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Ed. Outubro

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outubro 2018 | N.º 15 | ANO I | MENSAL | PREÇO: 3€<br />

Diretor: Miguel Múrias Mauritti<br />

SNS vai<br />

ter mais<br />

201 milhões<br />

em 2019<br />

PÁG. 20<br />

Especial – Rota da Saúde<br />

USF Araceti<br />

PÁG. 16<br />

As ideias polémicas da nova<br />

ministra da Saúde: relação com os<br />

médicos promete ser tensa<br />

Marta Temido defende exclusividade de funções para<br />

alguns médicos e a transferência de algumas competências<br />

dos médicos para os enfermeiros. Bastonário<br />

dos Médicos está contra.<br />

Entrevista<br />

Investigadora<br />

Isabel Barbosa<br />

O misterioso Linfoma<br />

de Hodgkin<br />

Francisco Ramos e Raquel Bessa<br />

de Melo são os novos secretários<br />

de Estado da Saúde<br />

A remodelação governamental levada a cabo<br />

por António Costa resultou numa alteração total<br />

no Ministério da Saúde. Francisco Ramos<br />

e Raquel Bessa de Melo são os escolhidos<br />

para ocupar a Secretaria de Estado. PÁG. 18<br />

Pág. 14<br />

PÁG. 28<br />

uma iniciativa<br />

Profissão<br />

Ana Miranda<br />

Doença<br />

de Alzheimer<br />

PÁG. 15<br />

Número de<br />

utentes sem<br />

médico de família<br />

aumentou 20%<br />

este ano<br />

Pág. 34


sumário<br />

pág. 20<br />

SNS vai ter mais 201<br />

milhões em 2019<br />

Marta Temido, a nova ministra da<br />

Saúde, vai contar com mais 523<br />

milhões de euros no orçamento<br />

para 2019 face ao valor estimado<br />

para 2018 (5%), atingindo a despesa<br />

total consolidada 11013.3 milhões de<br />

euros. Já as transferências para o SNS<br />

crescem menos: 201.5 milhões, com a<br />

despesa total consolidada a fixar-se nos<br />

10053,5 milhões de euros<br />

4 Opinião<br />

Acácio Gouveia<br />

Cogitações vadias e…irónicas<br />

6 Associações de Doentes<br />

debatem papel do Cuidador<br />

Informal<br />

No dia 14 de setembro, o Museu do Oriente,<br />

em Lisboa, abriu portas ao III Patient Day com<br />

o tema “Cuidadores Informais: Heróis que<br />

também merecem apoio”.<br />

10 Especial | Dez anos<br />

de investigação em<br />

Mucopolissacaridoses (MPS)<br />

O Porto recebeu o encontro “MPS: Insights From<br />

the Last 10 years” organizado pela Sociedade<br />

Portuguesa de Doenças Metabólicas (SPDM)<br />

com o apoio da Biomarin.<br />

14 Entrevista |<br />

Investigadora Isabel Barbosa<br />

No âmbito do Dia Mundial de<br />

Consciencialização sobre Linfomas, falámos<br />

com a investigadora Isabel Barbosa, sobre o<br />

raro Linfoma de Hodgkin.<br />

15 Profissão<br />

Ana Miranda<br />

Professora<br />

16 As ideias polémicas da<br />

nova ministra da Saúde:<br />

relação com os médicos promete ser tensa<br />

Marta Temido defende exclusividade de funções<br />

para alguns médicos e a transferência de<br />

algumas competências dos médicos para os<br />

enfermeiros. Bastonário dos Médicos está contra.<br />

18 Francisco Ramos e<br />

Raquel Bessa de Melo são os<br />

novos secretários de Estado<br />

da Saúde<br />

22 Especial | Air for All<br />

Abordam personalizada é o futuro na gestão da<br />

DPOC<br />

26 Entrevista Psicóloga<br />

Nora Cavaco<br />

Em entrevista ao Saúde Online, a psicóloga<br />

Nora Cavaco, do Centro Clínico do Algarve e do<br />

Instituto Nora Cavaco, fala-nos sobre o transtorno<br />

do espectro do autismo, o diagnóstico e quais as<br />

terapias mais indicadas.<br />

28 Especial | Rota da Saúde<br />

USF Araceti<br />

32 Entrevista |<br />

Reumatologista José Melo<br />

Gomes<br />

O médico José Melo Gomes defende uma maior<br />

participação do doente na decisão clínica e<br />

mostra-se preocupado em relação ao preço de<br />

alguns medicamentos.<br />

34 Número de utentes sem<br />

médico de família aumentou<br />

20% este ano<br />

FICHA TÉCNICA | Publicação online de informação geral e médica<br />

Endereço internet<br />

www.saudeonline.pt<br />

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Diretor Comercial<br />

Luís Araújo<br />

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Miguel Múrias Mauritti<br />

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<strong>Ed</strong>ição e Redação<br />

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Isenção de registo na ERC, nos termos<br />

da alinea a) do nº1 do artigo 12º do<br />

decreto regulamentar nº8/99, de 9 de junho<br />

Periodicidade<br />

Informação permanente<br />

Ano de fundação: 2016


SAÚDE ONLINE | CRÓNICA<br />

opinião<br />

Cogitações vadias e … irónicas<br />

Acácio Gouveia<br />

Médico de Família<br />

“(…) e vi subir do mar uma<br />

besta que tinha sete cabeças<br />

e dez chifres, e sobre os seus<br />

chifres dez diademas,<br />

e sobre as suas cabeças um<br />

nome de blasfémia”<br />

Apocalipse 13.1<br />

“Porque se acende a tua<br />

ira contra as ovelhas do teu<br />

pasto?”<br />

Salmos 74.1<br />

Parabéns SPMS!<br />

Dias atrás, um colega, em tom<br />

jocoso, “agradecia” ao SPMS a<br />

última inovação (mais propriamente:<br />

a última picardia), desta<br />

vez materializada numa apregoada<br />

desmaterialização das<br />

requisições de ECD. Com a devida<br />

vénia aqui pego na ideia<br />

e no timbre para escrever uma<br />

variação sobre o tema inicial.<br />

Se assim o entenderem, poderão<br />

adaptar o texto à melodia<br />

do fado da desgraçadinha, ou<br />

imaginá-lo cantado à capella e<br />

entremeado com refrão a cargo<br />

dum coro de baixos, a lembrar<br />

sonoridades da igreja ortodoxa.<br />

Parabéns SPMS! Parabéns!<br />

Parabéns pelo novo figurino<br />

de requisições de análises!<br />

Poupam-nos uma assinatura e<br />

tinta de esferográfica, mas impingem-nos<br />

uma molhada variável<br />

de toques no teclado e<br />

no rato que pode ultrapassar a<br />

vintena! Quer dizer: consomese<br />

mais tempo e investe-se alegremente<br />

em tendinites. E digo<br />

alegremente porque inventaram<br />

otimista pop-up que proclama<br />

“sucesso!” sobre um fundo<br />

verde, para logo a seguir exigir<br />

redundantes confirmações da<br />

palavra passe. O que é curioso<br />

é que esta inovação lançada<br />

com o propósito de poupar papel,<br />

até aumentou os consumos<br />

de modo considerável.<br />

Estão de parabéns por honrarem<br />

a tradição de nos presentearem<br />

com o cortejo habitual<br />

de incompatibilidades, bloqueios<br />

sempre que parem uma<br />

inovação.<br />

Parabéns SPMS! Parabéns!<br />

Parabéns pela PEM, que foi<br />

uma ferramenta de louvável eficácia,<br />

até ao momento em que<br />

para aceder à medicação crónica<br />

passou ser preciso estar<br />

de muito bem com Deus para<br />

não levarmos tampa: “Não é<br />

possível aceder. Por favor, tente<br />

mais tarde”. O aviso é educado,<br />

mas totalmente alienado da realidade.<br />

Para o SPMS a noção<br />

de tempo dos infelizes utilizadores<br />

é algo tão surreal como uma<br />

paisagem de Dali. Julgam que<br />

não temos mais que fazer para<br />

andar a fugir das cascas de banana<br />

com que displicentemente<br />

nos presenteiam<br />

Parabéns SPMS! Parabéns!<br />

Bem-hajam pelo Alert, que,<br />

volta, não volta, aniquila as referenciações<br />

que lhe são confiadas,<br />

intrujando perfidamente<br />

o utilizador com a mensagem<br />

“pedido lido”. Lido, uma ova!<br />

Sumido, isso sim, no éter como<br />

se tivessem caído nas mãos<br />

dum assassino mexicano.<br />

Parabéns SPMS! Parabéns!<br />

Felicitações pelos servidores<br />

caquéticos, anquilosados, que<br />

nos bafejam com bloqueios,<br />

delongas, erros vários, prolongados<br />

hiatos de ócio forçado.<br />

Agradecidos pela decrépita<br />

rede provida duma estreiteza de<br />

banda, a lembrar a sinistra gruta<br />

Tum Luang, por onde a informação<br />

escorre a velocidades verdadeiramente<br />

bovinas. Para o<br />

diabo a produtividade!<br />

Parabéns SPMS! Parabéns!<br />

Agradecidos pela crescente miríade<br />

de palavras passe com<br />

que nos ajoujam: SClínico, GPS;<br />

Alert; SICO; Easy não sei das<br />

quantas; Sisqual; Portal das vinhetas,<br />

etc.. Sobre esta alcateia<br />

de apps derramaram um conselho<br />

bizarro: mudar de 3/3 meses<br />

as palavras passe! Advertência<br />

que a ser seguida resolveria de<br />

vez o problema da segurança<br />

tornando inacessível a informação<br />

até aos próprios utilizadores.<br />

Era um descanso!<br />

Parabéns SPMS! Parabéns!<br />

Reconhecidos estão os contribuintes<br />

pela remodelação dos<br />

computadores (que serão obsoletos<br />

antes que deles se possa<br />

aproveitar o potencial) e pela<br />

aquisição de monitores XL, cuja<br />

única mais valia será dificultar o<br />

contacto visual entre doente e<br />

médico. Se o objetivo foi incrementar<br />

o desperdício não haja<br />

dúvida que melhor é difícil.<br />

Parabéns SPMS! Parabéns!<br />

Parabéns pela escolha de operador<br />

de telecomunicações que<br />

deixou vários centros de saúde<br />

sem telefone durante semanas.<br />

E, para avivar memórias,<br />

de quando em vez, lá vem uma<br />

réplica que nos deixa mudos e<br />

surdos.<br />

Parabéns SPMS! Parabéns!<br />

Congratulemo-los pela unanimidade<br />

de opiniões negativas<br />

que a má performance dos SI<br />

consegue gerar entre os seus<br />

utilizadores.<br />

Parabéns SPMS! Parabéns!<br />

É mister reconhecer que o empenho<br />

e a perseverança com<br />

que têm azucrinado a paciência<br />

dos utilizadores é bem eficaz.<br />

Contribuiu seguramente<br />

para o êxodo de centenas de<br />

jovens médicos aterrorizados<br />

com perspetiva lúgubre de lidar<br />

com um sistema informático declaradamente<br />

inimigo figadal do<br />

utilizador.<br />

Parabéns SPMS! Parabéns!<br />

E agora sem ponta de ironia,<br />

parabéns pelas inexcedíveis<br />

campanhas de marketing, excelentemente<br />

ficcionadas, que<br />

deixam maravilhados (e completamente<br />

ludibriados) todos<br />

aqueles que a elas assistem<br />

(com a condição de não conhecerem<br />

a sinistra realidade por<br />

trás daquele cenário).<br />

Parabéns SPMS! Parabéns!<br />

Para terminar, e continuando no<br />

registo sério, devemos congratular<br />

o SPMS pela mestria em<br />

meter ao bolso os sucessivos<br />

ministros e arregimentar toda a<br />

tutela aos seus desígnios, qual<br />

shogun bem sucedido.<br />

SPMS … maldito sejas para<br />

todo o sempre<br />

4 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018


SAÚDE ONLINE | nacional<br />

Associações de Doentes<br />

debatem papel<br />

do Cuidador Informal<br />

No dia 14 de setembro, o Museu do Oriente, em Lisboa, abriu portas ao III Patient<br />

Day que este ano teve como tema mote “Cuidadores Informais: Heróis que também<br />

merecem apoio”. Uma oportunidade para Associações de Doentes discutirem o<br />

papel e o futuro dos Cuidadores Informais.<br />

O<br />

Patient Day é um<br />

evento organizado<br />

pela Merck, multinacional<br />

farmacêutica,<br />

com sede em Darmstadt,<br />

Alemanha, que este ano celebra<br />

350 anos de atividade. A abertura<br />

do encontro ficou a cargo de Nuno<br />

Silvério, do Departamento de<br />

Market Access & Governmental<br />

Affairs da Merck Portugal, que<br />

Patient Day<br />

deu as boas vindas às associações<br />

presentes, convidando-as a<br />

partilharem experiências e conhecimento.<br />

Ao SaúdeOnline, o representante<br />

da farmacêutica explicou<br />

a escolha do tema deste ano e a<br />

importância da iniciativa: “É um<br />

bom momento para se ter esta<br />

discussão, um momento em que<br />

os doentes e os seus cuidadores<br />

sentam-se numa sala, conversam<br />

e saem daqui mais capacitados,<br />

mais conhecedores e a conhecerem-se<br />

uns aos outros e isso contribuiu<br />

para o crescimento e melhoria<br />

da sociedade, sendo essa a<br />

missão da Merck neste dia”.<br />

Seguiu-se a intervenção de Maria<br />

do Céu Machado, Presidente do<br />

Infarmed, focada na “Gestão emocional<br />

do cuidador e da pessoa<br />

cuidada”, retratando a realidade<br />

de outros países, como o Reino<br />

Unido onde 45% da população<br />

que presta cuidados a alguém desistiu<br />

do emprego, 61% desenvolveu<br />

depressão e 49% tem problemas<br />

financeiros, o que ilustra as<br />

dificuldades económicas e emocionais<br />

que um cuidador enfrenta<br />

também em Portugal.<br />

A presidente do Infarmed abordou<br />

a questão do apoio social e<br />

familiar, reforçando que a legislação<br />

e a visibilidade são necessárias,<br />

mas também é preciso que<br />

“as pessoas compreendam o que<br />

é cuidar de alguém” e as dificuldades<br />

que daí advêm.<br />

Maria do Céu Machado terminou<br />

a sua apresentação com a definição<br />

de ‘saúde’ pela Organização<br />

Mundial de Saúde (OMS) que é “a<br />

aptidão de cada cidadão para se<br />

adaptar e gerir os desafios físicos,<br />

de stress e emocionais”, e que traduziu<br />

em “capacitação”. “A saúde<br />

deixou de ser algo dos serviços<br />

de saúde para ser também algo<br />

de nós próprios. (…) O cidadão<br />

tem que ter a capacitação para se<br />

adaptar. Mas a saúde não chega!<br />

É necessário o bem-estar que<br />

exige compreensão com várias<br />

6 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018


nacional | SAÚDE ONLINE<br />

dimensões e perspetivas”, salientou.<br />

Para Maria do Céu Machado<br />

é necessária “visão política, apoio<br />

comunitário, formação e valorização”<br />

para facilitar a capacitação<br />

de cuidadores.<br />

A Comunicação foi o tema central<br />

de Tatiana Nunes, responsável do<br />

Departamento e Comunicação da<br />

Alzheimer Portugal, que defendeu<br />

a importância de as associações<br />

terem uma secção dedicada<br />

a esta área como forma estarem<br />

mais próximas do seu público<br />

-alvo e de conseguirem transmitir<br />

a sua mensagem.<br />

“É importante focarmo-nos em<br />

conseguir aumentar conhecimentos,<br />

atitudes e comportamentos.<br />

Os cuidadores são um público<br />

muito importante nas associações<br />

e é importante perceber o que é<br />

que eles precisam, o que estão à<br />

espera do outro lado, como é que<br />

podemos ajudá-los a ficarem mais<br />

capacitados e com outro nível de<br />

empowerment para que se tornem<br />

agentes de mudança e consigam<br />

levar outros cuidadores a prestar<br />

também melhores cuidados”,<br />

disse Tatiana Nunes, em declarações<br />

ao nosso jornal.<br />

A responsável de comunicação<br />

terminou a sua intervenção apresentando<br />

a campanha “Amigos<br />

da Demência” que tem como objetivo<br />

aumentar a consciencialização<br />

e conhecimento da população<br />

sobre as demências.<br />

“A evolução do papel do cuidador<br />

e desafios para o futuro” foi o<br />

tema do painel composto por representantes<br />

de quatro associações<br />

presentes no evento. Jorge<br />

Nunes, vice-presidente da recém-criada<br />

Associação Nacional<br />

de Cuidadores Informais, deu início<br />

à discussão, seguindo-se as<br />

intervenções de Ana Luísa Pinto,<br />

Coordenadora da Associação<br />

Cuidadores, Susana Protásio,<br />

vice-presidente da Sociedade<br />

Portuguesa de Esclerose Múltipla<br />

(SPEM), terminando com Bruno<br />

Alves, Presidente da Cuidadores<br />

Portugal.<br />

Cada associação deu o seu insight<br />

sobre o tema. Jorge Nunes<br />

partilhou o seu testemunho pessoal<br />

como cuidador da sua mãe,<br />

destacando as principais dificuldades,<br />

e contou como nasceu<br />

a sua associação há cerca de 3<br />

meses. Ana Luísa Pinto explicou<br />

como foi criada a Associação<br />

Cuidadores e de que forma ajudam<br />

os cuidadores que procuram<br />

a organização, falando ainda<br />

sobre a parceria com a Carers<br />

Trust, organização sediada no<br />

Reino Unido. Susana Protásio<br />

incidiu a sua apresentação nos<br />

apoios financeiros, realçando a<br />

grande diferença entre o apoio<br />

dado ao cuidador e à pessoa institucionalizada<br />

e considerando<br />

que a área social e a área da<br />

saúde devem estar unidas, como<br />

forma de apoiar o cuidador e colocar<br />

o doente no centro da decisão.<br />

Bruno Alves encerrou a discussão<br />

apresentando uma perspetiva<br />

da evolução do papel cuidador<br />

e dos seus desafios do<br />

ponto de vista económico, social<br />

e emocional.<br />

Para além da partilha de experiências,<br />

as associações reforçaram<br />

a importância da aprovação<br />

de um estatuto do cuidador.<br />

Ao Saúde Online, Jorge Nunes<br />

afirmou que esse estatuto deve<br />

contemplar os apoios financeiros,<br />

a questão laboral, “a capacitação<br />

e formação do cuidador, e<br />

uma rede articulada com a Rede<br />

de Cuidados, de forma a prestarmos<br />

algum apoio, assim como o<br />

descanso do cuidador que é fundamental<br />

para que não atinja o<br />

esgotamento”.<br />

Também em declarações ao<br />

Saúde Online, Susana Protásio<br />

da SPEM reforçou, novamente,<br />

que “o apoio financeiro que existe<br />

dirigido ao cuidador que está em<br />

casa é ridículo” e referiu que é importante<br />

educar as futuras gerações<br />

de cuidadores.<br />

A segunda parte ficou a cargo<br />

de duas oradoras internacionais.<br />

Mihaela Militaru, Patient Advocate<br />

da Merck Europa na área da<br />

Oncologia, que abordou “A realidade<br />

dos cuidadores lá fora”, defendendo<br />

a ligação das associações<br />

com as estruturas europeias.<br />

Meagan Bates, Patient Advocate,<br />

na EMD Senoro, EUA, encerrou<br />

este III Patient Day, apresentando o<br />

projeto ‘Embracing Carers’, apoiado<br />

pela Merck e que trabalha com outras<br />

associações para ajudar a lançar<br />

novas iniciativas, com vista a<br />

melhorar a saúde e o bem-estar, assim<br />

como aumentar a consciencialização<br />

para os cuidadores.<br />

SO<br />

outubro 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 7


SAÚDE ONLINE | CRÓNICA profissão<br />

Os jovens são os mais afetados<br />

pela doença de Freiberg<br />

Fátima Carvalho<br />

Podologista responsável<br />

pelo Centro Clínico do Pé<br />

A<br />

doença de Freiberg<br />

ou Osteonecrose de<br />

Freiberg incide principalmente<br />

em jovens do sexo feminino,<br />

mais do que no sexo<br />

masculino, numa porção de 3:1,<br />

e ocorre na segunda década de<br />

vida. Esta doença acomete preferencialmente<br />

a cabeça do 2.º<br />

metatarso, seguida da epífise do<br />

3.º metatarso e raramente é bilateral,<br />

caraterizando-se por uma<br />

dor persistente sobre o 2.º metatarso<br />

devido à pressão excessiva.<br />

A dor é acompanhada inicialmente<br />

por um edema local e<br />

pelo desaparecimento da cartilagem,<br />

causando assim incapacidade<br />

funcional parcial do pé.<br />

As causas mais frequentes da<br />

doença de Freiberg são os microtraumatismos<br />

repetitivos,<br />

causados por determinadas<br />

profissões, práticas desportivas<br />

(bailarinas ou atletas que<br />

pratiquem corrida ou salto) ou<br />

pela utilização de saltos altos.<br />

Outra das causas pode ser a isquemia<br />

da artéria nutrícia, que<br />

pode ser provocada por uma<br />

embolia, um traumatismo ou por<br />

uma compressão latero-medial<br />

provocando uma diminuição da<br />

circulação sanguínea na cartilagem<br />

em crescimento.<br />

O diagnóstico é clínico através<br />

de palpação, de exploração articular,<br />

muscular, vascular, avaliação<br />

da pegada plantar e confirmada<br />

a fase da evolução da<br />

doença com exames complementares<br />

de diagnóstico, especificamente<br />

a Radiografia ao pé.<br />

O tratamento conservador é o<br />

mais utilizado para esta doença,<br />

consiste num tratamento<br />

Ortopodológico, através da aplicação<br />

de uma ortótese plantar<br />

personalizada, que dependendo<br />

da fase de evolução da doença,<br />

permite o alívio da pressão do<br />

peso corporal sobre as cabeças<br />

dos metatarsos envolvidos.<br />

Este tratamento Ortopodológico<br />

é realizado por um Podologista.<br />

No caso de se verificar uma rápida<br />

progressão da doença, derivada<br />

por exemplo do uso continuado<br />

de saltos altos ou prática<br />

de atividades desportivas excessivas,<br />

poderá ser necessário<br />

um tratamento cirúrgico variável;<br />

desde a curetagem com<br />

enxerto, osteotomia e encurtamento<br />

do metatarso.<br />

40 por cento dos diabéticos<br />

desenvolvem retinopatia<br />

A<br />

retinopatia diabética é<br />

uma manifestação ocular<br />

da diabetes que afeta<br />

a retina, parte do olho responsável<br />

pela captação das imagens<br />

e envio para o cérebro. O seu<br />

aparecimento está relacionado<br />

com o tempo de duração da diabetes<br />

e com a falta de controlo<br />

da glicemia.<br />

Esta doença geralmente afeta<br />

ambos os olhos e se não for<br />

diagnosticada e tratada precocemente<br />

pode levar a cegueira.<br />

Estima-se que 40 por cento dos<br />

diabéticos desenvolvem retinopatia,<br />

sendo esta a principal<br />

causa de cegueira em pessoas<br />

com menos de 60 anos.<br />

Para prevenir ou controlar as alterações<br />

provocadas pela retinopatia,<br />

a pessoa com diabetes<br />

deve realizar consultas regulares<br />

de controlo oftalmológico.<br />

Desta forma, poderá levar à deteção<br />

de situações de retinopatia<br />

em estado inicial. De acordo<br />

com o Observatório da Diabetes<br />

estima-se que há cerca 564 mil<br />

diabéticos tipo 2 a necessitar de<br />

rastreio de retinopatia diabética.<br />

O tratamento para a retinopatia<br />

diabética nos estágios iniciais<br />

consiste no controle dos níveis<br />

de glicose no sangue, evitando<br />

assim uma progressão da<br />

doença. Nos casos mais avançados<br />

de retinopatia diabética,<br />

o tratamento pode ser realizado<br />

com recurso a fotocoagulação<br />

por Laser.<br />

A retinopatia diabética num estado<br />

mais avançado, diminui a<br />

qualidade de vida do diabético. A<br />

visão central deficiente impede<br />

de ver os equipamentos mais<br />

pequenos, tais como a seringa<br />

de insulina ou a bula dos medicamentos.<br />

As alterações na sensibilidade<br />

cromática são também<br />

muito frequentes. Nesta fase os<br />

filtros e as ajudas visuais tornam-se<br />

de grande utilidade.<br />

O Optometrista é um profissional<br />

central nos cuidados para<br />

a saúde da visão, segundo a<br />

Organização Mundial da Saúde.<br />

O seu âmbito de prática não se<br />

limita ao diagnóstico, prescrição,<br />

terapêutica e reabilitação<br />

da condição visual. Também<br />

desempenha um papel de relevo<br />

na investigação e inovação<br />

científica, para a implementação<br />

de prática clínica baseada<br />

em evidência científica.<br />

Raúl Sousa<br />

Presidente da Associação<br />

de Profissionais Licenciados<br />

de Optometria (APLO)<br />

8 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018


10 anos de investigação. Perspetivas futuras | especial<br />

Reunião Satélite no âmbito do 14º Simpósio Internacional<br />

da Sociedade Portuguesa de Doenças Metabólicas<br />

Dez anos de investigação em<br />

Mucopolissacaridoses (MPS)<br />

O Porto recebeu, no dia 17 de março, o encontro “MPS: Insights From the Last 10 years,<br />

organizado pela Sociedade Portuguesa de Doenças Metabólicas (SPDM), com o apoio da BioMarin.<br />

Esta reunião-satélite ao 14º Simpósio Internacional da SPDM, foi dedicada à evolução do conhecimento<br />

nas MPS ao longo dos últimos 10 anos e reuniu especialistas nacionais e internacionais de diferentes<br />

áreas. A abordagem global às MPS, desde os sintomas à importância do diagnóstico precoce e às suas<br />

comorbilidades, foram os principais temas em debate, tendo em vista a contribuição para o melhor<br />

acompanhamento destas doenças e avaliação da sua progressão.<br />

O<br />

encontro,<br />

inaugurado<br />

pela Dr.ª Dulce Quelhas,<br />

vogal da direção<br />

da SPDM e Presidente<br />

do Simpósio, foi presidido pela Dr.ª<br />

Elisa Leão Teles, médica pediatra<br />

especialista em doenças hereditárias<br />

do metabolismo no Hospital<br />

de São João, Porto, e investigadora<br />

principal em diferentes ensaios clínicos<br />

em doentes com MPS, e ainda<br />

pelo Dr. Paul Harmatz, médico<br />

pediatra e Investigador do Centro<br />

de Investigação Clínica do Hospital<br />

Pediátrico de Oakland (EUA).<br />

Na sua intervenção inicial, a Dr.ª<br />

Elisa Leão Teles começou por<br />

explicar que, depois de dez anos<br />

marcados por uma intensa investigação<br />

em MPS, esta é a altura indicada<br />

para fazer um balanço global<br />

e “focarmo-nos também nos efeitos<br />

provocados pela doença nos diferentes<br />

órgãos”.<br />

O Dr. Paul Harmatz recordou que<br />

o primeiro encontro internacional<br />

em que esteve presente aconteceu<br />

no Porto, em 2009, onde apresentou<br />

resultados para a MPS VI. “Nos<br />

últimos dez anos houve muitas reuniões<br />

e vimos muita coisa mudar”,<br />

apontou.<br />

O especialista começou por dizer,<br />

contudo, que o trabalho não se resume<br />

a estes dez anos, mas aos últimos<br />

100. “Não chegaríamos a este<br />

ponto sem o trabalho desenvolvido<br />

na primeira metade do século XX,<br />

dedicado à descrição e caracterização<br />

destas doenças.”, recordou.<br />

Lembrando um caso real, Harmatz<br />

mencionou aquela a que chama<br />

uma “história extraordinária”, a do<br />

primeiro doente europeu a receber<br />

tratamento de substituição enzimática<br />

(ERT) para a MPS VI. “Era<br />

muito difícil encontrar doentes que<br />

cumprissem critérios para os ensaios<br />

clínicos iniciais para o tratamento<br />

da MPS VI e que pudessem<br />

mudar-se para os Estados Unidos<br />

para participar nos estudos. Um<br />

doente de Lisboa, com 10 anos de<br />

idade, foi o candidato perfeito. É um<br />

caso de sucesso. A expectativa inicial<br />

apontava para que não sobrevivesse<br />

mais do que 20 anos; hoje já<br />

passou dos 25 e está bem”, contou.<br />

“Para mim, são estas histórias que<br />

põem a ciência no caminho certo”,<br />

concluiu.<br />

“Há muitas singularidades nestas<br />

doenças. São doenças heterogéneas,<br />

que variam de doente para<br />

doente e até mesmo no próprio<br />

doente, que são progressivas, crónicas<br />

e multissistémicas. Há desafios<br />

importantes no diagnóstico,<br />

mas também no tratamento”, explicou<br />

Paul Harmatz.<br />

O especialista quis concluir a sua<br />

10 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018


especial | 10 anos de investigação. Perspetivas futuras<br />

apresentação com uma citação de<br />

Winston Churchill que, na sua ótica,<br />

se aplica ao futuro e às novas<br />

formas de deteção e tratamento da<br />

MPS: “Isto não é o fim. Não é sequer<br />

o princípio do fim. Mas é, talvez,<br />

o fim do princípio”.<br />

A Dr.ª Lúcia Lacerda, responsável<br />

pela Unidade de Bioquímica Genética<br />

do Centro de Genética Médica<br />

Jacinto Magalhães do Centro<br />

Hospitalar do Porto, revelou que,<br />

nos últimos 35 anos foram diagnosticados<br />

161 casos de MPS em<br />

Portugal. A maioria dos casos diagnosticados<br />

foi de MPS I, II e III, não<br />

havendo registo de MPS III D e IX.<br />

A especialista indicou ainda que foram<br />

feitos vários testes pré-natais.<br />

“Temos cerca de 3.3 casos por<br />

cada 10 mil nascimentos, sendo<br />

que aqui não estão incluídos diagnósticos<br />

pré-natais”.<br />

“Quando não há confirmação de<br />

suspeita de MPS por GAG, deve<br />

manter-se a observação, até para<br />

despistar outros tipos, mais raros”.<br />

“O diagnóstico precoce é, claro<br />

está, muito importante”.<br />

A complexidade da doença exige<br />

uma abordagem multidisciplinar por<br />

parte dos profissionais de saúde.<br />

A Dr.ª Luísa Diogo, pediatra do<br />

Hospital Pediátrico de Coimbra,<br />

destacou essa mesma necessidade<br />

e os desafios que se impõem<br />

na abordagem às MPS. “Algo muito<br />

difícil nas MPS é a coordenação<br />

das várias especialidades. Não<br />

só entre especialidades médicas,<br />

mas também entre outros técnicos<br />

de saúde, assim como em termos<br />

sociais, as famílias e os amigos”,<br />

recordando a Estratégia Integrada<br />

de Doenças Raras da DGS para o<br />

período 2015-2020.<br />

O diagnóstico atempado continua a<br />

ser o maior desafio dos especialistas,<br />

opinião partilhada por todos os<br />

profissionais presentes. Enquanto<br />

dava a conhecer a sua prática diária<br />

no diagnóstico e tratamento das<br />

MPS, a Dr.ª Anabela Bandeira,<br />

pediatra do Centro Materno Infantil<br />

do Norte, lembrou que é o “espectro<br />

muito abrangente” da doença<br />

que dificulta o diagnóstico.<br />

Em muitos casos, as crianças não<br />

apresentam quaisquer sintomas à<br />

nascença e, quando apresentam,<br />

os sinais são muito reduzidos e<br />

confundidores. Até mesmo na fase<br />

adulta, há casos em que os doentes<br />

apresentam muito poucos sinais.<br />

“Temos de nos lembrar que as MPS<br />

são crónicas, progressivas e multissistémicas”.<br />

A pediatra divide os 7<br />

tipos de MPS em três grupos e salienta<br />

a dismorfia entre os sintomas<br />

da MPS I, II e VI, os problemas do<br />

sistema nervoso central – relacionado<br />

com a aprendizagem, o comportamento<br />

e a demência – na MPS<br />

III, e a displasia óssea na MPS IV.<br />

A fechar a primeira parte da exposição<br />

de temas, o Dr. Klane White,<br />

do Departamento de Cirurgia Ortopédica<br />

do Hospital Pediátrico de<br />

Seattle (EUA), dedicou-se a falar<br />

sobre a doença óssea nos doentes<br />

com MPS e as várias cirurgias ortopédicas<br />

a que estes doentes têm<br />

de se submeter ao longo do percurso<br />

da doença. Cirurgias à bacia,<br />

aos joelhos e à coluna podem ser<br />

uma necessidade, mas o cirurgião<br />

evidenciou a importância de avaliar<br />

sempre muito bem o binómio risco/<br />

benefício. Em alguns casos, tratamentos<br />

com células estaminais ou<br />

terapia de substituição enzimática<br />

(ERT, na sigla em inglês) podem<br />

evitar algumas cirurgias.<br />

A propósito de riscos, e provando,<br />

uma vez mais, a multidisciplinaridade<br />

exigida, Klane White destacou<br />

ainda o papel do anestesiologista<br />

e a sua relevância nestes procedimentos,<br />

já que “todo o cuidado<br />

é pouco em termos de intubação,<br />

monitorização da pressão sanguínea<br />

e suporte básico de vida em<br />

doentes com MPS. Os cirurgiões<br />

operam mas são os anestesiologistas<br />

que mantêm o doente vivo”.<br />

A importância do projeto FIND foi o<br />

tema da intervenção do Dr. Paulo<br />

Gaspar, investigador do Instituto<br />

Nacional de Saúde Doutor Ricardo<br />

Jorge (INSA).<br />

A contribuição para a identificação<br />

e caraterização de casos sintomáticos<br />

de MPS em idade pediátrica é o<br />

objetivo deste projeto inovador em<br />

Portugal. Com uma identificação<br />

atempada, torna-se também possível<br />

iniciar o tratamento adequado o<br />

mais precocemente possível e, assim,<br />

garantir a melhor qualidade de<br />

vida do doente.<br />

Através do FIND, e desde fevereiro<br />

de 2017, foram já distribuídos cerca<br />

Dr.ª Elisa Leão Teles<br />

Dr. Paul Harmatz<br />

Dr.ª Lúcia Lacerda,<br />

Dr.ª Luísa Diogo<br />

Dr.ª Anabela Bandeira<br />

Dr. Klane White<br />

de 140 testes em todo o país. “Recebemos<br />

já 58 amostras e dessas<br />

49 revelaram atividade enzimática<br />

normal, quatro amostras estão<br />

em estudo e cinco apresentaram<br />

deficiência enzimática. Já confirmámos<br />

um caso de MPS II, um de<br />

DM1 e há uma suspeita de MPSI.<br />

Este projecto é muito relevante na<br />

consciencialização destas doenças<br />

entre os profissionais de saúde”,<br />

explicou Paulo Gaspar.<br />

A mesma opinião é partilhada pelo<br />

Dr. Patrício Aguiar, médico especialista<br />

em medicina interna do<br />

Hospital de Santa Maria, em Lisboa.<br />

A passagem da clínica pediátrica<br />

para a consulta do adulto é uma<br />

questão que preocupa os profissionais<br />

e foi trazida à discussão. “Essa<br />

transição é sempre difícil, mas é-o<br />

ainda mais em doenças que exigem<br />

grande multidisciplinaridade”,<br />

considerando ainda que além do<br />

envolvimento das várias especialidades<br />

médicas, é fundamental<br />

serem criadas condições para que<br />

existam cuidados paliativos de fim<br />

de vida, assim como uma maior estrutura<br />

de apoio social aos doentes<br />

e às suas famílias.<br />

O segundo momento da manhã<br />

começou com a intervenção do Dr.<br />

Augusto Magalhães sobre patologias<br />

oculares, bastantes frequentes<br />

nas MPS. O oftalmologista pediátrico<br />

do Hospital de São João, Porto,<br />

esclareceu que as manifestações<br />

de patologia oftalmológica mais<br />

comuns nestes doentes são a opacidade<br />

da córnea (com aparência<br />

característica de “vidro fosco”), a<br />

retinopatia, o glaucoma, inchaço e<br />

atrofia do nervo ótico, hipermetropia<br />

alta, vascularização periférica<br />

da córnea, pseudo-exoftalmia progressiva,<br />

hipertelorismo, ambliopia<br />

e estrabismo.<br />

Também aqui “o diagnóstico atempado<br />

é importante, pois permite<br />

melhorar a qualidade de vida do<br />

doente”.<br />

O Dr. Guirish Solanki, neurocirurgião<br />

do Hospital Pediátrico de Birmingham,<br />

deu conta que na MPS<br />

IV há mais erosão óssea e perda<br />

de estabilidade e que nos casos de<br />

MPS I, II e VI há menos perda de<br />

estabilidade e mais problemas de<br />

compressão.<br />

O especialista lembrou que as<br />

outubro 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 11


10 anos de investigação. Perspetivas futuras | especial<br />

“análises frequentes à coluna são<br />

essenciais para manter o doente<br />

sob controlo”. Quanto à cirurgia,<br />

Guirish Solanki recomenda “a janela<br />

de oportunidade entre a perda do<br />

sinal do líquido cefalorraquidiano e<br />

a perda de estabilidade”. Não tem<br />

dúvidas: “É aí que devemos concentrar<br />

energias”.<br />

O neurocirurgião focou também<br />

a necessidade de envolver ainda<br />

mais os anestesiologistas no debate,<br />

mas com a consciência de<br />

que, “o cenário, felizmente, está<br />

a mudar”. No decorrer da cirurgia,<br />

defende, toda a espinal medula<br />

tem de ser neuromonitorizada, sob<br />

pena de haver risco de consequências<br />

graves ou até mesmo morte do<br />

doente.<br />

A forma como as MPS afetam o<br />

coração foi o tema central da apresentação<br />

do Dr. Christoph Kampmann,<br />

explicando que os doentes<br />

com MPS desenvolvem vários problemas<br />

cardíacos, entre os quais<br />

arritmia. A doença afeta o coração<br />

em termos estruturais, as válvulas,<br />

o miocárdio e as artérias coronárias.<br />

No caso das MPS II, aos oito anos,<br />

50% dos doentes apresentam complicações<br />

cardíacas. “Aos 20, quase<br />

todos apresentam problemas<br />

cardíacos”. Tal como em outras<br />

especialidades, o acompanhamento<br />

e a realização de exames é essencial.<br />

A exposição de temas ficou concluída<br />

com a intervenção da Dr.ª Mireia<br />

del Toro, neuropediatra do Hospital<br />

Universitário Vall d’Hebron, em Barcelona,<br />

sobre “A doença neurológica<br />

nas MPS”, focando os múltiplos<br />

problemas neurológicos apresentados<br />

pelos doentes. Quanto às terapêuticas,<br />

a especialista foi clara:<br />

“uma abordagem multidisciplinar é<br />

a melhor estratégia de tratamento.<br />

Só uma boa equipa multidisciplinar<br />

pode melhorar a qualidade de vida<br />

dos doentes com MPS”. Tendo em<br />

conta a complexidade das MPS,<br />

“são necessários tratamentos<br />

combinados. Não há uma solução<br />

única de tratamento, mas a conjugação<br />

de vários”. A administração<br />

intratecal pode ser uma forma de<br />

administração coadjuvante à ERT<br />

sistémica, mas está ainda em desenvolvimento.<br />

Dr. Paulo Gaspar<br />

Dr. Patrício Aguiar<br />

Dr. Augusto Magalhães<br />

Dr. Guirish Solanki<br />

Dr. Christoph Kampmann<br />

Dr.ª Mireia del Toro<br />

Caminho é difícil<br />

mas há evolução<br />

O<br />

caminho para a maior<br />

eficácia das terapêuticas,<br />

que permitam uma<br />

melhoria da qualidade de vida<br />

dos doentes e dos seus familiares<br />

tem sido longo e moroso, mas<br />

a evolução registada nos últimos<br />

10 anos foi muito significativa e<br />

aumenta a esperança num futuro<br />

melhor. Uma esperança comum,<br />

partilhada por todos os palestrantes.<br />

Em jeito de conclusão, todos<br />

os especialistas passaram em<br />

revista os últimos 10 anos e revelaram<br />

os seus objetivos e perspetivas<br />

futuras.<br />

“Dez anos trouxeram-nos muitos<br />

conceitos e dados novos. Perante<br />

o que ouvimos aqui, acredito<br />

que continuaremos a melhorar o<br />

nosso conhecimento com novas<br />

abordagens” disse a Dr.ª Elisa<br />

Leão Teles.<br />

Já o Dr. Paul Harmatz focou-se<br />

na vertente neurológica das MPS.<br />

“Na minha apresentação fiz uma<br />

retrospetiva de 100 anos para<br />

chegar aos últimos 10. Temos já<br />

terapêuticas muito eficazes, mas<br />

ainda precisamos de chegar ao<br />

cérebro. Diria que o objetivo para<br />

os próximos cinco a dez anos<br />

será tratar a doença neurológica”.<br />

A Dr.ª Luísa Diogo manifestou o<br />

seu desejo na evolução do estudo<br />

da genética. “Do ponto de<br />

vista clínico, há um fator importante<br />

que é o aconselhamento<br />

genético; a deteção precoce dos<br />

problemas não serve apenas os<br />

doentes, mas também as famílias,<br />

com a possibilidade de poder<br />

evitar novos casos.<br />

Tal como na sua apresentação, o<br />

Dr. Patrício Aguiar, voltou a destacar<br />

a importância da abordagem<br />

multidisciplinar. “Um dos maiores<br />

avanços nas MPS foi a abordagem<br />

multidisciplinar e os cuidados<br />

que prestamos aos doentes.<br />

Com a criação de centros de referenciação<br />

em Portugal e noutros<br />

países, concentrámos o conhecimento,<br />

o cuidado e a abordagem<br />

multidisciplinar. Isto melhora<br />

a qualidade de vida dos doentes<br />

e os resultados dos tratamentos”,<br />

defendeu.<br />

Opinião partilhada pela Dr.ª Lúcia<br />

Lacerda, que mostrou satisfação<br />

pelo facto de, nos últimos dez<br />

anos, ter observado uma maior<br />

atenção aos sintomas destas patologias<br />

por parte dos clínicos.<br />

“Estão a aumentar os tratamentos<br />

para as MPS e os médicos<br />

estão muito mais sensibilizados<br />

para o que é a doença e a deteção<br />

de sintomas de uma forma<br />

mais ativa do que antes. Creio<br />

que isso contribuirá, no futuro,<br />

para uma deteção e tratamento<br />

mais atempados”.<br />

A melhoria no diagnóstico foi<br />

12 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018


especial | 10 anos de investigação. Perspetivas futuras<br />

também destacada pelo Dr. Paulo<br />

Gaspar.<br />

“Do ponto de vista laboratorial,<br />

a evolução da tecnologia permite-nos<br />

diagnosticar a doença<br />

de forma mais simples e também<br />

a própria história natural da<br />

doença”.<br />

O Dr. Augusto Magalhães focouse<br />

na sua especialidade para dar<br />

conta de que, também na oftalmologia,<br />

houve grande evolução nos<br />

últimos anos. “Mais do que falar<br />

das MPS especificamente, é importante<br />

focarmo-nos na especificidade<br />

da oftalmologia. Sendo<br />

uma especialidade muito tecnológica,<br />

com grandes avanços, tanto<br />

no diagnóstico como na terapêutica,<br />

tudo ‘corre’ muito depressa. O<br />

diagnóstico pode hoje mostrar alterações<br />

estruturais nas células e na<br />

tomografia registam-se melhorias<br />

todos os dias. No tratamento, as<br />

técnicas de transplante são, hoje,<br />

completamente diferentes do que<br />

eram há dez ou 20 anos”, rematou.<br />

A Dr.ª Mireia del Toro salientou a<br />

evolução, mas confessou, ainda<br />

assim, que os resultados práticos<br />

deveriam ser melhores. “Nos últimos<br />

dez anos houve novas terapêuticas<br />

para as doenças neurológicas,<br />

mas, de momento, ainda<br />

não temos a eficácia que gostaríamos.<br />

Há tantas terapêuticas<br />

em ensaios clínicos que chegam<br />

a deixar os pais confusos, já que<br />

não sabem que caminho seguir”,<br />

confidenciou.<br />

O Dr. Guirish Solanki afirmouse<br />

esperançoso no futuro, dizendo<br />

que, em comparação com<br />

há 10 anos, estão hoje a fazerse<br />

melhores cirurgias e os fármacos<br />

revelam-se muito promissores.<br />

“Se considerarmos a neuromonitorização<br />

intraoperatória,<br />

há menos risco de ter problemas<br />

com as crianças. Em relação<br />

ao futuro, acredito que os medicamentos<br />

biológicos evitarão cirurgias.<br />

Creio que isso será o<br />

que devemos procurar”, prevê o<br />

especialista.<br />

A comparação com os dez últimos<br />

anos motivou também a última<br />

intervenção do Dr. Klane<br />

White. “Se olharmos para os últimos<br />

dez anos comparados com<br />

os dez anos anteriores a esses,<br />

apenas pela literatura médica,<br />

houve uma grande ‘explosão’<br />

na ciência e na compreensão<br />

das MPS”. O cirurgião<br />

ortopédico considera que a comunidade<br />

científica obteve novas<br />

respostas para os doentes,<br />

tais como cirurgias e cuidados<br />

de apoio ou a compreensão dos<br />

sistemas dos diferentes órgãos.<br />

“No que concerne ao futuro, não<br />

sei se ficaremos [os cirurgiões] já<br />

fora da equação, mas acho que<br />

o próximo grande passo será o<br />

diagnóstico precoce com rastreio<br />

dos recém-nascidos. A minha<br />

esperança é que um rastreio<br />

de ADN de próxima geração<br />

possa ser pré-natal e até desenvolver<br />

terapias pré-natais. Seria<br />

o meu objetivo para os próximos<br />

dez anos”, revelou.<br />

Também ao Dr. Christoph<br />

Kampmann lhe agradaria uma<br />

evolução no rastreio a recémnascidos.<br />

“Há 22 anos, quando o<br />

Michael Beck me pediu para observar<br />

doentes do ponto de vista<br />

cardíaco, procurei literatura e não<br />

existia, apenas referências de<br />

que poderiam existir reflexos [das<br />

MPS] no coração. Isso significa<br />

que, apesar de ainda não entendermos<br />

muitas coisas, houve uma<br />

grande evolução na compreensão<br />

da componente cardiovascular<br />

desta doença. Concordo que o<br />

rastreio em recém-nascidos será<br />

extremamente importante”.<br />

outubro 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 13


SAÚDE ONLINE | entrevista<br />

Isabel Barbosa<br />

O misterioso Linfoma<br />

de Hodgkin<br />

No âmbito do Dia Mundial de Consciencialização sobre Linfomas, falámos com a investigadora<br />

Isabel Barbosa, sobre o raro Linfoma de Hodgkin, que representa apenas 10% de linfomas e afeta<br />

maioritariamente adultos jovens.<br />

O<br />

que é o Linfoma<br />

de Hodgkin?<br />

O Linfoma de Hodgkin é um tipo<br />

raro de linfoma. Os linfomas são<br />

tumores que se desenvolvem nos linfócitos,<br />

que são os glóbulos brancos do nosso sistema<br />

imunológico e que se vão acumular nos<br />

gânglios linfáticos. No caso deste linfoma,<br />

existem umas células características que se<br />

chamam Células de Reed-Sternberg, que não<br />

aparecem nos outros linfomas.<br />

Qual é a prevalência deste tipo de<br />

cancro?<br />

Há cerca de dois mil novos casos de linfomas<br />

no total. E cerca de 10% são linfomas de<br />

Hodgkin diagnosticados por ano, em Portugal.<br />

Algumas estimativas apontam para 260 casos,<br />

um pouco mais de 10%.<br />

Quais são os sintomas mais comuns<br />

neste cancro?<br />

O aumento dos gânglios, que pode até não<br />

ser o primeiro sintoma. Também a febre, suores<br />

noturnos, fadiga severa, cansaço, lesões<br />

na pele, comichões. Mas estes sintomas podem<br />

aparecer em infeções virais. Portanto, o<br />

que é mais comum, é mesmo o aumento dos<br />

gânglios no pescoço, nas axilas e nas virilhas.<br />

Esse é o fator diferenciador?<br />

Nem sempre um gânglio aumentado é sintoma<br />

de linfoma. Só depois de uma consulta<br />

médica e de exames complementares é que<br />

se pode chegar à conclusão de que é um<br />

linfoma.<br />

Há alguma parte do corpo, de<br />

entre aquelas que referiu, em que<br />

seja mais comum o inchaço dos<br />

gânglios?<br />

Pode ocorrer em qualquer das partes e é mais<br />

comum no pescoço. Ou pelo menos é essa<br />

zona que as pessoas notam mais.<br />

«A taxa de sobrevivência<br />

tem vindo a melhorar<br />

com o aparecimento<br />

de novos tratamentos<br />

e é de mais de 80%»<br />

Há alguma explicação para o facto<br />

de este cancro ser mais comum nos<br />

adultos jovens?<br />

Ainda não há explicação. Sabemos que há<br />

um pico de casos entre os 20 e os 25 anos,<br />

e que é mais comum no sexo masculino. Em<br />

relação às causas, elas não são conhecidas.<br />

Não existe, então, nenhuma causa<br />

determinante para o aparecimento<br />

deste linfoma?<br />

A idade e o sexo são fatores determinantes. Os<br />

linfomas aparecem com mais frequência nas<br />

pessoas mais velhas, porque estas vivem cada<br />

vez mais. À medida que as pessoas vão envelhecendo,<br />

as doenças do sangue também aumentam<br />

porque a idade é um dos fatores que<br />

influenciam o aparecimento destas doenças.<br />

Mas, no caso do linfoma de Hodgkin,<br />

falamos de pessoas jovens…<br />

Não é fácil de explicar ou saber a razão.<br />

Apesar de dizermos que há um pico de casos<br />

entre os 20 e os 25 anos, pode aparecer em<br />

qualquer idade.<br />

14 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018


Doença de Alzheimer<br />

profissão | SAÚDE ONLINE<br />

Ana Miranda<br />

Médica Internista<br />

Serviços Clínicos da Médis<br />

A<br />

Doença de Alzheimer<br />

é a forma mais comum<br />

de demência, atingindo<br />

cerca de 50 a 70% de todos os<br />

casos de demência. Pode ser<br />

definida como uma doença neurodegenerativa<br />

caracterizada<br />

por um declínio progressivo e irreversível<br />

de diversas funções<br />

cognitivas, como a memória,<br />

compreensão, atenção, pensamento<br />

e orientação. Estas alterações,<br />

inicialmente subtis, vão-se<br />

agravando ao longo do tempo,<br />

provocando um declínio significativo<br />

na capacidade funcional<br />

e autonomia dos doentes. Atinge<br />

sobretudo pessoas a partir dos<br />

65 anos e a sua prevalência aumenta<br />

com a idade.<br />

A doença foi identificada pela<br />

primeira vez em 1907 por Alois<br />

Alzheimer. O médico alemão observou<br />

uma doente de 51 anos<br />

que apresentava um quadro de<br />

perda de memória a curto prazo<br />

associado a alterações comportamentais.<br />

Durante 5 anos, verificou-se<br />

um agravamento clínico,<br />

ficando a doente mais dependente<br />

nas suas atividades<br />

de vida diárias, desorientada e<br />

não reconhecendo os familiares,<br />

tendo falecido ao fim desses<br />

5 anos. A autópsia do tecido<br />

cerebral revelou a presença de<br />

placas de beta amiloide e fibrilhas<br />

proteicas, que provocaram<br />

uma desorganização da estrutura<br />

cerebral, responsável pelas<br />

alterações neuropsicológicas.<br />

Os sintomas são variados, evoluem<br />

ao longo do tempo e variam<br />

de pessoa para pessoa.<br />

Inicialmente são subtis, podendo<br />

ser confundidos com alterações<br />

do processo de envelhecimento<br />

normal, cansaço ou<br />

depressão. As queixas mais frequentes<br />

são confusão, alterações<br />

da memória a curto prazo,<br />

dificuldades de concentração<br />

e linguagem, como por exemplo<br />

não conseguir encontrar as<br />

palavras corretas para determinado<br />

objeto, dificuldade em<br />

cumprir tarefas mais complexas,<br />

como pagamento de contas ou<br />

gestão de dinheiro. Nas fases<br />

mais avançadas, os sintomas<br />

descritos vão-se agravando e<br />

podem, dependendo dos casos,<br />

aparecer quadros de alucinações,<br />

desorientação tempo-espacial,<br />

pensamento vago, dificuldade<br />

na alimentação, banho<br />

ou incapacidade para se vestir.<br />

A causa da Doença de Alzheimer é<br />

desconhecida. No entanto existem<br />

alguns fatores de risco já identificados<br />

nesta patologia: idade avançada,<br />

histórico familiar, obesidade,<br />

hipertensão arterial, diabetes, tabagismo<br />

e sedentarismo.<br />

O diagnóstico desta patologia<br />

é clínico. Não existe neste momento<br />

qualquer teste específico<br />

para identificar a doença.<br />

São realizados alguns exames<br />

no sentido de excluir a presença<br />

de outras entidades causadoras<br />

de sintomas de demência potencialmente<br />

reversíveis. O diagnóstico<br />

definitivo só pode ser confirmado<br />

após a morte do paciente<br />

por análise do tecido cerebral.<br />

Não existe um tratamento específico<br />

nem cura para a Doença<br />

de Alzheimer. Existem alguns<br />

medicamentos disponíveis que<br />

servem para controlar os sintomas<br />

presentes, mas não curam<br />

a doença. Associado à medicação<br />

existem ainda terapias comportamentais<br />

que podem ajudar<br />

o doente e a família.<br />

Assim, a melhor estratégia será<br />

a prevenção, adotando um estilo<br />

de vida adequado para que<br />

se possa reduzir o risco de aparecimento<br />

da doença, como a<br />

prática de exercício físico, manter<br />

o cérebro ativo, participar em<br />

atividades sociais, alimentação<br />

saudável, não fumar e controlo<br />

adequado dos fatores de risco<br />

cardiovasculares, como a hipertensão<br />

e a diabetes.<br />

setembro 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 15


SAÚDE ONLINE | nacional<br />

As ideias polémicas da<br />

nova ministra da Saúde:<br />

relação com os médicos<br />

promete ser tensa<br />

Marta Temido defende exclusividade de funções para alguns médicos<br />

e a transferência de algumas competências dos médicos para os enfermeiros.<br />

Bastonário dos Médicos está contra.<br />

São polémicas as ideias<br />

defendidas pela nova<br />

ministra da saúde e prometem<br />

agitar a relação<br />

entre o Ministério e os médicos<br />

nos próximos tempos. Marta<br />

Temido já disse que é preciso “assumir”<br />

o problema do pluriemprego<br />

no setor, defendendo, por<br />

isso, a exclusividade de funções<br />

para os médicos em cargos de<br />

chefia intermédia. Por outro lado,<br />

defendeu, na sua tese de doutoramento,<br />

a distribuição de tarefas<br />

dos médicos aos enfermeiros. O<br />

bastonário da Ordem dos Médicos<br />

contesta as duas propostas.<br />

Há menos de um mês, numa intervenção<br />

pública numa conferência<br />

organizada pelo Conselho<br />

Económico e Social, a agora ministra<br />

abordava a questão dos trabalhadores<br />

que trabalham simultaneamente<br />

no SNS e no privado.<br />

“É urgente não só proceder à caracterização<br />

exata do fenómeno<br />

do pluriemprego nos trabalhadores<br />

do SNS, mas também regular<br />

melhor esta opção, com reserva<br />

do regime de dedicação exclusiva<br />

em alguns casos”.<br />

Marta Temido liderou, aliás, um<br />

estudo, designado “Melhorar a<br />

gestão do SNS. Recursos humanos:<br />

o essencial”, onde lamenta o<br />

desconhecimento em relação ao<br />

número de médicos em exclusividade<br />

de funções e critica o modelo<br />

atualmente em vigor, em que cada<br />

médico tem liberdade de escolha.<br />

“Deixar o assunto à consideração<br />

da ética individual não regula suficientemente<br />

o risco”, alerta.<br />

O Bastonário dos Médicos discorda,<br />

contrapondo que “A regulação<br />

existe, não é uma questão<br />

de ética, é uma questão de serviço<br />

no enquadramento legal que<br />

existe”. Em declarações à TVI,<br />

Miguel Guimarães rejeitou a ideia<br />

de obrigar os médicos a exercerem<br />

em exclusivo no público.<br />

“Acho que obrigar as pessoas é<br />

sempre mau, podem ser critérios<br />

preferenciais, eventualmente para<br />

direções, mas não ser obrigatório,<br />

até porque podemos ficar com<br />

o problema que neste momento<br />

“Não admitimos<br />

transferência de<br />

competências”,<br />

responde Miguel<br />

Guimarães.<br />

temos dos diretores clínicos – estão<br />

em dedicação exclusiva e muitas<br />

vezes as opções para hospitais<br />

em termos de direções clinicas<br />

acabam por ser limitadas”,<br />

alerta Miguel Guimarães.<br />

O Bastonário diz-se disposto a ouvir<br />

o que Marta Temido terá a propor<br />

mas, a avaliar pela posição da<br />

Ordem, este será um dos pontos<br />

mais complicados nas negociações<br />

com o Ministério. “As pessoas<br />

que trabalham no setor público,<br />

no tempo livre fazem aquilo<br />

que entenderem: podem não fazer<br />

nada, podem fazer ginástica, podem<br />

passear e podem eventualmente<br />

trabalhar no privado para<br />

complementar remuneração que<br />

têm no setor público, que é muito<br />

baixa para o nível de responsabilidades<br />

que os médicos têm”, reforça<br />

Miguel Guimarães.<br />

Mais funções para os enfermeiros?<br />

Na sua tese de doutoramento,<br />

apresentada há quatro anos,<br />

Marta Temido defendeu a hipótese<br />

de atribuir aos enfermeiros<br />

funções tradicionalmente reservadas<br />

aos médicos e criticava o<br />

que dizia ser “divisão do trabalho<br />

baseada nas fronteiras profissionais”<br />

que, defendeu então, se encontra<br />

“esgotada”. Ora, esta é outra<br />

ideia contra a qual Ordem dos<br />

Médicos tem levantado a voz nos<br />

últimos anos.<br />

Recorrendo ao modelo norte-americano,<br />

Temido dá o exemplo<br />

das nurse practitioners (enfermeiras<br />

com formação avançada) e<br />

midwives (parteiras): profissionais<br />

que ficaram com algumas funções<br />

antes exclusivas dos obstetras e<br />

que conseguiram uma maior adesão<br />

dos seus doentes aos cuidados<br />

de saúde prestados. Segundo<br />

a tese, apresentada no Instituto de<br />

Higiene e Medicina Tropical, “os<br />

enfermeiros e parteiros atingiam<br />

resultados comparáveis aos dos<br />

médicos e usavam menos tecnologia<br />

e analgesia”.<br />

“Existe espaço para ganhos de<br />

acesso, qualidade e satisfação<br />

numa diferente distribuição do<br />

trabalho entre médicos e enfermeiros”,<br />

defende a nova titular da<br />

pasta da Saúde, acrescentando<br />

16 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018


nacional | SAÚDE ONLINE<br />

que “muitos atos são considerados<br />

exclusivos da área médica por<br />

força de práticas instituídas”<br />

Miguel Guimarães rejeita também<br />

esta hipótese. “Não admitimos<br />

transferência de competências”,<br />

disse em declarações prestadas<br />

ao DN. “O que existe é a<br />

delegação de competências, que<br />

é o que já acontece noutros países<br />

e até em algumas áreas em<br />

Portugal, no contexto de trabalho<br />

em equipa. Há competências administrativas<br />

que pesam muito nos<br />

médicos e podiam ser delegadas,<br />

mas nunca atos médicos”.<br />

Quem é Marta Temido?<br />

Licenciada em Direito pela<br />

Faculdade de Direito da<br />

Universidade de Coimbra, com<br />

especialização em Administração<br />

Hospital pela Escola Nacional de<br />

Saúde Pública da Universidade<br />

Nova de Lisboa, Marta Temido<br />

exercia atualmente o cargo de<br />

subdiretora do Instituto de Higiene<br />

e Medicina Tropical, onde se doutorou<br />

em Saúde Internacional,<br />

e de presidente não executiva<br />

do conselho de administração<br />

do Hospital da Cruz Vermelha<br />

Portuguesa.<br />

Ao longo da sua vida profissional<br />

desempenhou diversos cargos de<br />

administração, de entre os quais<br />

se destaca o de presidente do<br />

conselho direito da Administração<br />

Central do Sistema de Saúde<br />

(ACSS), de 2016 até dezembro de<br />

2017, função que desempenhou a<br />

convite do ministro que vai agora<br />

substituir.<br />

Antes disso, ganhou visibilidade<br />

na presidência da Associação<br />

Portuguesa dos Administradores<br />

Hospitalares (APAH), entre 2013<br />

e 2015 (cargo que Adalberto<br />

Campos Fernandes também ocupou),<br />

tendo já tido experiência<br />

na gestão de vários hospitais do<br />

Serviço Nacional de Saúde (SNS)<br />

como o IPO do Porto e o Centro<br />

Hospitalar de Coimbra.<br />

Refira-se que Marta Temido<br />

é casada com Jorge Simões,<br />

que foi presidente da Entidade<br />

Reguladora da Saúde entre 2010 e<br />

2015, sendo professor catedrático<br />

com agregação da Universidade<br />

de Aveiro e Professor Catedrático<br />

convidado no Instituto de Higiene e<br />

Medicina Tropical da Universidade<br />

Nova de Lisboa.<br />

Jorge Simões foi, de 2009 a 2010,<br />

um dos dois coordenadores nacionais<br />

do novo Plano Nacional de<br />

Saúde e, de 2008 e 2009, coordenador<br />

da Equipa de Análise Estratégica<br />

sobre o processo de criação e desenvolvimento<br />

das parcerias público<br />

privadas nos hospitais.<br />

Antes disso, foi presidente da<br />

Comissão para a Sustentabilidade<br />

do Financiamento do Serviço<br />

Nacional de Saúde de 2006 a 2007.<br />

Foi Consultor para os Assuntos da<br />

Saúde de Jorge Sampaio, durante<br />

os seus dois mandados como<br />

Presidente da República, entre<br />

1996 e 2006.<br />

outubro 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 17


SAÚDE ONLINE | nacional<br />

Francisco Ramos e Raquel Bessa<br />

de Melo são os novos secretários<br />

de Estado da Saúde<br />

A remodelação governamental levada a cabo por António Costa resultou numa alteração<br />

total no Ministério da Saúde. Francisco Ramos e Raquel Bessa de Melo são os escolhidos<br />

para ocupar a Secretaria de Estado.<br />

O<br />

até agora presidente do<br />

IPO de Lisboa, Francisco<br />

Ramos, substitui, assim,<br />

no cargo de Secretário de<br />

Estado Adjunto e da Saúde Rosa<br />

Valente de Matos, que tinha entrado<br />

para o governo há menos<br />

de um ano. Será a quinta vez<br />

que Francisco Ramos, que completa<br />

62 anos em dezembro, integra<br />

um governo socialista, depois<br />

ter ocupado a secretaria de<br />

Estado da Saúde em dois governos<br />

de António Guterres, entre<br />

1997 e 2002, e nos dois executivos<br />

de José Sócrates, entre<br />

2005 e 2009, período em que trabalhou<br />

com três ministros: Maria<br />

de Belém Roseira, Correia de<br />

Campos e Ana Jorge.<br />

Licenciado em Economia, pelo<br />

Instituto Superior de Ciências<br />

do Trabalho e da Empresa, em<br />

1978, tendo obtido o diploma<br />

em Administração Hospitalar<br />

em 1981, vai ser o responsável<br />

pela parte financeira da Saúde,<br />

onde se incluem os hospitais e<br />

medicamentos.<br />

Refira-se que o novo Secretário<br />

de Estado integrou o Grupo<br />

Técnico Independente destinado<br />

a avaliar os Sistemas de Gestão<br />

do Acesso a Cuidados de Saúde<br />

no Serviço Nacional de Saúde<br />

(SNS), criado em outubro de<br />

2017.<br />

No seu já vasto currículo profissional,<br />

o agora nomeado foi consultor<br />

da Administração Regional<br />

de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo<br />

em 1996/1997 e subdiretor-geral<br />

da Direção-Geral da Saúde em<br />

1997.<br />

Foi ainda Presidente do Conselho<br />

Diretivo do Instituto de Gestão<br />

do Fundo Social Europeu em<br />

2000/2001 e Presidente do<br />

Conselho Diretivo do INA, IP, entre<br />

2009 e 2012.<br />

Ao longo dos anos, realizou diversos<br />

estudos económicos de<br />

medicamentos para companhias<br />

farmacêuticas e estudos económicos<br />

e de organização de unidades<br />

privadas de prestação de<br />

cuidados de saúde.<br />

Poupar nos medicamentos<br />

Com vasta experiência no setor,<br />

Francisco Ramos é conhecido<br />

pelas suas posições duras face<br />

à Indústria Farmacêutica. Em setembro<br />

último pediu um esforço<br />

de 300 milhões de euros de contribuição<br />

às empresas de medicamentos<br />

e dispositivos médicos,<br />

com efeitos já no orçamento<br />

do Estado para 2019. “Há muito<br />

tempo que se denota pela prática<br />

é que medidas eficazes de<br />

redução do preço dos medicamentos<br />

são medidas administrativas,<br />

quase impostas à indústria”,<br />

apontava Francisco Ramos, afirmando<br />

que “se os poderes públicos<br />

tiverem a vontade suficiente,<br />

é possível que a indústria concorde<br />

em suportar este sacrifício<br />

para que de facto seja possível<br />

garantir nos próximos anos a sustentação<br />

do financiamento da inovação<br />

terapêutica”.<br />

Quanto aos contribuintes, diz<br />

Francisco Ramos, defende que<br />

devem ser aliviados nas despesas<br />

em saúde oral, próteses oculares<br />

e auditivas. Mas, em contrapartida,<br />

devem também poder deduzir<br />

menos despesas de saúde<br />

no IRS, propondo uma descida<br />

dos atuais 15% para 5%.<br />

Queria ser diretora-geral de<br />

Saúde, acabou Secretária de<br />

Estado<br />

A nova secretária de Estado da<br />

Saúde, Raquel Bessa de Melo,<br />

pediu a demissão de diretora de<br />

uma unidade do Centro Hospitalar<br />

de Vila Nova de Gaia/Espinho<br />

(CHVNGE) em março, antecipando-se<br />

em seis meses às 52<br />

demissões de diretores e chefes<br />

de serviço ocorridas naquela unidade<br />

hospitalar justificada com a<br />

falta de recursos humanos, equipamentos<br />

e financiamento.<br />

Licenciada em Medicina,<br />

Raquel Bessa de Melo é assistente<br />

Graduada Sénior de<br />

Pneumologia, mestre em Saúde<br />

Pública e Gestão e Economia<br />

de Serviços de Saúde e doutora<br />

em Saúde Pública, segundo dados<br />

curriculares fornecidos pelo<br />

Governo.<br />

Diretora do Programa Nacional<br />

para a Tuberculose da Direção-<br />

Geral de Saúde (DGS), a nova secretária<br />

de Estado, que substitui<br />

no cargo Fernando Aaújo, é professora<br />

auxiliar na Faculdade de<br />

Medicina e no Instituto de Saúde<br />

Pública da Universidade do Porto.<br />

Raquel Bessa de Melo candidatou-se<br />

à liderança da DGS, tendo<br />

mesmo chegado à lista de três<br />

nomes propostos pela Cresap ao<br />

governo. Contudo, a escolha acabou<br />

por recair em Graça Freitas,<br />

que tinha ficado a ocupar o cargo<br />

de diretora-geral da saúde de<br />

forma interina depois da saída de<br />

Francisco George, por limite de<br />

idade.<br />

18 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018


Investigação | SAÚDE ONLINE<br />

Investigação sobre imunoterapia<br />

para tratamento do cancro<br />

vence Prémio Nobel da Medicina<br />

Investigadores James P. Allison e Tasuku Honjo descobriram novas formas de bloquear<br />

os travões do nosso sistema imunitário, ajudando ao desenvolvimento de dois fármacos<br />

inovadores na luta contra cancros em estado avançado e metastizado.<br />

O<br />

Prémio Nobel da<br />

Medicina 2018 foi atribuído<br />

ao investigador<br />

norte-americano James P. Allison<br />

e ao também investigador japonês<br />

Tasuku Honjo, pelas descobertas<br />

relacionadas com o papel<br />

do sistema imunitário na luta contra<br />

o cancro, anunciou esta manhã<br />

o Comité Nobel no Instituto<br />

Karolinska, em Estocolmo, na<br />

Suécia.<br />

“O Prémio Nobel deste ano assinala<br />

um marco na luta contra<br />

o cancro”, anunciou o comité do<br />

Nobel esta segunda-feira, acrescentando<br />

que as investigações<br />

dos dois laureados representam<br />

uma mudança de paradigma. “É<br />

um princípio totalmente novo.<br />

Neste caso, em vez de ter como<br />

alvo as células cancerosas, estas<br />

abordagens usam os travões das<br />

células do nosso sistema imunitário<br />

para travar o cancro.” A descoberta<br />

feita pelos dois investigadores<br />

aproveita, desta maneira,<br />

a capacidade do nosso sistema<br />

imunitário de atacar as células<br />

cancerosas estimulando-o e activando<br />

os “travões” nas células do<br />

sistema imunitário, os linfócitos T.<br />

A imunoterapia é uma forma inovadora<br />

de tratamento para o cancro,<br />

através da qual é possível<br />

estimular as células do sistema<br />

imunitário para que possam lutar<br />

contra as células malignas.<br />

Os resultados mais promissores<br />

na luta contra o cancro, têm sido<br />

alcançados com o cancro do pulmão,<br />

o melanoma e com alguns<br />

tipos de leucemia e de linfomas.<br />

James P. Allison, da Universidade<br />

do Texas, estudou, durante décadas,<br />

os linfócitos T e, em particular,<br />

uma proteína, a CTLA-<br />

4, que funciona como um travão<br />

no sistema imunitário. O trabalho<br />

em seu laboratório levou<br />

ao desenvolvimento do ipilimumab,<br />

um anticorpo monoclonal<br />

que combate a CTLA-4 e que<br />

foi a primeira terapia de controlo<br />

(checkpoint) imunitário desta proteína<br />

aprovada pela Food and<br />

Drug Administration (FDA), a<br />

agência reguladora americana.<br />

Desde que chegou ao mercado,<br />

em 2011, com o nome comercial<br />

Yervoy, este medicamento já permitiu<br />

tratar milhares de doentes<br />

com cancro de pele em estado<br />

avançado ou metastático. Cerca<br />

de 20% dos doentes viram a<br />

doença regredir completamente,<br />

um avanço significativo em relação<br />

a outras terapêuticas, e 3<br />

em cada 5 ainda estão vivos três<br />

anos depois de terem iniciado o<br />

tratamento.<br />

Tasuku Honjo, professor da<br />

Universidade de Quioto, investigou<br />

uma outra proteína, a PD1, e<br />

mostrou que ela também funciona<br />

como um travão, mas com um<br />

mecanismo de acção diferente. O<br />

seu trabalho levou ao desenvolvimento<br />

do Nivolumab, também um<br />

anticorpo monoclonal, que, em monoterapia<br />

ou em associação com o<br />

ipilimumab, está indicado para o<br />

tratamento do cancro do pulmão,<br />

Carcinoma das células renais,<br />

Linfoma de Hodgkin, Carcinoma<br />

de Células Escamosas da Cabeça<br />

e Pescoço e melanoma.<br />

O prémio tem um valor de nove<br />

milhões de coroas suecas<br />

(cerca de 870 mil euros), sendo,<br />

neste caso, repartido pelos dois<br />

investigadores.<br />

SO<br />

setembro 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 19


SAÚDE ONLINE | nacional<br />

SNS vai ter mais<br />

201 milhões em 2019<br />

Marta Temido, a nova ministra da Saúde, vai contar com mais 523<br />

milhões de euros no orçamento para 2019 face ao valor estimado<br />

para 2018 (5%), atingindo a despesa total consolidada 11013.3<br />

milhões de euros. Já as transferências para o SNS crescem menos:<br />

201.5 milhões, com a despesa total consolidada a fixar-se nos<br />

10053,5 milhões de euros<br />

Um crescimento superior<br />

ao que havia sido<br />

avançado nos dias que<br />

antecederam a apresentação<br />

no Parlamento da proposta<br />

de Lei do Orçamento do<br />

Estado para 2019 nos últimos minutos<br />

desta segunda-feira, que,<br />

de acordo com diferentes fontes,<br />

seria de 300 milhões.<br />

Importa sublinhar que nas transferências<br />

para o SNS, que absorvem<br />

91.5% do orçamento total do<br />

Programa da Saúde, o aumento<br />

é menos significativo, fixando-se<br />

nos 201.5 milhões de euros face<br />

ao valor estimado para 2018. No<br />

total, as entidades que integram<br />

o Serviço Nacional de Saúde<br />

irão receber, em 2019, 10053,5<br />

milhões de euros (total consolidado).<br />

Uma diferença que já levou<br />

a Bastonária dos Enfermeiros<br />

a afirmar que a Saúde só terá 200<br />

milhões e acréscimo orçamental,<br />

e não os mais de 500 milhões<br />

anunciados por Mário Centeno.<br />

Comparando com o montante de<br />

2015, o último ano de governação<br />

de Passos Coelho, a Saúde terá,<br />

em 2019, mais 1958,9 milhões de<br />

euros. Já as transferências para<br />

o SNS registam um aumento, no<br />

mesmo período, de 1139.6 milhões<br />

de euros.<br />

Boa parte do acréscimo orçamental<br />

acompanha o crescimento<br />

da despesa das Entidades<br />

Públicas Reclassificadas (EPR),<br />

universo que inclui 40 entidades<br />

públicas empresariais que integram<br />

o SNS, como hospitais,<br />

centros hospitalares ou unidades<br />

locais de saúde, que no seu<br />

conjunto irão gastar 5919,3 milhões<br />

de euros, 53,7% do valor<br />

despesa total consolidada, mais<br />

170,8 milhões de euros face à<br />

estimativa para 2018. Se a este<br />

universo juntarmos todas as demais<br />

entidades que integram os<br />

Serviços e Fundos Autónomos, a<br />

despesa total consolidada cresce<br />

para 10989,1 milhões de euros,<br />

correspondente a um acréscimo<br />

de 5% face à estimativa de 2018<br />

(mais 521.6 milhões de euros).<br />

A despesa total consolidada com<br />

pessoal crescerá 287,5 milhões<br />

de euros face a 2018, atingindo<br />

o valor global de 4238,7 milhões<br />

de euros. Um aumento que permitirá,<br />

lê-se na proposta do OE<br />

2019, atingir a meta de 9000 novos<br />

profissionais na legislatura.<br />

Já a despesa com bens e serviços<br />

correntes, onde se incluem<br />

os medicamentos e dispositivos<br />

médicos, parcerias público<br />

-privadas, entre outros, atingirá,<br />

no próximo ano, um total consolidado<br />

de 6071,9 milhões de euros,<br />

mais 383,2 milhões de euros<br />

do que em 2018. Ainda assim,<br />

muito longe do montante necessário<br />

para liquidar a dívida em<br />

atraso (a mais de 90 dias) dos<br />

hospitais do setor empresarial do<br />

Estado que, em agosto, atingiu o<br />

valor mais alto do ano, fixando-se<br />

em 666 milhões de euros, de um<br />

total de 949,3 milhões. Ainda assim,<br />

um valor mais baixo do que<br />

o registado no segundo semestre<br />

de 2017, altura em que a dívida total<br />

chegou a ultrapassar os 1100<br />

milhões de euros.<br />

Aos 383,2 milhões de euros de<br />

acréscimo do montante inscrito<br />

na rubrica “Despesa com bens<br />

e serviços correntes”, há que somar<br />

ainda 59 milhões de euros<br />

de poupança nos encargos com<br />

as Parcerias Público Privadas<br />

(PPP), que incluem os hospitais<br />

de Cascais, de Vila Franca de<br />

Xira, Braga e Loures, e que somarão,<br />

em 2019, 425 milhões<br />

de euros (contra 484 em 2018).<br />

Em 2015, as PPP custaram 840<br />

milhões.<br />

Mais cinco novos hospitais<br />

Em sede de investimento em<br />

equipamentos e infraestruturas,<br />

destaca-se a aposta em fazer<br />

avançar, já no próximo ano,<br />

os projetos dos cinco novos hospitais<br />

anunciados pelo Governo<br />

em diferentes momentos da legislatura.<br />

São eles o Hospital de<br />

Lisboa Oriental (em modelo PPP),<br />

cujo concurso foi lançado em dezembro<br />

de 2017 encontrando-se,<br />

até ao final deste ano, em fase<br />

de preparação de propostas por<br />

parte dos concorrentes privados;<br />

o Hospital Central do Alentejo,<br />

em Évora, com um custo de obra<br />

avaliado em 170 milhões de euros.<br />

A preparação do lançamento<br />

do concurso para a construção<br />

desta unidade encontra-se em<br />

curso, a cargo de um grupo de trabalho<br />

nomeado para o efeito por<br />

Adalberto Campos Fernandes em<br />

março deste ano; o novo Hospital<br />

de Sintra é o que se encontra<br />

em fase mais avançada. Já há<br />

“contrato assinado pela Câmara<br />

Municipal de Sintra em setembro<br />

de 2018, com adjudicação do gabinete<br />

de arquitetura que irá proceder<br />

à elaboração do projeto”,<br />

pode ler-se no OE. “Estima-se<br />

que esta fase esteja concluída<br />

em fevereiro de 2019, para posterior<br />

lançamento de concurso para<br />

20 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018


nacional | SAÚDE ONLINE<br />

unidades menos eficientes vão<br />

ser acompanhadas por peritos<br />

em gestão hospitalar; e a continuação<br />

do esforço de diminuição<br />

da dívida, permitindo a obtenção<br />

de melhores condições comerciais<br />

junto de fornecedores.<br />

Revisão dos tempos de espera e<br />

dentistas em 60% dos municípios<br />

Em 2019, o Governo pretende redefinir<br />

os Tempos Máximos de<br />

Resposta Garantidos (TMRG),<br />

para todo o tipo de prestações de<br />

saúde sem caráter de urgência,<br />

que representam alterações significativas<br />

ao nível da definição de<br />

tempos de espera nos cuidados<br />

de saúde primários, redução de<br />

TMRG em algumas áreas de cuidados<br />

hospitalares e introdução de<br />

tempos de espera para os MCDT.<br />

Na proposta de Orçamento para<br />

a área da Saúde, o Governo promete<br />

ainda alargar o recurso à<br />

‘telesaúde’, sobretudo na área da<br />

dermatologia, para aumentar os<br />

diagnósticos precoces.<br />

O alargamento das consultas de<br />

medicina dentária nos centros de<br />

saúde é para continuar, afirma o<br />

documento, onde se fixa o objetivo<br />

de ter consultas de dentista<br />

em pelo menos 60% dos municípios<br />

durante o próximo ano.<br />

Todos com médico<br />

de família em 2019?<br />

realização da obra, estimando-se<br />

que o novo hospital possa entrar<br />

em funcionamento em 2021″. Os<br />

custos da obra serão suportados<br />

pela autarquia e pelo Governo,<br />

com a primeira a investir 29,617<br />

milhões de euros no projeto, fiscalização<br />

e obra e o Estado 21,6<br />

milhões com aquisição do equipamento<br />

médico, geral e informático.<br />

A conclusão da obra está<br />

prevista para 2021.<br />

Também para 2021 ou início de<br />

2022 está prevista a conclusão<br />

do Hospital do Seixal. O lançamento<br />

do procedimento concursal<br />

pela ARSLVT ocorreu em julho<br />

de 2018, com data limite para<br />

entrega de propostas até ao final<br />

deste mês. A Câmara Municipal<br />

do Seixal suportará os encargos<br />

relativos à elaboração do projeto<br />

de acessibilidades e infraestruturas<br />

do hospital, integrado no respetivo<br />

projeto global de construção,<br />

ficando os restantes custos<br />

a cargo do Estado. O plano de investimento<br />

inscrito na proposta<br />

de Orçamento de Estado para<br />

2019 prevê ainda o financiamento<br />

da candidatura apresentada pela<br />

Região Autónoma da Madeira<br />

(RAM). “Reconhecido o projeto<br />

como Projeto de Interesse Comum,<br />

mereceu parecer favorável do<br />

Conselho de Acompanhamento<br />

das Políticas Financeiras, tendo<br />

em outubro de 2018 sido aprovado,<br />

através de Resolução do Conselho<br />

de Ministros, o apoio financeiro do<br />

Estado à RAM para a construção<br />

do hospital, incluindo equipamento<br />

médico e hospitalar”, lê-se na proposta<br />

de Orçamento apresentada<br />

esta segunda-feira na Assembleia<br />

da República. O custo da obra está<br />

estimado em 266 milhões de euros,<br />

a serem suportados, em valores<br />

iguais, pelo Governo Central e<br />

pela Região da Madeira.<br />

O alargamento das redes de cuidados<br />

continuados integrados e<br />

de cuidados paliativos; o reforço<br />

dos cuidados de saúde primários<br />

consubstanciado no reforço<br />

dos investimentos, num total de<br />

55 milhões de euros e o fortalecimento<br />

da rede nacional de veículos<br />

de emergência, são outras<br />

das medidas previstas no documento,<br />

que inclui ainda a implementação<br />

de um novo modelo de<br />

financiamento em 11 Hospitais<br />

EPE, que passa por responsabilizar<br />

os gestores mediante o seu<br />

desempenho, enquanto outras<br />

Com 96% da população coberta<br />

pelos cuidados de saúde primários<br />

no final deste ano (era de 89.7%<br />

em 2015), o Governo quer rever “a<br />

dimensão da lista de utentes inscritos<br />

por médico de família”, quando<br />

“a taxa de cobertura total de utentes<br />

com médico de família for igual<br />

ou superior a 99%”. Uma medida<br />

que procurará reduzir o número<br />

de utentes por lista de médico, que<br />

atualmente atinge, em média, 1900<br />

utentes e que os sindicatos querem<br />

ver reduzida para 1500 utentes por<br />

médico de família.<br />

Em 2019 serão também intensificados<br />

os programas de rasteio do<br />

cancro do colo do útero, cancro<br />

do cólon e reto, cancro da mama,<br />

retinopatia diabética e saúde visual<br />

infantil, “de modo a garantir<br />

a proteção e promoção da saúde<br />

da população”.<br />

outubro 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 21


Air for All NEWS 2017 | especial<br />

Abordagem personalizada é<br />

o futuro na gestão da DPOC<br />

Durante a Conferência Air for All 2017, promovida pela Menarini, em Lisboa e moderada<br />

pelo Prof. Carlos Robalo Cordeiro, o Prof. Dave Singh demonstrou que na gestão da Doença<br />

Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC) a dupla broncodilatação veio para ficar (em particular<br />

através da combinação fixa LAMA/LABA) e que é de enorme importância o médico adotar<br />

uma abordagem individualizada da terapêutica. O investigador britânico frisou ainda que os<br />

tratamentos de toma única não permitem um controlo otimizado de sintomas noturnos e do<br />

início da manhã, comuns em muitos doentes.<br />

22 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018


especial | Air for All NEWS 2017<br />

O<br />

conferencista do evento Air for<br />

All 2017, o Prof. Dave Singh, sublinhou<br />

que a chave para obter os<br />

melhores resultados com cada<br />

paciente passa por uma abordagem personalizada:<br />

“estamos no presente a afastar-nos da<br />

tendência de tratar todos os nossos doentes<br />

com DPOC da mesma forma, em direção a<br />

um contexto em que privilegiamos uma abordagem<br />

individualizada para cada doente”.<br />

É certo que antes de escolher o melhor tratamento,<br />

é fundamental investir na avaliação<br />

de fatores como a gravidade, a progressão,<br />

a atividade e o impacto da doença<br />

no indivíduo, com recurso à ferramenta de<br />

classificação e estratificação ABCD, desenvolvida<br />

pela GOLD para os doentes recentemente<br />

diagnosticados. “Mas, na verdade,<br />

o que devemos tratar na nossa prática clínica?<br />

O alvo do nosso tratamento deve recair<br />

na atividade da doença (exacerbações,<br />

risco de hospitalização e de morte, entre<br />

outros) e no impacto da patologia sobre o<br />

doente, ou seja as queixas e os sintomas<br />

que nos são relatados pelos doentes e que<br />

afetam a sua qualidade de vida. É óbvio que<br />

é sempre necessário usar a espirometria e<br />

o FEV1 enquanto instrumento de diagnóstico<br />

e que devemos fazer estas avaliações<br />

ao longo do tempo, para avaliar a progressão<br />

da doença. Todavia, para o doente que<br />

está à nossa frente quase não precisamos<br />

deste apoio, com vista a decidir que broncodilatador<br />

recomendar. Para tal, necessitamos<br />

apenas da descrição da sintomatologia<br />

e do historial de exacerbações, até porque<br />

o passado do doente em termos de exacerbações<br />

fornece-nos um bom guia relativamente<br />

ao que se passará, de forma previsível,<br />

no futuro”, testemunhou o docente e investigador<br />

da Universidade de Manchester.<br />

GOLD reconhece que associações LAMA/<br />

LABA têm impacto positivo nos sintomas<br />

Nota relevante da conferência realizada em<br />

Lisboa foi a conclusão de que, entre 2016 e<br />

2017, a GOLD reviu a sua análise sobre a eficácia<br />

das associações de antagonistas muscarínicos<br />

de longa ação (LAMA) e agonistas<br />

beta2 de ação prolongada (LABA) sobre os<br />

sintomas. Se em janeiro de 2016 os peritos<br />

da GOLD não encontravam provas cabais do<br />

impacto destas associações na sintomatologia<br />

descrita pelos doentes, nas recomendações<br />

revistas em 2017 foi atribuído nível de<br />

evidência A à proposição de que na DPOC<br />

estável o uso combinado de LAMA/LABA aumenta<br />

o FEV1 e diminui a gravidade dos sintomas,<br />

quando comparado com monoterapia.<br />

Do mesmo modo, ao avaliar a capacidade<br />

para reduzir exacerbações por parte do tratamento<br />

combinado LAMA/LABA, em linha de<br />

comparação direta com monoterapia ou associação<br />

de corticosteroides inalados (ICS)<br />

e LABA, encontrou nível de evidência B para<br />

esta hipótese. Tal mudança radical na forma<br />

como as associações LAMA/LABA são hoje<br />

encaradas deriva de um conjunto de estudos<br />

e artigos entretanto publicados. A este propósito,<br />

o académico britânico partilhou com<br />

os colegas portugueses dados de uma metanálise<br />

difundida na Respiratory Research<br />

(Bateman et al. 2015) e suportada em dois estudos<br />

multicêntricos e aleatorizados que envolveram<br />

em conjunto mais de 3300 doentes,<br />

o ACLIFORM1 e o AUGMENT2. Após 24 semanas,<br />

estes estudos mostraram que a associação<br />

aclidínio/formoterol permitiu um melhor<br />

controlo sintomático durante o ciclo diário<br />

de 24 horas, comparado com o uso isolado de<br />

cada fármaco e com placebo. A melhoria verificou-se<br />

sobretudo no que concerne à dispneia<br />

e a exacerbações.<br />

Subsiste na comunidade médica uma certa<br />

controvérsia sobre a utilização de LAMA/<br />

LABA versus o recurso a ICS/LABA. A este<br />

propósito, o especialista britânico relembrou<br />

que embora o uso de associações ICS/LABA<br />

tenha demonstrado no passado eficácia na<br />

redução de exacerbações, surge envolto em<br />

maior risco de eventos adversos, nomeadamente<br />

osteoporose, diabetes, pneumonia ou<br />

cataratas. “A minha preocupação essencial<br />

neste campo reside no risco de desenvolvimento<br />

de osteoporose. Num doente tratado<br />

com 1000 microgramas de salmeterol/propionato<br />

de fluticasona, durante cinco ou dez<br />

anos, é possível olhar para os seus braços e<br />

detetar com facilidade contusões na pele”.<br />

E o que fazer com os doentes que exacerbam<br />

com regularidade?<br />

Se a dupla broncodilatação parece ser a resposta<br />

mais eficaz para o controlo sintomático<br />

dos doentes sem exacerbações ou com um<br />

baixo ritmo de exacerbações, como proceder<br />

com os doentes que têm episódios de exacerbação<br />

frequentes? “Quando estamos a ponderar<br />

o uso de ICS nestes doentes – e face<br />

ao risco de efeitos adversos – é nosso dever<br />

avaliar o potencial ganho que obteremos<br />

com o recurso a tal tipo de fármaco”, garantiu<br />

o Prof. Dave Singh. Neste domínio, os eosinófilos<br />

na expectoração podem revelar-se<br />

um excelente biomarcador, já que múltiplos<br />

estudos têm comprovado que quanto maior<br />

é a quantidade de eosinófilos na expectoração,<br />

mais vincado é o efeito do ICS no controlo<br />

de sintomas. Segundo o perito da GOLD,<br />

“na população que exacerba temos dois grupos<br />

distintos. Um primeiro que engloba doentes<br />

nos quais existe uma elevada presença<br />

de eosinófilos e baixa contagem de bactérias,<br />

sendo neste grupo que se registam melhores<br />

respostas aos ICS. Depois temos um grupo<br />

de pessoas com valores reduzidos de eosinófilos<br />

e alta contagem de bactérias, e a inflamação<br />

bacteriológica exige um outro tipo de<br />

estratégia de gestão que não passa pelo uso<br />

de ICS”.<br />

Uma ou duas vezes<br />

por dia, eis a questão…<br />

Qualquer que seja a estratégia terapêutica<br />

escolhida pelo médico (monoterapia, LAMA/<br />

LABA, ICS/LABA), permanece uma decisão<br />

por tomar, que pode determinar em grande<br />

medida o sucesso e a adesão ao tratamento,<br />

a médio e longo prazo. De facto, estão disponíveis<br />

no mercado tratamentos de toma única<br />

diária e de administração bi-diária, sendo a<br />

ponderação destas alternativas algo que não<br />

pode ser encarado como uma trivialidade. O<br />

elemento nuclear para tomar esta decisão é a<br />

variação diurna e noturna de sintomas que caracteriza<br />

cada doente. Uma equipa de investigação<br />

liderada pelo Prof. Singh e que avaliou<br />

num ensaio clínico os efeitos do glicopirrónio<br />

(antagonista muscarínico de longa duração)<br />

em doentes com DPOC, aferiu através<br />

da análise da função pulmonar em 24 horas,<br />

no subgrupo de doentes a tomar placebo, que<br />

as variações diurnas são comuns. “Já tive a<br />

oportunidade de verificar este parâmetro em<br />

voluntários saudáveis e percebi que também<br />

eles registam esta variação diurna. Todos nós<br />

temos o nosso biorritmo, que nos permite dormir<br />

em determinados períodos, o que implica<br />

um decréscimo da função pulmonar em certos<br />

momentos do dia”, acrescenta o docente<br />

da Universidade de Manchester.<br />

É importante não negligenciar<br />

os sintomas noturnos<br />

e do início da manhã<br />

Quando se analisam inquéritos realizados<br />

junto de doentes com DPOC, na tentativa de<br />

perceber qual a pior altura do dia para estas<br />

pessoas, muitos referem a parte inicial<br />

da manhã, quando a função pulmonar está<br />

no patamar mais baixo, ou o período noturno.<br />

Todavia, segundo o Prof. Singh a comunidade<br />

médica “continua a associar os sintomas noturnos<br />

sobretudo à asma, mesmo que os dados<br />

nos indiquem que esta deterioração também<br />

ocorre na DPOC. Aliás, somente 17%<br />

dos doentes afirmam não ter sintomas noturnos<br />

ou no início da manhã. Mais, a maior<br />

parte destes doentes com sintomas noturnos<br />

ou no início da manhã referem que tal sucede<br />

mais do que três vezes por semana, o que<br />

outubro 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 23


Air for All NEWS 2017 | especial<br />

Prof. Carlos Robalo Cordeiro e o Prof. Dave Singh<br />

significa que este é um fenómeno comum e<br />

persistente”.<br />

Para lidar com a questão da gestão ineficaz<br />

dos sintomas ao longo do ciclo de 24 horas e<br />

levar a sério os sintomas noturnos e do início<br />

da manhã, descritos pelos doentes e cientificamente<br />

documentados, é imperioso reconsiderar<br />

a «regra de ouro» da toma única diária<br />

e perceber como funciona a farmacologia<br />

dos broncodilatadores. De acordo com<br />

o Prof. Dave Singh, “o perfil natural de um<br />

fármaco administrado uma vez por dia apresenta<br />

um pico de eficácia nas primeiras doze<br />

horas e depois regista-se uma redução acentuada<br />

do efeito e do controlo sintomático. Se<br />

aumentarmos a dosagem, obtemos um pico<br />

de eficácia maior e um efeito apenas marginalmente<br />

mais prolongado. Se continuarmos<br />

a aumentar a dosagem corremos o risco<br />

de efeitos adversos, como taquicardia. Fará<br />

muito mais sentido administrar o tratamento<br />

duas vezes ao dia, evitando picos de efeito<br />

farmacológico mais elevados”. Para descrever<br />

um exemplo prático do dia-a-dia clínico,<br />

o perito da GOLD recorreu ao fármaco glicopirrónio:<br />

“em Portugal, tal como no Reino<br />

Unido, os médicos prescrevem a associação<br />

de brometo de glicopirrónio + indacaterol,<br />

numa única toma diária3. Porém, de um<br />

ponto de vista da farmacologia, o glicopirrónio<br />

não se encaixa no perfil de um medicamento<br />

de toma única diária. Acredito, pois,<br />

que no futuro cada vez veremos surgir mais<br />

formulações com glicopirrónio de administração<br />

bi-diária”. Complementado o seu raciocínio<br />

com evidência clara, o Prof. Dave<br />

Singh aludiu a um estudo (Arievich et al. BMC<br />

Pulmonary Medicine 2012) 4 que comparou<br />

os efeitos da toma única diária de 50 μg de<br />

brometo de glicopirrónio com a toma bi-diária<br />

de 25 μg do mesmo fármaco num grupo<br />

total de 385 doentes. Este estudo confirmou<br />

que uma única dose diária mais elevada (50<br />

μg) possibilita alcançar um pico de efeito mais<br />

elevado nas primeiras horas após a administração,<br />

mas que um regime bi-diário permite<br />

maior duração do efeito e controlo de sintomas<br />

mais efetivo após o marco das 12 horas.<br />

“Temos de perceber que um número muito<br />

restrito de fármacos que são prescritos para<br />

toma única diária desencadeiam um pico elevado<br />

após administração e conseguem depois<br />

manter uma linha contínua de efeito. A maior<br />

parte dos medicamentos nesta categoria começam<br />

a perder efeito após 12 horas e muitos<br />

deles nem sequer podem ser caracterizados<br />

verdadeiramente como fármacos de toma<br />

única diária”, explicou em Lisboa, o clínico do<br />

University Hospital of South Manchester.<br />

Variabilidade nos inaladores<br />

acrescenta nível adicional<br />

de complexidade à escolha terapêutica<br />

Se a personalização na abordagem terapêutica<br />

e a narrativa do doente contam, e muito,<br />

para as estratégias seguidas pelo médico,<br />

também não é despiciente a questão do dispositivo<br />

inalador que serve de veículo à administração<br />

dos fármacos, inclusive ao nível<br />

da adesão terapêutica, assegura o Prof. Dave<br />

Singh: “uma medicação de toma única diária,<br />

administrada através de um dispositivo que o<br />

doente não consegue utilizar de forma correta<br />

e enquanto regista variações diurnas, não é,<br />

seguramente, uma boa ideia. Por outro lado,<br />

uma medicação de toma única diária oferecida<br />

por via de um dispositivo que o doente<br />

consegue manejar, num individuo que não regista<br />

muitos sintomas noturnos e no inicio da<br />

manhã, pode revelar-se uma boa opção. Com<br />

isto, torna-se notório que a solução «one size<br />

fits all», uniforme e válida para todos os casos,<br />

é uma miragem na DPOC”.<br />

1. Singh D, et al. Efficacy and safety of aclidinium bromide/formoterol fumarate fixed-dose combinations compared with individual components and placebo in patients with COPD<br />

(ACLIFORM-COPD): a multicentre, randomised study. BMC Pulm Med. 2014;14:178. Additional file 1 online. 2) D’Urzo AD, et al. Efficacy and safety of fixed-dose combinations<br />

of aclidinium bromide/formoterol fumarate: the 24-week, randomized, placebo-controlled AUGMENT COPD study. Respir Res. 2014;15(1). supplement3. RCM Ultibro Breezhaler<br />

85 microgramas/43 microgramas pó para inalação, cápsulas 4. Arievich et al. BMC Pulmonary Medicine 2012, 12:74 http://www.biomedcentral.com/1471-2466/12/74<br />

Este texto foi escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico. As declarações que constam neste documento são da exclusiva responsabilidade dos oradores<br />

24 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018


SAÚDE ONLINE | entrevista<br />

Nora Cavaco<br />

Psicóloga Nora Cavaco defende<br />

terapias do autismo focadas<br />

nos interesses das crianças<br />

Em entrevista ao Saúde Online, a psicóloga Nora Cavaco, do Centro Clínico do Algarve<br />

e do Instituto Nora Cavaco, fala-nos sobre o transtorno do espectro do autismo,<br />

o diagnóstico e quais as terapias mais indicadas.<br />

Como se manifesta<br />

o autismo?<br />

Os transtornos do espectro do autismo<br />

são distúrbios do neurodesenvolvimento.<br />

Ninguém se torna autista, nascese<br />

autista.<br />

Conseguimos detetar em tenra idade.<br />

Verificamos que a criança não responde às<br />

solicitações da mãe, não tem o foco ocular, o<br />

corpo fica arqueado e rejeita o contacto com<br />

os adultos.<br />

São vários indicadores, desde os mais leves<br />

aos mais severos, que nós verificamos e que<br />

revelam que a criança não manifesta uma comunicação<br />

socialmente ajustada relativamente<br />

ao que é considerado típico.<br />

O diagnóstico é feito através<br />

da identificação desses<br />

comportamentos?<br />

Exatamente. O diagnóstico é fechado e deveria<br />

ser realizado no máximo até aos 3 anos de<br />

idade.<br />

O que identifica estas crianças é a incapacidade<br />

de comunicação social e dos comportamentos.<br />

Têm interesses específicos, não conseguem<br />

brincar, nem desenvolver nenhuma<br />

forma de comunicação espontânea, são literais<br />

também na forma do entendimento, o<br />

que é visível desde cedo. É importante verificar<br />

precocemente quais são as características<br />

para fechar o diagnóstico do transtorno do espectro<br />

autista.<br />

A ausência não-verbal era um critério nuclear<br />

para fechar este diagnóstico. Atualmente já<br />

não é assim, uma vez que está presente noutros<br />

transtornos do neurodesenvolvimento. O<br />

que estamos a avaliar é o tipo de linguagem<br />

que manifestam, se existe a ausência de linguagem<br />

verbal.<br />

O que pode desencadear<br />

este transtorno?<br />

Não temos nada que nos diga “vai ser autista”,<br />

é algo que se desenvolve e que se manifesta<br />

quando se dão as primeiras interações sociais.<br />

Por isso, dizemos logo que no contacto com a<br />

mãe não existe essa relação. Ela acha que o<br />

seu bebé é muito calmo, ou muito agitado, e<br />

muitas vezes não se dá conta que existem, naquela<br />

fase de desenvolvimento, indicadores de<br />

que o seu bebé resiste ou não tem interesse<br />

em estabelecer um tipo de relação.<br />

Como se caracterizam os diferentes<br />

tipos de transtorno do espectro<br />

do autismo?<br />

O grau leve é aquele que tem preservado a<br />

componente cognitiva, portanto não tem nenhum<br />

défice intelectual. Contudo, a comunicação<br />

verbal revela pouco vocabulário e é pouco<br />

típico a nível de interesses. Têm uma forma de<br />

comunicar muito específica. Por vezes, também<br />

revelam alguma arrogância, sem o serem.<br />

Os moderados ou severos podem ter outras<br />

patologias associadas como a hiperatividade,<br />

o défice de atenção, a síndrome de X frágil,<br />

perturbações do sono, entre outras patologias,<br />

que de alguma forma agravam.<br />

Temos que ter presente o que é o transtorno<br />

do espectro do autismo e essas outras patologias.<br />

Devemos trabalhar com a criança para<br />

que consiga camuflar as dificuldades e para<br />

potenciarmos aquilo que ela revela preservar.<br />

Considerando os diferentes graus de<br />

transtorno do espectro do autismo<br />

e as várias opções terapêuticas<br />

existentes, como se define e qual a<br />

melhor terapia a aplicar?<br />

Por vezes, os pais são assolados por sugestões<br />

e orientações, acabando por ocupar os filhos<br />

com imensas atividades. Nos transtornos do<br />

espectro do autismo, temos que perceber o<br />

que é que nós queremos para a criança naquela<br />

faixa etária.<br />

Por exemplo, numa criança de 2 ou 3 anos que<br />

não tem bem desenvolvida um tipo de linguagem,<br />

é importante encaminhar para terapias<br />

que possam desenvolver essa comunicação.<br />

Se for uma criança com dificuldades de concentração,<br />

eu devo orientar os pais para uma<br />

atividade que seja motivadora nesse sentido.<br />

Tal como os outros jovens, as crianças têm os<br />

seus interesses e motivações.<br />

Uns fazem equoterapia, outros preferem natação<br />

e outros gostam mais de música. O objetivo<br />

é o relaxamento.<br />

Se desviarmos o foco de atenção para algo que<br />

sabemos que é estimulador para a criança, ela<br />

vai perdendo o comportamento desajustado e<br />

vai mostrando o adequado. É um trabalho intensivo,<br />

tem que ser sistemático, e devemos<br />

capacitar os pais, porque não é só no contexto<br />

clínico que é feito.<br />

Quais são os cuidados que se devem<br />

ter no âmbito escolar?<br />

Se já tem o diagnóstico, temos que saber que<br />

esse jovem tem particularidades no comportamento.<br />

Devemos ter em mente que são<br />

crianças com dificuldades de interação, na<br />

comunicação, são literais no entendimento<br />

e, desta forma, sabendo do que estamos a<br />

falar, desenvolvemos estratégias. Como?<br />

Sabendo o que é importante e o que é que<br />

aquele jovem compreende. A partir daí, é necessário<br />

desenvolver um plano de atividades<br />

que não fuja ao currículo, mas que seja<br />

apetecível à criança, integrando os outros jovens.<br />

Não é minimizar o potencial dos outros,<br />

26 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018


entrevista | SAÚDE ONLINE<br />

é simplesmente traçar os objetivos dentro de<br />

uma mesma atividade que possa ser ultrapassada<br />

por todos. Isto implica um planeamento,<br />

gestão de sala de aula, recursos humanos<br />

e materiais que devem ser trabalhados<br />

desde início. Isso é que é uma escola inclusiva.<br />

É aceitar as diferenças e estabelecer<br />

estratégias pedagógicas que permitam integrar<br />

essas diferenças.<br />

Como caracteriza a evolução desta<br />

doença para a vida adulta?<br />

Se não existe uma intervenção adequada,<br />

quando chegam à adolescência os bloqueios<br />

podem ser maiores. Um jovem com transtornos<br />

do espectro autista tem todas as necessidades<br />

fisiológicas de qualquer outro adolescente.<br />

Se tiver outras patologias associadas,<br />

claro que mais se agrava esse quadro. O que<br />

devemos fazer é tratar precocemente, mesmo<br />

com o diagnóstico fechado, para atuar naquilo<br />

que é o potencial e no que está comprometido.<br />

Desenvolvendo estratégias de comunicação,<br />

mostrando modelos ajustados socialmente<br />

para que consiga integrar-se da melhor<br />

forma na sociedade para que não chegue<br />

à idade adulta mais fechado, mais rígido,<br />

mais isolado no seu mundo, porque se ele não<br />

perceber porque é que tem que comunicar e<br />

socializar, não o vai fazer. Cabe aos profissionais<br />

de saúde e da educação prepará-los para<br />

esta realidade. Devemos sensibilizar as famílias<br />

que, perante os primeiros sinais, devem<br />

trazê-los a profissionais que realmente podem<br />

fazer um trabalho mais ajustado.<br />

Mas é possível levar uma vida<br />

independente?<br />

Sim, com rotinas. Ao estabelecermos rotinas,<br />

o jovem vai sentir-se seguro e autónomo, e assim<br />

prever as mais diversas situações. Temos<br />

que trabalhar com algo que seja significativo<br />

para essa pessoa e que esteja relacionado<br />

com os seus interesses.<br />

O que me custa muito observar é que, quando<br />

estes adultos estão em centros ou instituições,<br />

é frequente serem “infantilizados”.<br />

Independentemente do quadro, não podemos<br />

esquecer que já viveu até determinada idade,<br />

já teve estimulação, já passou por várias situações,<br />

positivas e negativas, e que, muitas vezes,<br />

as rotinas quando preenchidas por atividades<br />

mais infantis criam bloqueios maiores.<br />

Considera que Portugal dispõe<br />

de meios adequados para prestar<br />

apoio a pessoas com transtornos do<br />

espectro autista?<br />

Ainda não. Infelizmente, mesmo nas escolas.<br />

Os profissionais não estão capacitados por<br />

falta de meios, recursos e de formação adequada.<br />

E fora da escola também não. Só falamos<br />

de inclusão na escola, mas o campo laboral<br />

não está próximo do desejável.<br />

As famílias sofrem imenso, não conseguem<br />

trabalhar, alguém tem que ficar em casa para<br />

cuidar. Portanto, estamos muito aquém do desejável<br />

para esta população que precisa muito<br />

do nosso apoio, intervenção e de trabalho<br />

ajustado.<br />

Diria que há cada vez mais casos de<br />

autismo no nosso país?<br />

Na clínica surgem cada vez mais casos deste<br />

transtorno, mas existem várias justificações: a<br />

componente genética, os fatores ambientais<br />

que podem ter o seu peso e influência, e também,<br />

um maior conhecimento, ou seja, pais<br />

mais informados e médicos cada vez mais preparados<br />

– também ocorre no campo da medicina,<br />

mas a nível de comportamento são os<br />

psicólogos que atuam. Estamos mais preparados<br />

para perceber e identificar.<br />

SO<br />

outubro 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 27


ESPECIAL<br />

USF Araceti<br />

Equipa prepara acreditação<br />

enquanto aguarda pelo Modelo B<br />

Em setembro do ano passado a USF Araceti avançou com a candidatura<br />

a Modelo B. Mas não se ficou por aí. A equipa, que se distingue não só<br />

pelos seus bons resultados mas também pela postura interventiva que<br />

tem junto da comunidade e na formação de novos especialistas, decidiu<br />

avançar em simultâneo com a acreditação da unidade de saúde familiar.<br />

Até porque, como refere a atual coordenadora, Joana Vale,<br />

“um processo não invalida o outro, antes se complementam”.<br />

uSF ArACETI


umA iNiCiATiVA<br />

Dra. Joana Vale, coordenadora da USF Araceti: “Desde 2013 que<br />

temos cumprido na íntegra os nossos objetivos. Neste momento,<br />

estamos posicionados em segundo lugar ao nível da Região Centro“<br />

A USF Araceti tem a sua origem<br />

no desejo da equipa que assegurava<br />

a prestação de cuidados de<br />

saúde na extensão de saúde de<br />

Arazede, em Montemor-o-Velho,<br />

de “fazer algo diferente”.<br />

De acordo com a médica de família<br />

Ana Luísa Mateus e primeira<br />

coordenadora da USF, “a partir de<br />

1999, com a publicação da legislação<br />

que coloca no terreno os percursores<br />

das USF - os centros de<br />

saúde Alfa, com autonomia administrativa<br />

e técnica - tínhamos esperança<br />

de avançar para esse modelo”.<br />

Contudo, o novo edifício destinado<br />

à então extensão de saúde<br />

“começou a ser construído, sendo<br />

posteriormente demolido... três vezes!<br />

Só em 2004, através de uma<br />

parceria entre a Administração<br />

Regional de Saúde (ARS) Centro e<br />

a Câmara Municipal de Montemoro-Velho,<br />

a obra avançou, tendo<br />

sido finalmente terminada no verão<br />

de 2006”.<br />

A equipa, que assegurava não só<br />

a extensão de saúde de Arazede<br />

como também as de Seixo de<br />

Gatões e de Liceia, acabou por<br />

concentrar-se no novo edifício.<br />

Esta reorganização provocou alguma<br />

relutância por parte da população<br />

e dos autarcas mas progressivamente<br />

as pessoas reconheceram<br />

que a concentração constituía<br />

uma mais-valia. Inclusivamente,<br />

a Junta de Freguesia de Liceia,<br />

localizada a alguma distância<br />

de Arazede, disponibilizou um<br />

meio de transporte entre aquela<br />

localidade e a unidade de saúde.<br />

Em 2008, “chegam aos agrupamentos<br />

de centros de saúde pessoas<br />

com outra visão para os cuidados<br />

de saúde primários, que<br />

conheciam perfeitamente a minha<br />

forma de estar e dos outros colegas”,<br />

recorda Ana Luísa Mateus.<br />

“Avançámos inicialmente como<br />

unidade de cuidados de saúde<br />

personalizados e, posteriormente,<br />

como unidade de saúde familiar”.<br />

Em virtude da aposentação de vários<br />

colegas, a USF acabaria por arrancar,<br />

em junho de 2013, com as médicas<br />

de família Ana Luísa Mateus,<br />

Maria de Lourdes Reis, a que se juntou<br />

Pedro Gomes, e posteriormente,<br />

Joana Vale (atual coordenadora da<br />

USF) e Ângela Santos Neves.<br />

Na realidade, a candidatura foi<br />

aprovada em agosto de 2011 mas,<br />

como recorda o médico de família<br />

Pedro Gomes “a equipa só começou<br />

a trabalhar verdadeiramente<br />

como unidade de saúde familiar<br />

em junho de 2013 porque assumimos<br />

que queríamos começar com<br />

o pé direito, ou seja, com a equipa<br />

completa e depois de terminarem<br />

as obras de ampliação do edifício,<br />

o que nos proporcionou mais três<br />

gabinetes. Quando a equipa esteve<br />

completa, iniciámos então o<br />

nosso percurso como USF”.<br />

USF destaca-se na formação<br />

de novos especialistas<br />

A unidade de saúde familiar, constituída<br />

por 15 elementos - cinco<br />

USF Araceti<br />

uSF ArACETI


especial<br />

médicos especialistas, cinco enfermeiros,<br />

quatro assistentes técnicas<br />

e uma assistente operacional<br />

- além de dar resposta a uma<br />

população de cerca de 8.000<br />

utentes, caracteriza-se por uma<br />

aposta muito forte na formação<br />

de internos da especialidade, bem<br />

como em ações de prevenção da<br />

doença direcionadas para a comunidade<br />

em que está inserida.<br />

Com efeito, além de receber alunos<br />

dos vários anos do curso de<br />

Medicina, a equipa é responsável<br />

pela formação de alunos da<br />

Escola Superior de Enfermagem<br />

de Coimbra, bem como de sete<br />

internos da especialidade de<br />

Medicina Geral e Familiar. “O facto<br />

de trabalharmos em equipa é realmente<br />

motivador para os estudantes<br />

e muitos acabam por escolher a<br />

Medicina Geral e Familiar. Por outro<br />

lado, é muito bom dar formação<br />

e influenciar os outros colegas de<br />

forma positiva”, afirma Joana Vale.<br />

Com uma população rural, envelhecida<br />

e muito dependente do<br />

centro de saúde, a USF pautase<br />

por uma postura interventiva<br />

na comunidade, nomeadamente<br />

no que diz respeito aos domicílios<br />

médicos e de enfermagem - dificultados<br />

por um habitat disperso<br />

e de acessos difíceis -, bem como<br />

à articulação com outras instituições<br />

e mecanismos de apoio às<br />

famílias mais carenciadas.<br />

A promoção da saúde e prevenção<br />

da doença é mais uma das<br />

vertentes de atuação da equipa,<br />

designadamente através da realização<br />

de ações de formação nas<br />

escolas e a promoção do exercício<br />

físico junto da população, com<br />

a realização de caminhadas, normalmente<br />

dinamizadas pelos alunos<br />

de Enfermagem e internos de<br />

Medicina Geral e Familiar.<br />

Projetos incluem evolução<br />

para Modelo B e acreditação<br />

Em setembro de 2017, a equipa<br />

apresentou a candidatura a<br />

Modelo B. “Nesta fase, temos a<br />

equipa completa, um bom ambiente<br />

de trabalho, os utentes<br />

Dr. Sérgio Cardoso, médico da USF Araceti.<br />

registam elevados índices de satisfação,<br />

bem como os profissionais”,<br />

refere a coordenadora. “Por<br />

outro lado, desde 2013 que temos<br />

cumprido na íntegra os nossos<br />

objetivos. Neste momento, estamos<br />

posicionados em segundo<br />

lugar ao nível da Região Centro,<br />

sendo apenas ultrapassados por<br />

uma USF Modelo B. É certo que<br />

não são apenas os resultados<br />

que contam, mas eles refletem o<br />

trabalho que temos feito”.<br />

Entretanto, em virtude das alterações<br />

registadas ao nível da nova<br />

grelha DiOr-USF (Diagnóstico do<br />

desenvolvimento Organizacional<br />

nas Unidades de Saúde Familiar),<br />

“está tudo um pouco parado em<br />

termos das auditorias e acompanhamento<br />

da Equipa Regional de<br />

Apoio e Acompanhamento para<br />

os CSP (ERA). Contudo, estamos<br />

a fazer o nosso trabalho para podermos<br />

avançar quando chegar o<br />

momento”.<br />

Regra geral, as unidades de<br />

saúde familiar entram no processo<br />

de acreditação já depois de alcançarem<br />

o Modelo B. Mas, “como a<br />

passagem a Modelo B está dificultada<br />

- também pelo facto de no<br />

ano passado não ter saído o decreto<br />

com o número de unidades<br />

de saúde familiar que podiam transitar<br />

para esse modelo, o que só<br />

aconteceu no início deste ano e<br />

que irá abranger aquelas que já<br />

obtiveram a aprovação em 2017<br />

- a nossa ideia é avançar com os<br />

dois processos em paralelo, até<br />

porque um não invalida o outro,<br />

antes se complementam”.<br />

Aliás, “a ideia que nos foi transmitida<br />

é que a grelha DiOr-USF é<br />

muito semelhante ao processo de<br />

acreditação. Portanto, nesta fase<br />

estamos a investir nessa área,<br />

tentando implementar algumas<br />

auditorias, bem como o Manual<br />

de Procedimentos”.<br />

É certo que, em termos globais,<br />

muitos dos processos essenciais<br />

ao desenvolvimento das unidades<br />

de saúde familiar - nomeadamente,<br />

de contratualização e de<br />

avaliação - não estão a acontecer<br />

com a velocidade desejada mas<br />

“como me considero uma pessoa<br />

otimista, penso que tudo irá correr<br />

bem. Provavelmente irá exigir<br />

alguma paciência e boa vontade<br />

dos profissionais, mas muito<br />

do que se faz na USF é graças<br />

à dedicação da equipa que, para<br />

além do seu horário de trabalho,<br />

dispensa também muito do seu<br />

tempo pessoal à unidade”.<br />

PP-GEP-PRT-0160<br />

“O Conteúdo e as afirmações expressas nesta publicação são da exclusiva responsabilidade do(s) Entrevistado(s).”<br />

USF Araceti


SAÚDE ONLINE | entrevista<br />

José Melo Gomes<br />

Reumatologista Melo Gomes:<br />

“O médico não pode ir para<br />

casa com o doente”<br />

A propósito do Congresso Europeu de Reumatologia, que decorreu no início de setembro,<br />

falámos com o Presidente da Comissão Organizadora do evento, o médico José Melo<br />

Gomes, que defende uma maior participação do doente na decisão clínica e mostra-se<br />

preocupado em relação ao preço de alguns medicamentos.<br />

32 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018


entrevista | SAÚDE ONLINE<br />

O<br />

que quer destacar deste<br />

25º Congresso Europeu de<br />

Reumatologia Pediátrica?<br />

Quero destacar a apresentação dos<br />

dados mais recentes sobre estratégias de tratamento<br />

das doenças reumáticas juvenis, o envolvimento<br />

dos doentes e das famílias na decisão<br />

sobre os tratamentos que vão receber e na<br />

forma de os selecionar – situação que é cada<br />

vez mais comum. Deve haver uma partilha de<br />

decisão entre médicos e doentes na melhor<br />

forma de fazer o tratamento.<br />

De que forma é que se promove essa<br />

participação do doente na decisão?<br />

Promove-se informando os doentes das alternativas<br />

terapêuticas que existem, proporcionando-lhes<br />

apoio para obter dados credíveis e<br />

informando-os das perspetivas de tratamento<br />

(com ou sem tratamento). Este é um critério de<br />

decisão importante: se a pessoa souber que se<br />

se tratar ganha pouco em relação a não se tratar<br />

(o que não é o caso das doenças reumáticas<br />

juvenis), tomará a decisão apropriada. A<br />

maior parte destas doenças duram anos, às<br />

vezes até toda a vida. Nós tentamos que isso<br />

não aconteça mas são doenças que exigem<br />

tratamentos prolongados e o médico é só um<br />

elemento do tratamento. O médico, quando<br />

toma uma decisão terapêutica e aconselha o<br />

doente a fazê-la, não pode ir para casa com o<br />

doente. O doente fica em casa durante os meses<br />

ou anos que dura a sua doença. Ou toma<br />

as decisões certas e o tratamento é bom e dá<br />

resultado, ou, se o doente tomar as decisões<br />

erradas, o tratamento pode ser bom na mesma<br />

mas não dá resultado nenhum porque não é<br />

feito de forma apropriada.<br />

O médico, tecnicamente, pode ser perfeito mas,<br />

se não conseguir explicar ao doente as coisas<br />

importantes, não conseguir que o doente o oiça<br />

e compreenda que é importante fazer as coisas<br />

bem, então esse médico é muito menos eficiente<br />

que outro.<br />

A maior parte dos doentes com doenças reumáticas<br />

juvenis têm uma probabilidade de cura, do<br />

ponto de vista de ficarem bem outra vez (a fazerem<br />

uma vida normal) que ultrapassa um pouco<br />

os 50%, e isso tem vindo a melhorar.<br />

Que alternativas terapêuticas<br />

existem atualmente e quis são<br />

aquelas que podem vir a surgir?<br />

As que existem atualmente são muitas.<br />

Normalmente, tem-se uma abordagem da<br />

doença que passa por tentar utilizar os medicamentos<br />

menos agressivos possível, durante<br />

o menor tempo possível, mas com o objetivo de<br />

pôr a criança bem. O objetivo para a maior parte<br />

das doenças [reumáticas] é curá-las, é que a<br />

criança fique bem.<br />

Depois há também um fator que nós tentamos<br />

esquecer um pouco mas que é importante: o<br />

custo. Isto porque alguns tratamentos para estas<br />

doenças infantis custam mil a dois mil euros<br />

por mês e é o Estado que suporta esse custo.<br />

Estamos a falar de medicamentos?<br />

Sim, estamos a falar de um ou dois medicamentos.<br />

Há cerca de meia dúzia de medicamentos<br />

que têm este custo. A maior parte das<br />

crianças que tomam este medicamento não tomam<br />

só este, tomam também outros, portanto,<br />

estamos a falar só de uma parte do tratamento<br />

destas crianças. São doenças que têm custos<br />

muito elevados e às vezes o serviço nacional de<br />

saúde, penso que bem, obriga-nos a pensar sobre<br />

isso. Se podemos tratar a criança com medicamentos<br />

que custem menos e que sejam tão<br />

eficazes como estes…<br />

O que está a dizer é que os<br />

medicamento que são geralmente<br />

usados têm esse custo ou esses<br />

valores referem-se aos fármacos<br />

inovadores?<br />

Não, há vários medicamentos inovadores que<br />

têm esse custo e que podem ser utilizados para<br />

algumas dessas doenças, para outras não.<br />

Contudo, não há nenhuma nenhuma<br />

criança que fique sem acesso<br />

ao tratamento devido<br />

ao custo do medicamento?<br />

Não, pelo menos as que eu trato não. O estado<br />

comparticipa o custo do medicamento a 100%.<br />

Sente que ainda existe um<br />

desconhecimento em relação a estas<br />

doenças reumáticas nas crianças?<br />

Ainda existe mais desconhecimento do que seria<br />

desejável, embora o desconhecimento tenha<br />

vindo a diminuir ao longo dos anos.<br />

«As crianças mais<br />

pequenas não se queixam<br />

de dor. Os pais têm<br />

de estar atentos»<br />

A incidência destas doenças<br />

tem aumentado nas crianças?<br />

Que se saiba, não. O que tem aumentado é<br />

acesso aos cuidados e a capacidade dos médicos<br />

de fazerem o diagnóstico adequado. Mas<br />

não há dados nenhuns que permitam dizer que<br />

a incidência tenha aumentado.<br />

Qual é a doença reumática mais<br />

comum em idade pediátrica?<br />

Não é uma doença, é um grupo de doenças:<br />

as artrites idiopáticas juvenis, porque são, pelo<br />

menos, sete ou oito doenças diferentes que têm<br />

este nome comum.<br />

Como é que, de um modo geral,<br />

se manifestam essas doenças?<br />

MG | São doenças diferentes, que têm como características<br />

comuns provocarem uma inflamação<br />

nas articulações, terem causa desconhecida<br />

(é o que significa ser idiopática) e, de forma<br />

completamente arbitrária, terem início antes dos<br />

16 anos de idade.<br />

Mas, regra geral, estas doenças<br />

não têm nenhuma causa definida?<br />

São doenças diferentes com causas diferentes.<br />

Há marcadores genéticas que permitem perceber<br />

quais são os doentes que podem vir a ter essas<br />

doenças, mas outras não se sabe qual é a<br />

causa nem quais são os marcadores.<br />

A que sinais devem<br />

os pais estar atentos?<br />

Primeiro, perceberem se as crianças têm alguma<br />

espécie de dores articulares. Obviamente,<br />

na infância, são muito frequentes os traumatismos,<br />

as quedas. Portanto, não é uma dor articular<br />

qualquer, mas uma dor articular que se<br />

mantenha por mais de duas semanas – sem ter<br />

havido um traumatismo desencadeante que tenha<br />

sido observado pelos pais – deve levar a<br />

procurar o apoio médico. Se a criança começar<br />

a coxear também. As crianças mais pequenas<br />

não se queixam de dor: um miúdo de dois ou<br />

três anos pode, simplesmente, deixar de brincar<br />

como brincava, deixar de andar como andava,<br />

começar a coxear. Os pais têm de estar atentos.<br />

Às vezes um exame médico permite identificar<br />

alguma articulação afetada.<br />

Há outras doenças em que a criança começa<br />

com febre ou manchas no corpo e, nesse caso,<br />

é relativamente mais fácil os pais perceberem<br />

que algo de mal de passa com a criança.<br />

Quão raras são as doenças<br />

reumáticas nas crianças?<br />

Uma em cada mil crianças sofre de uma<br />

doença reumática crónica. É raro mas não é<br />

muito raro.<br />

SO<br />

outubro 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 33


SAÚDE ONLINE | nacional<br />

Número de utentes sem médico<br />

de família aumentou 20% este ano<br />

Havia, em agosto, mais de 843 mil portugueses sem médico atribuído. Colocação de 292<br />

clínicos pode aliviar as carências em algumas zonas, sobretudo na região da Grande Lisboa<br />

mas é insuficiente para compensar o número de aposentações.<br />

Está a ficar cada vez mais<br />

longe o objetivo do governo<br />

de atribuir médico de família<br />

a todos os portugueses até ao<br />

final da legislatura, em outubro de<br />

2019. O número de pessoas sem<br />

médico atribuído esteve em queda<br />

no último trimestre de 2017 mas<br />

desde janeiro deste ano que está<br />

em crescimento. Segundos dados<br />

da Administração Central de<br />

Saúde (ACSS), havia em agosto<br />

843 mil pessoas sem médico. Em<br />

janeiro eram pouco mais de 700 mil<br />

(707 mil).<br />

Dar um médico de família a todos<br />

é uma das promessas feitas por<br />

sucessivos governos e que nunca<br />

foi atingida. Em 2016, o primeiroministro<br />

António Costa, garantia<br />

que essa meta seria atingida no final<br />

de 2017, o que não veio a acontecer.<br />

Quando o atual governo tomou<br />

posse, em novembro de<br />

2015, um milhão e 34 mil pessoas<br />

não tinham médico, um valor que<br />

até aumentou em 2016 (chegou a<br />

ser de um milhão e 156 mil em junho<br />

desse ano). Depois de alguma<br />

oscilação, seguiu-se uma descida<br />

até ao final desse ano (763 mil)<br />

mas o número voltou a aumentar<br />

durante a maior parte do ano passado,<br />

tendo chegado aos 950 mil<br />

em setembro. Agora, a tendência<br />

é novamente de crescimento.<br />

A região de Lisboa e Vale do Tejo<br />

continua a surgir destacada no<br />

topo das que têm maiores carências<br />

de médicos de Medicina<br />

Geral e Familiar (MGF), com 621<br />

mil pessoas ainda a descoberto.<br />

Há, até, na região da Grande<br />

Lisboa alguns centros de saúde<br />

onde nenhum utente tem médico<br />

de família. Em Sintra e em<br />

Moscavide, por exemplo, existem<br />

apenas dois médicos de família<br />

para mais de 3 mil utentes cada<br />

mas nenhum consta das listas, ou<br />

seja, nenhum destes tem médico<br />

atribuído.<br />

Existem também casos, como os<br />

centros de saúde da Amadora,<br />

Algueirão, Alameda e São<br />

Sebastião, todos na Grande<br />

Lisboa, onde mais de metade<br />

dos inscritos não tem médico de<br />

família. Só nestas quatro unidades,<br />

quase 100 mil pessoas continuam<br />

a descoberto.<br />

No entanto, o mais recente concurso<br />

para a colocação de médicos,<br />

cujos resultados foram conhecidos<br />

no final de agosto, vai<br />

permitir reforçar os cuidados de<br />

saúde primários com mais 292<br />

médicos de família. Apesar de<br />

as vagas para a região de Lisboa<br />

não terem ficado preenchidas na<br />

totalidade, os 65 clínicos colocados<br />

nesta região devem permitir<br />

atribuir médico a mais cerca de<br />

200 mil pessoas.<br />

O problema é que o quadro de clínicos<br />

se vai alterando ao longo<br />

do ano, com a entrada dos jovens<br />

médicos mas também com<br />

a aposentação de muitos outros.<br />

Como já tínhamos noticiado em<br />

agosto, as previsões apontam<br />

para que este ano saiam para a<br />

reforma 410 médicos de MGF<br />

(mais do que os quase 300 que<br />

foram colocados). Este desequilíbrio<br />

vai acentuar-se em 2019, ano<br />

se estima que se possam reformar<br />

mais de 500 profissionais, o<br />

que, se não for acompanhado da<br />

contratação de um contingente<br />

semelhante, poderá colocar em<br />

causa a cobertura em zonas do<br />

país em que quase todos têm médico<br />

de família atribuído, como é<br />

o caso da região Norte.<br />

SO<br />

34 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018


SAÚDE ONLINE | entrevista<br />

<strong>Ed</strong>uardo Espada<br />

O citomegalovirus<br />

e o seu impacto<br />

nos doentes<br />

transplantados<br />

70 a 80% da população já terá sido infetada pelo<br />

citomegalovirus. O Saúde Online falou com o médico<br />

<strong>Ed</strong>uardo Espada, interno do 4º ano do Complementar<br />

de Hemato-oncologia do Hospital de Santa Maria,<br />

sobre este vírus que, apesar de causar geralmente uma<br />

infeção assintomática, se reativa depois de um transplante<br />

e pode causar a morte do paciente.<br />

O<br />

que é o citomegalovirus<br />

(CMV) e como se<br />

transmite?<br />

O CMV é um vírus da família dos<br />

vírus herpes, causando infeção habitualmente<br />

assintomática, mas persistindo para<br />

toda a vida, com potencial de reativação em<br />

situações de imunossupressão. Transmite-se,<br />

como grande parte dos vírus, por muitas vias,<br />

não sendo necessário contacto direto, já que<br />

consegue sobreviver por algum tempo em superfícies.<br />

Quanto à transmissão por contacto<br />

direto com alguém doente, pode ser através<br />

de gotículas, por via respiratória, bem como<br />

por contacto com fluidos corporais (incluindo<br />

transmissão sexual).<br />

Quais são os sintomas mais comuns<br />

na infeção por CMV?<br />

A infeção por CMV tem sintomas muito inespecíficos<br />

nos indivíduos imunocompetentes,<br />

manifestando-se normalmente com os sintomas<br />

típicos duma infeção viral ligeira, como<br />

febre, dores musculares e cansaço fácil. Tal<br />

como o vírus da mononucleose infeciosa, o<br />

vírus Epstein-Barr, o primeiro contacto com<br />

CMV pode causar aumento do baço e dos<br />

gânglios linfáticos, embora a frequência destas<br />

manifestações seja muito inferior.<br />

«A percentagem<br />

de transplantes<br />

que não tem sucesso<br />

devido ao CMV<br />

é um número muito difícil<br />

de calcular»<br />

70 a 80% da população já terá sido<br />

infetada pelo citomegalovirus.<br />

Como é que se explica esta taxa de<br />

infeção tão elevada e como é que se<br />

pode evitar a infeção?<br />

Sendo o CMV um vírus de transmissão fácil<br />

e causador de infeção pouco expressiva,<br />

a sua disseminação faz-se com facilidade,<br />

acarretando impacto praticamente nulo para<br />

a população em geral. A prevenção da infeção<br />

não é, por isso, um problema, exceto em<br />

indivíduos imunocomprometidos, grávidas, e<br />

recém-nascidos. Nestas populações, a prevenção<br />

da infeção pode ser feita através da<br />

lavagem frequente das mãos e evicção de<br />

contacto com indivíduos doentes, embora a<br />

probabilidade de diagnóstico de primeira infeção<br />

por CMV seja extremamente baixa (especialmente<br />

por causar, habitualmente, infeção<br />

pouco expressiva).<br />

Quais as consequências do CMV<br />

nos doentes transplantados?<br />

Nos doentes imunocomprometidos portadores<br />

do vírus, particularmente após um<br />

transplante de medula, o vírus pode reativar,<br />

causando raramente doença por CMV,<br />

com atingimento de um ou vários sistemas<br />

de órgãos. É possível, assim, causar colite,<br />

36 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018


entrevista | SAÚDE ONLINE<br />

com diarreia e dor abdominal; pneumonia,<br />

com disfunção respiratória importante; ou<br />

retinite, com alterações da visão; entre outras.<br />

A doença por CMV está associada a<br />

aumento do risco de mortalidade pós-transplante,<br />

pelo que constitui uma preocupação<br />

das equipas de transplante de medula, que<br />

tomam estratégias para a prevenir e controlar<br />

atempadamente.<br />

É frequente o CMV inviabilizar um<br />

transplante? Há dados que indiquem<br />

a percentagem de transplantes que<br />

não têm sucesso devido ao CMV?<br />

A infeção por CMV não inviabiliza, por si,<br />

um transplante de medula. Na realidade, os<br />

dadores devem ser otimizados ao estado de<br />

portador dos doentes – para doentes portadores<br />

do vírus, devem ser selecionados dadores<br />

também portadores, de modo a transferir,<br />

com o transplante, células específicas<br />

para o vírus; para doentes sem contacto<br />

prévio com o vírus, os dadores devem também<br />

não ter tido contacto prévio, para prevenir<br />

a contaminação do doente aquando<br />

do transplante. Não é sempre possível fazer<br />

esta seleção de dadores. No entanto, isso<br />

não significa que haja doentes que não sejam<br />

transplantados por haver disparidade<br />

no contacto prévio a CMV – são doentes<br />

com risco mais elevado de reativação e, por<br />

isso, são vigiados com mais cuidado. A percentagem<br />

de transplantes que não tem sucesso<br />

devido ao CMV é um número muito<br />

difícil de calcular – a doença por CMV não é,<br />

pela sua baixa frequência, uma causa significativa<br />

de mortalidade na atualidade, com<br />

as opções de tratamento que existem e a<br />

abordagem precoce utilizada. Apesar disso,<br />

sabemos que a reativação viral está associada<br />

a aumento de probabilidade de morte,<br />

embora, em alguns casos, surja, por necessidade<br />

marcada de aumento de imunossupressão<br />

para controlo de doença do enxerto<br />

contra o hospedeiro, por exemplo, o que<br />

não significa, por si só, maior risco.<br />

Quais são as opções de tratamento<br />

que existem? É possível<br />

eliminar a infeção?<br />

O tratamento da reativação e da doença por<br />

CMV faz-se com recurso a antivirais, como<br />

o ganciclovir, valganciclovir e foscarnet, com<br />

uma taxa de resposta relativamente alta, mas<br />

que pode ser limitada pela toma de imunossupressão<br />

(obrigatória nos primeiros meses<br />

após transplante) e pela recuperação lenta da<br />

imunidade antiviral após transplante. A infeção<br />

pelo vírus nunca é totalmente eliminada,<br />

pelo que o objetivo da terapêutica é fazê-lo<br />

retornar ao estado de latência presente na<br />

população em geral – após recuperação adequada<br />

da imunidade antiviral e suspensão da<br />

imunossupressão os indivíduos submetidos<br />

a transplante de medula óssea deixam de ter<br />

risco significativo de reativação de CMV, tal<br />

como a população geral, pelo que a impossibilidade<br />

de erradicação total do vírus não é<br />

problemática.<br />

A estratégia ideal para a reativação e doença<br />

a CMV é prevenir, em vez de tratar. Além da<br />

seleção de dadores previamente descrita, são<br />

feitas pesquisas frequentes de replicação viral<br />

no período de maior risco de reativação e<br />

instituída terapêutica dirigida assim que é detetada<br />

a presença de vírus no sangue, o que<br />

permite reduzir grandemente a incidência de<br />

doença por CMV. No entanto, esta estratégia<br />

não é sempre suficiente, já que pode haver<br />

doença de órgão por CMV sem deteção<br />

prévia do vírus no sangue. Para este efeito,<br />

tem sido feita investigação para produção de<br />

fármacos especificamente dirigidos à prevenção<br />

da infeção em doentes de alto risco,<br />

tendo o primeiro, o letermovir, sido aprovado<br />

este ano, após ter demonstrado melhoria no<br />

risco de reativação e morte numa população<br />

de doentes transplantados com alto risco de<br />

reativação.<br />

SO<br />

outubro 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 37


SAÚDE ONLINE | nacional<br />

Estudo indica que novas pílulas anticoncecionais<br />

podem diminuir o risco de cancro do ovário<br />

Um novo estudo de larga escala realizado por investigadores da Universidade de Aberdeen,<br />

na Escócia, indica que, à semelhança do que já tinham sugerido pesquisas anteriores<br />

(que se focaram nas pílulas antigas), as novas pílulas contracetivas reduzem para menos<br />

de metade o risco de desenvolvimento de cancro do ovário.<br />

Os anteriores estudos tinham<br />

sido feitos com<br />

mulheres que usavam<br />

as pílulas mais antigas, com<br />

uma maior quantidade de estrogénio,<br />

e por isso, este estudo,<br />

coordenado pela investigadora<br />

Lisa Iversen, pretendia preencher<br />

essa lacuna. A equipa da<br />

Universidade de Aberdeen recorreu<br />

a vários bancos de dados<br />

dinamarqueses e investigou<br />

o efeito tanto dos contracetivos<br />

hormonais combinados como<br />

daqueles que apenas contêm<br />

progestogéneos.<br />

Os investigadores dividiram, depois,<br />

em três grupos as cerca<br />

de 1,9 milhões de mulheres que<br />

constavam dos bancos de dados.<br />

Um dos grupos era formado<br />

por mulheres que nunca<br />

usaram nenhum tipo de contraceção<br />

hormonal; outro por mulheres<br />

que estavam a tomar pílulas<br />

anticoncecionais ou pararam<br />

de as de tomar até um ano antes;<br />

e um último grupo por mulheres<br />

que interromperam o uso<br />

de pílulas há mais de um ano.<br />

Aproximadamente 86% dos anticoncecionais<br />

orais usados pelas<br />

mulheres eram comprimidos<br />

combinados.<br />

Os investigadores concluíram<br />

que as mulheres que nunca usaram<br />

contracetivos hormonais tiveram<br />

maior incidência de cancro<br />

do ovário. A prevalência encontrada<br />

foi de 7,5 casos por<br />

cada cem mil pessoas/ano entre<br />

as mulheres que nunca tomaram<br />

usaram pílula contracetiva,<br />

um valor que é mais do dobro em<br />

comparação com os outros dois<br />

grupos (3,2 casos por cem mil<br />

pessoas/ano).<br />

“Com base nos resultados, os<br />

contracetivos hormonais combinados<br />

contemporâneos estão<br />

associados a um risco reduzido<br />

de cancro do ovário em idade reprodutiva,<br />

com padrões semelhantes<br />

aos observados em produtos<br />

orais combinados mais antigos”,<br />

dizem os autores, que,<br />

no entanto, não encontraram diferenças<br />

entre as marcas de<br />

contracetivos.<br />

O estudo não consegue, no entanto,<br />

provar nenhuma relação<br />

de causalidade entre o uso da pílula<br />

e a redução do risco de desenvolvimento<br />

de cancro do ovário<br />

e tem ainda uma outra limitação:<br />

os pesquisadores deixaram<br />

de seguir as mulheres assim que<br />

estas completaram 50 anos e,<br />

por isso, o impacto sobre elas à<br />

medida que envelheciam não foi<br />

investigado. Este dado é importante,<br />

uma vez que mais de metade<br />

dos casos da doença são<br />

diagnosticados em mulheres<br />

com mais de 65 anos.<br />

Este estudo foi publicado no<br />

British Medical Journal.<br />

Em Portugal, o cancro do ovário<br />

mata anualmente cerca de<br />

350 mulheres. A taxa de mortalidade<br />

é elevada, uma vez que se<br />

estima que surgem pouco mais<br />

de 450 novos casos por ano –<br />

o diagnóstico tardio (que ainda<br />

acontece em mais de 60% das<br />

situações) ajuda a explicar a<br />

mortalidade.<br />

SO<br />

38 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018


SAÚDE ONLINE | nacional<br />

Nascimento<br />

de prematuros<br />

duplicou em Portugal<br />

de 2004 a 2015<br />

O nascimento de prematuros em Portugal entre<br />

as 22 e as 24 semanas de gestação mais do que duplicou<br />

de 2004 para 2015, segundo dados de um estudo europeu<br />

publicado na revista The Lancet.<br />

De acordo com os dados<br />

analisados, em 2004 nasceram<br />

em Portugal 16 bebés<br />

com idade gestacional entre<br />

as 22 e as 24 semanas. Em 2010<br />

nasceram 19 e em 2015 passaram<br />

para 36. Em 2015, dos mais de 86<br />

mil nascimentos a partir das 22 semanas<br />

de gestação, foram registados<br />

cerca de 280 nados mortos.<br />

As mortes fetais entre as 22 e as<br />

24 semanas representaram em<br />

Portugal oito por cento de todos os<br />

dados mortos, enquanto as mortes<br />

entre as 24 e as 28 semanas configuravam<br />

16%. Ou seja, de todos<br />

os nados mortos registados em<br />

Portugal, quase um quarto ocorre<br />

em nascimentos entre as 22 e as<br />

28 semanas.<br />

No estudo publicado na revista The<br />

Lancet, no dia 28 de setembro, os<br />

investigadores concluem que uma<br />

em cada três mortes fetais ocorre<br />

antes das 28 semanas de gravidez,<br />

indicando que os dados oficiais<br />

têm sido subestimados.<br />

Portugal surge como um dos poucos<br />

países analisados, de uma lista<br />

de 19, em que é registada e considerada<br />

a morte fetal a partir das<br />

22 semanas de gestação. Houve,<br />

aliás, países europeus excluídos<br />

deste estudo, como França e<br />

Espanha, por não terem dados nacional<br />

de mortalidade fetal por idade<br />

gestacional nos períodos avaliados.<br />

“Há grandes e sérias lacunas no<br />

nosso conhecido do peso dos nados<br />

mortos, que pode ter impactos<br />

imprevisíveis nas famílias. Para<br />

uma mãe ou pai, um nado morto<br />

no segundo trimestre de gravidez<br />

não é menos trágico do que às<br />

28 semanas ou mais tarde. Esses<br />

pais também merecem reconhecimento<br />

da sua perda e um registo<br />

preciso da morte do seu filho de<br />

forma a melhorar os cuidados e as<br />

políticas”, afirma a médica e investigadora<br />

que liderou a pesquisa,<br />

Lucy Smith, da Universidade de<br />

Leicester, Reino Unido.<br />

O estudo analisou dados sobre 2,5<br />

milhões de bebés em 19 países<br />

europeus e concluiu que o peso de<br />

nados mortos foi subestimado em<br />

pelo menos um terço, devido às recomendações<br />

para registar como<br />

nados mortos fetos a partir das 28<br />

semanas de gestação. LUSA<br />

40 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018


SAÚDE ONLINE | nacional<br />

Oncologista diz que Portugal<br />

“está na idade da pedra” em termos<br />

de ensaios clínicos<br />

O oncologista José Dinis considera que Portugal “está na idade da pedra” em termos de<br />

ensaios clínicos, faltando sobretudo uma estrutura organizada e centros com autonomia<br />

em relação aos hospitais, mas integrados num plano nacional.<br />

No Simpósio “Oncologia<br />

em Portugal”, organizado<br />

pela comissão parlamentar<br />

de Saúde, o especialista disse<br />

que o país está “com 15 anos<br />

de atraso” em termos de investigação<br />

clínica. “Estamos com 15<br />

anos de atraso, estamos na idade<br />

da pedra. É preciso arrepiar caminho<br />

se queremos tentar acompanhar<br />

o que já se faz lá fora”,<br />

considerou.<br />

Após a sua intervenção no simpósio,<br />

que decorreu a 25 de setembro,<br />

no parlamento, o médico do<br />

IPO do Porto, que pertence à direção<br />

da Sociedade Portuguesa<br />

da Oncologia, explicou à agência<br />

Lusa que o país “não tem<br />

infraestrutura montada” para a investigação<br />

clínica. “Temos profissionais<br />

de qualidade, temos doentes,<br />

temos quase tudo. Mas não<br />

temos infraestrutura. Em termos<br />

de organização para fazer os ensaios<br />

clínicos estamos na idade<br />

da pedra. Os hospitais têm de ser<br />

centros de investigação autónomos<br />

e estar integrados num plano<br />

nacional”, argumenta José Dinis.<br />

O país deveria estar nos 500 a<br />

600 ensaios clínicos por ano,<br />

quando atualmente ronda os 100<br />

ou 120 num ano, disse. “Estamos<br />

a anos-luz dos outros [países] em<br />

termos de infraestrutura para ensaios<br />

clínicos. Precisamos de ter<br />

um gabinete coordenador que<br />

seja o braço armado do Serviço<br />

Nacional de Saúde nesta matéria”,<br />

afirma o oncologista, defendendo<br />

que o Ministério da<br />

Economia seja também incluído.<br />

Isto porque, para José Dinis, a<br />

investigação clínica tem “uma<br />

relevância económica que está<br />

a ser subestimada”. “O dinheiro<br />

existe. Nós não estamos a pedir<br />

subsídios. É preciso é ter capacidade<br />

para que consigamos<br />

ir buscar o dinheiro. Se não temos<br />

estrutura, o dinheiro, em<br />

vez de vir para Portugal, vai<br />

para outro lado qualquer”, afirmou.<br />

O médico oncologista deu<br />

o exemplo de um só hospital na<br />

Bélgica, que tem 200 pessoas a<br />

trabalhar na área da investigação<br />

clínica.<br />

José Dinis defendeu também a<br />

criação da figura de um provedor<br />

do doente em cada hospital,<br />

sendo uma figura que podia, por<br />

exemplo, orientar os doentes que<br />

entrem num ensaio clínico. O especialista<br />

adiantou que em muitos<br />

países nórdicos e nos Estados<br />

Unidos esta figura do provedor do<br />

doente nos hospitais é já rotina.<br />

Segundo dados mostrados por vários<br />

especialistas durante o simpósio,<br />

a área oncológica é a que tem<br />

mais ensaios clínicos a decorrer,<br />

sendo responsável por 30% a 40%<br />

dos que decorrem em Portugal.<br />

LUSA/SO<br />

42 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018


SAÚDE ONLINE | entrevista<br />

Filipa Serra<br />

Hipotiroidismo: Endocrinologista<br />

Filipa Serra explica o que precisa<br />

de saber acerca da doença<br />

Em entrevista ao Saúde Online, Filipa Serra, endocrinologista dos Hospitais CUF, explica a<br />

origem da doença, os sintomas e o tratamento associados.<br />

O<br />

que é e para<br />

que serve a tiroide?<br />

A tiroide é uma glândula localizada<br />

no pescoço e que todos – homens<br />

e mulheres – temos. Produz as hormonas tiroideias,<br />

essencialmente duas – a hormona T4<br />

e a hormona T3 -, que são responsáveis pela<br />

regulação do nosso metabolismo. Na infância,<br />

são importantes também para o crescimento.<br />

Durante toda a nossa vida, é importante para a<br />

regulação do metabolismo, portanto, a regulação<br />

de todos os órgãos e sistemas.<br />

A desregulação da tiroide pode levar<br />

a que tipo de problemas?<br />

Falando propriamente do hipotiroidismo, vai<br />

haver uma redução da produção das hormonas<br />

– da T4 e da T3 – e, portanto, isso vai levar<br />

a uma série de sintomas. O contrário chamase<br />

hipertiroidismo, consiste num excesso de<br />

produção destas hormonas. O hipotiroidismo<br />

é bastante mais frequente, é uma doença comum<br />

a nível mundial. A prevalência ronda os<br />

5% na população geral e na população com<br />

mais de 65 anos pode chegar aos 10%.<br />

O hipotiroidismo pode levar<br />

a uma diminuição do peso?<br />

O que causa uma diminuição do peso é o hipertiroidismo.<br />

O hipotiroidismo está mais associado<br />

a um ligeiro aumento do peso – é um<br />

dos sintomas que pode ocorrer. Isso também<br />

é importante desmistificar porque, às vezes,<br />

associa-se a desregulação da tiroide à obesidade.<br />

Não é bem assim. Normalmente, há<br />

uma redução do metabolismo, menor apetite<br />

e uma retenção hídrica, o que pode predispor<br />

para um ligeiro aumento do peso.<br />

44 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018


entrevista | SAÚDE ONLINE<br />

Outros sintomas associados ao hipotiroidismo<br />

são o cansaço, falta de energia, pele mais<br />

seca, queda de cabelo. As pessoas podem<br />

também sentir-se mais tristes e terem mais<br />

tendência para depressão. Nas mulheres,<br />

pode levar a uma irregularidade menstrual e<br />

ser uma causa de infertilidade. Também surge<br />

uma intolerância ao frio. A nível de colesterol,<br />

quando há um aumento do colesterol deve ser<br />

pesquisada a disfunção tiroideia, porque pode<br />

haver um aumento do mau colesterol e, portanto,<br />

um aumento do risco cardiovascular.<br />

Esta doença afeta sobretudo<br />

os mais velhos ou pode surgir<br />

em qualquer idade?<br />

Pode surgir em qualquer idade. O hipotiroidismo<br />

congénito, que é uma doença mais rara<br />

surge desde o nascimento. Todos os bebés,<br />

quando nascem, fazem o rastreio [para despistar<br />

esta doença], que faz parte do teste do<br />

pezinho. A idade em que mais aparece é realmente<br />

acima dos 60 anos. Contudo, quando<br />

falamos da causa autoimune – que é a principal<br />

causa de hipotiroidismo -, ela pode ocorrer<br />

em qualquer idade. É, por exemplo, muito<br />

comum o diagnóstico durante ou após a gravidez,<br />

até porque existe uma grande suscetibilidade<br />

nesta fase para tudo o que são doenças<br />

autoimunes.<br />

Pode aparecer tanto em homens como em<br />

mulheres, mas é bastante mais comum em<br />

mulheres porque, sendo a causa autoimune a<br />

mais comum – e tal como outras doenças autoimunes<br />

-, afeta sobretudo as mulheres.<br />

Dizia-me que a prevalência<br />

do hipotiroidismo a nível mundial<br />

ronda os 5%. Portugal está<br />

em linha com esse valor?<br />

Sim. Há um estudo relativamente recente, de<br />

2017, e em que parece estar exatamente nesses<br />

valores. Pode chegar aos 10% nas idades<br />

mais avançadas. Dentro do hipotiroidismo temos<br />

o hipotiroidismo clínico, em que as pessoas<br />

têm sintomas, e o hipotiroidismo subclínico,<br />

em que pode haver já alguns sintomas<br />

mas [regista-se] sobretudo uma alteração a<br />

nível laboratorial. Quando diagnosticamos o<br />

hipotiroidismo,pedimos análises: a TSH, a T4<br />

e, nalguns casos, a T3. Nos hipotiroidismos<br />

subclínicos, temos valores ainda normais mas<br />

temos um aumento da TSH, no fundo a darnos<br />

um alerta de que a tiroide não está a funcionar<br />

bem. Nesta fase é importante fazermos<br />

o diagnóstico, procurarmos a causa e, eventualmente,<br />

tratar em alguns casos.<br />

Em relação ao hipertiroidismo, é mais raro,<br />

afeta uma percentagem menor da população.<br />

É também mais sintomático: geralmente, as<br />

pessoas procuram o médico mais cedo porque<br />

os sintomas são mais exuberantes.<br />

No hipotiroidismo, muitas vezes, numa primeira<br />

fase (e sobretudo em doentes mais jovens),<br />

pode passar despercebido, dependendo<br />

da magnitude, e podem não ser valorizados<br />

os sintomas, porque o cansaço ou a<br />

falta de energia são também comuns a outras<br />

patologias. Em casos mais graves, sobretudo<br />

nas idades mais avançadas, o quadro pode<br />

ser mais grave: pode chegar mesmo a coma.<br />

Aqui o importante é alertar para algumas populações<br />

de risco, populações que mesmo<br />

sem sintomas devem fazer um rastreio. Eu falei<br />

das doenças autoimunes, e essa é a principal<br />

população [a ter em conta]. A tiroidite autoimune<br />

é a principal causa de hipotiroidismo<br />

«Sintomas associados ao<br />

hipotiroidismo<br />

são o cansaço, falta<br />

de energia, pele mais seca,<br />

queda de cabelo»<br />

mas temos também outras doenças que estão<br />

muito associadas ao hipotiroidismo, como<br />

o lúpus, a artrite reumatoide, a doença celíaca,<br />

o vitiligo. Estas pessoas devem fazer o<br />

rastreio e também familiares em primeiro grau<br />

de pessoas que tenham doenças da tiroide ou<br />

doenças autoimunes.<br />

Portanto, existe uma relação<br />

genética? O hipotiroidismo<br />

pode ser hereditário?<br />

Exatamente. Quando falamos com uma pessoa<br />

com hipotiroidismo de causa autoimune,<br />

é bastante comum a pessoa referir que<br />

tem uma mãe ou uma tia que também tem.<br />

Quando falamos da doença autoimune, o que<br />

faz com que esta doença apareça, é um conjunto<br />

de fatores genéticos mas também ambientais.<br />

As doenças autoimunes surgem, por<br />

exemplo, em períodos de maior stress ou na<br />

gravidez. Quando falamos nas outras causas<br />

de hipotiroidismo, como a radioterapia,<br />

aí temos de perguntar à pessoa se foi submetida<br />

a radioterapia do pescoço, por outros<br />

motivos (como neoplasias). É também importante<br />

perguntar quais os fármacos que a pessoa<br />

faz, porque há alguns que podem levar<br />

a disfunção tiroideia, nomeadamente um que<br />

é muito utilizado no tratamento da arritmia, a<br />

amiodarona.<br />

Sendo assim, existe forma<br />

de prevenir a doença?<br />

O inicio da doença é imprevisível e, por isso,<br />

não podemos falar propriamente numa prevenção.<br />

No entanto, devemos estar alerta<br />

para os doentes que têm um risco maior de<br />

desenvolver a doença e esses doentes devem<br />

fazer uma vigilância e tratar o mais precocemente<br />

possível.<br />

Qual é a forma tratamento<br />

mais utilizada?<br />

O tratamento do hipotiroidismo faz-se com a<br />

reposição hormonal, geralmente com a levotiroxina,<br />

que é um comprimido que se faz em<br />

toma única todos os dias, em jejum. E normalmente<br />

verificamos uma melhoria rápida.<br />

Não há, portanto, necessidade<br />

de recorrer à cirurgia?<br />

FS| As pessoas que tenham sido submetidas<br />

a uma cirurgia da tiroide vão ter um hipotiroidismo<br />

devido à cirurgia, ou seja, à ausência<br />

da tiroide. Portanto, o hipotiroidismo é que é<br />

consequência da cirurgia e não o contrário. A<br />

cirurgia pode acontecer em pessoas que têm<br />

nódulos na tiroide ou hipertiroidismo, que desenvolvem<br />

hipotiroidismo que deve ser tratado<br />

com a reposição hormonal.<br />

SO<br />

outubro 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 45


SAÚDE ONLINE | nacional<br />

Implante elétrico na coluna<br />

permite a três paraplégicos voltar<br />

a andar, mas com ajuda<br />

Um implante de um dispositivo elétrico na coluna vertebral em três pessoas, que estão<br />

paraplégicas há anos, permitiu, em conjugação com meses de intensa reabilitação, que<br />

voltassem a andar, mas o avanço ainda não é uma cura, adiantaram os investigadores.<br />

Segundo a agência<br />

Associated Press, o acontecimento<br />

divulgado por<br />

duas equipas de investigadores<br />

que trabalham separadamente,<br />

ainda não representa uma cura,<br />

uma vez que os pacientes apenas<br />

conseguem caminhar com<br />

assistência, seja de um andarilho<br />

ou outra qualquer ajuda que<br />

lhes permita manter o equilíbrio.<br />

O avanço é que se se desligar<br />

o estímulo elétrico, os pacientes<br />

voltam a não conseguir mover as<br />

pernas de forma voluntária.<br />

Numa sessão de fisioterapia,<br />

o paciente de 29 anos Jered<br />

Chinnock moveu-se para trás<br />

e para a frente numa distância<br />

equivalente a um campo de futebol.<br />

“A parte de andar ainda não<br />

é algo que me permita simplesmente<br />

deixar a cadeira de rodas<br />

para trás e ir”, disse Chinnock à<br />

AP, acrescentando que “há, no<br />

entanto, esperança de que isso<br />

venha a ser possível”.<br />

O trabalho insere-se no objetivo<br />

de ajudar pessoas com lesões<br />

na coluna vertebral a recuperar<br />

as funções do corpo, e os investigadores<br />

afirmam que apesar de<br />

o estímulo apenas ter sido testado<br />

num grupo pequeno de pessoas,<br />

é uma abordagem promissora<br />

que precisa de mais estudo.<br />

Cristina Sadowsky, especialista<br />

em reabilitação do hospital universitário<br />

norte-americano Johns<br />

Hopkins, afirmou estar entusiasmada<br />

em relação ao avanço, mas<br />

alertou que nem todos os pacientes<br />

com lesões semelhantes vão<br />

responder da mesma forma.<br />

Lesões graves na coluna vertebral<br />

‘desligam’ a capacidade de<br />

o cérebro dar uma ordem de movimento<br />

aos nervos, que por sua<br />

vez a devem ativar nos músculos.<br />

Outras abordagens para contornar<br />

a falta de mobilidade de pessoas<br />

paraplégicas já foram tentadas,<br />

como exoesqueletos ou<br />

implantar estímulos nos músculos,<br />

que ajudar a mover membros<br />

paralisados.<br />

Com esta nova abordagem, os<br />

três pacientes estão a dar passos<br />

sob o seu próprio comando,<br />

com movimento intencional, referem<br />

os artigos hoje publicados<br />

nas revistas científicas Nature<br />

Medicine e New England Journal<br />

of Medicine.<br />

A teoria em relação a esta abordagem<br />

é a de que os circuitos<br />

nervosos sob o local da lesão<br />

estão apenas adormecidos, não<br />

mortos, e que aplicar corrente<br />

elétrica pode acordar alguns desses<br />

circuitos que, conjugado com<br />

uma reabilitação rigorosa, pode<br />

restaurar as ‘ligações enferrujadas’<br />

e, eventualmente, permitir<br />

que voltem a receber comandos<br />

simples.<br />

“A recuperação pode acontecer<br />

se se verificarem as circunstâncias<br />

certas”, referiu a professora<br />

da Universidade de Louisville<br />

Susan Harkema, co-autora do estudo<br />

publicado pelo New England<br />

Journal. “A coluna vertebral pode<br />

voltar a fazer coisas, não tão bem<br />

como fazia antes, mas pode voltar<br />

a funcionar”, acrescentou.<br />

Há quatro anos a equipa de<br />

Harkema fez manchetes quando<br />

alguns pacientes implantados<br />

com um estimulador da coluna<br />

vertebral – originalmente concebidos<br />

para tratar dor – foram capazes<br />

de mover os dedos dos<br />

pés, as pernas e pôr-se de pé por<br />

breves instantes. Mas não conseguiram<br />

andar.<br />

Um dos estudos aponta ainda a<br />

necessidade de cautela em relação<br />

à segurança dos pacientes:<br />

um deles fraturou a anca num<br />

exercício de reabilitação numa<br />

passadeira, ainda que cuidadosamente<br />

apoiado.<br />

A nova abordagem vai necessitar<br />

de estudos mais aprofundados<br />

não apenas para perceber<br />

se pode ajudar outros pacientes,<br />

mas também para definir riscos.<br />

E ainda não é claro quanto custa<br />

esta terapia, cuja tecnologia continua<br />

a ser desenvolvida pelos investigadores.<br />

LUSA<br />

46 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018


SAÚDE ONLINE | nacional<br />

Investigador português descobre<br />

fármaco capaz de atrasar a progressão<br />

da doença de Machado-Joseph<br />

Após diversas experiências, com resultados bastante positivos em modelos animais, os<br />

investigadores avançam agora com importantes revelações para aquela que parece ser,<br />

até ao momento, uma possível opção terapêutica para esta doença neurodegenerativa que<br />

apresenta especial prevalência nos Açores.<br />

Clévio Nóbrega, investigador<br />

do Centro<br />

de Investigação em<br />

Biomedicina (CBMR), da<br />

Universidade do Algarve, acaba<br />

de publicou na revista Human<br />

Molecular Genetics, o resultado<br />

de uma investigação que culmina<br />

com uma importante descoberta<br />

na área das doenças<br />

neurodegenerativas. O investigador<br />

e a sua equipa descobriram<br />

que existe um novo fármaco<br />

capaz de atrasar a progressão<br />

da doença de Machado-Joseph,<br />

uma doença de origem genética,<br />

incurável, e que se manifesta por<br />

uma progressiva perda de controlo<br />

nos músculos e na coordenação<br />

motora, provocando atrofia<br />

muscular, rigidez dos membros,<br />

dificuldades na deglutição,<br />

fala e visão, associadas a um<br />

progressivo dano de zonas cerebrais<br />

específicas.<br />

A cordicepina, o fármaco estudado<br />

na investigação de Clévio<br />

Nóbrega, já se encontra aprovado,<br />

para outros fins, nos<br />

Estados Unidos, pela agência<br />

reguladora FDA (Food and Drug<br />

Administration), o que pode acelerar<br />

a sua utilização num contexto<br />

clínico e tornar-se uma<br />

opção futura no tratamento da<br />

doença.<br />

Embora, como afirma o investigador,<br />

seja necessário esclarecer<br />

que “não se trata de<br />

uma cura”, a descoberta, levada<br />

a cabo na Universidade<br />

do Algarve, reveste-se de especial<br />

importância uma vez que,<br />

como assegura Clévio Nóbrega<br />

“a cordicepina pode constituir,<br />

no futuro, uma estratégia eficaz<br />

para atrasar a progressão<br />

desta e até de outras doenças<br />

neurodegenerativas”.<br />

Para já, fica uma certeza: a de<br />

que este medicamento constitui<br />

uma nova abordagem – segura<br />

e efetiva – a uma doença relativamente<br />

rara em quase todo o<br />

mundo, mas que afeta uma em<br />

cada 4000 pessoas de ascendência<br />

portuguesa e que, só nos<br />

Açores, bate todos os recordes,<br />

com uma pessoa afetada em<br />

cada 140 indivíduos.<br />

A investigação foi realizada em<br />

colaboração com o CNC (Centro<br />

de Neurociências e Biologia<br />

Celular), da Universidade de<br />

Coimbra, e financiada pela AFM<br />

(The French Muscular Dystrophy<br />

Association).<br />

SO<br />

48 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | outubro 2018

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