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O Cobrador - Rubem Fonseca

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“Me disseram que era assim que você era conhecido.”<br />

“Me chama de João, só João.”<br />

No jantar Moacy r apareceu embriagado. Maria de Lurdes ria jogando a<br />

cabeça para trás e abrindo bem a boca, olhando para mim. Ezir piscou o olho<br />

para Evandro. As duas mulheres segredaram entre si.<br />

“Estamos entrando no rio Monte Alegre”, disse Evandro. “É um rio cheio de<br />

peixe, tem tambaqui de um metro.”<br />

“Tem centenas de espécies de peixe neste rio”, disse o funcionário aposentado.<br />

Depois do jantar fui para minha cabine e me deitei. Uma bruxa grande voava<br />

dentro do camarote e batia no meu corpo nu. Na noite anterior um gafanhoto<br />

entrara no meu camarote e pousara no meu peito. Suas patas grudaram na minha<br />

pele. Quando quis tirá-lo, ele me deu uma leve picada, uma pequena alfinetada.<br />

Iluminado pela lâmpada que ficava sobre a minha cabeça, parecia feito de folha.<br />

Havia também uma lagartixa que à noite saía de trás do espelho e passeava pelo<br />

camarote à caça de mosquitos. A bruxa se debatia e eu pensava em Maria de<br />

Lurdes.<br />

Havia decidido que não iria vê-la, mas isso não diminuíra o meu desejo por<br />

ela; ao contrário, parecia tê-lo aumentado. O seu corpo esguio e moreno, sua<br />

boca, sua língua de réptil não saíam da minha mente. Mas eu não podia arriscar o<br />

meu trabalho.<br />

Chegaríamos a Monte Alegre por volta da meia-noite.<br />

Às onze horas eu estava na proa. Avistamos as luzes de Monte Alegre a<br />

boreste. A cidade dividia-se em parte alta e baixa. Antes mesmo do navio<br />

atracar, barcos com vendedores de bananas, mangas, mamões, abacates, queijos<br />

e doces acostaram o navio.<br />

O cais estava cheio de gente. Passamos por várias gaiolas, algumas com luzes<br />

brilhantes e redes coloridas estendidas no centro, muitas já ocupadas por<br />

passageiros.<br />

Desembarquei e falei com pessoas que haviam estado no cais de Monte<br />

Alegre quando o outro navio passara, na semana anterior. Ninguém havia visto<br />

ele desembarcar. Mas um rapaz que vendia queijos se lembrara de tê-lo visto na<br />

amurada do navio, sozinho, imóvel.

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