Jornal Aacel 11
DOUTRINA DO CHOQUE: A DIREITA PRODUZ O CAOS PARA IMPOR SUA POLÍTICA - Segundo Naomi Klein, a técnica usada para ditar 'ajustes' a determinadas sociedades é a mesma da submissão aplicada aos prisioneiros torturados para fornecer informação a organizações como CIA e polícia secreta israelense
DOUTRINA DO CHOQUE: A DIREITA PRODUZ O CAOS PARA IMPOR SUA POLÍTICA - Segundo Naomi Klein, a técnica usada para ditar 'ajustes' a determinadas sociedades é a mesma da submissão aplicada aos prisioneiros torturados para fornecer informação a organizações como CIA e polícia secreta israelense
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criminosas de estado, como a CIA americana e a<br />
DOUTRINA DO CHOQUE: A DIREITA polícia secreta israelense.<br />
PRODUZ O CAOS PARA IMPOR SUA<br />
É muito útil para nós, neste momento,<br />
POLÍTICA - Segundo Naomi Klein, a<br />
ouvirmos a palavra de Klein:<br />
técnica usada para ditar 'ajustes' a<br />
determinadas sociedades é a mesma da A tortura, ou “interrogatório coercitivo” no<br />
submissão aplicada aos prisioneiros linguajar da CIA, é um conjunto de técnicas<br />
torturados para fornecer informação a destinadas a colocar os prisioneiros em estado de<br />
organizações como CIA e polícia secreta profunda desorientação e choque, de modo a<br />
obrigá-los a fazer concessões contra a própria<br />
israelense<br />
vontade. A lógica que norteia os procedimentos foi<br />
Faz alguns anos, a escritora canadense elaborada em dois manuais da CIA que se tornaram<br />
Naomi Klein publicou um livro de grande interesse públicos na década de 1990. Neles, está explicado<br />
para entendermos o tempo em que vivemos. que o melhor modo de quebrar as “resistências” é<br />
Chama-se A Doutrina do Choque. O livro mostra promover rupturas violentas entre o prisioneiro e a<br />
em detalhes várias situações em que um mesmo sua habilidade para compreender o mundo à sua<br />
modo de operar foi utilizado por forças reacionárias volta.(36) Em primeiro lugar, privando-o de<br />
para impor “ajustes” que os cidadãos rejeitariam qualquer tipo de contato (utilizando capuz, tapaouvidos,<br />
algemas, total isolamento), e depois<br />
em condições normais. O modo de operar é<br />
aproveitar ou criar um clima de choque. bombardeando seu corpo com estímulos<br />
exagerados (luz estroboscópica, música estridente,<br />
Ela diz que esse é o “método preferencial<br />
pancadas, eletrochoque). O objetivo desse estágio<br />
para promover os objetivos das corporações:<br />
“suave” é provocar uma espécie de furacão dentro<br />
aproveitar os momentos de trauma coletivo e<br />
da mente: prisioneiros ficam tão regredidos e<br />
implementar uma engenharia social e econômica<br />
assustados que perdem a capacidade de pensar<br />
radical.”<br />
racionalmente e proteger os próprios interesses. É<br />
Ela compara essa técnica – utilizada para nesse estado de choque que a maioria dá aos<br />
forçar multidões, comunidades, países inteiros – interrogadores aquilo que estão querendo –<br />
com a técnica de submissão aplicada aos informação, confissão, renúncia a crenças<br />
prisioneiros, torturados para fornecer informação anteriores.<br />
aos “serviços de segurança”. São técnicas<br />
E ela esclarece: aquilo que funciona com<br />
desenvolvidas durante décadas por equipes de<br />
esse indivíduo preso funciona também quando<br />
“pesquisadores da tortura”, ligados a organizações
aplicado a coletivos, a grandes comunidades, como Vamos lembrar o que dizia um famoso guru<br />
se elas também estivessem aprisionadas e neoliberal Milton Friedman, amigo e conselheiro<br />
submetidas a tratamento de interrogatório forçado. de Pinochet e dos militares argentinos:<br />
Como o preso aterrorizado que entrega os “Somente uma crise – real ou percebida<br />
nomes de seus companheiros e renuncia à própria como real – produz mudança de fato. Quanto essa<br />
fé, as sociedades em estado de choque crise ocorre, as ações dependem de ideias que estão<br />
frequentemente desistem de coisas que em outras disponíveis no momento. Acredito que essa é a<br />
situações teriam defendido com toda a força. nossa função básica: desenvolver alternativas para<br />
as políticas existentes, manter essas alternativas<br />
A doutrina do choque imita esse processo de<br />
prontas e disponíveis até que aquilo que antes<br />
forma meticulosa, procurando atingir numa escala<br />
maciça o que a tortura faz individualmente nas<br />
celas de interrogatório.<br />
Em 1996, um documento da defesa<br />
americana já resumia essa técnica, utilizada em<br />
invasões, sabotagens e processos através dos quais<br />
o governo americano, diretamente ou através de<br />
forças manipuladas, tentava impor suas metas a<br />
outros países:<br />
parecia politicamente impossível se torna<br />
politicamente inevitável”. (Milton Friedman –<br />
Prefácio à edição 1982 de Capitalism and Freedom,<br />
University of Chicago Press)<br />
O que aconteceu no Chile, laboratório de<br />
Friedman, não foi um “aproveitamento” da crise.<br />
Foi a produção deliberada de uma crise, por meio<br />
de sabotagem ampla, geral e irrestrita. Se quiser<br />
alguns detalhes veja essa estória:<br />
“Domínio significa a capacidade de afetar e http://brasildebate.com.br/chile-brasil-e-asreformas-a-prova-de-mudancas-politicas/.<br />
dominar a vontade do adversário, tanto física como<br />
psicologicamente. Domínio físico inclui a<br />
No Chile, como no Brasil, na Venezuela, no<br />
capacidade de destruir, desarmar, perturbar,<br />
Egito, na Ucrânia… em muitos lugares do mundo,<br />
neutralizar e tornar impotente. Dominação<br />
as grandes corporações e o governo americano<br />
psicológica, a capacidade de destruir, derrotar e<br />
produziram a crise, sabotaram o país para criar o<br />
castrar a vontade de um adversário para resistir; ou<br />
ambiente que desarvorou a resistência e impôs as<br />
convencer o adversário a aceitar nossos termos e<br />
reformas que eles pretendiam.<br />
objetivos sem usar a força. O alvo é a vontade do<br />
adversário, sua percepção e compreensão. O Do outro lado, o desafio da resistência é<br />
principal mecanismo para se atingir este domínio é perceber como evitar a produção da crise<br />
impor condições suficientes de “Choque e pavor” encomendada, como enfrentar as armadilhas dos<br />
sobre o adversário para convencer ou obrigar a torturadores, que possuem armas, recursos, mídia,<br />
aceitar nossos objetivos estratégicos e objetivos aparatos de estado. Mas esse tema – como enfrentar<br />
militares. Devem ser empregadas a mentira, os torturadores – é assunto para outro artigo.<br />
confusão, informação falsa e desinformação, talvez Voltaremos a ele.<br />
em quantidades maciças.”[Shock and Awe –<br />
Achieving Rapid Dominance – do Defense Group<br />
Inc. for The National Defense University]<br />
Atenção, leitor. Até agora falamos mais de<br />
“aproveitar a crise” para impor políticas que, em<br />
tempos normais, seriam recusadas. Mas no<br />
exemplo do prisioneiro, não se trata apenas de<br />
aproveitar a crise, mas de produzir a crise. Também<br />
na vida política se faz assim.<br />
***