You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
para a cama com uma prostituta de quatorze anos, que tinha dentes postiços.<br />
Minha mesa, no navio, tinha, contando comigo, dez pessoas. Um casal<br />
estrangeiro, ambos louros, na casa dos trinta anos; duas mulheres mais velhas,<br />
possivelmente compristas; três homens que haviam se conhecido na viagem e<br />
dormiam no mesmo camarote, sendo um deles o advogado Ezir, e um casal que<br />
só vim a conhecer na hora do almoço, pois dormia até tarde.<br />
Os estrangeiros falavam em voz baixa. Eram educados e prestativos. Estavam<br />
no centro da mesa e passavam os bules de café e leite e o açucareiro de um lado<br />
para o outro, com um sorriso. Eu conhecia esse tipo de gente. O homem<br />
carregava uma Nikon, para documentar a viagem e mostrar os slides para os<br />
amigos. Fotografava a imensidão das águas e a pobreza das pessoas e dos<br />
barracos na margem do rio.<br />
Tentei descobrir a origem do casal pelo sotaque. Havia ecos do sotaque<br />
italiano, reminiscências sonoras do francês, uma certa guturalidade germânica.<br />
Não era difícil concluir que eram suíços.<br />
Depois do café a suíça foi para o convés tomar banho de sol. Seu corpo era<br />
bem-feito. No café ela se alimentara parcamente, como alguém fazendo regime<br />
para manter o peso, recusando as bananas servidas, o que não acontecera com o<br />
homem. O pé da suíça, porém, era muito feio; como a maioria das mulheres, ela<br />
tinha calos nos dedos e nos calcanhares; o dedo grande era torto; mas suas pernas<br />
eram bonitas.<br />
Sempre que passávamos ao largo dos barracos da margem do rio, canoas se<br />
aproximavam do navio, tripuladas por mulheres, com uma ou duas crianças, que<br />
pediam coisas em gritos que pareciam ganidos de cachorros, como se<br />
esperassem que os passageiros lhes jogassem coisas, comida talvez, roupas. Mas<br />
não vi isso acontecer uma vez sequer.<br />
Na hora do almoço conheci o casal que faltava na mesa C. O homem era<br />
moreno e forte, tinha bastos cabelos negros ondeados, um bigode grosso e usava<br />
óculos escuros. Parecia, inicialmente, sinistro e ameaçador. Ela era magra,<br />
queimada de sol, alta e mais jovem do que ele. Devia ter no máximo uns vinte<br />
anos. Os dois riam muito, descontraídos.<br />
Os outros homens da mesa conversavam com Ezir. Um deles era funcionário<br />
aposentado do governo do Pará e ia passar o Natal com a família. O outro era<br />
funcionário do Ministério das Relações Exteriores, lotado na Comissão de Limites<br />
e Fronteiras, um homem grande e falastrão, que sabia muita coisa sobre a