5 milhões, com a<br />
despesa total consolidada a fixar-se nos<br />
10053,5 milhões de euros<br />
4 Opinião<br />
Acácio Gouveia<br />
Cogitações vadias e…irónicas<br />
6 Associações de Doentes<br />
debatem papel do Cuidador<br />
Informal<br />
No dia 14 de setembro, o Museu do Oriente,<br />
em Lisboa, abriu portas ao III Patient Day com<br />
o tema “Cuidadores Informais: Heróis que<br />
também merecem apoio”.<br />
10 Especial | Dez anos<br />
de investigação em<br />
Mucopolissacaridoses (MPS)<br />
O Porto recebeu o encontro “MPS: Insights From<br />
the Last 10 years” organizado pela Sociedade<br />
Portuguesa de Doenças Metabólicas (SPDM)<br />
com o apoio da Biomarin.<br />
14 Entrevista |<br />
Investigadora Isabel Barbosa<br />
No âmbito do Dia Mundial de<br />
Consciencialização sobre Linfomas, falámos<br />
com a investigadora Isabel Barbosa, sobre o<br />
raro Linfoma de Hodgkin.<br />
15 Profissão<br />
Ana Miranda<br />
Professora<br />
16 As ideias polémicas da<br />
nova ministra da Saúde:<br />
relação com os médicos promete ser tensa<br />
Marta Temido defende exclusividade de funções<br />
para alguns médicos e a transferência de<br />
algumas competências dos médicos para os<br />
enfermeiros. Bastonário dos Médicos está contra.<br />
18 Francisco Ramos e<br />
Raquel Bessa de Melo são os<br />
novos secretários de Estado<br />
da Saúde<br />
22 Especial | Air for All<br />
Abordam personalizada é o futuro na gestão da<br />
DPOC<br />
26 Entrevista Psicóloga<br />
Nora Cavaco<br />
Em entrevista ao Saúde Online, a psicóloga<br />
Nora Cavaco, do Centro Clínico do Algarve e do<br />
Instituto Nora Cavaco, fala-nos sobre o transtorno<br />
do espectro do autismo, o diagnóstico e quais as<br />
terapias mais indicadas.<br />
28 Especial | Rota da Saúde<br />
USF Araceti<br />
32 Entrevista |<br />
Reumatologista José Melo<br />
Gomes<br />
O médico José Melo Gomes defende uma maior<br />
participação do doente na decisão clínica e<br />
mostra-se preocupado em relação ao preço de<br />
alguns medicamentos.<br />
34 Número de utentes sem<br />
médico de família aumentou<br />
20% este ano<br />
FICHA TÉCNICA | Publicação online de informação geral e médica<br />
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da alinea a) do nº1 do artigo 12º do<br />
decreto regulamentar nº8/99, de 9 de junho<br />
Periodicidade<br />
Informação permanente<br />
Ano de fundação: 2016
SAÚDE ONLINE | CRÓNICA<br />
opinião<br />
Cogitações vadias e … irónicas<br />
Acácio Gouveia<br />
Médico de Família<br />
“(…) e vi subir do mar uma<br />
besta que tinha sete cabeças<br />
e dez chifres, e sobre os seus<br />
chifres dez diademas,<br />
e sobre as suas cabeças um<br />
nome de blasfémia”<br />
Apocalipse 13.1<br />
“Porque se acende a tua<br />
ira contra as ovelhas do teu<br />
pasto?”<br />
Salmos 74.1<br />
Parabéns SPMS!<br />
Dias atrás, um colega, em tom<br />
jocoso, “agradecia” ao SPMS a<br />
última inovação (mais propriamente:<br />
a última picardia), desta<br />
vez materializada numa apregoada<br />
desmaterialização das<br />
requisições de ECD. Com a devida<br />
vénia aqui pego na ideia<br />
e no timbre para escrever uma<br />
variação sobre o tema inicial.<br />
Se assim o entenderem, poderão<br />
adaptar o texto à melodia<br />
do fado da desgraçadinha, ou<br />
imaginá-lo cantado à capella e<br />
entremeado com refrão a cargo<br />
dum coro de baixos, a lembrar<br />
sonoridades da igreja ortodoxa.<br />
Parabéns SPMS! Parabéns!<br />
Parabéns pelo novo figurino<br />
de requisições de análises!<br />
Poupam-nos uma assinatura e<br />
tinta de esferográfica, mas impingem-nos<br />
uma molhada variável<br />
de toques no teclado e<br />
no rato que pode ultrapassar a<br />
vintena! Quer dizer: consomese<br />
mais tempo e investe-se alegremente<br />
em tendinites. E digo<br />
alegremente porque inventaram<br />
otimista pop-up que proclama<br />
“sucesso!” sobre um fundo<br />
verde, para logo a seguir exigir<br />
redundantes confirmações da<br />
palavra passe. O que é curioso<br />
é que esta inovação lançada<br />
com o propósito de poupar papel,<br />
até aumentou os consumos<br />
de modo considerável.<br />
Estão de parabéns por honrarem<br />
a tradição de nos presentearem<br />
com o cortejo habitual<br />
de incompatibilidades, bloqueios<br />
sempre que parem uma<br />
inovação.<br />
Parabéns SPMS! Parabéns!<br />
Parabéns pela PEM, que foi<br />
uma ferramenta de louvável eficácia,<br />
até ao momento em que<br />
para aceder à medicação crónica<br />
passou ser preciso estar<br />
de muito bem com Deus para<br />
não levarmos tampa: “Não é<br />
possível aceder. Por favor, tente<br />
mais tarde”. O aviso é educado,<br />
mas totalmente alienado da realidade.<br />
Para o SPMS a noção<br />
de tempo dos infelizes utilizadores<br />
é algo tão surreal como uma<br />
paisagem de Dali. Julgam que<br />
não temos mais que fazer para<br />
andar a fugir das cascas de banana<br />
com que displicentemente<br />
nos presenteiam<br />
Parabéns SPMS! Parabéns!<br />
Bem-hajam pelo Alert, que,<br />
volta, não volta, aniquila as referenciações<br />
que lhe são confiadas,<br />
intrujando perfidamente<br />
o utilizador com a mensagem<br />
“pedido lido”. Lido, uma ova!<br />
Sumido, isso sim, no éter como<br />
se tivessem caído nas mãos<br />
dum assassino mexicano.<br />
Parabéns SPMS! Parabéns!<br />
Felicitações pelos servidores<br />
caquéticos, anquilosados, que<br />
nos bafejam com bloqueios,<br />
delongas, erros vários, prolongados<br />
hiatos de ócio forçado.<br />
Agradecidos pela decrépita<br />
rede provida duma estreiteza de<br />
banda, a lembrar a sinistra gruta<br />
Tum Luang, por onde a informação<br />
escorre a velocidades verdadeiramente<br />
bovinas. Para o<br />
diabo a produtividade!<br />
Parabéns SPMS! Parabéns!<br />
Agradecidos pela crescente miríade<br />
de palavras passe com<br />
que nos ajoujam: SClínico, GPS;<br />
Alert; SICO; Easy não sei das<br />
quantas; Sisqual; Portal das vinhetas,<br />
etc.. Sobre esta alcateia<br />
de apps derramaram um conselho<br />
bizarro: mudar de 3/3 meses<br />
as palavras passe! Advertência<br />
que a ser seguida resolveria de<br />
vez o problema da segurança<br />
tornando inacessível a informação<br />
até aos próprios utilizadores.<br />
Era um descanso!<br />
Parabéns SPMS! Parabéns!<br />
Reconhecidos estão os contribuintes<br />
pela remodelação dos<br />
computadores (que serão obsoletos<br />
antes que deles se possa<br />
aproveitar o potencial) e pela<br />
aquisição de monitores XL, cuja<br />
única mais valia será dificultar o<br />
contacto visual entre doente e<br />
médico. Se o objetivo foi incrementar<br />
o desperdício não haja<br />
dúvida que melhor é difícil.<br />
Parabéns SPMS! Parabéns!<br />
Parabéns pela escolha de operador<br />
de telecomunicações que<br />
deixou vários centros de saúde<br />
sem telefone durante semanas.<br />
E, para avivar memórias,<br />
de quando em vez, lá vem uma<br />
réplica que nos deixa mudos e<br />
surdos.<br />
Parabéns SPMS! Parabéns!<br />
Congratulemo-los pela unanimidade<br />
de opiniões negativas<br />
que a má performance dos SI<br />
consegue gerar entre os seus<br />
utilizadores.<br />
Parabéns SPMS! Parabéns!<br />
É mister reconhecer que o empenho<br />
e a perseverança com<br />
que têm azucrinado a paciência<br />
dos utilizadores é bem eficaz.<br />
Contribuiu seguramente<br />
para o êxodo de centenas de<br />
jovens médicos aterrorizados<br />
com perspetiva lúgubre de lidar<br />
com um sistema informático declaradamente<br />
inimigo figadal do<br />
utilizador.<br />
Parabéns SPMS! Parabéns!<br />
E agora sem ponta de ironia,<br />
parabéns pelas inexcedíveis<br />
campanhas de marketing, excelentemente<br />
ficcionadas, que<br />
deixam maravilhados (e completamente<br />
ludibriados) todos<br />
aqueles que a elas assistem<br />
(com a condição de não conhecerem<br />
a sinistra realidade por<br />
trás daquele cenário).<br />
Parabéns SPMS! Parabéns!<br />
Para terminar, e continuando no<br />
registo sério, devemos congratular<br />
o SPMS pela mestria em<br />
meter ao bolso os sucessivos<br />
ministros e arregimentar toda a<br />
tutela aos seus desígnios, qual<br />
shogun bem sucedido.<br />
SPMS … maldito sejas para<br />
todo o sempre<br />
4 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018
SAÚDE ONLINE | nacional<br />
Associações de Doentes<br />
debatem papel<br />
do Cuidador Informal<br />
No dia 14 de setembro, o Museu do Oriente, em Lisboa, abriu portas ao III Patient<br />
Day que este ano teve como tema mote “Cuidadores Informais: Heróis que também<br />
merecem apoio”. Uma oportunidade para Associações de Doentes discutirem o<br />
papel e o futuro dos Cuidadores Informais.<br />
O<br />
Patient Day é um<br />
evento organizado<br />
pela Merck, multinacional<br />
farmacêutica,<br />
com sede em Darmstadt,<br />
Alemanha, que este ano celebra<br />
350 anos de atividade. A abertura<br />
do encontro ficou a cargo de Nuno<br />
Silvério, do Departamento de<br />
Market Access & Governmental<br />
Affairs da Merck Portugal, que<br />
Patient Day<br />
deu as boas vindas às associações<br />
presentes, convidando-as a<br />
partilharem experiências e conhecimento.<br />
Ao SaúdeOnline, o representante<br />
da farmacêutica explicou<br />
a escolha do tema deste ano e a<br />
importância da iniciativa: “É um<br />
bom momento para se ter esta<br />
discussão, um momento em que<br />
os doentes e os seus cuidadores<br />
sentam-se numa sala, conversam<br />
e saem daqui mais capacitados,<br />
mais conhecedores e a conhecerem-se<br />
uns aos outros e isso contribuiu<br />
para o crescimento e melhoria<br />
da sociedade, sendo essa a<br />
missão da Merck neste dia”.<br />
Seguiu-se a intervenção de Maria<br />
do Céu Machado, Presidente do<br />
Infarmed, focada na “Gestão emocional<br />
do cuidador e da pessoa<br />
cuidada”, retratando a realidade<br />
de outros países, como o Reino<br />
Unido onde 45% da população<br />
que presta cuidados a alguém desistiu<br />
do emprego, 61% desenvolveu<br />
depressão e 49% tem problemas<br />
financeiros, o que ilustra as<br />
dificuldades económicas e emocionais<br />
que um cuidador enfrenta<br />
também em Portugal.<br />
A presidente do Infarmed abordou<br />
a questão do apoio social e<br />
familiar, reforçando que a legislação<br />
e a visibilidade são necessárias,<br />
mas também é preciso que<br />
“as pessoas compreendam o que<br />
é cuidar de alguém” e as dificuldades<br />
que daí advêm.<br />
Maria do Céu Machado terminou<br />
a sua apresentação com a definição<br />
de ‘saúde’ pela Organização<br />
Mundial de Saúde (OMS) que é “a<br />
aptidão de cada cidadão para se<br />
adaptar e gerir os desafios físicos,<br />
de stress e emocionais”, e que traduziu<br />
em “capacitação”. “A saúde<br />
deixou de ser algo dos serviços<br />
de saúde para ser também algo<br />
de nós próprios. (…) O cidadão<br />
tem que ter a capacitação para se<br />
adaptar. Mas a saúde não chega!<br />
É necessário o bem-estar que<br />
exige compreensão com várias<br />
6 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018
nacional | SAÚDE ONLINE<br />
dimensões e perspetivas”, salientou.<br />
Para Maria do Céu Machado<br />
é necessária “visão política, apoio<br />
comunitário, formação e valorização”<br />
para facilitar a capacitação<br />
de cuidadores.<br />
A Comunicação foi o tema central<br />
de Tatiana Nunes, responsável do<br />
Departamento e Comunicação da<br />
Alzheimer Portugal, que defendeu<br />
a importância de as associações<br />
terem uma secção dedicada<br />
a esta área como forma estarem<br />
mais próximas do seu público<br />
-alvo e de conseguirem transmitir<br />
a sua mensagem.<br />
“É importante focarmo-nos em<br />
conseguir aumentar conhecimentos,<br />
atitudes e comportamentos.<br />
Os cuidadores são um público<br />
muito importante nas associações<br />
e é importante perceber o que é<br />
que eles precisam, o que estão à<br />
espera do outro lado, como é que<br />
podemos ajudá-los a ficarem mais<br />
capacitados e com outro nível de<br />
empowerment para que se tornem<br />
agentes de mudança e consigam<br />
levar outros cuidadores a prestar<br />
também melhores cuidados”,<br />
disse Tatiana Nunes, em declarações<br />
ao nosso jornal.<br />
A responsável de comunicação<br />
terminou a sua intervenção apresentando<br />
a campanha “Amigos<br />
da Demência” que tem como objetivo<br />
aumentar a consciencialização<br />
e conhecimento da população<br />
sobre as demências.<br />
“A evolução do papel do cuidador<br />
e desafios para o futuro” foi o<br />
tema do painel composto por representantes<br />
de quatro associações<br />
presentes no evento. Jorge<br />
Nunes, vice-presidente da recém-criada<br />
Associação Nacional<br />
de Cuidadores Informais, deu início<br />
à discussão, seguindo-se as<br />
intervenções de Ana Luísa Pinto,<br />
Coordenadora da Associação<br />
Cuidadores, Susana Protásio,<br />
vice-presidente da Sociedade<br />
Portuguesa de Esclerose Múltipla<br />
(SPEM), terminando com Bruno<br />
Alves, Presidente da Cuidadores<br />
Portugal.<br />
Cada associação deu o seu insight<br />
sobre o tema. Jorge Nunes<br />
partilhou o seu testemunho pessoal<br />
como cuidador da sua mãe,<br />
destacando as principais dificuldades,<br />
e contou como nasceu<br />
a sua associação há cerca de 3<br />
meses. Ana Luísa Pinto explicou<br />
como foi criada a Associação<br />
Cuidadores e de que forma ajudam<br />
os cuidadores que procuram<br />
a organização, falando ainda<br />
sobre a parceria com a Carers<br />
Trust, organização sediada no<br />
Reino Unido. Susana Protásio<br />
incidiu a sua apresentação nos<br />
apoios financeiros, realçando a<br />
grande diferença entre o apoio<br />
dado ao cuidador e à pessoa institucionalizada<br />
e considerando<br />
que a área social e a área da<br />
saúde devem estar unidas, como<br />
forma de apoiar o cuidador e colocar<br />
o doente no centro da decisão.<br />
Bruno Alves encerrou a discussão<br />
apresentando uma perspetiva<br />
da evolução do papel cuidador<br />
e dos seus desafios do<br />
ponto de vista económico, social<br />
e emocional.<br />
Para além da partilha de experiências,<br />
as associações reforçaram<br />
a importância da aprovação<br />
de um estatuto do cuidador.<br />
Ao Saúde Online, Jorge Nunes<br />
afirmou que esse estatuto deve<br />
contemplar os apoios financeiros,<br />
a questão laboral, “a capacitação<br />
e formação do cuidador, e<br />
uma rede articulada com a Rede<br />
de Cuidados, de forma a prestarmos<br />
algum apoio, assim como o<br />
descanso do cuidador que é fundamental<br />
para que não atinja o<br />
esgotamento”.<br />
Também em declarações ao<br />
Saúde Online, Susana Protásio<br />
da SPEM reforçou, novamente,<br />
que “o apoio financeiro que existe<br />
dirigido ao cuidador que está em<br />
casa é ridículo” e referiu que é importante<br />
educar as futuras gerações<br />
de cuidadores.<br />
A segunda parte ficou a cargo<br />
de duas oradoras internacionais.<br />
Mihaela Militaru, Patient Advocate<br />
da Merck Europa na área da<br />
Oncologia, que abordou “A realidade<br />
dos cuidadores lá fora”, defendendo<br />
a ligação das associações<br />
com as estruturas europeias.<br />
Meagan Bates, Patient Advocate,<br />
na EMD Senoro, EUA, encerrou<br />
este III Patient Day, apresentando o<br />
projeto ‘Embracing Carers’, apoiado<br />
pela Merck e que trabalha com outras<br />
associações para ajudar a lançar<br />
novas iniciativas, com vista a<br />
melhorar a saúde e o bem-estar, assim<br />
como aumentar a consciencialização<br />
para os cuidadores.<br />
SO<br />
outubro 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 7
SAÚDE ONLINE | CRÓNICA profissão<br />
Os jovens são os mais afetados<br />
pela doença de Freiberg<br />
Fátima Carvalho<br />
Podologista responsável<br />
pelo Centro Clínico do Pé<br />
A<br />
doença de Freiberg<br />
ou Osteonecrose de<br />
Freiberg incide principalmente<br />
em jovens do sexo feminino,<br />
mais do que no sexo<br />
masculino, numa porção de 3:1,<br />
e ocorre na segunda década de<br />
vida. Esta doença acomete preferencialmente<br />
a cabeça do 2.º<br />
metatarso, seguida da epífise do<br />
3.º metatarso e raramente é bilateral,<br />
caraterizando-se por uma<br />
dor persistente sobre o 2.º metatarso<br />
devido à pressão excessiva.<br />
A dor é acompanhada inicialmente<br />
por um edema local e<br />
pelo desaparecimento da cartilagem,<br />
causando assim incapacidade<br />
funcional parcial do pé.<br />
As causas mais frequentes da<br />
doença de Freiberg são os microtraumatismos<br />
repetitivos,<br />
causados por determinadas<br />
profissões, práticas desportivas<br />
(bailarinas ou atletas que<br />
pratiquem corrida ou salto) ou<br />
pela utilização de saltos altos.<br />
Outra das causas pode ser a isquemia<br />
da artéria nutrícia, que<br />
pode ser provocada por uma<br />
embolia, um traumatismo ou por<br />
uma compressão latero-medial<br />
provocando uma diminuição da<br />
circulação sanguínea na cartilagem<br />
em crescimento.<br />
O diagnóstico é clínico através<br />
de palpação, de exploração articular,<br />
muscular, vascular, avaliação<br />
da pegada plantar e confirmada<br />
a fase da evolução da<br />
doença com exames complementares<br />
de diagnóstico, especificamente<br />
a Radiografia ao pé.<br />
O tratamento conservador é o<br />
mais utilizado para esta doença,<br />
consiste num tratamento<br />
Ortopodológico, através da aplicação<br />
de uma ortótese plantar<br />
personalizada, que dependendo<br />
da fase de evolução da doença,<br />
permite o alívio da pressão do<br />
peso corporal sobre as cabeças<br />
dos metatarsos envolvidos.<br />
Este tratamento Ortopodológico<br />
é realizado por um Podologista.<br />
No caso de se verificar uma rápida<br />
progressão da doença, derivada<br />
por exemplo do uso continuado<br />
de saltos altos ou prática<br />
de atividades desportivas excessivas,<br />
poderá ser necessário<br />
um tratamento cirúrgico variável;<br />
desde a curetagem com<br />
enxerto, osteotomia e encurtamento<br />
do metatarso.<br />
40 por cento dos diabéticos<br />
desenvolvem retinopatia<br />
A<br />
retinopatia diabética é<br />
uma manifestação ocular<br />
da diabetes que afeta<br />
a retina, parte do olho responsável<br />
pela captação das imagens<br />
e envio para o cérebro. O seu<br />
aparecimento está relacionado<br />
com o tempo de duração da diabetes<br />
e com a falta de controlo<br />
da glicemia.<br />
Esta doença geralmente afeta<br />
ambos os olhos e se não for<br />
diagnosticada e tratada precocemente<br />
pode levar a cegueira.<br />
Estima-se que 40 por cento dos<br />
diabéticos desenvolvem retinopatia,<br />
sendo esta a principal<br />
causa de cegueira em pessoas<br />
com menos de 60 anos.<br />
Para prevenir ou controlar as alterações<br />
provocadas pela retinopatia,<br />
a pessoa com diabetes<br />
deve realizar consultas regulares<br />
de controlo oftalmológico.<br />
Desta forma, poderá levar à deteção<br />
de situações de retinopatia<br />
em estado inicial. De acordo<br />
com o Observatório da Diabetes<br />
estima-se que há cerca 564 mil<br />
diabéticos tipo 2 a necessitar de<br />
rastreio de retinopatia diabética.<br />
O tratamento para a retinopatia<br />
diabética nos estágios iniciais<br />
consiste no controle dos níveis<br />
de glicose no sangue, evitando<br />
assim uma progressão da<br />
doença. Nos casos mais avançados<br />
de retinopatia diabética,<br />
o tratamento pode ser realizado<br />
com recurso a fotocoagulação<br />
por Laser.<br />
A retinopatia diabética num estado<br />
mais avançado, diminui a<br />
qualidade de vida do diabético. A<br />
visão central deficiente impede<br />
de ver os equipamentos mais<br />
pequenos, tais como a seringa<br />
de insulina ou a bula dos medicamentos.<br />
As alterações na sensibilidade<br />
cromática são também<br />
muito frequentes. Nesta fase os<br />
filtros e as ajudas visuais tornam-se<br />
de grande utilidade.<br />
O Optometrista é um profissional<br />
central nos cuidados para<br />
a saúde da visão, segundo a<br />
Organização Mundial da Saúde.<br />
O seu âmbito de prática não se<br />
limita ao diagnóstico, prescrição,<br />
terapêutica e reabilitação<br />
da condição visual. Também<br />
desempenha um papel de relevo<br />
na investigação e inovação<br />
científica, para a implementação<br />
de prática clínica baseada<br />
em evidência científica.<br />
Raúl Sousa<br />
Presidente da Associação<br />
de Profissionais Licenciados<br />
de Optometria (APLO)<br />
8 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018
10 anos de investigação. Perspetivas futuras | especial<br />
Reunião Satélite no âmbito do 14º Simpósio Internacional<br />
da Sociedade Portuguesa de Doenças Metabólicas<br />
Dez anos de investigação em<br />
Mucopolissacaridoses (MPS)<br />
O Porto recebeu, no dia 17 de março, o encontro “MPS: Insights From the Last 10 years,<br />
organizado pela Sociedade Portuguesa de Doenças Metabólicas (SPDM), com o apoio da BioMarin.<br />
Esta reunião-satélite ao 14º Simpósio Internacional da SPDM, foi dedicada à evolução do conhecimento<br />
nas MPS ao longo dos últimos 10 anos e reuniu especialistas nacionais e internacionais de diferentes<br />
áreas. A abordagem global às MPS, desde os sintomas à importância do diagnóstico precoce e às suas<br />
comorbilidades, foram os principais temas em debate, tendo em vista a contribuição para o melhor<br />
acompanhamento destas doenças e avaliação da sua progressão.<br />
O<br />
encontro,<br />
inaugurado<br />
pela Dr.ª Dulce Quelhas,<br />
vogal da direção<br />
da SPDM e Presidente<br />
do Simpósio, foi presidido pela Dr.ª<br />
Elisa Leão Teles, médica pediatra<br />
especialista em doenças hereditárias<br />
do metabolismo no Hospital<br />
de São João, Porto, e investigadora<br />
principal em diferentes ensaios clínicos<br />
em doentes com MPS, e ainda<br />
pelo Dr. Paul Harmatz, médico<br />
pediatra e Investigador do Centro<br />
de Investigação Clínica do Hospital<br />
Pediátrico de Oakland (EUA).<br />
Na sua intervenção inicial, a Dr.ª<br />
Elisa Leão Teles começou por<br />
explicar que, depois de dez anos<br />
marcados por uma intensa investigação<br />
em MPS, esta é a altura indicada<br />
para fazer um balanço global<br />
e “focarmo-nos também nos efeitos<br />
provocados pela doença nos diferentes<br />
órgãos”.<br />
O Dr. Paul Harmatz recordou que<br />
o primeiro encontro internacional<br />
em que esteve presente aconteceu<br />
no Porto, em 2009, onde apresentou<br />
resultados para a MPS VI. “Nos<br />
últimos dez anos houve muitas reuniões<br />
e vimos muita coisa mudar”,<br />
apontou.<br />
O especialista começou por dizer,<br />
contudo, que o trabalho não se resume<br />
a estes dez anos, mas aos últimos<br />
100. “Não chegaríamos a este<br />
ponto sem o trabalho desenvolvido<br />
na primeira metade do século XX,<br />
dedicado à descrição e caracterização<br />
destas doenças.”, recordou.<br />
Lembrando um caso real, Harmatz<br />
mencionou aquela a que chama<br />
uma “história extraordinária”, a do<br />
primeiro doente europeu a receber<br />
tratamento de substituição enzimática<br />
(ERT) para a MPS VI. “Era<br />
muito difícil encontrar doentes que<br />
cumprissem critérios para os ensaios<br />
clínicos iniciais para o tratamento<br />
da MPS VI e que pudessem<br />
mudar-se para os Estados Unidos<br />
para participar nos estudos. Um<br />
doente de Lisboa, com 10 anos de<br />
idade, foi o candidato perfeito. É um<br />
caso de sucesso. A expectativa inicial<br />
apontava para que não sobrevivesse<br />
mais do que 20 anos; hoje já<br />
passou dos 25 e está bem”, contou.<br />
“Para mim, são estas histórias que<br />
põem a ciência no caminho certo”,<br />
concluiu.<br />
“Há muitas singularidades nestas<br />
doenças. São doenças heterogéneas,<br />
que variam de doente para<br />
doente e até mesmo no próprio<br />
doente, que são progressivas, crónicas<br />
e multissistémicas. Há desafios<br />
importantes no diagnóstico,<br />
mas também no tratamento”, explicou<br />
Paul Harmatz.<br />
O especialista quis concluir a sua<br />
10 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018
especial | 10 anos de investigação. Perspetivas futuras<br />
apresentação com uma citação de<br />
Winston Churchill que, na sua ótica,<br />
se aplica ao futuro e às novas<br />
formas de deteção e tratamento da<br />
MPS: “Isto não é o fim. Não é sequer<br />
o princípio do fim. Mas é, talvez,<br />
o fim do princípio”.<br />
A Dr.ª Lúcia Lacerda, responsável<br />
pela Unidade de Bioquímica Genética<br />
do Centro de Genética Médica<br />
Jacinto Magalhães do Centro<br />
Hospitalar do Porto, revelou que,<br />
nos últimos 35 anos foram diagnosticados<br />
161 casos de MPS em<br />
Portugal. A maioria dos casos diagnosticados<br />
foi de MPS I, II e III, não<br />
havendo registo de MPS III D e IX.<br />
A especialista indicou ainda que foram<br />
feitos vários testes pré-natais.<br />
“Temos cerca de 3.3 casos por<br />
cada 10 mil nascimentos, sendo<br />
que aqui não estão incluídos diagnósticos<br />
pré-natais”.<br />
“Quando não há confirmação de<br />
suspeita de MPS por GAG, deve<br />
manter-se a observação, até para<br />
despistar outros tipos, mais raros”.<br />
“O diagnóstico precoce é, claro<br />
está, muito importante”.<br />
A complexidade da doença exige<br />
uma abordagem multidisciplinar por<br />
parte dos profissionais de saúde.<br />
A Dr.ª Luísa Diogo, pediatra do<br />
Hospital Pediátrico de Coimbra,<br />
destacou essa mesma necessidade<br />
e os desafios que se impõem<br />
na abordagem às MPS. “Algo muito<br />
difícil nas MPS é a coordenação<br />
das várias especialidades. Não<br />
só entre especialidades médicas,<br />
mas também entre outros técnicos<br />
de saúde, assim como em termos<br />
sociais, as famílias e os amigos”,<br />
recordando a Estratégia Integrada<br />
de Doenças Raras da DGS para o<br />
período 2015-2020.<br />
O diagnóstico atempado continua a<br />
ser o maior desafio dos especialistas,<br />
opinião partilhada por todos os<br />
profissionais presentes. Enquanto<br />
dava a conhecer a sua prática diária<br />
no diagnóstico e tratamento das<br />
MPS, a Dr.ª Anabela Bandeira,<br />
pediatra do Centro Materno Infantil<br />
do Norte, lembrou que é o “espectro<br />
muito abrangente” da doença<br />
que dificulta o diagnóstico.<br />
Em muitos casos, as crianças não<br />
apresentam quaisquer sintomas à<br />
nascença e, quando apresentam,<br />
os sinais são muito reduzidos e<br />
confundidores. Até mesmo na fase<br />
adulta, há casos em que os doentes<br />
apresentam muito poucos sinais.<br />
“Temos de nos lembrar que as MPS<br />
são crónicas, progressivas e multissistémicas”.<br />
A pediatra divide os 7<br />
tipos de MPS em três grupos e salienta<br />
a dismorfia entre os sintomas<br />
da MPS I, II e VI, os problemas do<br />
sistema nervoso central – relacionado<br />
com a aprendizagem, o comportamento<br />
e a demência – na MPS<br />
III, e a displasia óssea na MPS IV.<br />
A fechar a primeira parte da exposição<br />
de temas, o Dr. Klane White,<br />
do Departamento de Cirurgia Ortopédica<br />
do Hospital Pediátrico de<br />
Seattle (EUA), dedicou-se a falar<br />
sobre a doença óssea nos doentes<br />
com MPS e as várias cirurgias ortopédicas<br />
a que estes doentes têm<br />
de se submeter ao longo do percurso<br />
da doença. Cirurgias à bacia,<br />
aos joelhos e à coluna podem ser<br />
uma necessidade, mas o cirurgião<br />
evidenciou a importância de avaliar<br />
sempre muito bem o binómio risco/<br />
benefício. Em alguns casos, tratamentos<br />
com células estaminais ou<br />
terapia de substituição enzimática<br />
(ERT, na sigla em inglês) podem<br />
evitar algumas cirurgias.<br />
A propósito de riscos, e provando,<br />
uma vez mais, a multidisciplinaridade<br />
exigida, Klane White destacou<br />
ainda o papel do anestesiologista<br />
e a sua relevância nestes procedimentos,<br />
já que “todo o cuidado<br />
é pouco em termos de intubação,<br />
monitorização da pressão sanguínea<br />
e suporte básico de vida em<br />
doentes com MPS. Os cirurgiões<br />
operam mas são os anestesiologistas<br />
que mantêm o doente vivo”.<br />
A importância do projeto FIND foi o<br />
tema da intervenção do Dr. Paulo<br />
Gaspar, investigador do Instituto<br />
Nacional de Saúde Doutor Ricardo<br />
Jorge (INSA).<br />
A contribuição para a identificação<br />
e caraterização de casos sintomáticos<br />
de MPS em idade pediátrica é o<br />
objetivo deste projeto inovador em<br />
Portugal. Com uma identificação<br />
atempada, torna-se também possível<br />
iniciar o tratamento adequado o<br />
mais precocemente possível e, assim,<br />
garantir a melhor qualidade de<br />
vida do doente.<br />
Através do FIND, e desde fevereiro<br />
de 2017, foram já distribuídos cerca<br />
Dr.ª Elisa Leão Teles<br />
Dr. Paul Harmatz<br />
Dr.ª Lúcia Lacerda,<br />
Dr.ª Luísa Diogo<br />
Dr.ª Anabela Bandeira<br />
Dr. Klane White<br />
de 140 testes em todo o país. “Recebemos<br />
já 58 amostras e dessas<br />
49 revelaram atividade enzimática<br />
normal, quatro amostras estão<br />
em estudo e cinco apresentaram<br />
deficiência enzimática. Já confirmámos<br />
um caso de MPS II, um de<br />
DM1 e há uma suspeita de MPSI.<br />
Este projecto é muito relevante na<br />
consciencialização destas doenças<br />
entre os profissionais de saúde”,<br />
explicou Paulo Gaspar.<br />
A mesma opinião é partilhada pelo<br />
Dr. Patrício Aguiar, médico especialista<br />
em medicina interna do<br />
Hospital de Santa Maria, em Lisboa.<br />
A passagem da clínica pediátrica<br />
para a consulta do adulto é uma<br />
questão que preocupa os profissionais<br />
e foi trazida à discussão. “Essa<br />
transição é sempre difícil, mas é-o<br />
ainda mais em doenças que exigem<br />
grande multidisciplinaridade”,<br />
considerando ainda que além do<br />
envolvimento das várias especialidades<br />
médicas, é fundamental<br />
serem criadas condições para que<br />
existam cuidados paliativos de fim<br />
de vida, assim como uma maior estrutura<br />
de apoio social aos doentes<br />
e às suas famílias.<br />
O segundo momento da manhã<br />
começou com a intervenção do Dr.<br />
Augusto Magalhães sobre patologias<br />
oculares, bastantes frequentes<br />
nas MPS. O oftalmologista pediátrico<br />
do Hospital de São João, Porto,<br />
esclareceu que as manifestações<br />
de patologia oftalmológica mais<br />
comuns nestes doentes são a opacidade<br />
da córnea (com aparência<br />
característica de “vidro fosco”), a<br />
retinopatia, o glaucoma, inchaço e<br />
atrofia do nervo ótico, hipermetropia<br />
alta, vascularização periférica<br />
da córnea, pseudo-exoftalmia progressiva,<br />
hipertelorismo, ambliopia<br />
e estrabismo.<br />
Também aqui “o diagnóstico atempado<br />
é importante, pois permite<br />
melhorar a qualidade de vida do<br />
doente”.<br />
O Dr. Guirish Solanki, neurocirurgião<br />
do Hospital Pediátrico de Birmingham,<br />
deu conta que na MPS<br />
IV há mais erosão óssea e perda<br />
de estabilidade e que nos casos de<br />
MPS I, II e VI há menos perda de<br />
estabilidade e mais problemas de<br />
compressão.<br />
O especialista lembrou que as<br />
outubro 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 11
10 anos de investigação. Perspetivas futuras | especial<br />
“análises frequentes à coluna são<br />
essenciais para manter o doente<br />
sob controlo”. Quanto à cirurgia,<br />
Guirish Solanki recomenda “a janela<br />
de oportunidade entre a perda do<br />
sinal do líquido cefalorraquidiano e<br />
a perda de estabilidade”. Não tem<br />
dúvidas: “É aí que devemos concentrar<br />
energias”.<br />
O neurocirurgião focou também<br />
a necessidade de envolver ainda<br />
mais os anestesiologistas no debate,<br />
mas com a consciência de<br />
que, “o cenário, felizmente, está<br />
a mudar”. No decorrer da cirurgia,<br />
defende, toda a espinal medula<br />
tem de ser neuromonitorizada, sob<br />
pena de haver risco de consequências<br />
graves ou até mesmo morte do<br />
doente.<br />
A forma como as MPS afetam o<br />
coração foi o tema central da apresentação<br />
do Dr. Christoph Kampmann,<br />
explicando que os doentes<br />
com MPS desenvolvem vários problemas<br />
cardíacos, entre os quais<br />
arritmia. A doença afeta o coração<br />
em termos estruturais, as válvulas,<br />
o miocárdio e as artérias coronárias.<br />
No caso das MPS II, aos oito anos,<br />
50% dos doentes apresentam complicações<br />
cardíacas. “Aos 20, quase<br />
todos apresentam problemas<br />
cardíacos”. Tal como em outras<br />
especialidades, o acompanhamento<br />
e a realização de exames é essencial.<br />
A exposição de temas ficou concluída<br />
com a intervenção da Dr.ª Mireia<br />
del Toro, neuropediatra do Hospital<br />
Universitário Vall d’Hebron, em Barcelona,<br />
sobre “A doença neurológica<br />
nas MPS”, focando os múltiplos<br />
problemas neurológicos apresentados<br />
pelos doentes. Quanto às terapêuticas,<br />
a especialista foi clara:<br />
“uma abordagem multidisciplinar é<br />
a melhor estratégia de tratamento.<br />
Só uma boa equipa multidisciplinar<br />
pode melhorar a qualidade de vida<br />
dos doentes com MPS”. Tendo em<br />
conta a complexidade das MPS,<br />
“são necessários tratamentos<br />
combinados. Não há uma solução<br />
única de tratamento, mas a conjugação<br />
de vários”. A administração<br />
intratecal pode ser uma forma de<br />
administração coadjuvante à ERT<br />
sistémica, mas está ainda em desenvolvimento.<br />
Dr. Paulo Gaspar<br />
Dr. Patrício Aguiar<br />
Dr. Augusto Magalhães<br />
Dr. Guirish Solanki<br />
Dr. Christoph Kampmann<br />
Dr.ª Mireia del Toro<br />
Caminho é difícil<br />
mas há evolução<br />
O<br />
caminho para a maior<br />
eficácia das terapêuticas,<br />
que permitam uma<br />
melhoria da qualidade de vida<br />
dos doentes e dos seus familiares<br />
tem sido longo e moroso, mas<br />
a evolução registada nos últimos<br />
10 anos foi muito significativa e<br />
aumenta a esperança num futuro<br />
melhor. Uma esperança comum,<br />
partilhada por todos os palestrantes.<br />
Em jeito de conclusão, todos<br />
os especialistas passaram em<br />
revista os últimos 10 anos e revelaram<br />
os seus objetivos e perspetivas<br />
futuras.<br />
“Dez anos trouxeram-nos muitos<br />
conceitos e dados novos. Perante<br />
o que ouvimos aqui, acredito<br />
que continuaremos a melhorar o<br />
nosso conhecimento com novas<br />
abordagens” disse a Dr.ª Elisa<br />
Leão Teles.<br />
Já o Dr. Paul Harmatz focou-se<br />
na vertente neurológica das MPS.<br />
“Na minha apresentação fiz uma<br />
retrospetiva de 100 anos para<br />
chegar aos últimos 10. Temos já<br />
terapêuticas muito eficazes, mas<br />
ainda precisamos de chegar ao<br />
cérebro. Diria que o objetivo para<br />
os próximos cinco a dez anos<br />
será tratar a doença neurológica”.<br />
A Dr.ª Luísa Diogo manifestou o<br />
seu desejo na evolução do estudo<br />
da genética. “Do ponto de<br />
vista clínico, há um fator importante<br />
que é o aconselhamento<br />
genético; a deteção precoce dos<br />
problemas não serve apenas os<br />
doentes, mas também as famílias,<br />
com a possibilidade de poder<br />
evitar novos casos.<br />
Tal como na sua apresentação, o<br />
Dr. Patrício Aguiar, voltou a destacar<br />
a importância da abordagem<br />
multidisciplinar. “Um dos maiores<br />
avanços nas MPS foi a abordagem<br />
multidisciplinar e os cuidados<br />
que prestamos aos doentes.<br />
Com a criação de centros de referenciação<br />
em Portugal e noutros<br />
países, concentrámos o conhecimento,<br />
o cuidado e a abordagem<br />
multidisciplinar. Isto melhora<br />
a qualidade de vida dos doentes<br />
e os resultados dos tratamentos”,<br />
defendeu.<br />
Opinião partilhada pela Dr.ª Lúcia<br />
Lacerda, que mostrou satisfação<br />
pelo facto de, nos últimos dez<br />
anos, ter observado uma maior<br />
atenção aos sintomas destas patologias<br />
por parte dos clínicos.<br />
“Estão a aumentar os tratamentos<br />
para as MPS e os médicos<br />
estão muito mais sensibilizados<br />
para o que é a doença e a deteção<br />
de sintomas de uma forma<br />
mais ativa do que antes. Creio<br />
que isso contribuirá, no futuro,<br />
para uma deteção e tratamento<br />
mais atempados”.<br />
A melhoria no diagnóstico foi<br />
12 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018
especial | 10 anos de investigação. Perspetivas futuras<br />
também destacada pelo Dr. Paulo<br />
Gaspar.<br />
“Do ponto de vista laboratorial,<br />
a evolução da tecnologia permite-nos<br />
diagnosticar a doença<br />
de forma mais simples e também<br />
a própria história natural da<br />
doença”.<br />
O Dr. Augusto Magalhães focouse<br />
na sua especialidade para dar<br />
conta de que, também na oftalmologia,<br />
houve grande evolução nos<br />
últimos anos. “Mais do que falar<br />
das MPS especificamente, é importante<br />
focarmo-nos na especificidade<br />
da oftalmologia. Sendo<br />
uma especialidade muito tecnológica,<br />
com grandes avanços, tanto<br />
no diagnóstico como na terapêutica,<br />
tudo ‘corre’ muito depressa. O<br />
diagnóstico pode hoje mostrar alterações<br />
estruturais nas células e na<br />
tomografia registam-se melhorias<br />
todos os dias. No tratamento, as<br />
técnicas de transplante são, hoje,<br />
completamente diferentes do que<br />
eram há dez ou 20 anos”, rematou.<br />
A Dr.ª Mireia del Toro salientou a<br />
evolução, mas confessou, ainda<br />
assim, que os resultados práticos<br />
deveriam ser melhores. “Nos últimos<br />
dez anos houve novas terapêuticas<br />
para as doenças neurológicas,<br />
mas, de momento, ainda<br />
não temos a eficácia que gostaríamos.<br />
Há tantas terapêuticas<br />
em ensaios clínicos que chegam<br />
a deixar os pais confusos, já que<br />
não sabem que caminho seguir”,<br />
confidenciou.<br />
O Dr. Guirish Solanki afirmouse<br />
esperançoso no futuro, dizendo<br />
que, em comparação com<br />
há 10 anos, estão hoje a fazerse<br />
melhores cirurgias e os fármacos<br />
revelam-se muito promissores.<br />
“Se considerarmos a neuromonitorização<br />
intraoperatória,<br />
há menos risco de ter problemas<br />
com as crianças. Em relação<br />
ao futuro, acredito que os medicamentos<br />
biológicos evitarão cirurgias.<br />
Creio que isso será o<br />
que devemos procurar”, prevê o<br />
especialista.<br />
A comparação com os dez últimos<br />
anos motivou também a última<br />
intervenção do Dr. Klane<br />
White. “Se olharmos para os últimos<br />
dez anos comparados com<br />
os dez anos anteriores a esses,<br />
apenas pela literatura médica,<br />
houve uma grande ‘explosão’<br />
na ciência e na compreensão<br />
das MPS”. O cirurgião<br />
ortopédico considera que a comunidade<br />
científica obteve novas<br />
respostas para os doentes,<br />
tais como cirurgias e cuidados<br />
de apoio ou a compreensão dos<br />
sistemas dos diferentes órgãos.<br />
“No que concerne ao futuro, não<br />
sei se ficaremos [os cirurgiões] já<br />
fora da equação, mas acho que<br />
o próximo grande passo será o<br />
diagnóstico precoce com rastreio<br />
dos recém-nascidos. A minha<br />
esperança é que um rastreio<br />
de ADN de próxima geração<br />
possa ser pré-natal e até desenvolver<br />
terapias pré-natais. Seria<br />
o meu objetivo para os próximos<br />
dez anos”, revelou.<br />
Também ao Dr. Christoph<br />
Kampmann lhe agradaria uma<br />
evolução no rastreio a recémnascidos.<br />
“Há 22 anos, quando o<br />
Michael Beck me pediu para observar<br />
doentes do ponto de vista<br />
cardíaco, procurei literatura e não<br />
existia, apenas referências de<br />
que poderiam existir reflexos [das<br />
MPS] no coração. Isso significa<br />
que, apesar de ainda não entendermos<br />
muitas coisas, houve uma<br />
grande evolução na compreensão<br />
da componente cardiovascular<br />
desta doença. Concordo que o<br />
rastreio em recém-nascidos será<br />
extremamente importante”.<br />
outubro 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 13
SAÚDE ONLINE | entrevista<br />
Isabel Barbosa<br />
O misterioso Linfoma<br />
de Hodgkin<br />
No âmbito do Dia Mundial de Consciencialização sobre Linfomas, falámos com a investigadora<br />
Isabel Barbosa, sobre o raro Linfoma de Hodgkin, que representa apenas 10% de linfomas e afeta<br />
maioritariamente adultos jovens.<br />
O<br />
que é o Linfoma<br />
de Hodgkin?<br />
O Linfoma de Hodgkin é um tipo<br />
raro de linfoma. Os linfomas são<br />
tumores que se desenvolvem nos linfócitos,<br />
que são os glóbulos brancos do nosso sistema<br />
imunológico e que se vão acumular nos<br />
gânglios linfáticos. No caso deste linfoma,<br />
existem umas células características que se<br />
chamam Células de Reed-Sternberg, que não<br />
aparecem nos outros linfomas.<br />
Qual é a prevalência deste tipo de<br />
cancro?<br />
Há cerca de dois mil novos casos de linfomas<br />
no total. E cerca de 10% são linfomas de<br />
Hodgkin diagnosticados por ano, em Portugal.<br />
Algumas estimativas apontam para 260 casos,<br />
um pouco mais de 10%.<br />
Quais são os sintomas mais comuns<br />
neste cancro?<br />
O aumento dos gânglios, que pode até não<br />
ser o primeiro sintoma. Também a febre, suores<br />
noturnos, fadiga severa, cansaço, lesões<br />
na pele, comichões. Mas estes sintomas podem<br />
aparecer em infeções virais. Portanto, o<br />
que é mais comum, é mesmo o aumento dos<br />
gânglios no pescoço, nas axilas e nas virilhas.<br />
Esse é o fator diferenciador?<br />
Nem sempre um gânglio aumentado é sintoma<br />
de linfoma. Só depois de uma consulta<br />
médica e de exames complementares é que<br />
se pode chegar à conclusão de que é um<br />
linfoma.<br />
Há alguma parte do corpo, de<br />
entre aquelas que referiu, em que<br />
seja mais comum o inchaço dos<br />
gânglios?<br />
Pode ocorrer em qualquer das partes e é mais<br />
comum no pescoço. Ou pelo menos é essa<br />
zona que as pessoas notam mais.<br />
«A taxa de sobrevivência<br />
tem vindo a melhorar<br />
com o aparecimento<br />
de novos tratamentos<br />
e é de mais de 80%»<br />
Há alguma explicação para o facto<br />
de este cancro ser mais comum nos<br />
adultos jovens?<br />
Ainda não há explicação. Sabemos que há<br />
um pico de casos entre os 20 e os 25 anos,<br />
e que é mais comum no sexo masculino. Em<br />
relação às causas, elas não são conhecidas.<br />
Não existe, então, nenhuma causa<br />
determinante para o aparecimento<br />
deste linfoma?<br />
A idade e o sexo são fatores determinantes. Os<br />
linfomas aparecem com mais frequência nas<br />
pessoas mais velhas, porque estas vivem cada<br />
vez mais. À medida que as pessoas vão envelhecendo,<br />
as doenças do sangue também aumentam<br />
porque a idade é um dos fatores que<br />
influenciam o aparecimento destas doenças.<br />
Mas, no caso do linfoma de Hodgkin,<br />
falamos de pessoas jovens…<br />
Não é fácil de explicar ou saber a razão.<br />
Apesar de dizermos que há um pico de casos<br />
entre os 20 e os 25 anos, pode aparecer em<br />
qualquer idade.<br />
14 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018
Doença de Alzheimer<br />
profissão | SAÚDE ONLINE<br />
Ana Miranda<br />
Médica Internista<br />
Serviços Clínicos da Médis<br />
A<br />
Doença de Alzheimer<br />
é a forma mais comum<br />
de demência, atingindo<br />
cerca de 50 a 70% de todos os<br />
casos de demência. Pode ser<br />
definida como uma doença neurodegenerativa<br />
caracterizada<br />
por um declínio progressivo e irreversível<br />
de diversas funções<br />
cognitivas, como a memória,<br />
compreensão, atenção, pensamento<br />
e orientação. Estas alterações,<br />
inicialmente subtis, vão-se<br />
agravando ao longo do tempo,<br />
provocando um declínio significativo<br />
na capacidade funcional<br />
e autonomia dos doentes. Atinge<br />
sobretudo pessoas a partir dos<br />
65 anos e a sua prevalência aumenta<br />
com a idade.<br />
A doença foi identificada pela<br />
primeira vez em 1907 por Alois<br />
Alzheimer. O médico alemão observou<br />
uma doente de 51 anos<br />
que apresentava um quadro de<br />
perda de memória a curto prazo<br />
associado a alterações comportamentais.<br />
Durante 5 anos, verificou-se<br />
um agravamento clínico,<br />
ficando a doente mais dependente<br />
nas suas atividades<br />
de vida diárias, desorientada e<br />
não reconhecendo os familiares,<br />
tendo falecido ao fim desses<br />
5 anos. A autópsia do tecido<br />
cerebral revelou a presença de<br />
placas de beta amiloide e fibrilhas<br />
proteicas, que provocaram<br />
uma desorganização da estrutura<br />
cerebral, responsável pelas<br />
alterações neuropsicológicas.<br />
Os sintomas são variados, evoluem<br />
ao longo do tempo e variam<br />
de pessoa para pessoa.<br />
Inicialmente são subtis, podendo<br />
ser confundidos com alterações<br />
do processo de envelhecimento<br />
normal, cansaço ou<br />
depressão. As queixas mais frequentes<br />
são confusão, alterações<br />
da memória a curto prazo,<br />
dificuldades de concentração<br />
e linguagem, como por exemplo<br />
não conseguir encontrar as<br />
palavras corretas para determinado<br />
objeto, dificuldade em<br />
cumprir tarefas mais complexas,<br />
como pagamento de contas ou<br />
gestão de dinheiro. Nas fases<br />
mais avançadas, os sintomas<br />
descritos vão-se agravando e<br />
podem, dependendo dos casos,<br />
aparecer quadros de alucinações,<br />
desorientação tempo-espacial,<br />
pensamento vago, dificuldade<br />
na alimentação, banho<br />
ou incapacidade para se vestir.<br />
A causa da Doença de Alzheimer é<br />
desconhecida. No entanto existem<br />
alguns fatores de risco já identificados<br />
nesta patologia: idade avançada,<br />
histórico familiar, obesidade,<br />
hipertensão arterial, diabetes, tabagismo<br />
e sedentarismo.<br />
O diagnóstico desta patologia<br />
é clínico. Não existe neste momento<br />
qualquer teste específico<br />
para identificar a doença.<br />
São realizados alguns exames<br />
no sentido de excluir a presença<br />
de outras entidades causadoras<br />
de sintomas de demência potencialmente<br />
reversíveis. O diagnóstico<br />
definitivo só pode ser confirmado<br />
após a morte do paciente<br />
por análise do tecido cerebral.<br />
Não existe um tratamento específico<br />
nem cura para a Doença<br />
de Alzheimer. Existem alguns<br />
medicamentos disponíveis que<br />
servem para controlar os sintomas<br />
presentes, mas não curam<br />
a doença. Associado à medicação<br />
existem ainda terapias comportamentais<br />
que podem ajudar<br />
o doente e a família.<br />
Assim, a melhor estratégia será<br />
a prevenção, adotando um estilo<br />
de vida adequado para que<br />
se possa reduzir o risco de aparecimento<br />
da doença, como a<br />
prática de exercício físico, manter<br />
o cérebro ativo, participar em<br />
atividades sociais, alimentação<br />
saudável, não fumar e controlo<br />
adequado dos fatores de risco<br />
cardiovasculares, como a hipertensão<br />
e a diabetes.<br />
setembro 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 15
SAÚDE ONLINE | nacional<br />
As ideias polémicas da<br />
nova ministra da Saúde:<br />
relação com os médicos<br />
promete ser tensa<br />
Marta Temido defende exclusividade de funções para alguns médicos<br />
e a transferência de algumas competências dos médicos para os enfermeiros.<br />
Bastonário dos Médicos está contra.<br />
São polémicas as ideias<br />
defendidas pela nova<br />
ministra da saúde e prometem<br />
agitar a relação<br />
entre o Ministério e os médicos<br />
nos próximos tempos. Marta<br />
Temido já disse que é preciso “assumir”<br />
o problema do pluriemprego<br />
no setor, defendendo, por<br />
isso, a exclusividade de funções<br />
para os médicos em cargos de<br />
chefia intermédia. Por outro lado,<br />
defendeu, na sua tese de doutoramento,<br />
a distribuição de tarefas<br />
dos médicos aos enfermeiros. O<br />
bastonário da Ordem dos Médicos<br />
contesta as duas propostas.<br />
Há menos de um mês, numa intervenção<br />
pública numa conferência<br />
organizada pelo Conselho<br />
Económico e Social, a agora ministra<br />
abordava a questão dos trabalhadores<br />
que trabalham simultaneamente<br />
no SNS e no privado.<br />
“É urgente não só proceder à caracterização<br />
exata do fenómeno<br />
do pluriemprego nos trabalhadores<br />
do SNS, mas também regular<br />
melhor esta opção, com reserva<br />
do regime de dedicação exclusiva<br />
em alguns casos”.<br />
Marta Temido liderou, aliás, um<br />
estudo, designado “Melhorar a<br />
gestão do SNS. Recursos humanos:<br />
o essencial”, onde lamenta o<br />
desconhecimento em relação ao<br />
número de médicos em exclusividade<br />
de funções e critica o modelo<br />
atualmente em vigor, em que cada<br />
médico tem liberdade de escolha.<br />
“Deixar o assunto à consideração<br />
da ética individual não regula suficientemente<br />
o risco”, alerta.<br />
O Bastonário dos Médicos discorda,<br />
contrapondo que “A regulação<br />
existe, não é uma questão<br />
de ética, é uma questão de serviço<br />
no enquadramento legal que<br />
existe”. Em declarações à TVI,<br />
Miguel Guimarães rejeitou a ideia<br />
de obrigar os médicos a exercerem<br />
em exclusivo no público.<br />
“Acho que obrigar as pessoas é<br />
sempre mau, podem ser critérios<br />
preferenciais, eventualmente para<br />
direções, mas não ser obrigatório,<br />
até porque podemos ficar com<br />
o problema que neste momento<br />
“Não admitimos<br />
transferência de<br />
competências”,<br />
responde Miguel<br />
Guimarães.<br />
temos dos diretores clínicos – estão<br />
em dedicação exclusiva e muitas<br />
vezes as opções para hospitais<br />
em termos de direções clinicas<br />
acabam por ser limitadas”,<br />
alerta Miguel Guimarães.<br />
O Bastonário diz-se disposto a ouvir<br />
o que Marta Temido terá a propor<br />
mas, a avaliar pela posição da<br />
Ordem, este será um dos pontos<br />
mais complicados nas negociações<br />
com o Ministério. “As pessoas<br />
que trabalham no setor público,<br />
no tempo livre fazem aquilo<br />
que entenderem: podem não fazer<br />
nada, podem fazer ginástica, podem<br />
passear e podem eventualmente<br />
trabalhar no privado para<br />
complementar remuneração que<br />
têm no setor público, que é muito<br />
baixa para o nível de responsabilidades<br />
que os médicos têm”, reforça<br />
Miguel Guimarães.<br />
Mais funções para os enfermeiros?<br />
Na sua tese de doutoramento,<br />
apresentada há quatro anos,<br />
Marta Temido defendeu a hipótese<br />
de atribuir aos enfermeiros<br />
funções tradicionalmente reservadas<br />
aos médicos e criticava o<br />
que dizia ser “divisão do trabalho<br />
baseada nas fronteiras profissionais”<br />
que, defendeu então, se encontra<br />
“esgotada”. Ora, esta é outra<br />
ideia contra a qual Ordem dos<br />
Médicos tem levantado a voz nos<br />
últimos anos.<br />
Recorrendo ao modelo norte-americano,<br />
Temido dá o exemplo<br />
das nurse practitioners (enfermeiras<br />
com formação avançada) e<br />
midwives (parteiras): profissionais<br />
que ficaram com algumas funções<br />
antes exclusivas dos obstetras e<br />
que conseguiram uma maior adesão<br />
dos seus doentes aos cuidados<br />
de saúde prestados. Segundo<br />
a tese, apresentada no Instituto de<br />
Higiene e Medicina Tropical, “os<br />
enfermeiros e parteiros atingiam<br />
resultados comparáveis aos dos<br />
médicos e usavam menos tecnologia<br />
e analgesia”.<br />
“Existe espaço para ganhos de<br />
acesso, qualidade e satisfação<br />
numa diferente distribuição do<br />
trabalho entre médicos e enfermeiros”,<br />
defende a nova titular da<br />
pasta da Saúde, acrescentando<br />
16 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018
nacional | SAÚDE ONLINE<br />
que “muitos atos são considerados<br />
exclusivos da área médica por<br />
força de práticas instituídas”<br />
Miguel Guimarães rejeita também<br />
esta hipótese. “Não admitimos<br />
transferência de competências”,<br />
disse em declarações prestadas<br />
ao DN. “O que existe é a<br />
delegação de competências, que<br />
é o que já acontece noutros países<br />
e até em algumas áreas em<br />
Portugal, no contexto de trabalho<br />
em equipa. Há competências administrativas<br />
que pesam muito nos<br />
médicos e podiam ser delegadas,<br />
mas nunca atos médicos”.<br />
Quem é Marta Temido?<br />
Licenciada em Direito pela<br />
Faculdade de Direito da<br />
Universidade de Coimbra, com<br />
especialização em Administração<br />
Hospital pela Escola Nacional de<br />
Saúde Pública da Universidade<br />
Nova de Lisboa, Marta Temido<br />
exercia atualmente o cargo de<br />
subdiretora do Instituto de Higiene<br />
e Medicina Tropical, onde se doutorou<br />
em Saúde Internacional,<br />
e de presidente não executiva<br />
do conselho de administração<br />
do Hospital da Cruz Vermelha<br />
Portuguesa.<br />
Ao longo da sua vida profissional<br />
desempenhou diversos cargos de<br />
administração, de entre os quais<br />
se destaca o de presidente do<br />
conselho direito da Administração<br />
Central do Sistema de Saúde<br />
(ACSS), de 2016 até dezembro de<br />
2017, função que desempenhou a<br />
convite do ministro que vai agora<br />
substituir.<br />
Antes disso, ganhou visibilidade<br />
na presidência da Associação<br />
Portuguesa dos Administradores<br />
Hospitalares (APAH), entre 2013<br />
e 2015 (cargo que Adalberto<br />
Campos Fernandes também ocupou),<br />
tendo já tido experiência<br />
na gestão de vários hospitais do<br />
Serviço Nacional de Saúde (SNS)<br />
como o IPO do Porto e o Centro<br />
Hospitalar de Coimbra.<br />
Refira-se que Marta Temido<br />
é casada com Jorge Simões,<br />
que foi presidente da Entidade<br />
Reguladora da Saúde entre 2010 e<br />
2015, sendo professor catedrático<br />
com agregação da Universidade<br />
de Aveiro e Professor Catedrático<br />
convidado no Instituto de Higiene e<br />
Medicina Tropical da Universidade<br />
Nova de Lisboa.<br />
Jorge Simões foi, de 2009 a 2010,<br />
um dos dois coordenadores nacionais<br />
do novo Plano Nacional de<br />
Saúde e, de 2008 e 2009, coordenador<br />
da Equipa de Análise Estratégica<br />
sobre o processo de criação e desenvolvimento<br />
das parcerias público<br />
privadas nos hospitais.<br />
Antes disso, foi presidente da<br />
Comissão para a Sustentabilidade<br />
do Financiamento do Serviço<br />
Nacional de Saúde de 2006 a 2007.<br />
Foi Consultor para os Assuntos da<br />
Saúde de Jorge Sampaio, durante<br />
os seus dois mandados como<br />
Presidente da República, entre<br />
1996 e 2006.<br />
outubro 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 17
SAÚDE ONLINE | nacional<br />
Francisco Ramos e Raquel Bessa<br />
de Melo são os novos secretários<br />
de Estado da Saúde<br />
A remodelação governamental levada a cabo por António Costa resultou numa alteração<br />
total no Ministério da Saúde. Francisco Ramos e Raquel Bessa de Melo são os escolhidos<br />
para ocupar a Secretaria de Estado.<br />
O<br />
até agora presidente do<br />
IPO de Lisboa, Francisco<br />
Ramos, substitui, assim,<br />
no cargo de Secretário de<br />
Estado Adjunto e da Saúde Rosa<br />
Valente de Matos, que tinha entrado<br />
para o governo há menos<br />
de um ano. Será a quinta vez<br />
que Francisco Ramos, que completa<br />
62 anos em dezembro, integra<br />
um governo socialista, depois<br />
ter ocupado a secretaria de<br />
Estado da Saúde em dois governos<br />
de António Guterres, entre<br />
1997 e 2002, e nos dois executivos<br />
de José Sócrates, entre<br />
2005 e 2009, período em que trabalhou<br />
com três ministros: Maria<br />
de Belém Roseira, Correia de<br />
Campos e Ana Jorge.<br />
Licenciado em Economia, pelo<br />
Instituto Superior de Ciências<br />
do Trabalho e da Empresa, em<br />
1978, tendo obtido o diploma<br />
em Administração Hospitalar<br />
em 1981, vai ser o responsável<br />
pela parte financeira da Saúde,<br />
onde se incluem os hospitais e<br />
medicamentos.<br />
Refira-se que o novo Secretário<br />
de Estado integrou o Grupo<br />
Técnico Independente destinado<br />
a avaliar os Sistemas de Gestão<br />
do Acesso a Cuidados de Saúde<br />
no Serviço Nacional de Saúde<br />
(SNS), criado em outubro de<br />
2017.<br />
No seu já vasto currículo profissional,<br />
o agora nomeado foi consultor<br />
da Administração Regional<br />
de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo<br />
em 1996/1997 e subdiretor-geral<br />
da Direção-Geral da Saúde em<br />
1997.<br />
Foi ainda Presidente do Conselho<br />
Diretivo do Instituto de Gestão<br />
do Fundo Social Europeu em<br />
2000/2001 e Presidente do<br />
Conselho Diretivo do INA, IP, entre<br />
2009 e 2012.<br />
Ao longo dos anos, realizou diversos<br />
estudos económicos de<br />
medicamentos para companhias<br />
farmacêuticas e estudos económicos<br />
e de organização de unidades<br />
privadas de prestação de<br />
cuidados de saúde.<br />
Poupar nos medicamentos<br />
Com vasta experiência no setor,<br />
Francisco Ramos é conhecido<br />
pelas suas posições duras face<br />
à Indústria Farmacêutica. Em setembro<br />
último pediu um esforço<br />
de 300 milhões de euros de contribuição<br />
às empresas de medicamentos<br />
e dispositivos médicos,<br />
com efeitos já no orçamento<br />
do Estado para 2019. “Há muito<br />
tempo que se denota pela prática<br />
é que medidas eficazes de<br />
redução do preço dos medicamentos<br />
são medidas administrativas,<br />
quase impostas à indústria”,<br />
apontava Francisco Ramos, afirmando<br />
que “se os poderes públicos<br />
tiverem a vontade suficiente,<br />
é possível que a indústria concorde<br />
em suportar este sacrifício<br />
para que de facto seja possível<br />
garantir nos próximos anos a sustentação<br />
do financiamento da inovação<br />
terapêutica”.<br />
Quanto aos contribuintes, diz<br />
Francisco Ramos, defende que<br />
devem ser aliviados nas despesas<br />
em saúde oral, próteses oculares<br />
e auditivas. Mas, em contrapartida,<br />
devem também poder deduzir<br />
menos despesas de saúde<br />
no IRS, propondo uma descida<br />
dos atuais 15% para 5%.<br />
Queria ser diretora-geral de<br />
Saúde, acabou Secretária de<br />
Estado<br />
A nova secretária de Estado da<br />
Saúde, Raquel Bessa de Melo,<br />
pediu a demissão de diretora de<br />
uma unidade do Centro Hospitalar<br />
de Vila Nova de Gaia/Espinho<br />
(CHVNGE) em março, antecipando-se<br />
em seis meses às 52<br />
demissões de diretores e chefes<br />
de serviço ocorridas naquela unidade<br />
hospitalar justificada com a<br />
falta de recursos humanos, equipamentos<br />
e financiamento.<br />
Licenciada em Medicina,<br />
Raquel Bessa de Melo é assistente<br />
Graduada Sénior de<br />
Pneumologia, mestre em Saúde<br />
Pública e Gestão e Economia<br />
de Serviços de Saúde e doutora<br />
em Saúde Pública, segundo dados<br />
curriculares fornecidos pelo<br />
Governo.<br />
Diretora do Programa Nacional<br />
para a Tuberculose da Direção-<br />
Geral de Saúde (DGS), a nova secretária<br />
de Estado, que substitui<br />
no cargo Fernando Aaújo, é professora<br />
auxiliar na Faculdade de<br />
Medicina e no Instituto de Saúde<br />
Pública da Universidade do Porto.<br />
Raquel Bessa de Melo candidatou-se<br />
à liderança da DGS, tendo<br />
mesmo chegado à lista de três<br />
nomes propostos pela Cresap ao<br />
governo. Contudo, a escolha acabou<br />
por recair em Graça Freitas,<br />
que tinha ficado a ocupar o cargo<br />
de diretora-geral da saúde de<br />
forma interina depois da saída de<br />
Francisco George, por limite de<br />
idade.<br />
18 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018
Investigação | SAÚDE ONLINE<br />
Investigação sobre imunoterapia<br />
para tratamento do cancro<br />
vence Prémio Nobel da Medicina<br />
Investigadores James P. Allison e Tasuku Honjo descobriram novas formas de bloquear<br />
os travões do nosso sistema imunitário, ajudando ao desenvolvimento de dois fármacos<br />
inovadores na luta contra cancros em estado avançado e metastizado.<br />
O<br />
Prémio Nobel da<br />
Medicina 2018 foi atribuído<br />
ao investigador<br />
norte-americano James P. Allison<br />
e ao também investigador japonês<br />
Tasuku Honjo, pelas descobertas<br />
relacionadas com o papel<br />
do sistema imunitário na luta contra<br />
o cancro, anunciou esta manhã<br />
o Comité Nobel no Instituto<br />
Karolinska, em Estocolmo, na<br />
Suécia.<br />
“O Prémio Nobel deste ano assinala<br />
um marco na luta contra<br />
o cancro”, anunciou o comité do<br />
Nobel esta segunda-feira, acrescentando<br />
que as investigações<br />
dos dois laureados representam<br />
uma mudança de paradigma. “É<br />
um princípio totalmente novo.<br />
Neste caso, em vez de ter como<br />
alvo as células cancerosas, estas<br />
abordagens usam os travões das<br />
células do nosso sistema imunitário<br />
para travar o cancro.” A descoberta<br />
feita pelos dois investigadores<br />
aproveita, desta maneira,<br />
a capacidade do nosso sistema<br />
imunitário de atacar as células<br />
cancerosas estimulando-o e activando<br />
os “travões” nas células do<br />
sistema imunitário, os linfócitos T.<br />
A imunoterapia é uma forma inovadora<br />
de tratamento para o cancro,<br />
através da qual é possível<br />
estimular as células do sistema<br />
imunitário para que possam lutar<br />
contra as células malignas.<br />
Os resultados mais promissores<br />
na luta contra o cancro, têm sido<br />
alcançados com o cancro do pulmão,<br />
o melanoma e com alguns<br />
tipos de leucemia e de linfomas.<br />
James P. Allison, da Universidade<br />
do Texas, estudou, durante décadas,<br />
os linfócitos T e, em particular,<br />
uma proteína, a CTLA-<br />
4, que funciona como um travão<br />
no sistema imunitário. O trabalho<br />
em seu laboratório levou<br />
ao desenvolvimento do ipilimumab,<br />
um anticorpo monoclonal<br />
que combate a CTLA-4 e que<br />
foi a primeira terapia de controlo<br />
(checkpoint) imunitário desta proteína<br />
aprovada pela Food and<br />
Drug Administration (FDA), a<br />
agência reguladora americana.<br />
Desde que chegou ao mercado,<br />
em 2011, com o nome comercial<br />
Yervoy, este medicamento já permitiu<br />
tratar milhares de doentes<br />
com cancro de pele em estado<br />
avançado ou metastático. Cerca<br />
de 20% dos doentes viram a<br />
doença regredir completamente,<br />
um avanço significativo em relação<br />
a outras terapêuticas, e 3<br />
em cada 5 ainda estão vivos três<br />
anos depois de terem iniciado o<br />
tratamento.<br />
Tasuku Honjo, professor da<br />
Universidade de Quioto, investigou<br />
uma outra proteína, a PD1, e<br />
mostrou que ela também funciona<br />
como um travão, mas com um<br />
mecanismo de acção diferente. O<br />
seu trabalho levou ao desenvolvimento<br />
do Nivolumab, também um<br />
anticorpo monoclonal, que, em monoterapia<br />
ou em associação com o<br />
ipilimumab, está indicado para o<br />
tratamento do cancro do pulmão,<br />
Carcinoma das células renais,<br />
Linfoma de Hodgkin, Carcinoma<br />
de Células Escamosas da Cabeça<br />
e Pescoço e melanoma.<br />
O prémio tem um valor de nove<br />
milhões de coroas suecas<br />
(cerca de 870 mil euros), sendo,<br />
neste caso, repartido pelos dois<br />
investigadores.<br />
SO<br />
setembro 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 19
SAÚDE ONLINE | nacional<br />
SNS vai ter mais<br />
201 milhões em 2019<br />
Marta Temido, a nova ministra da Saúde, vai contar com mais 523<br />
milhões de euros no orçamento para 2019 face ao valor estimado<br />
para 2018 (5%), atingindo a despesa total consolidada 11013.3<br />
milhões de euros. Já as transferências para o SNS crescem menos:<br />
201.5 milhões, com a despesa total consolidada a fixar-se nos<br />
10053,5 milhões de euros<br />
Um crescimento superior<br />
ao que havia sido<br />
avançado nos dias que<br />
antecederam a apresentação<br />
no Parlamento da proposta<br />
de Lei do Orçamento do<br />
Estado para 2019 nos últimos minutos<br />
desta segunda-feira, que,<br />
de acordo com diferentes fontes,<br />
seria de 300 milhões.<br />
Importa sublinhar que nas transferências<br />
para o SNS, que absorvem<br />
91.5% do orçamento total do<br />
Programa da Saúde, o aumento<br />
é menos significativo, fixando-se<br />
nos 201.5 milhões de euros face<br />
ao valor estimado para 2018. No<br />
total, as entidades que integram<br />
o Serviço Nacional de Saúde<br />
irão receber, em 2019, 10053,5<br />
milhões de euros (total consolidado).<br />
Uma diferença que já levou<br />
a Bastonária dos Enfermeiros<br />
a afirmar que a Saúde só terá 200<br />
milhões e acréscimo orçamental,<br />
e não os mais de 500 milhões<br />
anunciados por Mário Centeno.<br />
Comparando com o montante de<br />
2015, o último ano de governação<br />
de Passos Coelho, a Saúde terá,<br />
em 2019, mais 1958,9 milhões de<br />
euros. Já as transferências para<br />
o SNS registam um aumento, no<br />
mesmo período, de 1139.6 milhões<br />
de euros.<br />
Boa parte do acréscimo orçamental<br />
acompanha o crescimento<br />
da despesa das Entidades<br />
Públicas Reclassificadas (EPR),<br />
universo que inclui 40 entidades<br />
públicas empresariais que integram<br />
o SNS, como hospitais,<br />
centros hospitalares ou unidades<br />
locais de saúde, que no seu<br />
conjunto irão gastar 5919,3 milhões<br />
de euros, 53,7% do valor<br />
despesa total consolidada, mais<br />
170,8 milhões de euros face à<br />
estimativa para 2018. Se a este<br />
universo juntarmos todas as demais<br />
entidades que integram os<br />
Serviços e Fundos Autónomos, a<br />
despesa total consolidada cresce<br />
para 10989,1 milhões de euros,<br />
correspondente a um acréscimo<br />
de 5% face à estimativa de 2018<br />
(mais 521.6 milhões de euros).<br />
A despesa total consolidada com<br />
pessoal crescerá 287,5 milhões<br />
de euros face a 2018, atingindo<br />
o valor global de 4238,7 milhões<br />
de euros. Um aumento que permitirá,<br />
lê-se na proposta do OE<br />
2019, atingir a meta de 9000 novos<br />
profissionais na legislatura.<br />
Já a despesa com bens e serviços<br />
correntes, onde se incluem<br />
os medicamentos e dispositivos<br />
médicos, parcerias público<br />
-privadas, entre outros, atingirá,<br />
no próximo ano, um total consolidado<br />
de 6071,9 milhões de euros,<br />
mais 383,2 milhões de euros<br />
do que em 2018. Ainda assim,<br />
muito longe do montante necessário<br />
para liquidar a dívida em<br />
atraso (a mais de 90 dias) dos<br />
hospitais do setor empresarial do<br />
Estado que, em agosto, atingiu o<br />
valor mais alto do ano, fixando-se<br />
em 666 milhões de euros, de um<br />
total de 949,3 milhões. Ainda assim,<br />
um valor mais baixo do que<br />
o registado no segundo semestre<br />
de 2017, altura em que a dívida total<br />
chegou a ultrapassar os 1100<br />
milhões de euros.<br />
Aos 383,2 milhões de euros de<br />
acréscimo do montante inscrito<br />
na rubrica “Despesa com bens<br />
e serviços correntes”, há que somar<br />
ainda 59 milhões de euros<br />
de poupança nos encargos com<br />
as Parcerias Público Privadas<br />
(PPP), que incluem os hospitais<br />
de Cascais, de Vila Franca de<br />
Xira, Braga e Loures, e que somarão,<br />
em 2019, 425 milhões<br />
de euros (contra 484 em 2018).<br />
Em 2015, as PPP custaram 840<br />
milhões.<br />
Mais cinco novos hospitais<br />
Em sede de investimento em<br />
equipamentos e infraestruturas,<br />
destaca-se a aposta em fazer<br />
avançar, já no próximo ano,<br />
os projetos dos cinco novos hospitais<br />
anunciados pelo Governo<br />
em diferentes momentos da legislatura.<br />
São eles o Hospital de<br />
Lisboa Oriental (em modelo PPP),<br />
cujo concurso foi lançado em dezembro<br />
de 2017 encontrando-se,<br />
até ao final deste ano, em fase<br />
de preparação de propostas por<br />
parte dos concorrentes privados;<br />
o Hospital Central do Alentejo,<br />
em Évora, com um custo de obra<br />
avaliado em 170 milhões de euros.<br />
A preparação do lançamento<br />
do concurso para a construção<br />
desta unidade encontra-se em<br />
curso, a cargo de um grupo de trabalho<br />
nomeado para o efeito por<br />
Adalberto Campos Fernandes em<br />
março deste ano; o novo Hospital<br />
de Sintra é o que se encontra<br />
em fase mais avançada. Já há<br />
“contrato assinado pela Câmara<br />
Municipal de Sintra em setembro<br />
de 2018, com adjudicação do gabinete<br />
de arquitetura que irá proceder<br />
à elaboração do projeto”,<br />
pode ler-se no OE. “Estima-se<br />
que esta fase esteja concluída<br />
em fevereiro de 2019, para posterior<br />
lançamento de concurso para<br />
20 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018
nacional | SAÚDE ONLINE<br />
unidades menos eficientes vão<br />
ser acompanhadas por peritos<br />
em gestão hospitalar; e a continuação<br />
do esforço de diminuição<br />
da dívida, permitindo a obtenção<br />
de melhores condições comerciais<br />
junto de fornecedores.<br />
Revisão dos tempos de espera e<br />
dentistas em 60% dos municípios<br />
Em 2019, o Governo pretende redefinir<br />
os Tempos Máximos de<br />
Resposta Garantidos (TMRG),<br />
para todo o tipo de prestações de<br />
saúde sem caráter de urgência,<br />
que representam alterações significativas<br />
ao nível da definição de<br />
tempos de espera nos cuidados<br />
de saúde primários, redução de<br />
TMRG em algumas áreas de cuidados<br />
hospitalares e introdução de<br />
tempos de espera para os MCDT.<br />
Na proposta de Orçamento para<br />
a área da Saúde, o Governo promete<br />
ainda alargar o recurso à<br />
‘telesaúde’, sobretudo na área da<br />
dermatologia, para aumentar os<br />
diagnósticos precoces.<br />
O alargamento das consultas de<br />
medicina dentária nos centros de<br />
saúde é para continuar, afirma o<br />
documento, onde se fixa o objetivo<br />
de ter consultas de dentista<br />
em pelo menos 60% dos municípios<br />
durante o próximo ano.<br />
Todos com médico<br />
de família em 2019?<br />
realização da obra, estimando-se<br />
que o novo hospital possa entrar<br />
em funcionamento em 2021″. Os<br />
custos da obra serão suportados<br />
pela autarquia e pelo Governo,<br />
com a primeira a investir 29,617<br />
milhões de euros no projeto, fiscalização<br />
e obra e o Estado 21,6<br />
milhões com aquisição do equipamento<br />
médico, geral e informático.<br />
A conclusão da obra está<br />
prevista para 2021.<br />
Também para 2021 ou início de<br />
2022 está prevista a conclusão<br />
do Hospital do Seixal. O lançamento<br />
do procedimento concursal<br />
pela ARSLVT ocorreu em julho<br />
de 2018, com data limite para<br />
entrega de propostas até ao final<br />
deste mês. A Câmara Municipal<br />
do Seixal suportará os encargos<br />
relativos à elaboração do projeto<br />
de acessibilidades e infraestruturas<br />
do hospital, integrado no respetivo<br />
projeto global de construção,<br />
ficando os restantes custos<br />
a cargo do Estado. O plano de investimento<br />
inscrito na proposta<br />
de Orçamento de Estado para<br />
2019 prevê ainda o financiamento<br />
da candidatura apresentada pela<br />
Região Autónoma da Madeira<br />
(RAM). “Reconhecido o projeto<br />
como Projeto de Interesse Comum,<br />
mereceu parecer favorável do<br />
Conselho de Acompanhamento<br />
das Políticas Financeiras, tendo<br />
em outubro de 2018 sido aprovado,<br />
através de Resolução do Conselho<br />
de Ministros, o apoio financeiro do<br />
Estado à RAM para a construção<br />
do hospital, incluindo equipamento<br />
médico e hospitalar”, lê-se na proposta<br />
de Orçamento apresentada<br />
esta segunda-feira na Assembleia<br />
da República. O custo da obra está<br />
estimado em 266 milhões de euros,<br />
a serem suportados, em valores<br />
iguais, pelo Governo Central e<br />
pela Região da Madeira.<br />
O alargamento das redes de cuidados<br />
continuados integrados e<br />
de cuidados paliativos; o reforço<br />
dos cuidados de saúde primários<br />
consubstanciado no reforço<br />
dos investimentos, num total de<br />
55 milhões de euros e o fortalecimento<br />
da rede nacional de veículos<br />
de emergência, são outras<br />
das medidas previstas no documento,<br />
que inclui ainda a implementação<br />
de um novo modelo de<br />
financiamento em 11 Hospitais<br />
EPE, que passa por responsabilizar<br />
os gestores mediante o seu<br />
desempenho, enquanto outras<br />
Com 96% da população coberta<br />
pelos cuidados de saúde primários<br />
no final deste ano (era de 89.7%<br />
em 2015), o Governo quer rever “a<br />
dimensão da lista de utentes inscritos<br />
por médico de família”, quando<br />
“a taxa de cobertura total de utentes<br />
com médico de família for igual<br />
ou superior a 99%”. Uma medida<br />
que procurará reduzir o número<br />
de utentes por lista de médico, que<br />
atualmente atinge, em média, 1900<br />
utentes e que os sindicatos querem<br />
ver reduzida para 1500 utentes por<br />
médico de família.<br />
Em 2019 serão também intensificados<br />
os programas de rasteio do<br />
cancro do colo do útero, cancro<br />
do cólon e reto, cancro da mama,<br />
retinopatia diabética e saúde visual<br />
infantil, “de modo a garantir<br />
a proteção e promoção da saúde<br />
da população”.<br />
outubro 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 21
Air for All NEWS 2017 | especial<br />
Abordagem personalizada é<br />
o futuro na gestão da DPOC<br />
Durante a Conferência Air for All 2017, promovida pela Menarini, em Lisboa e moderada<br />
pelo Prof. Carlos Robalo Cordeiro, o Prof. Dave Singh demonstrou que na gestão da Doença<br />
Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC) a dupla broncodilatação veio para ficar (em particular<br />
através da combinação fixa LAMA/LABA) e que é de enorme importância o médico adotar<br />
uma abordagem individualizada da terapêutica. O investigador britânico frisou ainda que os<br />
tratamentos de toma única não permitem um controlo otimizado de sintomas noturnos e do<br />
início da manhã, comuns em muitos doentes.<br />
22 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018
especial | Air for All NEWS 2017<br />
O<br />
conferencista do evento Air for<br />
All 2017, o Prof. Dave Singh, sublinhou<br />
que a chave para obter os<br />
melhores resultados com cada<br />
paciente passa por uma abordagem personalizada:<br />
“estamos no presente a afastar-nos da<br />
tendência de tratar todos os nossos doentes<br />
com DPOC da mesma forma, em direção a<br />
um contexto em que privilegiamos uma abordagem<br />
individualizada para cada doente”.<br />
É certo que antes de escolher o melhor tratamento,<br />
é fundamental investir na avaliação<br />
de fatores como a gravidade, a progressão,<br />
a atividade e o impacto da doença<br />
no indivíduo, com recurso à ferramenta de<br />
classificação e estratificação ABCD, desenvolvida<br />
pela GOLD para os doentes recentemente<br />
diagnosticados. “Mas, na verdade,<br />
o que devemos tratar na nossa prática clínica?<br />
O alvo do nosso tratamento deve recair<br />
na atividade da doença (exacerbações,<br />
risco de hospitalização e de morte, entre<br />
outros) e no impacto da patologia sobre o<br />
doente, ou seja as queixas e os sintomas<br />
que nos são relatados pelos doentes e que<br />
afetam a sua qualidade de vida. É óbvio que<br />
é sempre necessário usar a espirometria e<br />
o FEV1 enquanto instrumento de diagnóstico<br />
e que devemos fazer estas avaliações<br />
ao longo do tempo, para avaliar a progressão<br />
da doença. Todavia, para o doente que<br />
está à nossa frente quase não precisamos<br />
deste apoio, com vista a decidir que broncodilatador<br />
recomendar. Para tal, necessitamos<br />
apenas da descrição da sintomatologia<br />
e do historial de exacerbações, até porque<br />
o passado do doente em termos de exacerbações<br />
fornece-nos um bom guia relativamente<br />
ao que se passará, de forma previsível,<br />
no futuro”, testemunhou o docente e investigador<br />
da Universidade de Manchester.<br />
GOLD reconhece que associações LAMA/<br />
LABA têm impacto positivo nos sintomas<br />
Nota relevante da conferência realizada em<br />
Lisboa foi a conclusão de que, entre 2016 e<br />
2017, a GOLD reviu a sua análise sobre a eficácia<br />
das associações de antagonistas muscarínicos<br />
de longa ação (LAMA) e agonistas<br />
beta2 de ação prolongada (LABA) sobre os<br />
sintomas. Se em janeiro de 2016 os peritos<br />
da GOLD não encontravam provas cabais do<br />
impacto destas associações na sintomatologia<br />
descrita pelos doentes, nas recomendações<br />
revistas em 2017 foi atribuído nível de<br />
evidência A à proposição de que na DPOC<br />
estável o uso combinado de LAMA/LABA aumenta<br />
o FEV1 e diminui a gravidade dos sintomas,<br />
quando comparado com monoterapia.<br />
Do mesmo modo, ao avaliar a capacidade<br />
para reduzir exacerbações por parte do tratamento<br />
combinado LAMA/LABA, em linha de<br />
comparação direta com monoterapia ou associação<br />
de corticosteroides inalados (ICS)<br />
e LABA, encontrou nível de evidência B para<br />
esta hipótese. Tal mudança radical na forma<br />
como as associações LAMA/LABA são hoje<br />
encaradas deriva de um conjunto de estudos<br />
e artigos entretanto publicados. A este propósito,<br />
o académico britânico partilhou com<br />
os colegas portugueses dados de uma metanálise<br />
difundida na Respiratory Research<br />
(Bateman et al. 2015) e suportada em dois estudos<br />
multicêntricos e aleatorizados que envolveram<br />
em conjunto mais de 3300 doentes,<br />
o ACLIFORM1 e o AUGMENT2. Após 24 semanas,<br />
estes estudos mostraram que a associação<br />
aclidínio/formoterol permitiu um melhor<br />
controlo sintomático durante o ciclo diário<br />
de 24 horas, comparado com o uso isolado de<br />
cada fármaco e com placebo. A melhoria verificou-se<br />
sobretudo no que concerne à dispneia<br />
e a exacerbações.<br />
Subsiste na comunidade médica uma certa<br />
controvérsia sobre a utilização de LAMA/<br />
LABA versus o recurso a ICS/LABA. A este<br />
propósito, o especialista britânico relembrou<br />
que embora o uso de associações ICS/LABA<br />
tenha demonstrado no passado eficácia na<br />
redução de exacerbações, surge envolto em<br />
maior risco de eventos adversos, nomeadamente<br />
osteoporose, diabetes, pneumonia ou<br />
cataratas. “A minha preocupação essencial<br />
neste campo reside no risco de desenvolvimento<br />
de osteoporose. Num doente tratado<br />
com 1000 microgramas de salmeterol/propionato<br />
de fluticasona, durante cinco ou dez<br />
anos, é possível olhar para os seus braços e<br />
detetar com facilidade contusões na pele”.<br />
E o que fazer com os doentes que exacerbam<br />
com regularidade?<br />
Se a dupla broncodilatação parece ser a resposta<br />
mais eficaz para o controlo sintomático<br />
dos doentes sem exacerbações ou com um<br />
baixo ritmo de exacerbações, como proceder<br />
com os doentes que têm episódios de exacerbação<br />
frequentes? “Quando estamos a ponderar<br />
o uso de ICS nestes doentes – e face<br />
ao risco de efeitos adversos – é nosso dever<br />
avaliar o potencial ganho que obteremos<br />
com o recurso a tal tipo de fármaco”, garantiu<br />
o Prof. Dave Singh. Neste domínio, os eosinófilos<br />
na expectoração podem revelar-se<br />
um excelente biomarcador, já que múltiplos<br />
estudos têm comprovado que quanto maior<br />
é a quantidade de eosinófilos na expectoração,<br />
mais vincado é o efeito do ICS no controlo<br />
de sintomas. Segundo o perito da GOLD,<br />
“na população que exacerba temos dois grupos<br />
distintos. Um primeiro que engloba doentes<br />
nos quais existe uma elevada presença<br />
de eosinófilos e baixa contagem de bactérias,<br />
sendo neste grupo que se registam melhores<br />
respostas aos ICS. Depois temos um grupo<br />
de pessoas com valores reduzidos de eosinófilos<br />
e alta contagem de bactérias, e a inflamação<br />
bacteriológica exige um outro tipo de<br />
estratégia de gestão que não passa pelo uso<br />
de ICS”.<br />
Uma ou duas vezes<br />
por dia, eis a questão…<br />
Qualquer que seja a estratégia terapêutica<br />
escolhida pelo médico (monoterapia, LAMA/<br />
LABA, ICS/LABA), permanece uma decisão<br />
por tomar, que pode determinar em grande<br />
medida o sucesso e a adesão ao tratamento,<br />
a médio e longo prazo. De facto, estão disponíveis<br />
no mercado tratamentos de toma única<br />
diária e de administração bi-diária, sendo a<br />
ponderação destas alternativas algo que não<br />
pode ser encarado como uma trivialidade. O<br />
elemento nuclear para tomar esta decisão é a<br />
variação diurna e noturna de sintomas que caracteriza<br />
cada doente. Uma equipa de investigação<br />
liderada pelo Prof. Singh e que avaliou<br />
num ensaio clínico os efeitos do glicopirrónio<br />
(antagonista muscarínico de longa duração)<br />
em doentes com DPOC, aferiu através<br />
da análise da função pulmonar em 24 horas,<br />
no subgrupo de doentes a tomar placebo, que<br />
as variações diurnas são comuns. “Já tive a<br />
oportunidade de verificar este parâmetro em<br />
voluntários saudáveis e percebi que também<br />
eles registam esta variação diurna. Todos nós<br />
temos o nosso biorritmo, que nos permite dormir<br />
em determinados períodos, o que implica<br />
um decréscimo da função pulmonar em certos<br />
momentos do dia”, acrescenta o docente<br />
da Universidade de Manchester.<br />
É importante não negligenciar<br />
os sintomas noturnos<br />
e do início da manhã<br />
Quando se analisam inquéritos realizados<br />
junto de doentes com DPOC, na tentativa de<br />
perceber qual a pior altura do dia para estas<br />
pessoas, muitos referem a parte inicial<br />
da manhã, quando a função pulmonar está<br />
no patamar mais baixo, ou o período noturno.<br />
Todavia, segundo o Prof. Singh a comunidade<br />
médica “continua a associar os sintomas noturnos<br />
sobretudo à asma, mesmo que os dados<br />
nos indiquem que esta deterioração também<br />
ocorre na DPOC. Aliás, somente 17%<br />
dos doentes afirmam não ter sintomas noturnos<br />
ou no início da manhã. Mais, a maior<br />
parte destes doentes com sintomas noturnos<br />
ou no início da manhã referem que tal sucede<br />
mais do que três vezes por semana, o que<br />
outubro 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 23
Air for All NEWS 2017 | especial<br />
Prof. Carlos Robalo Cordeiro e o Prof. Dave Singh<br />
significa que este é um fenómeno comum e<br />
persistente”.<br />
Para lidar com a questão da gestão ineficaz<br />
dos sintomas ao longo do ciclo de 24 horas e<br />
levar a sério os sintomas noturnos e do início<br />
da manhã, descritos pelos doentes e cientificamente<br />
documentados, é imperioso reconsiderar<br />
a «regra de ouro» da toma única diária<br />
e perceber como funciona a farmacologia<br />
dos broncodilatadores. De acordo com<br />
o Prof. Dave Singh, “o perfil natural de um<br />
fármaco administrado uma vez por dia apresenta<br />
um pico de eficácia nas primeiras doze<br />
horas e depois regista-se uma redução acentuada<br />
do efeito e do controlo sintomático. Se<br />
aumentarmos a dosagem, obtemos um pico<br />
de eficácia maior e um efeito apenas marginalmente<br />
mais prolongado. Se continuarmos<br />
a aumentar a dosagem corremos o risco<br />
de efeitos adversos, como taquicardia. Fará<br />
muito mais sentido administrar o tratamento<br />
duas vezes ao dia, evitando picos de efeito<br />
farmacológico mais elevados”. Para descrever<br />
um exemplo prático do dia-a-dia clínico,<br />
o perito da GOLD recorreu ao fármaco glicopirrónio:<br />
“em Portugal, tal como no Reino<br />
Unido, os médicos prescrevem a associação<br />
de brometo de glicopirrónio + indacaterol,<br />
numa única toma diária3. Porém, de um<br />
ponto de vista da farmacologia, o glicopirrónio<br />
não se encaixa no perfil de um medicamento<br />
de toma única diária. Acredito, pois,<br />
que no futuro cada vez veremos surgir mais<br />
formulações com glicopirrónio de administração<br />
bi-diária”. Complementado o seu raciocínio<br />
com evidência clara, o Prof. Dave<br />
Singh aludiu a um estudo (Arievich et al. BMC<br />
Pulmonary Medicine 2012) 4 que comparou<br />
os efeitos da toma única diária de 50 μg de<br />
brometo de glicopirrónio com a toma bi-diária<br />
de 25 μg do mesmo fármaco num grupo<br />
total de 385 doentes. Este estudo confirmou<br />
que uma única dose diária mais elevada (50<br />
μg) possibilita alcançar um pico de efeito mais<br />
elevado nas primeiras horas após a administração,<br />
mas que um regime bi-diário permite<br />
maior duração do efeito e controlo de sintomas<br />
mais efetivo após o marco das 12 horas.<br />
“Temos de perceber que um número muito<br />
restrito de fármacos que são prescritos para<br />
toma única diária desencadeiam um pico elevado<br />
após administração e conseguem depois<br />
manter uma linha contínua de efeito. A maior<br />
parte dos medicamentos nesta categoria começam<br />
a perder efeito após 12 horas e muitos<br />
deles nem sequer podem ser caracterizados<br />
verdadeiramente como fármacos de toma<br />
única diária”, explicou em Lisboa, o clínico do<br />
University Hospital of South Manchester.<br />
Variabilidade nos inaladores<br />
acrescenta nível adicional<br />
de complexidade à escolha terapêutica<br />
Se a personalização na abordagem terapêutica<br />
e a narrativa do doente contam, e muito,<br />
para as estratégias seguidas pelo médico,<br />
também não é despiciente a questão do dispositivo<br />
inalador que serve de veículo à administração<br />
dos fármacos, inclusive ao nível<br />
da adesão terapêutica, assegura o Prof. Dave<br />
Singh: “uma medicação de toma única diária,<br />
administrada através de um dispositivo que o<br />
doente não consegue utilizar de forma correta<br />
e enquanto regista variações diurnas, não é,<br />
seguramente, uma boa ideia. Por outro lado,<br />
uma medicação de toma única diária oferecida<br />
por via de um dispositivo que o doente<br />
consegue manejar, num individuo que não regista<br />
muitos sintomas noturnos e no inicio da<br />
manhã, pode revelar-se uma boa opção. Com<br />
isto, torna-se notório que a solução «one size<br />
fits all», uniforme e válida para todos os casos,<br />
é uma miragem na DPOC”.<br />
1. Singh D, et al. Efficacy and safety of aclidinium bromide/formoterol fumarate fixed-dose combinations compared with individual components and placebo in patients with COPD<br />
(ACLIFORM-COPD): a multicentre, randomised study. BMC Pulm Med. 2014;14:178. Additional file 1 online. 2) D’Urzo AD, et al. Efficacy and safety of fixed-dose combinations<br />
of aclidinium bromide/formoterol fumarate: the 24-week, randomized, placebo-controlled AUGMENT COPD study. Respir Res. 2014;15(1). supplement3. RCM Ultibro Breezhaler<br />
85 microgramas/43 microgramas pó para inalação, cápsulas 4. Arievich et al. BMC Pulmonary Medicine 2012, 12:74 http://www.biomedcentral.com/1471-2466/12/74<br />
Este texto foi escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico. As declarações que constam neste documento são da exclusiva responsabilidade dos oradores<br />
24 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018
SAÚDE ONLINE | entrevista<br />
Nora Cavaco<br />
Psicóloga Nora Cavaco defende<br />
terapias do autismo focadas<br />
nos interesses das crianças<br />
Em entrevista ao Saúde Online, a psicóloga Nora Cavaco, do Centro Clínico do Algarve<br />
e do Instituto Nora Cavaco, fala-nos sobre o transtorno do espectro do autismo,<br />
o diagnóstico e quais as terapias mais indicadas.<br />
Como se manifesta<br />
o autismo?<br />
Os transtornos do espectro do autismo<br />
são distúrbios do neurodesenvolvimento.<br />
Ninguém se torna autista, nascese<br />
autista.<br />
Conseguimos detetar em tenra idade.<br />
Verificamos que a criança não responde às<br />
solicitações da mãe, não tem o foco ocular, o<br />
corpo fica arqueado e rejeita o contacto com<br />
os adultos.<br />
São vários indicadores, desde os mais leves<br />
aos mais severos, que nós verificamos e que<br />
revelam que a criança não manifesta uma comunicação<br />
socialmente ajustada relativamente<br />
ao que é considerado típico.<br />
O diagnóstico é feito através<br />
da identificação desses<br />
comportamentos?<br />
Exatamente. O diagnóstico é fechado e deveria<br />
ser realizado no máximo até aos 3 anos de<br />
idade.<br />
O que identifica estas crianças é a incapacidade<br />
de comunicação social e dos comportamentos.<br />
Têm interesses específicos, não conseguem<br />
brincar, nem desenvolver nenhuma<br />
forma de comunicação espontânea, são literais<br />
também na forma do entendimento, o<br />
que é visível desde cedo. É importante verificar<br />
precocemente quais são as características<br />
para fechar o diagnóstico do transtorno do espectro<br />
autista.<br />
A ausência não-verbal era um critério nuclear<br />
para fechar este diagnóstico. Atualmente já<br />
não é assim, uma vez que está presente noutros<br />
transtornos do neurodesenvolvimento. O<br />
que estamos a avaliar é o tipo de linguagem<br />
que manifestam, se existe a ausência de linguagem<br />
verbal.<br />
O que pode desencadear<br />
este transtorno?<br />
Não temos nada que nos diga “vai ser autista”,<br />
é algo que se desenvolve e que se manifesta<br />
quando se dão as primeiras interações sociais.<br />
Por isso, dizemos logo que no contacto com a<br />
mãe não existe essa relação. Ela acha que o<br />
seu bebé é muito calmo, ou muito agitado, e<br />
muitas vezes não se dá conta que existem, naquela<br />
fase de desenvolvimento, indicadores de<br />
que o seu bebé resiste ou não tem interesse<br />
em estabelecer um tipo de relação.<br />
Como se caracterizam os diferentes<br />
tipos de transtorno do espectro<br />
do autismo?<br />
O grau leve é aquele que tem preservado a<br />
componente cognitiva, portanto não tem nenhum<br />
défice intelectual. Contudo, a comunicação<br />
verbal revela pouco vocabulário e é pouco<br />
típico a nível de interesses. Têm uma forma de<br />
comunicar muito específica. Por vezes, também<br />
revelam alguma arrogância, sem o serem.<br />
Os moderados ou severos podem ter outras<br />
patologias associadas como a hiperatividade,<br />
o défice de atenção, a síndrome de X frágil,<br />
perturbações do sono, entre outras patologias,<br />
que de alguma forma agravam.<br />
Temos que ter presente o que é o transtorno<br />
do espectro do autismo e essas outras patologias.<br />
Devemos trabalhar com a criança para<br />
que consiga camuflar as dificuldades e para<br />
potenciarmos aquilo que ela revela preservar.<br />
Considerando os diferentes graus de<br />
transtorno do espectro do autismo<br />
e as várias opções terapêuticas<br />
existentes, como se define e qual a<br />
melhor terapia a aplicar?<br />
Por vezes, os pais são assolados por sugestões<br />
e orientações, acabando por ocupar os filhos<br />
com imensas atividades. Nos transtornos do<br />
espectro do autismo, temos que perceber o<br />
que é que nós queremos para a criança naquela<br />
faixa etária.<br />
Por exemplo, numa criança de 2 ou 3 anos que<br />
não tem bem desenvolvida um tipo de linguagem,<br />
é importante encaminhar para terapias<br />
que possam desenvolver essa comunicação.<br />
Se for uma criança com dificuldades de concentração,<br />
eu devo orientar os pais para uma<br />
atividade que seja motivadora nesse sentido.<br />
Tal como os outros jovens, as crianças têm os<br />
seus interesses e motivações.<br />
Uns fazem equoterapia, outros preferem natação<br />
e outros gostam mais de música. O objetivo<br />
é o relaxamento.<br />
Se desviarmos o foco de atenção para algo que<br />
sabemos que é estimulador para a criança, ela<br />
vai perdendo o comportamento desajustado e<br />
vai mostrando o adequado. É um trabalho intensivo,<br />
tem que ser sistemático, e devemos<br />
capacitar os pais, porque não é só no contexto<br />
clínico que é feito.<br />
Quais são os cuidados que se devem<br />
ter no âmbito escolar?<br />
Se já tem o diagnóstico, temos que saber que<br />
esse jovem tem particularidades no comportamento.<br />
Devemos ter em mente que são<br />
crianças com dificuldades de interação, na<br />
comunicação, são literais no entendimento<br />
e, desta forma, sabendo do que estamos a<br />
falar, desenvolvemos estratégias. Como?<br />
Sabendo o que é importante e o que é que<br />
aquele jovem compreende. A partir daí, é necessário<br />
desenvolver um plano de atividades<br />
que não fuja ao currículo, mas que seja<br />
apetecível à criança, integrando os outros jovens.<br />
Não é minimizar o potencial dos outros,<br />
26 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018
entrevista | SAÚDE ONLINE<br />
é simplesmente traçar os objetivos dentro de<br />
uma mesma atividade que possa ser ultrapassada<br />
por todos. Isto implica um planeamento,<br />
gestão de sala de aula, recursos humanos<br />
e materiais que devem ser trabalhados<br />
desde início. Isso é que é uma escola inclusiva.<br />
É aceitar as diferenças e estabelecer<br />
estratégias pedagógicas que permitam integrar<br />
essas diferenças.<br />
Como caracteriza a evolução desta<br />
doença para a vida adulta?<br />
Se não existe uma intervenção adequada,<br />
quando chegam à adolescência os bloqueios<br />
podem ser maiores. Um jovem com transtornos<br />
do espectro autista tem todas as necessidades<br />
fisiológicas de qualquer outro adolescente.<br />
Se tiver outras patologias associadas,<br />
claro que mais se agrava esse quadro. O que<br />
devemos fazer é tratar precocemente, mesmo<br />
com o diagnóstico fechado, para atuar naquilo<br />
que é o potencial e no que está comprometido.<br />
Desenvolvendo estratégias de comunicação,<br />
mostrando modelos ajustados socialmente<br />
para que consiga integrar-se da melhor<br />
forma na sociedade para que não chegue<br />
à idade adulta mais fechado, mais rígido,<br />
mais isolado no seu mundo, porque se ele não<br />
perceber porque é que tem que comunicar e<br />
socializar, não o vai fazer. Cabe aos profissionais<br />
de saúde e da educação prepará-los para<br />
esta realidade. Devemos sensibilizar as famílias<br />
que, perante os primeiros sinais, devem<br />
trazê-los a profissionais que realmente podem<br />
fazer um trabalho mais ajustado.<br />
Mas é possível levar uma vida<br />
independente?<br />
Sim, com rotinas. Ao estabelecermos rotinas,<br />
o jovem vai sentir-se seguro e autónomo, e assim<br />
prever as mais diversas situações. Temos<br />
que trabalhar com algo que seja significativo<br />
para essa pessoa e que esteja relacionado<br />
com os seus interesses.<br />
O que me custa muito observar é que, quando<br />
estes adultos estão em centros ou instituições,<br />
é frequente serem “infantilizados”.<br />
Independentemente do quadro, não podemos<br />
esquecer que já viveu até determinada idade,<br />
já teve estimulação, já passou por várias situações,<br />
positivas e negativas, e que, muitas vezes,<br />
as rotinas quando preenchidas por atividades<br />
mais infantis criam bloqueios maiores.<br />
Considera que Portugal dispõe<br />
de meios adequados para prestar<br />
apoio a pessoas com transtornos do<br />
espectro autista?<br />
Ainda não. Infelizmente, mesmo nas escolas.<br />
Os profissionais não estão capacitados por<br />
falta de meios, recursos e de formação adequada.<br />
E fora da escola também não. Só falamos<br />
de inclusão na escola, mas o campo laboral<br />
não está próximo do desejável.<br />
As famílias sofrem imenso, não conseguem<br />
trabalhar, alguém tem que ficar em casa para<br />
cuidar. Portanto, estamos muito aquém do desejável<br />
para esta população que precisa muito<br />
do nosso apoio, intervenção e de trabalho<br />
ajustado.<br />
Diria que há cada vez mais casos de<br />
autismo no nosso país?<br />
Na clínica surgem cada vez mais casos deste<br />
transtorno, mas existem várias justificações: a<br />
componente genética, os fatores ambientais<br />
que podem ter o seu peso e influência, e também,<br />
um maior conhecimento, ou seja, pais<br />
mais informados e médicos cada vez mais preparados<br />
– também ocorre no campo da medicina,<br />
mas a nível de comportamento são os<br />
psicólogos que atuam. Estamos mais preparados<br />
para perceber e identificar.<br />
SO<br />
outubro 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 27
ESPECIAL<br />
USF Araceti<br />
Equipa prepara acreditação<br />
enquanto aguarda pelo Modelo B<br />
Em setembro do ano passado a USF Araceti avançou com a candidatura<br />
a Modelo B. Mas não se ficou por aí. A equipa, que se distingue não só<br />
pelos seus bons resultados mas também pela postura interventiva que<br />
tem junto da comunidade e na formação de novos especialistas, decidiu<br />
avançar em simultâneo com a acreditação da unidade de saúde familiar.<br />
Até porque, como refere a atual coordenadora, Joana Vale,<br />
“um processo não invalida o outro, antes se complementam”.<br />
uSF ArACETI
umA iNiCiATiVA<br />
Dra. Joana Vale, coordenadora da USF Araceti: “Desde 2013 que<br />
temos cumprido na íntegra os nossos objetivos. Neste momento,<br />
estamos posicionados em segundo lugar ao nível da Região Centro“<br />
A USF Araceti tem a sua origem<br />
no desejo da equipa que assegurava<br />
a prestação de cuidados de<br />
saúde na extensão de saúde de<br />
Arazede, em Montemor-o-Velho,<br />
de “fazer algo diferente”.<br />
De acordo com a médica de família<br />
Ana Luísa Mateus e primeira<br />
coordenadora da USF, “a partir de<br />
1999, com a publicação da legislação<br />
que coloca no terreno os percursores<br />
das USF - os centros de<br />
saúde Alfa, com autonomia administrativa<br />
e técnica - tínhamos esperança<br />
de avançar para esse modelo”.<br />
Contudo, o novo edifício destinado<br />
à então extensão de saúde<br />
“começou a ser construído, sendo<br />
posteriormente demolido... três vezes!<br />
Só em 2004, através de uma<br />
parceria entre a Administração<br />
Regional de Saúde (ARS) Centro e<br />
a Câmara Municipal de Montemoro-Velho,<br />
a obra avançou, tendo<br />
sido finalmente terminada no verão<br />
de 2006”.<br />
A equipa, que assegurava não só<br />
a extensão de saúde de Arazede<br />
como também as de Seixo de<br />
Gatões e de Liceia, acabou por<br />
concentrar-se no novo edifício.<br />
Esta reorganização provocou alguma<br />
relutância por parte da população<br />
e dos autarcas mas progressivamente<br />
as pessoas reconheceram<br />
que a concentração constituía<br />
uma mais-valia. Inclusivamente,<br />
a Junta de Freguesia de Liceia,<br />
localizada a alguma distância<br />
de Arazede, disponibilizou um<br />
meio de transporte entre aquela<br />
localidade e a unidade de saúde.<br />
Em 2008, “chegam aos agrupamentos<br />
de centros de saúde pessoas<br />
com outra visão para os cuidados<br />
de saúde primários, que<br />
conheciam perfeitamente a minha<br />
forma de estar e dos outros colegas”,<br />
recorda Ana Luísa Mateus.<br />
“Avançámos inicialmente como<br />
unidade de cuidados de saúde<br />
personalizados e, posteriormente,<br />
como unidade de saúde familiar”.<br />
Em virtude da aposentação de vários<br />
colegas, a USF acabaria por arrancar,<br />
em junho de 2013, com as médicas<br />
de família Ana Luísa Mateus,<br />
Maria de Lourdes Reis, a que se juntou<br />
Pedro Gomes, e posteriormente,<br />
Joana Vale (atual coordenadora da<br />
USF) e Ângela Santos Neves.<br />
Na realidade, a candidatura foi<br />
aprovada em agosto de 2011 mas,<br />
como recorda o médico de família<br />
Pedro Gomes “a equipa só começou<br />
a trabalhar verdadeiramente<br />
como unidade de saúde familiar<br />
em junho de 2013 porque assumimos<br />
que queríamos começar com<br />
o pé direito, ou seja, com a equipa<br />
completa e depois de terminarem<br />
as obras de ampliação do edifício,<br />
o que nos proporcionou mais três<br />
gabinetes. Quando a equipa esteve<br />
completa, iniciámos então o<br />
nosso percurso como USF”.<br />
USF destaca-se na formação<br />
de novos especialistas<br />
A unidade de saúde familiar, constituída<br />
por 15 elementos - cinco<br />
USF Araceti<br />
uSF ArACETI
especial<br />
médicos especialistas, cinco enfermeiros,<br />
quatro assistentes técnicas<br />
e uma assistente operacional<br />
- além de dar resposta a uma<br />
população de cerca de 8.000<br />
utentes, caracteriza-se por uma<br />
aposta muito forte na formação<br />
de internos da especialidade, bem<br />
como em ações de prevenção da<br />
doença direcionadas para a comunidade<br />
em que está inserida.<br />
Com efeito, além de receber alunos<br />
dos vários anos do curso de<br />
Medicina, a equipa é responsável<br />
pela formação de alunos da<br />
Escola Superior de Enfermagem<br />
de Coimbra, bem como de sete<br />
internos da especialidade de<br />
Medicina Geral e Familiar. “O facto<br />
de trabalharmos em equipa é realmente<br />
motivador para os estudantes<br />
e muitos acabam por escolher a<br />
Medicina Geral e Familiar. Por outro<br />
lado, é muito bom dar formação<br />
e influenciar os outros colegas de<br />
forma positiva”, afirma Joana Vale.<br />
Com uma população rural, envelhecida<br />
e muito dependente do<br />
centro de saúde, a USF pautase<br />
por uma postura interventiva<br />
na comunidade, nomeadamente<br />
no que diz respeito aos domicílios<br />
médicos e de enfermagem - dificultados<br />
por um habitat disperso<br />
e de acessos difíceis -, bem como<br />
à articulação com outras instituições<br />
e mecanismos de apoio às<br />
famílias mais carenciadas.<br />
A promoção da saúde e prevenção<br />
da doença é mais uma das<br />
vertentes de atuação da equipa,<br />
designadamente através da realização<br />
de ações de formação nas<br />
escolas e a promoção do exercício<br />
físico junto da população, com<br />
a realização de caminhadas, normalmente<br />
dinamizadas pelos alunos<br />
de Enfermagem e internos de<br />
Medicina Geral e Familiar.<br />
Projetos incluem evolução<br />
para Modelo B e acreditação<br />
Em setembro de 2017, a equipa<br />
apresentou a candidatura a<br />
Modelo B. “Nesta fase, temos a<br />
equipa completa, um bom ambiente<br />
de trabalho, os utentes<br />
Dr. Sérgio Cardoso, médico da USF Araceti.<br />
registam elevados índices de satisfação,<br />
bem como os profissionais”,<br />
refere a coordenadora. “Por<br />
outro lado, desde 2013 que temos<br />
cumprido na íntegra os nossos<br />
objetivos. Neste momento, estamos<br />
posicionados em segundo<br />
lugar ao nível da Região Centro,<br />
sendo apenas ultrapassados por<br />
uma USF Modelo B. É certo que<br />
não são apenas os resultados<br />
que contam, mas eles refletem o<br />
trabalho que temos feito”.<br />
Entretanto, em virtude das alterações<br />
registadas ao nível da nova<br />
grelha DiOr-USF (Diagnóstico do<br />
desenvolvimento Organizacional<br />
nas Unidades de Saúde Familiar),<br />
“está tudo um pouco parado em<br />
termos das auditorias e acompanhamento<br />
da Equipa Regional de<br />
Apoio e Acompanhamento para<br />
os CSP (ERA). Contudo, estamos<br />
a fazer o nosso trabalho para podermos<br />
avançar quando chegar o<br />
momento”.<br />
Regra geral, as unidades de<br />
saúde familiar entram no processo<br />
de acreditação já depois de alcançarem<br />
o Modelo B. Mas, “como a<br />
passagem a Modelo B está dificultada<br />
- também pelo facto de no<br />
ano passado não ter saído o decreto<br />
com o número de unidades<br />
de saúde familiar que podiam transitar<br />
para esse modelo, o que só<br />
aconteceu no início deste ano e<br />
que irá abranger aquelas que já<br />
obtiveram a aprovação em 2017<br />
- a nossa ideia é avançar com os<br />
dois processos em paralelo, até<br />
porque um não invalida o outro,<br />
antes se complementam”.<br />
Aliás, “a ideia que nos foi transmitida<br />
é que a grelha DiOr-USF é<br />
muito semelhante ao processo de<br />
acreditação. Portanto, nesta fase<br />
estamos a investir nessa área,<br />
tentando implementar algumas<br />
auditorias, bem como o Manual<br />
de Procedimentos”.<br />
É certo que, em termos globais,<br />
muitos dos processos essenciais<br />
ao desenvolvimento das unidades<br />
de saúde familiar - nomeadamente,<br />
de contratualização e de<br />
avaliação - não estão a acontecer<br />
com a velocidade desejada mas<br />
“como me considero uma pessoa<br />
otimista, penso que tudo irá correr<br />
bem. Provavelmente irá exigir<br />
alguma paciência e boa vontade<br />
dos profissionais, mas muito<br />
do que se faz na USF é graças<br />
à dedicação da equipa que, para<br />
além do seu horário de trabalho,<br />
dispensa também muito do seu<br />
tempo pessoal à unidade”.<br />
PP-GEP-PRT-0160<br />
“O Conteúdo e as afirmações expressas nesta publicação são da exclusiva responsabilidade do(s) Entrevistado(s).”<br />
USF Araceti
SAÚDE ONLINE | entrevista<br />
José Melo Gomes<br />
Reumatologista Melo Gomes:<br />
“O médico não pode ir para<br />
casa com o doente”<br />
A propósito do Congresso Europeu de Reumatologia, que decorreu no início de setembro,<br />
falámos com o Presidente da Comissão Organizadora do evento, o médico José Melo<br />
Gomes, que defende uma maior participação do doente na decisão clínica e mostra-se<br />
preocupado em relação ao preço de alguns medicamentos.<br />
32 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018
entrevista | SAÚDE ONLINE<br />
O<br />
que quer destacar deste<br />
25º Congresso Europeu de<br />
Reumatologia Pediátrica?<br />
Quero destacar a apresentação dos<br />
dados mais recentes sobre estratégias de tratamento<br />
das doenças reumáticas juvenis, o envolvimento<br />
dos doentes e das famílias na decisão<br />
sobre os tratamentos que vão receber e na<br />
forma de os selecionar – situação que é cada<br />
vez mais comum. Deve haver uma partilha de<br />
decisão entre médicos e doentes na melhor<br />
forma de fazer o tratamento.<br />
De que forma é que se promove essa<br />
participação do doente na decisão?<br />
Promove-se informando os doentes das alternativas<br />
terapêuticas que existem, proporcionando-lhes<br />
apoio para obter dados credíveis e<br />
informando-os das perspetivas de tratamento<br />
(com ou sem tratamento). Este é um critério de<br />
decisão importante: se a pessoa souber que se<br />
se tratar ganha pouco em relação a não se tratar<br />
(o que não é o caso das doenças reumáticas<br />
juvenis), tomará a decisão apropriada. A<br />
maior parte destas doenças duram anos, às<br />
vezes até toda a vida. Nós tentamos que isso<br />
não aconteça mas são doenças que exigem<br />
tratamentos prolongados e o médico é só um<br />
elemento do tratamento. O médico, quando<br />
toma uma decisão terapêutica e aconselha o<br />
doente a fazê-la, não pode ir para casa com o<br />
doente. O doente fica em casa durante os meses<br />
ou anos que dura a sua doença. Ou toma<br />
as decisões certas e o tratamento é bom e dá<br />
resultado, ou, se o doente tomar as decisões<br />
erradas, o tratamento pode ser bom na mesma<br />
mas não dá resultado nenhum porque não é<br />
feito de forma apropriada.<br />
O médico, tecnicamente, pode ser perfeito mas,<br />
se não conseguir explicar ao doente as coisas<br />
importantes, não conseguir que o doente o oiça<br />
e compreenda que é importante fazer as coisas<br />
bem, então esse médico é muito menos eficiente<br />
que outro.<br />
A maior parte dos doentes com doenças reumáticas<br />
juvenis têm uma probabilidade de cura, do<br />
ponto de vista de ficarem bem outra vez (a fazerem<br />
uma vida normal) que ultrapassa um pouco<br />
os 50%, e isso tem vindo a melhorar.<br />
Que alternativas terapêuticas<br />
existem atualmente e quis são<br />
aquelas que podem vir a surgir?<br />
As que existem atualmente são muitas.<br />
Normalmente, tem-se uma abordagem da<br />
doença que passa por tentar utilizar os medicamentos<br />
menos agressivos possível, durante<br />
o menor tempo possível, mas com o objetivo de<br />
pôr a criança bem. O objetivo para a maior parte<br />
das doenças [reumáticas] é curá-las, é que a<br />
criança fique bem.<br />
Depois há também um fator que nós tentamos<br />
esquecer um pouco mas que é importante: o<br />
custo. Isto porque alguns tratamentos para estas<br />
doenças infantis custam mil a dois mil euros<br />
por mês e é o Estado que suporta esse custo.<br />
Estamos a falar de medicamentos?<br />
Sim, estamos a falar de um ou dois medicamentos.<br />
Há cerca de meia dúzia de medicamentos<br />
que têm este custo. A maior parte das<br />
crianças que tomam este medicamento não tomam<br />
só este, tomam também outros, portanto,<br />
estamos a falar só de uma parte do tratamento<br />
destas crianças. São doenças que têm custos<br />
muito elevados e às vezes o serviço nacional de<br />
saúde, penso que bem, obriga-nos a pensar sobre<br />
isso. Se podemos tratar a criança com medicamentos<br />
que custem menos e que sejam tão<br />
eficazes como estes…<br />
O que está a dizer é que os<br />
medicamento que são geralmente<br />
usados têm esse custo ou esses<br />
valores referem-se aos fármacos<br />
inovadores?<br />
Não, há vários medicamentos inovadores que<br />
têm esse custo e que podem ser utilizados para<br />
algumas dessas doenças, para outras não.<br />
Contudo, não há nenhuma nenhuma<br />
criança que fique sem acesso<br />
ao tratamento devido<br />
ao custo do medicamento?<br />
Não, pelo menos as que eu trato não. O estado<br />
comparticipa o custo do medicamento a 100%.<br />
Sente que ainda existe um<br />
desconhecimento em relação a estas<br />
doenças reumáticas nas crianças?<br />
Ainda existe mais desconhecimento do que seria<br />
desejável, embora o desconhecimento tenha<br />
vindo a diminuir ao longo dos anos.<br />
«As crianças mais<br />
pequenas não se queixam<br />
de dor. Os pais têm<br />
de estar atentos»<br />
A incidência destas doenças<br />
tem aumentado nas crianças?<br />
Que se saiba, não. O que tem aumentado é<br />
acesso aos cuidados e a capacidade dos médicos<br />
de fazerem o diagnóstico adequado. Mas<br />
não há dados nenhuns que permitam dizer que<br />
a incidência tenha aumentado.<br />
Qual é a doença reumática mais<br />
comum em idade pediátrica?<br />
Não é uma doença, é um grupo de doenças:<br />
as artrites idiopáticas juvenis, porque são, pelo<br />
menos, sete ou oito doenças diferentes que têm<br />
este nome comum.<br />
Como é que, de um modo geral,<br />
se manifestam essas doenças?<br />
MG | São doenças diferentes, que têm como características<br />
comuns provocarem uma inflamação<br />
nas articulações, terem causa desconhecida<br />
(é o que significa ser idiopática) e, de forma<br />
completamente arbitrária, terem início antes dos<br />
16 anos de idade.<br />
Mas, regra geral, estas doenças<br />
não têm nenhuma causa definida?<br />
São doenças diferentes com causas diferentes.<br />
Há marcadores genéticas que permitem perceber<br />
quais são os doentes que podem vir a ter essas<br />
doenças, mas outras não se sabe qual é a<br />
causa nem quais são os marcadores.<br />
A que sinais devem<br />
os pais estar atentos?<br />
Primeiro, perceberem se as crianças têm alguma<br />
espécie de dores articulares. Obviamente,<br />
na infância, são muito frequentes os traumatismos,<br />
as quedas. Portanto, não é uma dor articular<br />
qualquer, mas uma dor articular que se<br />
mantenha por mais de duas semanas – sem ter<br />
havido um traumatismo desencadeante que tenha<br />
sido observado pelos pais – deve levar a<br />
procurar o apoio médico. Se a criança começar<br />
a coxear também. As crianças mais pequenas<br />
não se queixam de dor: um miúdo de dois ou<br />
três anos pode, simplesmente, deixar de brincar<br />
como brincava, deixar de andar como andava,<br />
começar a coxear. Os pais têm de estar atentos.<br />
Às vezes um exame médico permite identificar<br />
alguma articulação afetada.<br />
Há outras doenças em que a criança começa<br />
com febre ou manchas no corpo e, nesse caso,<br />
é relativamente mais fácil os pais perceberem<br />
que algo de mal de passa com a criança.<br />
Quão raras são as doenças<br />
reumáticas nas crianças?<br />
Uma em cada mil crianças sofre de uma<br />
doença reumática crónica. É raro mas não é<br />
muito raro.<br />
SO<br />
outubro 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 33
SAÚDE ONLINE | nacional<br />
Número de utentes sem médico<br />
de família aumentou 20% este ano<br />
Havia, em agosto, mais de 843 mil portugueses sem médico atribuído. Colocação de 292<br />
clínicos pode aliviar as carências em algumas zonas, sobretudo na região da Grande Lisboa<br />
mas é insuficiente para compensar o número de aposentações.<br />
Está a ficar cada vez mais<br />
longe o objetivo do governo<br />
de atribuir médico de família<br />
a todos os portugueses até ao<br />
final da legislatura, em outubro de<br />
2019. O número de pessoas sem<br />
médico atribuído esteve em queda<br />
no último trimestre de 2017 mas<br />
desde janeiro deste ano que está<br />
em crescimento. Segundos dados<br />
da Administração Central de<br />
Saúde (ACSS), havia em agosto<br />
843 mil pessoas sem médico. Em<br />
janeiro eram pouco mais de 700 mil<br />
(707 mil).<br />
Dar um médico de família a todos<br />
é uma das promessas feitas por<br />
sucessivos governos e que nunca<br />
foi atingida. Em 2016, o primeiroministro<br />
António Costa, garantia<br />
que essa meta seria atingida no final<br />
de 2017, o que não veio a acontecer.<br />
Quando o atual governo tomou<br />
posse, em novembro de<br />
2015, um milhão e 34 mil pessoas<br />
não tinham médico, um valor que<br />
até aumentou em 2016 (chegou a<br />
ser de um milhão e 156 mil em junho<br />
desse ano). Depois de alguma<br />
oscilação, seguiu-se uma descida<br />
até ao final desse ano (763 mil)<br />
mas o número voltou a aumentar<br />
durante a maior parte do ano passado,<br />
tendo chegado aos 950 mil<br />
em setembro. Agora, a tendência<br />
é novamente de crescimento.<br />
A região de Lisboa e Vale do Tejo<br />
continua a surgir destacada no<br />
topo das que têm maiores carências<br />
de médicos de Medicina<br />
Geral e Familiar (MGF), com 621<br />
mil pessoas ainda a descoberto.<br />
Há, até, na região da Grande<br />
Lisboa alguns centros de saúde<br />
onde nenhum utente tem médico<br />
de família. Em Sintra e em<br />
Moscavide, por exemplo, existem<br />
apenas dois médicos de família<br />
para mais de 3 mil utentes cada<br />
mas nenhum consta das listas, ou<br />
seja, nenhum destes tem médico<br />
atribuído.<br />
Existem também casos, como os<br />
centros de saúde da Amadora,<br />
Algueirão, Alameda e São<br />
Sebastião, todos na Grande<br />
Lisboa, onde mais de metade<br />
dos inscritos não tem médico de<br />
família. Só nestas quatro unidades,<br />
quase 100 mil pessoas continuam<br />
a descoberto.<br />
No entanto, o mais recente concurso<br />
para a colocação de médicos,<br />
cujos resultados foram conhecidos<br />
no final de agosto, vai<br />
permitir reforçar os cuidados de<br />
saúde primários com mais 292<br />
médicos de família. Apesar de<br />
as vagas para a região de Lisboa<br />
não terem ficado preenchidas na<br />
totalidade, os 65 clínicos colocados<br />
nesta região devem permitir<br />
atribuir médico a mais cerca de<br />
200 mil pessoas.<br />
O problema é que o quadro de clínicos<br />
se vai alterando ao longo<br />
do ano, com a entrada dos jovens<br />
médicos mas também com<br />
a aposentação de muitos outros.<br />
Como já tínhamos noticiado em<br />
agosto, as previsões apontam<br />
para que este ano saiam para a<br />
reforma 410 médicos de MGF<br />
(mais do que os quase 300 que<br />
foram colocados). Este desequilíbrio<br />
vai acentuar-se em 2019, ano<br />
se estima que se possam reformar<br />
mais de 500 profissionais, o<br />
que, se não for acompanhado da<br />
contratação de um contingente<br />
semelhante, poderá colocar em<br />
causa a cobertura em zonas do<br />
país em que quase todos têm médico<br />
de família atribuído, como é<br />
o caso da região Norte.<br />
SO<br />
34 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018
SAÚDE ONLINE | entrevista<br />
<strong>Ed</strong>uardo Espada<br />
O citomegalovirus<br />
e o seu impacto<br />
nos doentes<br />
transplantados<br />
70 a 80% da população já terá sido infetada pelo<br />
citomegalovirus. O Saúde Online falou com o médico<br />
<strong>Ed</strong>uardo Espada, interno do 4º ano do Complementar<br />
de Hemato-oncologia do Hospital de Santa Maria,<br />
sobre este vírus que, apesar de causar geralmente uma<br />
infeção assintomática, se reativa depois de um transplante<br />
e pode causar a morte do paciente.<br />
O<br />
que é o citomegalovirus<br />
(CMV) e como se<br />
transmite?<br />
O CMV é um vírus da família dos<br />
vírus herpes, causando infeção habitualmente<br />
assintomática, mas persistindo para<br />
toda a vida, com potencial de reativação em<br />
situações de imunossupressão. Transmite-se,<br />
como grande parte dos vírus, por muitas vias,<br />
não sendo necessário contacto direto, já que<br />
consegue sobreviver por algum tempo em superfícies.<br />
Quanto à transmissão por contacto<br />
direto com alguém doente, pode ser através<br />
de gotículas, por via respiratória, bem como<br />
por contacto com fluidos corporais (incluindo<br />
transmissão sexual).<br />
Quais são os sintomas mais comuns<br />
na infeção por CMV?<br />
A infeção por CMV tem sintomas muito inespecíficos<br />
nos indivíduos imunocompetentes,<br />
manifestando-se normalmente com os sintomas<br />
típicos duma infeção viral ligeira, como<br />
febre, dores musculares e cansaço fácil. Tal<br />
como o vírus da mononucleose infeciosa, o<br />
vírus Epstein-Barr, o primeiro contacto com<br />
CMV pode causar aumento do baço e dos<br />
gânglios linfáticos, embora a frequência destas<br />
manifestações seja muito inferior.<br />
«A percentagem<br />
de transplantes<br />
que não tem sucesso<br />
devido ao CMV<br />
é um número muito difícil<br />
de calcular»<br />
70 a 80% da população já terá sido<br />
infetada pelo citomegalovirus.<br />
Como é que se explica esta taxa de<br />
infeção tão elevada e como é que se<br />
pode evitar a infeção?<br />
Sendo o CMV um vírus de transmissão fácil<br />
e causador de infeção pouco expressiva,<br />
a sua disseminação faz-se com facilidade,<br />
acarretando impacto praticamente nulo para<br />
a população em geral. A prevenção da infeção<br />
não é, por isso, um problema, exceto em<br />
indivíduos imunocomprometidos, grávidas, e<br />
recém-nascidos. Nestas populações, a prevenção<br />
da infeção pode ser feita através da<br />
lavagem frequente das mãos e evicção de<br />
contacto com indivíduos doentes, embora a<br />
probabilidade de diagnóstico de primeira infeção<br />
por CMV seja extremamente baixa (especialmente<br />
por causar, habitualmente, infeção<br />
pouco expressiva).<br />
Quais as consequências do CMV<br />
nos doentes transplantados?<br />
Nos doentes imunocomprometidos portadores<br />
do vírus, particularmente após um<br />
transplante de medula, o vírus pode reativar,<br />
causando raramente doença por CMV,<br />
com atingimento de um ou vários sistemas<br />
de órgãos. É possível, assim, causar colite,<br />
36 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018
entrevista | SAÚDE ONLINE<br />
com diarreia e dor abdominal; pneumonia,<br />
com disfunção respiratória importante; ou<br />
retinite, com alterações da visão; entre outras.<br />
A doença por CMV está associada a<br />
aumento do risco de mortalidade pós-transplante,<br />
pelo que constitui uma preocupação<br />
das equipas de transplante de medula, que<br />
tomam estratégias para a prevenir e controlar<br />
atempadamente.<br />
É frequente o CMV inviabilizar um<br />
transplante? Há dados que indiquem<br />
a percentagem de transplantes que<br />
não têm sucesso devido ao CMV?<br />
A infeção por CMV não inviabiliza, por si,<br />
um transplante de medula. Na realidade, os<br />
dadores devem ser otimizados ao estado de<br />
portador dos doentes – para doentes portadores<br />
do vírus, devem ser selecionados dadores<br />
também portadores, de modo a transferir,<br />
com o transplante, células específicas<br />
para o vírus; para doentes sem contacto<br />
prévio com o vírus, os dadores devem também<br />
não ter tido contacto prévio, para prevenir<br />
a contaminação do doente aquando<br />
do transplante. Não é sempre possível fazer<br />
esta seleção de dadores. No entanto, isso<br />
não significa que haja doentes que não sejam<br />
transplantados por haver disparidade<br />
no contacto prévio a CMV – são doentes<br />
com risco mais elevado de reativação e, por<br />
isso, são vigiados com mais cuidado. A percentagem<br />
de transplantes que não tem sucesso<br />
devido ao CMV é um número muito<br />
difícil de calcular – a doença por CMV não é,<br />
pela sua baixa frequência, uma causa significativa<br />
de mortalidade na atualidade, com<br />
as opções de tratamento que existem e a<br />
abordagem precoce utilizada. Apesar disso,<br />
sabemos que a reativação viral está associada<br />
a aumento de probabilidade de morte,<br />
embora, em alguns casos, surja, por necessidade<br />
marcada de aumento de imunossupressão<br />
para controlo de doença do enxerto<br />
contra o hospedeiro, por exemplo, o que<br />
não significa, por si só, maior risco.<br />
Quais são as opções de tratamento<br />
que existem? É possível<br />
eliminar a infeção?<br />
O tratamento da reativação e da doença por<br />
CMV faz-se com recurso a antivirais, como<br />
o ganciclovir, valganciclovir e foscarnet, com<br />
uma taxa de resposta relativamente alta, mas<br />
que pode ser limitada pela toma de imunossupressão<br />
(obrigatória nos primeiros meses<br />
após transplante) e pela recuperação lenta da<br />
imunidade antiviral após transplante. A infeção<br />
pelo vírus nunca é totalmente eliminada,<br />
pelo que o objetivo da terapêutica é fazê-lo<br />
retornar ao estado de latência presente na<br />
população em geral – após recuperação adequada<br />
da imunidade antiviral e suspensão da<br />
imunossupressão os indivíduos submetidos<br />
a transplante de medula óssea deixam de ter<br />
risco significativo de reativação de CMV, tal<br />
como a população geral, pelo que a impossibilidade<br />
de erradicação total do vírus não é<br />
problemática.<br />
A estratégia ideal para a reativação e doença<br />
a CMV é prevenir, em vez de tratar. Além da<br />
seleção de dadores previamente descrita, são<br />
feitas pesquisas frequentes de replicação viral<br />
no período de maior risco de reativação e<br />
instituída terapêutica dirigida assim que é detetada<br />
a presença de vírus no sangue, o que<br />
permite reduzir grandemente a incidência de<br />
doença por CMV. No entanto, esta estratégia<br />
não é sempre suficiente, já que pode haver<br />
doença de órgão por CMV sem deteção<br />
prévia do vírus no sangue. Para este efeito,<br />
tem sido feita investigação para produção de<br />
fármacos especificamente dirigidos à prevenção<br />
da infeção em doentes de alto risco,<br />
tendo o primeiro, o letermovir, sido aprovado<br />
este ano, após ter demonstrado melhoria no<br />
risco de reativação e morte numa população<br />
de doentes transplantados com alto risco de<br />
reativação.<br />
SO<br />
outubro 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 37
SAÚDE ONLINE | nacional<br />
Estudo indica que novas pílulas anticoncecionais<br />
podem diminuir o risco de cancro do ovário<br />
Um novo estudo de larga escala realizado por investigadores da Universidade de Aberdeen,<br />
na Escócia, indica que, à semelhança do que já tinham sugerido pesquisas anteriores<br />
(que se focaram nas pílulas antigas), as novas pílulas contracetivas reduzem para menos<br />
de metade o risco de desenvolvimento de cancro do ovário.<br />
Os anteriores estudos tinham<br />
sido feitos com<br />
mulheres que usavam<br />
as pílulas mais antigas, com<br />
uma maior quantidade de estrogénio,<br />
e por isso, este estudo,<br />
coordenado pela investigadora<br />
Lisa Iversen, pretendia preencher<br />
essa lacuna. A equipa da<br />
Universidade de Aberdeen recorreu<br />
a vários bancos de dados<br />
dinamarqueses e investigou<br />
o efeito tanto dos contracetivos<br />
hormonais combinados como<br />
daqueles que apenas contêm<br />
progestogéneos.<br />
Os investigadores dividiram, depois,<br />
em três grupos as cerca<br />
de 1,9 milhões de mulheres que<br />
constavam dos bancos de dados.<br />
Um dos grupos era formado<br />
por mulheres que nunca<br />
usaram nenhum tipo de contraceção<br />
hormonal; outro por mulheres<br />
que estavam a tomar pílulas<br />
anticoncecionais ou pararam<br />
de as de tomar até um ano antes;<br />
e um último grupo por mulheres<br />
que interromperam o uso<br />
de pílulas há mais de um ano.<br />
Aproximadamente 86% dos anticoncecionais<br />
orais usados pelas<br />
mulheres eram comprimidos<br />
combinados.<br />
Os investigadores concluíram<br />
que as mulheres que nunca usaram<br />
contracetivos hormonais tiveram<br />
maior incidência de cancro<br />
do ovário. A prevalência encontrada<br />
foi de 7,5 casos por<br />
cada cem mil pessoas/ano entre<br />
as mulheres que nunca tomaram<br />
usaram pílula contracetiva,<br />
um valor que é mais do dobro em<br />
comparação com os outros dois<br />
grupos (3,2 casos por cem mil<br />
pessoas/ano).<br />
“Com base nos resultados, os<br />
contracetivos hormonais combinados<br />
contemporâneos estão<br />
associados a um risco reduzido<br />
de cancro do ovário em idade reprodutiva,<br />
com padrões semelhantes<br />
aos observados em produtos<br />
orais combinados mais antigos”,<br />
dizem os autores, que,<br />
no entanto, não encontraram diferenças<br />
entre as marcas de<br />
contracetivos.<br />
O estudo não consegue, no entanto,<br />
provar nenhuma relação<br />
de causalidade entre o uso da pílula<br />
e a redução do risco de desenvolvimento<br />
de cancro do ovário<br />
e tem ainda uma outra limitação:<br />
os pesquisadores deixaram<br />
de seguir as mulheres assim que<br />
estas completaram 50 anos e,<br />
por isso, o impacto sobre elas à<br />
medida que envelheciam não foi<br />
investigado. Este dado é importante,<br />
uma vez que mais de metade<br />
dos casos da doença são<br />
diagnosticados em mulheres<br />
com mais de 65 anos.<br />
Este estudo foi publicado no<br />
British Medical Journal.<br />
Em Portugal, o cancro do ovário<br />
mata anualmente cerca de<br />
350 mulheres. A taxa de mortalidade<br />
é elevada, uma vez que se<br />
estima que surgem pouco mais<br />
de 450 novos casos por ano –<br />
o diagnóstico tardio (que ainda<br />
acontece em mais de 60% das<br />
situações) ajuda a explicar a<br />
mortalidade.<br />
SO<br />
38 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018
SAÚDE ONLINE | nacional<br />
Nascimento<br />
de prematuros<br />
duplicou em Portugal<br />
de 2004 a 2015<br />
O nascimento de prematuros em Portugal entre<br />
as 22 e as 24 semanas de gestação mais do que duplicou<br />
de 2004 para 2015, segundo dados de um estudo europeu<br />
publicado na revista The Lancet.<br />
De acordo com os dados<br />
analisados, em 2004 nasceram<br />
em Portugal 16 bebés<br />
com idade gestacional entre<br />
as 22 e as 24 semanas. Em 2010<br />
nasceram 19 e em 2015 passaram<br />
para 36. Em 2015, dos mais de 86<br />
mil nascimentos a partir das 22 semanas<br />
de gestação, foram registados<br />
cerca de 280 nados mortos.<br />
As mortes fetais entre as 22 e as<br />
24 semanas representaram em<br />
Portugal oito por cento de todos os<br />
dados mortos, enquanto as mortes<br />
entre as 24 e as 28 semanas configuravam<br />
16%. Ou seja, de todos<br />
os nados mortos registados em<br />
Portugal, quase um quarto ocorre<br />
em nascimentos entre as 22 e as<br />
28 semanas.<br />
No estudo publicado na revista The<br />
Lancet, no dia 28 de setembro, os<br />
investigadores concluem que uma<br />
em cada três mortes fetais ocorre<br />
antes das 28 semanas de gravidez,<br />
indicando que os dados oficiais<br />
têm sido subestimados.<br />
Portugal surge como um dos poucos<br />
países analisados, de uma lista<br />
de 19, em que é registada e considerada<br />
a morte fetal a partir das<br />
22 semanas de gestação. Houve,<br />
aliás, países europeus excluídos<br />
deste estudo, como França e<br />
Espanha, por não terem dados nacional<br />
de mortalidade fetal por idade<br />
gestacional nos períodos avaliados.<br />
“Há grandes e sérias lacunas no<br />
nosso conhecido do peso dos nados<br />
mortos, que pode ter impactos<br />
imprevisíveis nas famílias. Para<br />
uma mãe ou pai, um nado morto<br />
no segundo trimestre de gravidez<br />
não é menos trágico do que às<br />
28 semanas ou mais tarde. Esses<br />
pais também merecem reconhecimento<br />
da sua perda e um registo<br />
preciso da morte do seu filho de<br />
forma a melhorar os cuidados e as<br />
políticas”, afirma a médica e investigadora<br />
que liderou a pesquisa,<br />
Lucy Smith, da Universidade de<br />
Leicester, Reino Unido.<br />
O estudo analisou dados sobre 2,5<br />
milhões de bebés em 19 países<br />
europeus e concluiu que o peso de<br />
nados mortos foi subestimado em<br />
pelo menos um terço, devido às recomendações<br />
para registar como<br />
nados mortos fetos a partir das 28<br />
semanas de gestação. LUSA<br />
40 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018
SAÚDE ONLINE | nacional<br />
Oncologista diz que Portugal<br />
“está na idade da pedra” em termos<br />
de ensaios clínicos<br />
O oncologista José Dinis considera que Portugal “está na idade da pedra” em termos de<br />
ensaios clínicos, faltando sobretudo uma estrutura organizada e centros com autonomia<br />
em relação aos hospitais, mas integrados num plano nacional.<br />
No Simpósio “Oncologia<br />
em Portugal”, organizado<br />
pela comissão parlamentar<br />
de Saúde, o especialista disse<br />
que o país está “com 15 anos<br />
de atraso” em termos de investigação<br />
clínica. “Estamos com 15<br />
anos de atraso, estamos na idade<br />
da pedra. É preciso arrepiar caminho<br />
se queremos tentar acompanhar<br />
o que já se faz lá fora”,<br />
considerou.<br />
Após a sua intervenção no simpósio,<br />
que decorreu a 25 de setembro,<br />
no parlamento, o médico do<br />
IPO do Porto, que pertence à direção<br />
da Sociedade Portuguesa<br />
da Oncologia, explicou à agência<br />
Lusa que o país “não tem<br />
infraestrutura montada” para a investigação<br />
clínica. “Temos profissionais<br />
de qualidade, temos doentes,<br />
temos quase tudo. Mas não<br />
temos infraestrutura. Em termos<br />
de organização para fazer os ensaios<br />
clínicos estamos na idade<br />
da pedra. Os hospitais têm de ser<br />
centros de investigação autónomos<br />
e estar integrados num plano<br />
nacional”, argumenta José Dinis.<br />
O país deveria estar nos 500 a<br />
600 ensaios clínicos por ano,<br />
quando atualmente ronda os 100<br />
ou 120 num ano, disse. “Estamos<br />
a anos-luz dos outros [países] em<br />
termos de infraestrutura para ensaios<br />
clínicos. Precisamos de ter<br />
um gabinete coordenador que<br />
seja o braço armado do Serviço<br />
Nacional de Saúde nesta matéria”,<br />
afirma o oncologista, defendendo<br />
que o Ministério da<br />
Economia seja também incluído.<br />
Isto porque, para José Dinis, a<br />
investigação clínica tem “uma<br />
relevância económica que está<br />
a ser subestimada”. “O dinheiro<br />
existe. Nós não estamos a pedir<br />
subsídios. É preciso é ter capacidade<br />
para que consigamos<br />
ir buscar o dinheiro. Se não temos<br />
estrutura, o dinheiro, em<br />
vez de vir para Portugal, vai<br />
para outro lado qualquer”, afirmou.<br />
O médico oncologista deu<br />
o exemplo de um só hospital na<br />
Bélgica, que tem 200 pessoas a<br />
trabalhar na área da investigação<br />
clínica.<br />
José Dinis defendeu também a<br />
criação da figura de um provedor<br />
do doente em cada hospital,<br />
sendo uma figura que podia, por<br />
exemplo, orientar os doentes que<br />
entrem num ensaio clínico. O especialista<br />
adiantou que em muitos<br />
países nórdicos e nos Estados<br />
Unidos esta figura do provedor do<br />
doente nos hospitais é já rotina.<br />
Segundo dados mostrados por vários<br />
especialistas durante o simpósio,<br />
a área oncológica é a que tem<br />
mais ensaios clínicos a decorrer,<br />
sendo responsável por 30% a 40%<br />
dos que decorrem em Portugal.<br />
LUSA/SO<br />
42 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018
SAÚDE ONLINE | entrevista<br />
Filipa Serra<br />
Hipotiroidismo: Endocrinologista<br />
Filipa Serra explica o que precisa<br />
de saber acerca da doença<br />
Em entrevista ao Saúde Online, Filipa Serra, endocrinologista dos Hospitais CUF, explica a<br />
origem da doença, os sintomas e o tratamento associados.<br />
O<br />
que é e para<br />
que serve a tiroide?<br />
A tiroide é uma glândula localizada<br />
no pescoço e que todos – homens<br />
e mulheres – temos. Produz as hormonas tiroideias,<br />
essencialmente duas – a hormona T4<br />
e a hormona T3 -, que são responsáveis pela<br />
regulação do nosso metabolismo. Na infância,<br />
são importantes também para o crescimento.<br />
Durante toda a nossa vida, é importante para a<br />
regulação do metabolismo, portanto, a regulação<br />
de todos os órgãos e sistemas.<br />
A desregulação da tiroide pode levar<br />
a que tipo de problemas?<br />
Falando propriamente do hipotiroidismo, vai<br />
haver uma redução da produção das hormonas<br />
– da T4 e da T3 – e, portanto, isso vai levar<br />
a uma série de sintomas. O contrário chamase<br />
hipertiroidismo, consiste num excesso de<br />
produção destas hormonas. O hipotiroidismo<br />
é bastante mais frequente, é uma doença comum<br />
a nível mundial. A prevalência ronda os<br />
5% na população geral e na população com<br />
mais de 65 anos pode chegar aos 10%.<br />
O hipotiroidismo pode levar<br />
a uma diminuição do peso?<br />
O que causa uma diminuição do peso é o hipertiroidismo.<br />
O hipotiroidismo está mais associado<br />
a um ligeiro aumento do peso – é um<br />
dos sintomas que pode ocorrer. Isso também<br />
é importante desmistificar porque, às vezes,<br />
associa-se a desregulação da tiroide à obesidade.<br />
Não é bem assim. Normalmente, há<br />
uma redução do metabolismo, menor apetite<br />
e uma retenção hídrica, o que pode predispor<br />
para um ligeiro aumento do peso.<br />
44 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018
entrevista | SAÚDE ONLINE<br />
Outros sintomas associados ao hipotiroidismo<br />
são o cansaço, falta de energia, pele mais<br />
seca, queda de cabelo. As pessoas podem<br />
também sentir-se mais tristes e terem mais<br />
tendência para depressão. Nas mulheres,<br />
pode levar a uma irregularidade menstrual e<br />
ser uma causa de infertilidade. Também surge<br />
uma intolerância ao frio. A nível de colesterol,<br />
quando há um aumento do colesterol deve ser<br />
pesquisada a disfunção tiroideia, porque pode<br />
haver um aumento do mau colesterol e, portanto,<br />
um aumento do risco cardiovascular.<br />
Esta doença afeta sobretudo<br />
os mais velhos ou pode surgir<br />
em qualquer idade?<br />
Pode surgir em qualquer idade. O hipotiroidismo<br />
congénito, que é uma doença mais rara<br />
surge desde o nascimento. Todos os bebés,<br />
quando nascem, fazem o rastreio [para despistar<br />
esta doença], que faz parte do teste do<br />
pezinho. A idade em que mais aparece é realmente<br />
acima dos 60 anos. Contudo, quando<br />
falamos da causa autoimune – que é a principal<br />
causa de hipotiroidismo -, ela pode ocorrer<br />
em qualquer idade. É, por exemplo, muito<br />
comum o diagnóstico durante ou após a gravidez,<br />
até porque existe uma grande suscetibilidade<br />
nesta fase para tudo o que são doenças<br />
autoimunes.<br />
Pode aparecer tanto em homens como em<br />
mulheres, mas é bastante mais comum em<br />
mulheres porque, sendo a causa autoimune a<br />
mais comum – e tal como outras doenças autoimunes<br />
-, afeta sobretudo as mulheres.<br />
Dizia-me que a prevalência<br />
do hipotiroidismo a nível mundial<br />
ronda os 5%. Portugal está<br />
em linha com esse valor?<br />
Sim. Há um estudo relativamente recente, de<br />
2017, e em que parece estar exatamente nesses<br />
valores. Pode chegar aos 10% nas idades<br />
mais avançadas. Dentro do hipotiroidismo temos<br />
o hipotiroidismo clínico, em que as pessoas<br />
têm sintomas, e o hipotiroidismo subclínico,<br />
em que pode haver já alguns sintomas<br />
mas [regista-se] sobretudo uma alteração a<br />
nível laboratorial. Quando diagnosticamos o<br />
hipotiroidismo,pedimos análises: a TSH, a T4<br />
e, nalguns casos, a T3. Nos hipotiroidismos<br />
subclínicos, temos valores ainda normais mas<br />
temos um aumento da TSH, no fundo a darnos<br />
um alerta de que a tiroide não está a funcionar<br />
bem. Nesta fase é importante fazermos<br />
o diagnóstico, procurarmos a causa e, eventualmente,<br />
tratar em alguns casos.<br />
Em relação ao hipertiroidismo, é mais raro,<br />
afeta uma percentagem menor da população.<br />
É também mais sintomático: geralmente, as<br />
pessoas procuram o médico mais cedo porque<br />
os sintomas são mais exuberantes.<br />
No hipotiroidismo, muitas vezes, numa primeira<br />
fase (e sobretudo em doentes mais jovens),<br />
pode passar despercebido, dependendo<br />
da magnitude, e podem não ser valorizados<br />
os sintomas, porque o cansaço ou a<br />
falta de energia são também comuns a outras<br />
patologias. Em casos mais graves, sobretudo<br />
nas idades mais avançadas, o quadro pode<br />
ser mais grave: pode chegar mesmo a coma.<br />
Aqui o importante é alertar para algumas populações<br />
de risco, populações que mesmo<br />
sem sintomas devem fazer um rastreio. Eu falei<br />
das doenças autoimunes, e essa é a principal<br />
população [a ter em conta]. A tiroidite autoimune<br />
é a principal causa de hipotiroidismo<br />
«Sintomas associados ao<br />
hipotiroidismo<br />
são o cansaço, falta<br />
de energia, pele mais seca,<br />
queda de cabelo»<br />
mas temos também outras doenças que estão<br />
muito associadas ao hipotiroidismo, como<br />
o lúpus, a artrite reumatoide, a doença celíaca,<br />
o vitiligo. Estas pessoas devem fazer o<br />
rastreio e também familiares em primeiro grau<br />
de pessoas que tenham doenças da tiroide ou<br />
doenças autoimunes.<br />
Portanto, existe uma relação<br />
genética? O hipotiroidismo<br />
pode ser hereditário?<br />
Exatamente. Quando falamos com uma pessoa<br />
com hipotiroidismo de causa autoimune,<br />
é bastante comum a pessoa referir que<br />
tem uma mãe ou uma tia que também tem.<br />
Quando falamos da doença autoimune, o que<br />
faz com que esta doença apareça, é um conjunto<br />
de fatores genéticos mas também ambientais.<br />
As doenças autoimunes surgem, por<br />
exemplo, em períodos de maior stress ou na<br />
gravidez. Quando falamos nas outras causas<br />
de hipotiroidismo, como a radioterapia,<br />
aí temos de perguntar à pessoa se foi submetida<br />
a radioterapia do pescoço, por outros<br />
motivos (como neoplasias). É também importante<br />
perguntar quais os fármacos que a pessoa<br />
faz, porque há alguns que podem levar<br />
a disfunção tiroideia, nomeadamente um que<br />
é muito utilizado no tratamento da arritmia, a<br />
amiodarona.<br />
Sendo assim, existe forma<br />
de prevenir a doença?<br />
O inicio da doença é imprevisível e, por isso,<br />
não podemos falar propriamente numa prevenção.<br />
No entanto, devemos estar alerta<br />
para os doentes que têm um risco maior de<br />
desenvolver a doença e esses doentes devem<br />
fazer uma vigilância e tratar o mais precocemente<br />
possível.<br />
Qual é a forma tratamento<br />
mais utilizada?<br />
O tratamento do hipotiroidismo faz-se com a<br />
reposição hormonal, geralmente com a levotiroxina,<br />
que é um comprimido que se faz em<br />
toma única todos os dias, em jejum. E normalmente<br />
verificamos uma melhoria rápida.<br />
Não há, portanto, necessidade<br />
de recorrer à cirurgia?<br />
FS| As pessoas que tenham sido submetidas<br />
a uma cirurgia da tiroide vão ter um hipotiroidismo<br />
devido à cirurgia, ou seja, à ausência<br />
da tiroide. Portanto, o hipotiroidismo é que é<br />
consequência da cirurgia e não o contrário. A<br />
cirurgia pode acontecer em pessoas que têm<br />
nódulos na tiroide ou hipertiroidismo, que desenvolvem<br />
hipotiroidismo que deve ser tratado<br />
com a reposição hormonal.<br />
SO<br />
outubro 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 45
SAÚDE ONLINE | nacional<br />
Implante elétrico na coluna<br />
permite a três paraplégicos voltar<br />
a andar, mas com ajuda<br />
Um implante de um dispositivo elétrico na coluna vertebral em três pessoas, que estão<br />
paraplégicas há anos, permitiu, em conjugação com meses de intensa reabilitação, que<br />
voltassem a andar, mas o avanço ainda não é uma cura, adiantaram os investigadores.<br />
Segundo a agência<br />
Associated Press, o acontecimento<br />
divulgado por<br />
duas equipas de investigadores<br />
que trabalham separadamente,<br />
ainda não representa uma cura,<br />
uma vez que os pacientes apenas<br />
conseguem caminhar com<br />
assistência, seja de um andarilho<br />
ou outra qualquer ajuda que<br />
lhes permita manter o equilíbrio.<br />
O avanço é que se se desligar<br />
o estímulo elétrico, os pacientes<br />
voltam a não conseguir mover as<br />
pernas de forma voluntária.<br />
Numa sessão de fisioterapia,<br />
o paciente de 29 anos Jered<br />
Chinnock moveu-se para trás<br />
e para a frente numa distância<br />
equivalente a um campo de futebol.<br />
“A parte de andar ainda não<br />
é algo que me permita simplesmente<br />
deixar a cadeira de rodas<br />
para trás e ir”, disse Chinnock à<br />
AP, acrescentando que “há, no<br />
entanto, esperança de que isso<br />
venha a ser possível”.<br />
O trabalho insere-se no objetivo<br />
de ajudar pessoas com lesões<br />
na coluna vertebral a recuperar<br />
as funções do corpo, e os investigadores<br />
afirmam que apesar de<br />
o estímulo apenas ter sido testado<br />
num grupo pequeno de pessoas,<br />
é uma abordagem promissora<br />
que precisa de mais estudo.<br />
Cristina Sadowsky, especialista<br />
em reabilitação do hospital universitário<br />
norte-americano Johns<br />
Hopkins, afirmou estar entusiasmada<br />
em relação ao avanço, mas<br />
alertou que nem todos os pacientes<br />
com lesões semelhantes vão<br />
responder da mesma forma.<br />
Lesões graves na coluna vertebral<br />
‘desligam’ a capacidade de<br />
o cérebro dar uma ordem de movimento<br />
aos nervos, que por sua<br />
vez a devem ativar nos músculos.<br />
Outras abordagens para contornar<br />
a falta de mobilidade de pessoas<br />
paraplégicas já foram tentadas,<br />
como exoesqueletos ou<br />
implantar estímulos nos músculos,<br />
que ajudar a mover membros<br />
paralisados.<br />
Com esta nova abordagem, os<br />
três pacientes estão a dar passos<br />
sob o seu próprio comando,<br />
com movimento intencional, referem<br />
os artigos hoje publicados<br />
nas revistas científicas Nature<br />
Medicine e New England Journal<br />
of Medicine.<br />
A teoria em relação a esta abordagem<br />
é a de que os circuitos<br />
nervosos sob o local da lesão<br />
estão apenas adormecidos, não<br />
mortos, e que aplicar corrente<br />
elétrica pode acordar alguns desses<br />
circuitos que, conjugado com<br />
uma reabilitação rigorosa, pode<br />
restaurar as ‘ligações enferrujadas’<br />
e, eventualmente, permitir<br />
que voltem a receber comandos<br />
simples.<br />
“A recuperação pode acontecer<br />
se se verificarem as circunstâncias<br />
certas”, referiu a professora<br />
da Universidade de Louisville<br />
Susan Harkema, co-autora do estudo<br />
publicado pelo New England<br />
Journal. “A coluna vertebral pode<br />
voltar a fazer coisas, não tão bem<br />
como fazia antes, mas pode voltar<br />
a funcionar”, acrescentou.<br />
Há quatro anos a equipa de<br />
Harkema fez manchetes quando<br />
alguns pacientes implantados<br />
com um estimulador da coluna<br />
vertebral – originalmente concebidos<br />
para tratar dor – foram capazes<br />
de mover os dedos dos<br />
pés, as pernas e pôr-se de pé por<br />
breves instantes. Mas não conseguiram<br />
andar.<br />
Um dos estudos aponta ainda a<br />
necessidade de cautela em relação<br />
à segurança dos pacientes:<br />
um deles fraturou a anca num<br />
exercício de reabilitação numa<br />
passadeira, ainda que cuidadosamente<br />
apoiado.<br />
A nova abordagem vai necessitar<br />
de estudos mais aprofundados<br />
não apenas para perceber<br />
se pode ajudar outros pacientes,<br />
mas também para definir riscos.<br />
E ainda não é claro quanto custa<br />
esta terapia, cuja tecnologia continua<br />
a ser desenvolvida pelos investigadores.<br />
LUSA<br />
46 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018
SAÚDE ONLINE | nacional<br />
Investigador português descobre<br />
fármaco capaz de atrasar a progressão<br />
da doença de Machado-Joseph<br />
Após diversas experiências, com resultados bastante positivos em modelos animais, os<br />
investigadores avançam agora com importantes revelações para aquela que parece ser,<br />
até ao momento, uma possível opção terapêutica para esta doença neurodegenerativa que<br />
apresenta especial prevalência nos Açores.<br />
Clévio Nóbrega, investigador<br />
do Centro<br />
de Investigação em<br />
Biomedicina (CBMR), da<br />
Universidade do Algarve, acaba<br />
de publicou na revista Human<br />
Molecular Genetics, o resultado<br />
de uma investigação que culmina<br />
com uma importante descoberta<br />
na área das doenças<br />
neurodegenerativas. O investigador<br />
e a sua equipa descobriram<br />
que existe um novo fármaco<br />
capaz de atrasar a progressão<br />
da doença de Machado-Joseph,<br />
uma doença de origem genética,<br />
incurável, e que se manifesta por<br />
uma progressiva perda de controlo<br />
nos músculos e na coordenação<br />
motora, provocando atrofia<br />
muscular, rigidez dos membros,<br />
dificuldades na deglutição,<br />
fala e visão, associadas a um<br />
progressivo dano de zonas cerebrais<br />
específicas.<br />
A cordicepina, o fármaco estudado<br />
na investigação de Clévio<br />
Nóbrega, já se encontra aprovado,<br />
para outros fins, nos<br />
Estados Unidos, pela agência<br />
reguladora FDA (Food and Drug<br />
Administration), o que pode acelerar<br />
a sua utilização num contexto<br />
clínico e tornar-se uma<br />
opção futura no tratamento da<br />
doença.<br />
Embora, como afirma o investigador,<br />
seja necessário esclarecer<br />
que “não se trata de<br />
uma cura”, a descoberta, levada<br />
a cabo na Universidade<br />
do Algarve, reveste-se de especial<br />
importância uma vez que,<br />
como assegura Clévio Nóbrega<br />
“a cordicepina pode constituir,<br />
no futuro, uma estratégia eficaz<br />
para atrasar a progressão<br />
desta e até de outras doenças<br />
neurodegenerativas”.<br />
Para já, fica uma certeza: a de<br />
que este medicamento constitui<br />
uma nova abordagem – segura<br />
e efetiva – a uma doença relativamente<br />
rara em quase todo o<br />
mundo, mas que afeta uma em<br />
cada 4000 pessoas de ascendência<br />
portuguesa e que, só nos<br />
Açores, bate todos os recordes,<br />
com uma pessoa afetada em<br />
cada 140 indivíduos.<br />
A investigação foi realizada em<br />
colaboração com o CNC (Centro<br />
de Neurociências e Biologia<br />
Celular), da Universidade de<br />
Coimbra, e financiada pela AFM<br />
(The French Muscular Dystrophy<br />
Association).<br />
SO<br />
48 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018