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Revista Dr Plinio 259

Outubro de 2019

Outubro de 2019

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Infatigável<br />

arauto de Maria


Gratidão, amor<br />

e fidelidade<br />

Daniel A.<br />

Não encontro palavras suficientes para agradecer<br />

a Nossa Senhora o favor de haver vivido<br />

desde os meus primeiros dias, e de<br />

morrer, como espero, na Santa Igreja, à qual votei,<br />

voto e espero votar até o último alento absolutamente<br />

todo o meu amor. De tal sorte que todas as pessoas,<br />

instituições e doutrinas que amei durante minha<br />

vida, e atualmente amo, só as amei ou amo porque<br />

eram ou são segundo a Igreja. Igualmente, jamais<br />

combati instituições, pessoas ou doutrinas senão porque<br />

e na medida em que eram opostas à Santa Igreja<br />

Católica.<br />

Agradeço da mesma forma a Nossa Senhora –<br />

sem que me seja possível encontrar palavras suficientes<br />

para fazê-lo – a graça de me haver consagrado<br />

a Ela como escravo perpétuo. Nossa Senhora<br />

foi sempre a Luz de minha vida, e de sua clemência<br />

espero que seja Ela minha Luz e meu Auxílio<br />

até o último momento da existência.<br />

Agradeço ainda a Ela, e quão comovidamente,<br />

haver-me feito nascer de Dona Lucilia. Eu<br />

a venerei e amei em todo o limite que me era<br />

possível e, depois de sua morte, não houve dia<br />

em que não a recordasse com saudades indizíveis.<br />

Também à alma dela peço que me assista até<br />

o último momento com sua bondade inefável. Espero<br />

encontrá-la no Céu, na coorte luminosa das almas<br />

que amaram mais especialmente a Nossa Senhora.<br />

Depois da morte espero, junto a Maria Santíssima,<br />

rezar por todos, ajudando-os assim de modo<br />

mais eficaz do que na vida terrena. A todos e a cada<br />

um peço entranhadamente e de joelhos que sejam<br />

sumamente devotos de Nossa Senhora durante<br />

toda a vida.<br />

(Excertos do Testamento de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, 10/1/1978)<br />

Imaculado Coração de Maria - Basílica Nossa<br />

Senhora do Rosário de Fátima, Cotia, Brasil


Sumário<br />

Vol. XXII - Nº <strong>259</strong> Outubro de 2019<br />

Infatigável<br />

arauto de Maria<br />

Na capa, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

no ano de 1986.<br />

Foto: Arquivo <strong>Revista</strong><br />

As matérias extraídas<br />

de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

— designadas por “conferências” —<br />

são adaptadas para a linguagem<br />

escrita, sem revisão do autor<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />

propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />

ISSN - <strong>259</strong>5-1599<br />

CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />

INSC. - 115.227.674.110<br />

Diretor:<br />

Roberto Kasuo Takayanagi<br />

Editorial<br />

4 Brasil, grande nação missionária<br />

Piedade pliniana<br />

5 Súplica pela intervenção do<br />

Anjo da Guarda<br />

Dona Lucilia<br />

6 O Anjo da Guarda de Dona Lucilia<br />

Conselho Consultivo:<br />

Antonio Rodrigues Ferreira<br />

Carlos Augusto G. Picanço<br />

Jorge Eduardo G. Koury<br />

Redação e Administração:<br />

Rua Antônio Pereira de Sousa, 194 - Sala 27<br />

02404-060 S. Paulo - SP<br />

E-mail: editoraretornarei@gmail.com<br />

Impressão e acabamento:<br />

Northgraph Gráfica e Editora Ltda.<br />

Rua Enéias Luís Carlos Barbanti, 423<br />

02911-000 - São Paulo - SP<br />

Tel: (11) 3932-1955<br />

De Maria nunquam satis<br />

10 Uma devoção de luta<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

13 O ideal de Cavalaria,<br />

plenitude do espírito católico - I<br />

Reflexões teológicas<br />

18 Da arquetipia ao sobrenatural<br />

Calendário dos Santos<br />

24 Santos de Outubro<br />

Preços da<br />

assinatura anual<br />

Comum............... R$ 200,00<br />

Colaborador........... R$ 300,00<br />

Propulsor.............. R$ 500,00<br />

Grande Propulsor....... R$ 700,00<br />

Exemplar avulso........ R$ 18,00<br />

Serviço de Atendimento<br />

ao Assinante<br />

editoraretornarei@gmail.com<br />

Hagiografia<br />

26 Franqueza e métodos diretos<br />

Luzes da Civilização Cristã<br />

31 Arquetipização<br />

Última página<br />

36 Modelo supremo e fonte da Contra-Revolução<br />

3


Editorial<br />

Brasil, grande nação missionária<br />

Ociclo das navegações é apreciado, pela maior parte dos compêndios, apenas em seus resultados econômicos<br />

e políticos. De nada ou quase nada tem valido que historiadores do melhor quilate hajam<br />

demonstrado coisa diversa. Acumulam-se as provas de que o primeiro móvel da alma lusa na aventura<br />

das navegações foi apostólico; que os desbravadores de oceanos que o pequenino Portugal deitou pela<br />

vastidão dos mares tinham almas de cruzados e não de mascates. Para a História corrente, manipulada e deformada<br />

segundo as conveniências da irreligião, a glória de Portugal continua privada do esplendor sacral e<br />

heroico dos ideais religiosos, e reduzida ao mérito sem panache das realizações materiais da vida burguesa.<br />

Nada disso, porém, altera a evidente realidade dos fatos. O Brasil deve à ação missionária do luso<br />

a suprema graça de pertencer à Igreja. Era bom que se lembrasse isto no mês das Missões: o Brasil<br />

nasceu como uma realização missionária.<br />

Portugal não encerrou o ciclo de seus feitos religiosos com as navegações. A Providência Divina confiou<br />

ao povo português outra grande obra missionária. Querendo falar ao mundo, Nossa Senhora escolheu<br />

três pequeninos portugueses como seus arautos. Em Fátima, Nossa Senhora fez revelações de um<br />

alcance universal. Toda a crise contemporânea e suas raízes profundas de impiedade e pecado, os cataclismos<br />

universais que dela vão nascer, tudo o que mais a fundo interessa à humanidade inteira nas terríveis<br />

convulsões de hoje Nossa Senhora o confiou a três pastorinhos portugueses, para que dos lábios<br />

desses pequeninos pendesse para o mundo orgulhoso e abatido a terrível e maravilhosa mensagem.<br />

É impossível não ver que Nossa Senhora concedeu à antiga nação missionária uma grande tarefa<br />

histórica a realizar. Os que eram ontem arautos de Cristo são acrescidos de mais um título: arautos<br />

da Virgem. As nações de língua portuguesa juntamente com Portugal têm a incumbência de pregar a<br />

todos os povos o grande fato religioso do século XX, que são as aparições de Fátima.<br />

Este mês missionário tem duas grandes festas de Maria: Nossa Senhora do Rosário e Nossa Senhora<br />

de Fátima.<br />

Fruto de um esforço missionário, o Brasil foi sempre ardente devoto de Maria Santíssima. A festa<br />

de Fátima tem para nós um especialíssimo significado, pois lembra de modo muito especial que estamos<br />

no momento de produzir, para a dilatação do Reino de Cristo, os frutos que as inúmeras graças<br />

e dons sobrenaturais e naturais de que fomos cumulados nos obrigam a dar ao mundo.<br />

Nosso imenso País entra para a primeira plana da vida internacional precisamente em uma quadra na<br />

qual o esforço missionário é mais necessário do que nunca. Não se trata só de conduzir ao redil de Jesus<br />

Cristo as nações do Oriente. É no Ocidente, no próprio grêmio da Cristandade em ruínas que se instalou um<br />

paganismo mil vezes pior do que o antigo. O neopaganismo contemporâneo não tem a explicação tantas vezes<br />

cabível quanto aos pagãos orientais: a ignorância. No paganismo ocidental fermenta a apostasia, o pecado<br />

contra o Espírito Santo, o amor deliberado e satânico ao erro e ao mal. É contra os hereges de hoje, que<br />

perderam suas últimas tintas de Cristianismo, que o esforço missionário do Brasil se torna necessário.<br />

O Brasil tem de ser o grande arauto da realeza de Jesus Cristo. E para cumprir sua missão, é preciso<br />

que ele atenda ao apelo marial de Fátima, torne-se um pregoeiro infatigável da devoção a Nossa Senhora.<br />

As devoções marianas são as estradas reais pelas quais se chega a Nosso Senhor Jesus Cristo.<br />

Em Fátima, Nossa Senhora recomendou duas devoções, de modo todo particular. A elas há de se apegar<br />

o Brasil com o maior fervor. Uma é a do Coração Imaculado de Maria. Outra é a do Santo Rosário.<br />

Se o Brasil quiser ser a grande nação de cruzados e missionários, é por meio de uma ardente piedade<br />

marial que conseguirá essa graça. E se quiser essa graça, há de implorá-la pelos meios que a<br />

própria Virgem indicou.*<br />

* Excertos do artigo “Fátima” em O Legionário, 7/10/1945.<br />

Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />

4


Piedade pliniana<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Gabriel K.<br />

São Rafael Arcanjo<br />

(coleção particular)<br />

Súplica pela intervenção<br />

do Anjo da Guarda<br />

Meu Santo Anjo da Guarda, sei que dentro dos planos divinos deveis, pelos desígnios<br />

de Nossa Senhora, ter especial papel no tocante à realização de minha missão. Também<br />

vós, Anjos, tendes uma missão altíssima no referente à luta contra a Revolução.<br />

Em nome do vínculo que essas circunstâncias estabelecem honrosamente de mim para<br />

convosco, eu vos peço: obtende da Rainha do Céu que vossa ação tome toda a intensidade<br />

proporcionada com minhas debilidades, infidelidades, mas também com meu desejo de servir<br />

inteiramente a Causa da Santa Igreja Católica e da Civilização Cristã.<br />

Suplico-vos, portanto: intervinde o quanto antes em mim de maneira que, liberto da ação<br />

do demônio, a qual hoje atingiu um auge, eu possa vos pertencer inteiramente e ser vosso<br />

guerreiro na luta que se aproxima.<br />

(Composta em 4/12/1980)<br />

5


Dona Lucilia<br />

O Anjo da Guarda<br />

de Dona Lucilia<br />

Um Anjo cheio de misericórdia, de um atendimento pronto, meigo<br />

a todos os pedidos, sabendo ter pena até o fundo. Mas também<br />

um Anjo de grande discernimento: o que é verdade é verdade,<br />

o que é erro é erro, o que é bem é bem, o que é mal é mal.<br />

Para ver Dona Lucilia com os<br />

olhos com que eu via, tenho a<br />

impressão de que é preciso tomar<br />

muito em consideração um certo<br />

ponto fundamental de equilíbrio<br />

que dá propriamente a “fisionomia”<br />

da alma como ela é vista por Deus.<br />

Porque Ele não vê a alma apenas nesta<br />

ou naquela atitude, mas na própria<br />

fonte de todas as atitudes, naquilo<br />

que há no homem de estável e que dita<br />

a pluralidade de suas atitudes.<br />

Firme na doçura e<br />

doce na firmeza<br />

J.P.Ramos<br />

Alguém dirá: “Mas o homem nunca<br />

é tão coerente assim. Os homens<br />

incoerentes o que têm de estável?<br />

Parece que eles não são estáveis.”<br />

É o contrário, eles têm uma estabilidade<br />

intencionalmente quebrada,<br />

de onde todo o resto sai errado. Mas<br />

esta estabilidade, ainda que seja no<br />

quebrado, no errado, existe.<br />

Assim, para se formar uma hipótese<br />

de como seja o Anjo da Guarda correlato<br />

a cada pessoa é preciso procurar<br />

cada uma naquela estabilidade. Mais<br />

ainda, como seria essa estabilidade se<br />

a pessoa fosse como deveria ser. Aí se<br />

6


Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Acima, Dona Jesuína Ribeiro<br />

dos Santos, avó paterna de<br />

Dona Lucilia. À direita, Dona<br />

Gabriela e <strong>Dr</strong>. Antônio Ribeiro dos<br />

Santos, pais de Dona Lucilia<br />

têm os elementos para uma hipótese de<br />

como é o Anjo da Guarda de alguém.<br />

Nesta perspectiva, tenho a impressão<br />

de que o Anjo da Guarda dela deveria<br />

ser visto como um Anjo de uma<br />

espécie de serenidade sobrenatural,<br />

que importa numa convicção formada:<br />

é a Fé; numa atitude tomada: é o<br />

estilo da vida dela; e num passado coerente<br />

com essa atitude até o último<br />

momento. Firme na doçura e doce na<br />

firmeza até o fim.<br />

Aí se pode ter uma ideia de como<br />

seria esse Anjo: cheio de misericórdia,<br />

de um atendimento pronto,<br />

meigo a todos os pedidos, sabendo<br />

ter pena até o fundo. Mas, também,<br />

um Anjo de grande discernimento: o<br />

que é verdade é verdade, o que é erro<br />

é erro, o que é bem é bem, o que é<br />

mal é mal, e daí não se sai.<br />

Creio que sabendo compensar essas<br />

coisas e pô-las bem na linha se<br />

tem uma noção de como seria o Anjo<br />

da Guarda de Dona Lucilia.<br />

Todo mundo fala, e com muita razão,<br />

da missão protetora que tem cada<br />

Anjo. Mas está realçada muito –<br />

porque é mais fácil de imaginar e é<br />

autêntica, existe – a proteção do Anjo<br />

no que diz respeito ao corpo. Contudo,<br />

não está devidamente ressaltada<br />

a proteção do Anjo no referente à<br />

alma. Ora, esse é o elemento principal.<br />

Nós estamos aqui na Terra para<br />

dar glória a Deus, servi-Lo e amá-Lo,<br />

mas também para salvar as nossas almas,<br />

que é o meio de dar glória a Ele.<br />

Nessas condições, é bem evidente<br />

que o Anjo deseja para nós, mais do<br />

que tudo, a perseverança e a santificação.<br />

E nós devemos ver, sobretudo,<br />

como o Anjo terá agido em relação<br />

à alma de Dona Lucilia.<br />

Um mero corisco<br />

transformado em luz<br />

Conheço de um modo não satisfatório<br />

o passado remoto da sua família.<br />

Sei que um bisavô dela era um<br />

português o qual lutou contra o exército<br />

de Junot, general de Napoleão<br />

que invadiu Portugal. Como Junot<br />

tomou conta de Portugal, esse bisavô<br />

de mamãe teve sua casa no Porto<br />

destruída e sua família foi morta, e<br />

ele veio para o Brasil, onde se casou<br />

com uma senhora de família tradicional,<br />

que veio a ser minha trisavó.<br />

Entretanto, tenho uma ideia muito<br />

vaga sobre o passado da família<br />

em Portugal, não sei qual é a mentalidade,<br />

o estado de espírito e, sobretudo,<br />

o que mais importa: qual a<br />

posição religiosa desses antepassados<br />

portugueses. Mas, através de alguma<br />

coisa que ela contou, julgo vislumbrar<br />

que havia em sua avó paterna,<br />

e depois em seu pai, alguma coisa<br />

que preparava o caminho para<br />

ela, fazendo pressentir esse estilo de<br />

alma de que acabo de falar.<br />

General Jean Andoche Junot<br />

Henri Félix Emmanuel Philippoteaux (CC3.0)<br />

7


Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Dona Lucilia<br />

Não estou dizendo com isso que<br />

o pai e a avó dela corresponderam<br />

inteiramente. Digo apenas que parecem<br />

ter recebido graças na mesma<br />

direção. E isso tem alcance para<br />

considerar como seu Anjo da Guarda<br />

agiu na alma dela, porque se vê<br />

que mamãe nasceu num ambiente<br />

onde essa luz estava presente, e<br />

ela participou dessa luz mais do que<br />

seus antecessores. Aquilo que era<br />

um corisco antes dela, com ela tomou<br />

muito mais porte e dimensão.<br />

Dentro desse ambiente familiar, ela<br />

estava enlevadíssima com essa luz,<br />

e fazendo disso um caminho para<br />

Deus.<br />

No Sagrado Coração de Jesus ela<br />

via a plenitude inimaginável e indiscernível<br />

de todas as virtudes, entre as<br />

quais esta que ela conhecia por coriscos<br />

humanos, por fulgurações assim.<br />

Creio que a grande provação da<br />

vida dela se desenvolveu da seguinte<br />

maneira: tenho a impressão de que<br />

ela formava uma ideia um tanto ingênua<br />

de que todas as pessoas eram,<br />

pensavam, sentiam e se queriam assim,<br />

e que todas as famílias, em suas<br />

casas, viviam desse jeito, os senhores<br />

eram do estilo do pai dela e as senhoras<br />

como ela via a mãe. Com isso,<br />

ela concebia o mundo como uma<br />

espécie de antessala do Céu.<br />

Dissabores permitidos<br />

pela Providência<br />

Com o tempo, naturalmente, vieram<br />

as decepções: este e aquele não<br />

eram assim, ingratidões para com ela,<br />

enfim, toda espécie de dissabores.<br />

Ela me contava este caso característico:<br />

Uma senhora rica, de boa família,<br />

cliente de meu avô, era isolada<br />

no mundo, não tinha quem a apoiasse<br />

e, de repente, adoeceu. Meu avô<br />

precisou tratar com ela de um negócio<br />

qualquer, soube que ela estava<br />

doente e mandou que as filhas dele<br />

a visitassem. Viram, então, o abandono<br />

em que ela se encontrava, numa<br />

casa grande, rica, mas no meio<br />

de criadas que não tinham zelo por<br />

ela. Meu avô, desde logo, decretou:<br />

“Ela vai ficar morando em nossa casa<br />

durante o tempo que quiser e minhas<br />

filhas vão cuidar dela.”<br />

Minha mãe era moça e essa senhora,<br />

portanto, bem mais velha do<br />

que ela. E logo se prontificou a ajudá-la.<br />

Mesmo tarefas que poderiam<br />

ser confiadas a uma criada, ela, por<br />

amabilidade, fazia. Entretanto, começou<br />

a notar que quando prestava<br />

a essa senhora toda espécie de serviços,<br />

ela os recebia como se minha<br />

mãe não estivesse senão cumprindo<br />

a mais elementar das obrigações.<br />

Por outro lado, ao aparecer uma outra<br />

pessoa da família que quase não<br />

ia lá – porque pensava na sua própria<br />

vida e não queria ter essa paciência<br />

–, a hóspede sorria muito comprazida<br />

e dizia: “Fulana, como você<br />

tem sido boazinha para comigo.<br />

Muito obrigada!”<br />

A pessoa da família, objeto dessa<br />

gratidão, olhava para minha mãe<br />

e dizia:<br />

— Não seja boba, Lucilia. Você<br />

deve fazer como eu: mande as criadas<br />

da casa servirem a ela, e uma vez<br />

cada dois ou três dias você aparece<br />

para fazer uma visitinha, e ela fica<br />

encantada.<br />

8


Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Conferência realizada em Belo Horizonte<br />

por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, em outubro de 1961<br />

Minha mãe respondia:<br />

— Não, coitada, ela está doente,<br />

sofrendo, e eu quero prestar-lhe<br />

todo o auxílio, pois papai assim nos<br />

mandou.<br />

— Olhe, você vai ver como no dia<br />

em que essa senhora sarar e sair de<br />

casa, ela vai agradecer a mim o serviço<br />

que você fez.<br />

Foi dito e feito. Na hora da despedida,<br />

a hóspede agradeceu efusivamente<br />

à outra e, para mamãe, disse<br />

apenas: “Lucilia, até logo.”<br />

A criatura humana tem torpezas<br />

dessas, mas nesse caso Nossa Senhora<br />

permitia para ir abrindo os olhos<br />

de mamãe a respeito das coisas.<br />

Foi-lhe pedido<br />

desapegar-se de tudo<br />

Eu mesmo presenciei várias situações<br />

semelhantes, por onde ela<br />

ia compreendendo que, em face da<br />

bondade dela, as pessoas, na sua<br />

grande maioria, ficariam indiferentes.<br />

Entretanto, ela mantinha sua<br />

posição por amor de algo infinitamente<br />

mais alto, quer dizer, de Deus<br />

Nosso Senhor.<br />

Ao longo da vida, ela foi constatando<br />

que essa atitude das pessoas<br />

não era apenas uma falha, mas quase<br />

se poderia dizer o contrário, que<br />

dentro do homem a bondade constitui<br />

um lapso, ou seja, de vez em<br />

quando acontece de ser bom. Mas<br />

se não for fiel à graça, e por razões<br />

religiosas, o ser humano é estável e<br />

continuamente ruim. Portanto, esta<br />

vida, essas criaturas humanas terrenas<br />

que ela se preparava para querer<br />

tanto não eram senão o contrário<br />

do que ela esperava, das quais recebia<br />

apenas decepção e ingratidão; e<br />

isso entre os mais próximos...<br />

Compreende-se bem como isso<br />

ia maturando a alma dela para fazer<br />

o seguinte balanço: “Ou minha vida<br />

foi vivida toda para Deus – e então<br />

se explica –, ou se não tivesse sido vivida<br />

para Ele, teria sido o maior erro<br />

que se possa imaginar, porque passei<br />

minha existência dando-me, dando-<br />

-me, dando-me e recebendo dos homens<br />

essa retribuição...”<br />

Pequenas circunstâncias fortuitas<br />

levaram a que, em determinado<br />

momento, mesmo a meu respeito,<br />

ela tivesse algumas provações. Por<br />

exemplo, eu percebia que ela tinha<br />

uma certa dificuldade em compreender<br />

a razão pela qual eu dedicava<br />

tanto tempo ao nosso Movimento,<br />

deixando-a sozinha. O que eu,<br />

no meio de mil carinhos, fazia inexoravelmente<br />

por saber ser a minha<br />

obrigação.<br />

Em certa ocasião, quando nos encontramos<br />

fortuitamente num corredor<br />

de nosso apartamento, ela me<br />

disse: “Meu filho, eu só tenho você,<br />

mas a você eu tenho inteiramente!”<br />

Vê-se que depois a Providência começou<br />

a exigir dela, até disso, um<br />

certo desapego: “Não pense em mais<br />

nada, nem em ninguém. Pense só em<br />

Deus.”<br />

Quando, em seus últimos instantes,<br />

ela sentiu a morte chegar, fez<br />

um grande Sinal da Cruz, juntou as<br />

mãos e morreu. Esse amplo Nome<br />

do Padre tem evidentemente o caráter<br />

de uma grande aceitação, uma<br />

grande resolução e uma grande confirmação:<br />

“É o que eu queria, é nisso<br />

que eu creio!”<br />

v<br />

(Extraído de conferência de<br />

16/1/1981)<br />

9


De Maria nunquam satis<br />

Teodoro Reis<br />

Uma devoção<br />

de luta<br />

O Rosário confere à meditação da vida<br />

de Nosso Senhor a nota marial por<br />

excelência, tendo por detrás a grande<br />

verdade de Fé a qual devemos anelar, do<br />

fundo de nossa alma, que se torne um<br />

dogma: a Mediação Universal de Maria.<br />

Dada a grandeza da festa do<br />

Santo Rosário, é importante<br />

dizermos uma palavra sobre<br />

esta devoção que consiste na meditação<br />

dos mistérios gaudiosos, dolorosos<br />

e gloriosos da vida de Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo feita em três terços,<br />

cada qual com cinco mistérios.<br />

so Senhor existem na Igreja. Nós temos,<br />

por exemplo, a meditação feita<br />

segundo os Exercícios Espirituais de<br />

Santo Inácio. Essa técnica inaciana<br />

pode aplicar-se a cada um dos mistérios<br />

do Rosário. Existe outra devoção<br />

que medita os mistérios dolorosos<br />

magnificamente: a Via-Sacra.<br />

Portanto, embora seja o Rosário<br />

uma devoção muito importante,<br />

considerado na sua última coerência<br />

ele não é senão uma outra apresen-<br />

A pessoa verdadeiramente<br />

piedosa reza pelo menos<br />

um terço por dia<br />

Sem dúvida, é magnífico meditar<br />

a respeito dos mistérios da vida de<br />

Nosso Senhor. Ademais, os mistérios<br />

ali apontados, naquela enumeração,<br />

embora não sejam os únicos,<br />

estão muito bem concatenados e expostos,<br />

e podemos facilmente compreender<br />

o proveito que as almas<br />

têm com essa meditação.<br />

Entretanto, devemos reconhecer<br />

que outros métodos de meditação<br />

dos mistérios da vida de Nos-<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1993<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

10


tação de estilos de meditação e atos<br />

de piedade que a Santa Igreja, no<br />

seu empenho materno, multiplica<br />

de várias formas.<br />

E, por causa disso, fica<br />

sem uma explicação<br />

muito clara a seguinte<br />

questão: Por que todos<br />

os inimigos da<br />

Igreja detestam tanto<br />

o Rosário? Detestam-no<br />

e combatem-no<br />

mais do<br />

que todas as devoções<br />

congêneres.<br />

Por que também,<br />

de outro lado,<br />

o Rosário é<br />

objeto de uma<br />

predileção especial<br />

dos verdadeiros<br />

filhos de Nossa<br />

Senhora e da Igreja,<br />

de maneira que tenham<br />

eles um grande<br />

apreço, não só ao método,<br />

mas a alguns imponderáveis<br />

ligados ao próprio<br />

objeto de piedade usado continuamente<br />

como uma espécie<br />

de garantia de bênção, de favor de<br />

Nossa Senhora, a ponto de, por exemplo,<br />

não se conceber uma pessoa verdadeiramente<br />

piedosa que não tenha<br />

sempre consigo seu terço e que não<br />

reze pelo menos um terço por dia? E<br />

não se concebe um membro do nosso<br />

Movimento que não reze o Santo<br />

Rosário, isto é, os três terços todos os<br />

dias; ou que, não o podendo fazer por<br />

justas razões, não tenha por isso um<br />

grande pesar e uma viva esperança de<br />

retornar a rezar o Rosário.<br />

Uma das belezas da<br />

Igreja Católica<br />

Nossa Senhora do Rosário - Mosteiro<br />

de São Pelayo de Antealtares,<br />

Santiago de Compostela,<br />

Espanha<br />

São numerosas as Ordens Religiosas<br />

que usam o Rosário como elemento<br />

integrante de seu hábito. É<br />

generalizado o costume de enterrar<br />

os defuntos com um Rosário entrelaçado<br />

nas mãos. Ou seja, para esperar<br />

a ressurreição dos mortos, o verdadeiro<br />

católico não se contenta em<br />

ir para a sepultura com um crucifixo,<br />

mas vai também com o Santo Rosário.<br />

As indulgências com as quais os<br />

Papas cobriram o Rosário são sem-<br />

-número. A invocação de Nossa Senhora<br />

do Rosário é generalizadíssima:<br />

catedrais, dioceses, famílias religiosas,<br />

pessoas usando o nome “Rosário”<br />

em várias nações.<br />

De todos os lados o Rosário goza<br />

de uma influência, de uma aceitação<br />

da parte dos bons comparável<br />

apenas ao ódio que experimenta<br />

da parte dos maus. Há vários fatos<br />

que narram como o demônio,<br />

procurando atormentar esta ou<br />

aquela alma, recua quando a pessoa<br />

atormentada acena para ele com o<br />

Rosário. Todo mundo que tem<br />

mau espírito odeia o Rosário,<br />

subestima-o ou diretamente<br />

o combate. Por<br />

exemplo, os jansenistas<br />

o odiavam, os protestantes<br />

o odeiam.<br />

Poderíamos, então,<br />

nos perguntar<br />

a razão dessa<br />

glória tão especial<br />

do Rosário para<br />

a qual, afinal de<br />

contas, não encontramos<br />

um fundamento<br />

quando<br />

analisamos a última<br />

substância do<br />

Rosário, que é a<br />

meditação dos mistérios<br />

da vida e Paixão<br />

de Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo.<br />

Parece-me que, de<br />

início, devemos reconhecer<br />

ser esta uma das belezas<br />

da Igreja Católica. Sendo<br />

ela enormemente precisa<br />

no seu pensamento teológico, é,<br />

entretanto, cheia de imponderáveis,<br />

os quais, por alguns aspectos, constituem<br />

o suco da devoção.<br />

Flavio Lourenço<br />

Mediação Universal de<br />

Maria Santíssima<br />

Tomemos como exemplo a devoção<br />

admirável da Via-Sacra. Nela se encontra<br />

algo da ternura de São<br />

Francisco de Assis, e seus imponderáveis<br />

convidam a uma<br />

meditação enternecida, comovida<br />

da Paixão de Nos-<br />

Rodrigo C.B.<br />

11


De Maria nunquam satis<br />

Teodoro Reis<br />

so Senhor Jesus Cristo e de sua morte<br />

sacratíssima, de um modo especial.<br />

Há um espírito que flutua em torno da<br />

Via-Sacra que constitui, talvez, o melhor<br />

de sua eficácia. É uma graça específica<br />

ligada a essa forma de devoção.<br />

Também os Exercícios Espirituais<br />

de Santo Inácio são um modo não propriamente<br />

de devoção, mas de meditação<br />

que traz consigo uma graça especial<br />

de lógica, de energia, de honestidade<br />

de consciência e de generosidade ao<br />

pôr-se o fiel diante dos problemas relacionados<br />

com sua salvação eterna.<br />

No Rosário, a grande fonte de inspiração<br />

de nossa meditação e o alvo<br />

imediato de nossa oração é a Santíssima<br />

Virgem. A meu ver, é por causa<br />

dessa focalização muito especial de<br />

Nossa Senhora que o Rosário constitui<br />

a devoção marial por excelência,<br />

tendo por detrás a grande verdade<br />

de Fé que devemos anelar do fundo<br />

de nossa alma que se torne um dogma:<br />

a Mediação Universal de Maria.<br />

O sistema de rezar o Rosário apelando<br />

para Nossa Senhora em tudo,<br />

rezando Ave-Marias enquanto se considera<br />

algum episódio, ora relacionando<br />

a oração com aquele fato, ora concentrando<br />

o principal da atenção no<br />

mistério, ora na Ave-Maria, em todo<br />

caso, sempre numa união contínua<br />

com Nossa Senhora, eis o caráter marial<br />

que, a meu ver, constitui o suco<br />

do Rosário, pois esta devoção não teria<br />

sentido se a Mediação Universal de<br />

Maria não fosse verdadeira.<br />

Por representar um prelúdio de toda<br />

a teologia de São Luís Maria Grignion<br />

de Montfort, da verdade de Fé referente<br />

à Mediação Universal, o Rosário<br />

é tão odiado pelo demônio. E é por<br />

causa desse imponderável que nós nos<br />

devemos agarrar muito ao Rosário.<br />

Em suma, por causa da nota marial<br />

que o Rosário confere à meditação da<br />

vida de Nosso Senhor, é um sinal de<br />

predileção de Nossa Senhora o fato de<br />

alguém ter uma devoção especial ao<br />

Santo Rosário. Também é um sinal de<br />

que Ela ama alguém o fato de, através<br />

do Rosário, levar a alma a amar uma<br />

posição que só se justifica em face da<br />

Mediação Universal. Portanto, o Rosário<br />

é o verdadeiro símbolo da devoção<br />

do fiel a Nossa Senhora, daquele<br />

que quer pertencer a Ela plenamente.<br />

Que Nossa Senhora<br />

faça de nós lutadores<br />

inteiramente d’Ela<br />

Isso se confirma pelo ódio do demônio<br />

e dos maus a essa devoção. Por<br />

vezes eles são mais perspicazes do que<br />

os bons; e quando odeiam muito algo,<br />

nós já podemos ter a certeza de que<br />

aquilo é muito bom.<br />

A razão pela qual, ao decorarmos<br />

nossa sede principal, colocamos<br />

na porta da capela um Rosário pendente<br />

de uma espada, é para chamar<br />

a atenção para duas verdades ou<br />

dois pensamentos que devem marcar<br />

quem ali entra: antes de tudo, a fidelidade<br />

ao Rosário e, através dele, a<br />

essa devoção omnímoda a Nossa Senhora,<br />

que é, afinal de contas, a da<br />

Mediação Universal. Depois, a espada<br />

que nos lembra o espírito de luta.<br />

Não é por mero enfeite que aquilo<br />

está lá, mas foi colocado de propósito,<br />

daquele jeito, para chamar a atenção<br />

daqueles que entram e marcar como<br />

um prefácio, preparando por uma<br />

espécie de golpe na mentalidade de<br />

quem entra o espírito com o qual deve-<br />

-se estar dentro daquela<br />

capela. Esse simbolismo<br />

é um estímulo contínuo<br />

que nós quereríamos dar<br />

para que, cada vez mais,<br />

praticássemos a devoção<br />

ao Santo Rosário.<br />

Fica, então, este pensamento<br />

para nos lembrar<br />

de que o Rosário<br />

é uma devoção de luta<br />

e nós estamos numa<br />

época de batalhas. Peçamos,<br />

pois, a Nossa Senhora<br />

que faça de nós<br />

autênticos lutadores inteiramente<br />

d’Ela. Não<br />

conheço melhor pedido<br />

para ser feito através do<br />

Santo Rosário. v<br />

(Extraído de conferência<br />

de 6/10/1966)<br />

12


Château de Versailles enligne (CC3.0)<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

O ideal de Cavalaria,<br />

plenitude do espírito católico - I<br />

O principal elemento do ideal de Cavalaria é o alto sentido<br />

pelo qual o cavaleiro combate: a Santa Igreja Católica e a<br />

Civilização Cristã. Pelo senso católico o verdadeiro cavaleiro<br />

discerne a necessidade mais preeminente da Igreja e luta por<br />

ela. Um dos traços mais característicos do cavaleiro é o gosto<br />

pelo risco que o faz, por assim dizer, tocar em Deus.<br />

Apalavra “Cavalaria” traz consigo<br />

uma série de ressonâncias<br />

heroicas e brilhantes. Ao<br />

falar sobre ela temos a impressão de<br />

ouvir o tropel de vários cavalos que<br />

seguem garbosamente rumo à aventura<br />

e ao adversário.<br />

Um homem que atingiu<br />

a sua plenitude<br />

Por cima do cavalo, naturalmente,<br />

o cavaleiro. Nós o imaginamos um<br />

homem que realiza o seguinte estado<br />

de espírito: atira-se sobre desco-<br />

nhecidos, em direção à luta e aos riscos.<br />

Está encantado com o que faz,<br />

embora possa lhe ocorrer as piores<br />

coisas: ser ferido, morto, ficar estropiado<br />

a vida inteira. Entretanto, vai<br />

alegre para essa aventura, porque<br />

deseja a vitória de um ideal e alme-<br />

13


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

Painting by J.J. Dassy (CC3.0)<br />

ja ser cercado de uma grande glória.<br />

O cavaleiro nos parece, debaixo desse<br />

ponto de vista, o homem que atingiu<br />

a sua plenitude.<br />

Há uma forma de admiração pelo<br />

cavaleiro que não se tem por todas<br />

as outras plenitudes que o homem<br />

possa realizar. Por exemplo, a<br />

plenitude da sabedoria de quem alcança<br />

uma grande ciência, do senso<br />

diplomático, do tato político, do gosto<br />

artístico ou da oratória. Nenhuma<br />

dessas plenitudes parece ter importância<br />

quando as comparamos com a<br />

do cavaleiro que parte para a Cruzada<br />

tendo marcado o peito com uma<br />

cruz, a cabeça protegida pelo elmo<br />

de metal prateado e encimado por<br />

um penacho, portando o escudo e<br />

cingindo a espada, e sobre quem bate<br />

o Sol enquanto ele avança para a<br />

luta. Este parece realizar a plenitude<br />

humana de um modo insuperável!<br />

O ideal da Cavalaria:<br />

a Igreja Católica<br />

Poderíamos nos perguntar o que<br />

há de tão extraordinário no ideal de<br />

Cavalaria para entusiasmar tantos<br />

homens ao longo da História. Ainda<br />

hoje, quando se quer fazer o elogio<br />

de alguém, afirmar que é um homem<br />

completo, no sentido mais nobre da<br />

palavra, diz-se ser um perfeito cavaleiro.<br />

Ou seja, ele é ao mesmo tempo<br />

corajoso e cortês, condescendente,<br />

amável, cheio de bondade, mas valente,<br />

audacioso e seguro de si.<br />

Poder-se-ia dizer que a noção de<br />

Cavalaria está para nós como o penacho<br />

para o elmo de um cavaleiro.<br />

O elmo pode ser o mais bonito, mas<br />

sem o penacho flutuando ao vento<br />

ele não realiza toda a sua beleza. Assim,<br />

também, todos os nossos ideais<br />

podem ser comparados a um elmo.<br />

Entretanto, o penacho é o ideal do<br />

cavaleiro.<br />

O que é, precisamente, o ideal de<br />

Cavalaria? Seu principal elemento é<br />

o alto sentido pelo qual o cavaleiro<br />

combate. Ele é antes de tudo um católico<br />

apostólico romano, vive para a<br />

causa da Igreja e quer que ela vença.<br />

Porém, não se trata de um querer<br />

sob qualquer aspecto. Não é, por<br />

exemplo, como um missionário, um<br />

pregador, um indivíduo que se preocupe<br />

com a arte sacra. Todas essas<br />

coisas são excelentes para a causa<br />

da Igreja, mas o cavaleiro é aquele<br />

que considera a maior das necessidades<br />

dela no presente momento e<br />

a atende.<br />

Assim, no tempo das Cruzadas,<br />

vemos que a luta contra os maometanos<br />

constituía uma necessidade<br />

primordial. De que valeria ter universidades,<br />

construir catedrais, castelos,<br />

fazer uma civilização esplêndida,<br />

se os maometanos entrassem e<br />

derrubassem tudo? Não teria adiantado<br />

de nada. Ou seja, as lutas contra<br />

os mouros era um ponto de importância<br />

tal que todo o resto dependia<br />

disso. Se nessa luta os católicos<br />

vencessem, tudo poderia se<br />

esperar; se não vencessem, tudo se<br />

perdia.<br />

O cavaleiro é dotado de uma particular<br />

forma de senso católico que<br />

o leva a tratar da causa essencial, ir<br />

diretamente ao mais importante, ao<br />

mais exato e ali aplicar os seus recursos.<br />

É um homem que se dedica<br />

à salvação pública e ao que é supereminente<br />

dentro da causa católica.<br />

O gosto pelo risco e<br />

pelo sacrifício<br />

Outro elemento essencial dentro<br />

da Cavalaria é o gosto pelo risco. O<br />

cavaleiro luta por sua vida, mas não<br />

hesita em expô-la pela causa à qual<br />

serve. É o herói católico que vai de<br />

encontro à morte para defender a<br />

Igreja e a Civilização Cristã naqui-<br />

14


lo que ela mais precisa. Tem-se, assim,<br />

a ideia de Cavalaria inteiramente<br />

posta. Essa noção de gosto pelo<br />

risco, pelo sacrifício precisa ser especialmente<br />

acentuada, porque nela<br />

encontramos o traço mais característico<br />

do cavaleiro.<br />

De si, o homem tem pânico do<br />

risco. O instinto de conservação e<br />

o bom senso levam-no a poupar-se.<br />

Qualquer pessoa colocada diante<br />

de um perigo tem medo e razoavelmente<br />

procura fugir. Alguém com<br />

muito heroísmo pode até enfrentar<br />

o adversário ou o perigo com<br />

resignação. Por exemplo, durante<br />

uma epidemia de meningite, cuidar<br />

de pessoas que contraíram essa<br />

doença contagiosa é um ato de coragem,<br />

porque a moléstia pode matar<br />

quem está tratando dos outros.<br />

Apesar disso, a pessoa pode ir resignadamente<br />

tratar dos atingidos pela<br />

meningite.<br />

Um cavaleiro vai resignadamente<br />

para a guerra? Não. Mais do que<br />

uma resignação, ele tem euforia, alegria!<br />

Qual o fundo dessa euforia do<br />

cavaleiro com o risco? Como um perigo<br />

pode transformar-se numa alegria<br />

para um homem?<br />

Todo homem sente em si a condição<br />

de criatura contingente e sabe<br />

que vai morrer. A morte é inerente<br />

à natureza humana, assim como respirar,<br />

comer, dormir. O homem precisa<br />

morrer, e nisto há um ditame<br />

da Sabedoria Divina. Por natureza,<br />

Adão e Eva eram mortais. Deus concedeu-lhes<br />

a graça da imortalidade<br />

por um dom gratuito. Quando, em<br />

punição pelo pecado, o Criador retirou<br />

deles esse dom, passaram a estar<br />

sujeitos à morte. O primeiro homem<br />

que morreu foi Abel, assassinado<br />

por Caim. Depois, os outros começaram<br />

a morrer por doenças, acidentes<br />

e por tudo quanto morrem os<br />

homens.<br />

Se Adão e Eva não tivessem pecado,<br />

como teria sido o fim da vida deles?<br />

Teria sido, ao pé da letra, uma<br />

apoteose, uma glorificação. Eles<br />

iriam subindo de virtude em virtude,<br />

e quando tivessem alcançado perfeição<br />

para a qual foram criados, Deus<br />

os chamaria a Si para o Céu, e eles<br />

se elevariam aos olhos de todos os<br />

descendentes numa festa paradisíaca<br />

extraordinária, e passariam do Paraíso<br />

terreno para o celeste.<br />

World Imaging (CC3.0)<br />

No fim da vida, todo ser<br />

humano deve deixar esta<br />

Terra e ir para o Céu<br />

15


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

Podemos imaginar essa apoteose<br />

da seguinte maneira: Adão, por<br />

exemplo, com novecentos anos, tendo<br />

chegado ao ápice de sua virtude,<br />

iria se tornando cada vez mais luminoso,<br />

elevado, mais unido a Deus<br />

que, em determinado momento, o<br />

avisaria: “Tu, agora, vais deixar o<br />

mundo.” Adão convocaria todo o gênero<br />

humano em torno dele, centenas<br />

ou milhares de descendentes que<br />

povoariam o Paraíso. Então, do alto<br />

de uma montanha, começaria a subir<br />

lentamente. Os homens glorificando-o<br />

e ao mesmo tempo ouvindo<br />

cantos dos Anjos descendo para chamá-lo<br />

até Deus. Assim o primeiro<br />

homem subiria até o Céu. Seria uma<br />

verdadeira maravilha.<br />

Entretanto, mesmo sem morrer,<br />

Adão teria de deixar esta Terra e tudo<br />

quanto é dela, e ir para o Céu.<br />

Glória: o efeito que se volta<br />

para a própria causa<br />

Que princípio está por detrás disto?<br />

Como explica São Tomás de<br />

Aquino, o movimento perfeito é<br />

aquele cujo ponto terminal volta à<br />

própria causa. Assim, a criatura atinge<br />

sua perfeição quando, percorrendo<br />

todo o seu périplo, retorna à Causa<br />

que a produziu. Nesta volta do<br />

efeito à sua própria causa encontra-<br />

-se a definição de glória.<br />

Por exemplo, uma bela escultura<br />

é a expressão do talento do escultor,<br />

e nisso há uma glória, porque<br />

aquela obra, a seu modo, louva<br />

quem a fez. Isso se dá com ainda<br />

mais propriedade nas criaturas<br />

racionais. Assim, também o homem<br />

criado por Deus deve voltar a Ele<br />

para glorificá-Lo.<br />

Por este princípio, se Deus não tivesse<br />

dado a imortalidade a Adão no<br />

Paraíso e, sem ter pecado, ele tivesse<br />

de morrer, ainda assim seria muito<br />

bonito. Debaixo de certo ponto de<br />

vista, talvez tivesse uma beleza maior,<br />

apesar do lado sinistro da morte. Se-<br />

ria a bela atitude<br />

do homem<br />

que, terminada<br />

sua<br />

trajetória na<br />

Terra, compreende<br />

que precisa<br />

passar por uma<br />

destruição, isto<br />

é, a separação entre<br />

alma e o corpo,<br />

e por esse meio dar<br />

glória a Deus. Ele<br />

imerge nessa destruição<br />

por um ato de adoração<br />

e diz: “Ó Deus,<br />

sois tão perfeito, tão celeste,<br />

numa palavra só,<br />

tão divino, que quero me<br />

unir a Vós, mesmo tendo<br />

de passar por esse vale profundo.<br />

Já que me criastes,<br />

mereceis a minha destruição.<br />

Eu a aceito em louvor a Vós,<br />

meu Criador! Sei que sobreviverei<br />

à minha própria destruição<br />

e ressuscitarei, e me unirei a Vós<br />

por toda a eternidade.”<br />

Há, portanto, uma espécie de<br />

gosto nessa destruição que é o voltar<br />

para nossa Causa e dar glória<br />

a Ela, compreendendo a sublimidade<br />

desse ato pelo qual o homem,<br />

por amor e para a glória<br />

de Deus, aceita ser destruído. E,<br />

no ato de destruição, ele é como<br />

que assumido, colhido e levado<br />

por Deus.<br />

Por pior e mais triste que seja,<br />

a morte do homem em estado<br />

de graça é uma coisa sublime.<br />

Podemos imaginar tudo: a saúde<br />

que vai se retirando, os sentidos<br />

desaparecem, os suores finais, a última<br />

agonia... Morreu, a alma é colhida<br />

por Deus e levada ao Céu. Há<br />

o fim espetacularmente belo, embora<br />

o meio para chegar a ele seja tremendo.<br />

Mas o homem que tem<br />

Fé conhece a beleza desse<br />

fim e imerge na morte com<br />

decisão.<br />

A morte é o mais<br />

belo lance da vida<br />

Eu conheço a morte de uma senhora<br />

que foi assim. Ela estava extremamente<br />

idosa, o estado de saúde<br />

dela por um fio, movimentos indecisos.<br />

Quando ela sentiu que a hora<br />

da morte se aproximava, fez o<br />

Nome do Padre com toda a decisão<br />

de uma pessoa sadia. Morreu,<br />

Deus colheu a sua alma.<br />

Aceitar essa separação,<br />

compreendendo que é<br />

uma sublimação e uma<br />

Divulgação (CC3.0)<br />

16<br />

Godofredo de Bouillon<br />

Coudenberg, Bruxelas


elevação para o Céu, há nisto um ato<br />

de adoração a Deus e de plenitude<br />

do homem que faz da morte o mais<br />

belo lance da vida. Então, mais belo<br />

do que viver é morrer. A morte é o<br />

ápice. É isto que está no alto da noção<br />

de Cavalaria.<br />

O cavaleiro que caminha a todo<br />

tropel rumo ao adversário para libertar<br />

o Santo Sepulcro sabe que pode<br />

ser morto, mas compreende que<br />

ele atinge a sua finalidade morrendo<br />

em holocausto a esse Deus que lhe<br />

deu a vida. Assim ele é colhido por<br />

Ele, entra na glória e se une a Deus<br />

por toda a eternidade.<br />

A beleza desse salto no escuro e<br />

no desconhecido para encontrar do<br />

outro lado a luz eterna, a lógica e a<br />

clareza de entendimento com que a<br />

pessoa se atira têm uma força que é<br />

a mais bela ação do homem na vida.<br />

Essa alegria do homem no morrer e,<br />

portanto, no risco é propriamente o<br />

que dá dignidade à Cavalaria.<br />

Um cruzado paraquedista<br />

que luta e se imola por Deus<br />

Quando o homem sabe que está<br />

correndo risco com esta finalidade,<br />

o perigo é como que raspar pela<br />

Divindade, sentir-se envolto já em<br />

Deus por todos os lados para eventualmente<br />

ser colhido por Ele de qualquer<br />

forma e a qualquer momento.<br />

Eis o modo pelo qual o homem se<br />

eleva acima de todo o contingente e<br />

transitório, e compreende que a única<br />

coisa válida é Deus e aquilo que é<br />

eterno. Esse estado de espírito é de<br />

uma altura, uma pureza, uma nobreza<br />

que não se compara com nada.<br />

Pode-se entender, por estas considerações,<br />

a beleza do que seria um<br />

paraquedista cruzado em nosso século.<br />

Abre-se a porta do avião, vinte<br />

homens pulam no vácuo. O paraquedista<br />

fica esperando o paraquedas<br />

abrir – há casos em que não abre<br />

–, e vai descendo para o abismo. Por<br />

baixo, veem-se os tiros de metralhadora<br />

e os jatos de luz para focalizá-<br />

-lo e matá-lo. Ele está sobre um fio<br />

e a morte o cerca, assim como o vento,<br />

com aquele ar muito puro das alturas,<br />

o inunda por todos os lados.<br />

Nesse momento ele sente que está<br />

em contato com Deus, quase raspando<br />

n’Ele.<br />

A beleza fundamental disso está<br />

nessa espécie de “vizinhança” de<br />

Deus, que quase o colhe, e o paraquedista<br />

vai dizendo: “Sim, sim,<br />

sim!” Ele sabe que está realizando<br />

dois atos sublimes: lutando e imolando-se<br />

por Deus. Esse herói é uma<br />

vítima nas mãos do Criador. Do alto<br />

do Céu os Anjos acompanham os<br />

movimentos da luta e do corpo dele,<br />

vão sorrindo e cantando, dando<br />

glória a Deus pela decisão que esse<br />

valente tem de aceitar a morte. Se<br />

morrer, ele é levado para o alto; se<br />

não morrer, ele como que já transpôs<br />

os umbrais da vida e poderá dizer<br />

para os seus descendentes: “Meninos,<br />

eu já estive perto da morte!”<br />

Isso tem uma majestade! Equivale a<br />

dizer: “Eu estive perto de Deus!”<br />

De outro lado, há uma beleza especial<br />

nesse correr o risco: às vezes a<br />

pessoa pressente que Deus não quer<br />

que ela morra. Ela quereria, estaria<br />

disposta a ceder a sua vida, mas como<br />

não é a vontade divina, ela mesma<br />

sente aquela espécie de confiança<br />

de que, em meio a mil perigos,<br />

Deus vai protegê-la. Este misto de<br />

risco e proteção, este sentido de que<br />

a pessoa está nas mãos de Deus e de<br />

que Ele a ajuda é ainda uma forma<br />

de tocar no Criador.<br />

Tanto no perigo quanto na morte<br />

toca-se em Deus. Entretanto, no<br />

primeiro “raspamos”, como que tocamos<br />

com a mão n’Ele, sem entrar<br />

definitivamente em seu seio. Mas, de<br />

qualquer forma, para o verdadeiro<br />

católico o risco e a morte são meios<br />

de nossa alma se elevar esplendidamente<br />

a Deus. São estados de alma<br />

de grande união com Ele. Aí está<br />

exatamente a beleza do risco e da<br />

morte.<br />

v<br />

(Continua no próximo número)<br />

(Extraído de conferência de<br />

3/8/1974)<br />

Andrevruas (CC3.0)<br />

17


Reflexões teológicas<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Da arquetipia ao<br />

sobrenatural<br />

A obra-prima da inteligência dá-se quando ela chega ao píncaro<br />

de sua própria capacidade de arquetipizar. É uma forma de<br />

inteligência na qual o indivíduo vê, tão longe quanto ele<br />

possa, a perfeição das coisas. O homem sacral deseja sempre<br />

ir mais além, pois possui um espírito ascensional infatigável.<br />

Interior da Catedral de<br />

Colônia, Alemanha<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1986<br />

Quando o homem chega ao<br />

último ponto que a inteligência<br />

alcança, ao último<br />

impulso do senso do ser no desejo<br />

de arquetipia, onde ele atinge?<br />

E a que grau de arquetipia se<br />

prestam as coisas da natureza?<br />

A obra-prima da<br />

inteligência: o píncaro<br />

da capacidade de<br />

arquetipizar<br />

São, portanto, coisas diferentes:<br />

até que ponto eu, <strong>Plinio</strong>, levando<br />

adiante tanto quanto é<br />

possível em mim a arquetipia,<br />

há um limite além do qual eu, por minha<br />

natureza, não posso conceber a<br />

perfeição? Nesse limite eu paro. Eu<br />

acho até, diga-se de passagem, que o<br />

píncaro da inteligência é o píncaro da<br />

concepção da arquetipia.<br />

No mais agudo sentido, a obra-<br />

-prima da inteligência é quando ela<br />

chega ao píncaro de sua própria capacidade<br />

de arquetipizar. A obra<br />

criadora do homem não é o tirar<br />

uma coisa como que do nada e compor,<br />

mas é conceber, a partir do criado,<br />

a criatura em seu máximo grau<br />

de perfeição.<br />

Quer dizer, é uma forma de inteligência<br />

na qual o indivíduo vê, tão<br />

longe quanto ele pode, a perfeição<br />

18


das coisas. No que entra a inteligência,<br />

entra o acréscimo que a vontade<br />

dá à inteligência. A vontade, cheia<br />

de amor pela arquetipia natural – estou<br />

falando da natureza –, tende e<br />

dilata as fronteiras de sua inteligência.<br />

Por outro lado, a coisa bem compreendida<br />

aumenta as fronteiras da<br />

vontade. Há um dueto entre a inteligência<br />

e a vontade a caminho da<br />

máxima perfeição. Quando chega ao<br />

último grau que o homem pode alcançar<br />

em matéria de arquetipia, ele<br />

atingiu a fronteira de si mesmo. Esse<br />

homem, se não fosse o sobrenatural,<br />

poderia cantar o Nunc dimittis 1 .<br />

Quando eu deixar esta vida, queria<br />

apresentar-me a Deus e a Nossa<br />

Senhora tendo levado a minha possibilidade<br />

de arquetipizar tão longe<br />

quanto possível. Não gostaria de<br />

morrer antes de ter visto isto assim.<br />

Espero comparecer perante Deus<br />

com todo o grau de excelência que<br />

Ele, na ordem natural, possa ter querido<br />

para mim. Isto então é o píncaro<br />

da coisa vista em mim mesmo. E<br />

desejo também levar todos aqueles<br />

que me foram confiados aos respectivos<br />

píncaros. Nesse sentido, nossa<br />

vida é um convite contínuo para essa<br />

arquetipização.<br />

Luis C.R. Abreu<br />

Até onde algo pode<br />

ser arquetipizado?<br />

A Virgem e o Menino - Portal da Catedral de Colônia, Alemanha<br />

Outra consideração a fazer seria:<br />

até que ponto a coisa, em si, se presta<br />

a ser arquetipizada? Ela tem uma<br />

fronteira e, objetivamente, não pode<br />

ser sublimada além de um certo<br />

limite.<br />

Por exemplo, uma xícara. Eu seria<br />

capaz de imaginar a xícara ideal?<br />

Eu julgaria interessante organizar<br />

um museu com uma coleção de<br />

todas as xícaras que houve no mundo<br />

e que foram dignas de serem vistas...<br />

Como se visita um museu assim?<br />

É perguntando-se, antes de entrar,<br />

o seguinte: Como seria a xícara<br />

arquetipizada, perfeitíssima? Depois,<br />

outra pergunta que seria muito<br />

interessante: Para a xícara arquetípica,<br />

qual a colherzinha ideal?<br />

De fato, este seria o epílogo da alma<br />

e o sentido da velhice de um homem<br />

de pensamento, quando, por<br />

exemplo, ele se aposenta, passa a<br />

tarde lendo jornal, conversando um<br />

pouco com um amigo, enfim, fazendo<br />

de tudo e nada, e dão a ele a<br />

oportunidade de arquetipizar o panorama<br />

geral da vida que teve. Isso,<br />

repito, é na ordem da natureza.<br />

Eu gostaria, muito de passagem,<br />

de deixar assinalado esse conceito<br />

de inteligência. Não é compreender<br />

depressa, nem a fundo. É compreender<br />

no alto. Por exemplo, conheci<br />

alguém que não tinha a inteligência<br />

assim. Essa pessoa procurava<br />

sempre o prático, o concreto e o meticuloso.<br />

Ora, é preciso arquetipizar!<br />

19


Reflexões teológicas<br />

Dennis Ludlow (CC3.0)<br />

Brego (CC3.0)<br />

Ulrich Oestringer (CC3.0)<br />

Aspectos de Rothenburg, Alemanha<br />

A arte popular é a atitude do camponês<br />

que arquetipiza o mundo dele.<br />

E não é fazer o mundo de um conde,<br />

é produzir a arte popular. Linda, esplêndida!<br />

A cidade de Rothenburg,<br />

por exemplo. Há museus para esse<br />

gênero de arte. Tudo que se chama<br />

artesanato tende a isso. Ninguém<br />

compreenderá a Idade Média se não<br />

tiver estas noções bem postas dentro<br />

da alma.<br />

Outro exemplo: o indivíduo que<br />

inventou a ogiva vale mais do que<br />

Colombo que descobriu a América,<br />

nem há comparação. Não se sabe<br />

quem é, é um anônimo. Mas um homem<br />

que primeiro arquetipizou uma<br />

janela para daí sair a ogiva e partindo<br />

dessa coisa quadrada – aliás, a<br />

Renascença adorou a janela em ângulo<br />

reto – pensou na ogiva, é um gênio,<br />

um gigante. Eu gostaria de me<br />

ajoelhar diante dele, se ele foi um<br />

santo.<br />

Outro ponto é a questão dos limites<br />

da arquetipização na própria coisa.<br />

Porque, por exemplo, não parece<br />

que se possa fazer de uma janela<br />

uma forma mais bonita do que uma<br />

ogiva. Neste gênero, a ogiva parece<br />

ter chegado ao fim do caminho. É<br />

mesmo ou haveria mais?<br />

Da arquetipia à graça<br />

Há uma coleção de arquetipias<br />

possíveis, mas somando, reunindo<br />

todas elas, fica uma figura vaga de<br />

algo que Deus não criou, que mais<br />

ou menos existirá, provavelmente no<br />

Céu Empíreo, e nos deixará inteiramente<br />

sem saber o que dizer.<br />

Quando o homem chega a esse<br />

ponto, a sua alma não está satisfeita.<br />

Pelo contrário, ele localiza uma zona<br />

dela que estava na bruma, dormindo,<br />

e que era para ele, por causa disso,<br />

uma fonte de mal-estar medonho<br />

– porque a alma quando dorme cansa,<br />

e quando trabalha descansa –, algo<br />

por onde ele tendo arquetipizado<br />

tudo, chega à conclusão: “Está perfeito,<br />

mas há mais! Eu não me farto<br />

com isso. Eu alcancei tudo, e mais<br />

uma vez cheguei a um píncaro. Anseio<br />

por mais, entretanto, verifico<br />

que na natureza não há mais.”<br />

Aí é a hora da graça. Porque nessa<br />

hora a alma conhece aquilo que ela<br />

desejava sem encontrar na ordem da<br />

natureza. Ela não sabia, mas ela varou<br />

a ordem da natureza à procura de<br />

algo mais alto do que a natureza pode<br />

dar. Esta coisa mais elevada é a graça.<br />

Quando, então, a pessoa recebe<br />

uma graça, obtém qualquer coisa em<br />

que ela entende que seu papel está<br />

alterado: não é mais ela que vai à<br />

procura do píncaro, é o píncaro que<br />

vai se afundando dentro dela. É um<br />

píncaro voltado para baixo, que vai<br />

entrando nela. É a caminhada dela<br />

para subir para o píncaro que desce,<br />

20


à maneira da estalagmite e estalactite<br />

que tendem a se unir.<br />

Neste caso é muito mais a receptividade<br />

do alto da estalagmite para<br />

encontrar a estalactite do que o<br />

contrário. Inicia-se uma via na qual,<br />

através da oração e do pedido incessante<br />

e humilde, a pessoa pede para<br />

receber aquilo que ela não pode puxar,<br />

que é a estalactite até embaixo,<br />

mas que ela pode atrair.<br />

É interessante que quando a graça<br />

toca no homem, ela vai embebendo<br />

toda a “estalagmite”. A graça não<br />

é como no fenômeno natural – a estalagmite<br />

e a estalactite são consolidações<br />

do mesmo líquido que pinga<br />

–, ela é a ponta do dedo de Deus.<br />

A estalagmite miserável é a pontinha<br />

do dedinho do homem. São coisas<br />

completamente diferentes. A graça<br />

vai impregnando cada vez mais o homem.<br />

Tudo quanto ele viu antes sob<br />

o mero aspecto da natureza vai tomando<br />

para ele consonâncias sobrenaturais<br />

maravilhosas. Na ponta disso<br />

ele está pronto para o Céu.<br />

Uma sublime preparação<br />

para a morte<br />

Um de meus desejos com o que foi<br />

exposto é fazê-los compreender como<br />

devem ser, em nossa família de al-<br />

Catedral de Bayonne, França<br />

Flávio Lourenço<br />

Ivan Aivazovsky (CC3.0)<br />

Chegada de Colombo à América (Coleção particular)<br />

mas, os últimos anos da vida de um<br />

homem e o seu repouso final. Seria<br />

um deslumbramento contínuo – com<br />

as noites escuras, as cruzes e as dores<br />

– até a “toilette” final da alma, que é<br />

feita por Deus, como um rei mandaria<br />

enfeitar a sua noiva do modo como<br />

ele desejasse, para estar à altura<br />

de se casar com ele. O soberano daria<br />

as joias, os tecidos, as ideias, as diretrizes,<br />

e as mandaria cumprir. Assim<br />

também faz Deus com nossas almas.<br />

21


Reflexões teológicas<br />

Eu acho que isto é profundamente<br />

católico. Lamento muito que as<br />

preparações para a velhice e para a<br />

morte não se façam em função desse<br />

ponto de vista. Só essa perspectiva<br />

dá ao homem a resignação de<br />

envelhecer e a esperança de ressuscitar.<br />

Em última análise, para resumir<br />

tudo numa palavra só, a perfeição<br />

natural prepara o conhecimento da<br />

transcendência e tende para ela. A<br />

transcendência é um abismo, um infinito,<br />

pois o seu objeto é Deus. Mas<br />

para lá tende o homem com toda a<br />

sua alma.<br />

Sacralidade e sobrenatural<br />

Agora, o que é a sacralidade? Há<br />

um estado da natureza vagamente<br />

análogo ao sobrenatural. Donde<br />

se pode dizer, por analogia, de uma<br />

coisa natural que ela tem algo de sacral.<br />

Um grandioso panorama pode<br />

dar a impressão de algo sacral. O<br />

termo “sacral”, em seu sentido próprio<br />

corresponde ao sobrenatural;<br />

no sentido analógico é uma excelência<br />

tão grande do natural que faz<br />

pensar no sobrenatural.<br />

O homem sacral é aquele cuja<br />

mentalidade está toda impregnada<br />

desse conhecimento transcendente<br />

ao qual me referi acima, desse amor<br />

e dessa força ascendente rumo ao<br />

sobrenatural. Porque não basta ele<br />

imergir nas águas do sobrenatural, é<br />

preciso querer ir mais além. Este é o<br />

homem sacral, dotado de espírito ascensional<br />

infatigável.<br />

O que é o homem sagrado? É<br />

quem recebeu um sacramento da<br />

Igreja que de modo particular o ligou<br />

com a ordem sobrenatural, deu-<br />

-lhe poderes dentro dela e se apossou<br />

dele para fazê-lo um instrumento<br />

ministerial dessa ordem. E, portanto,<br />

ainda que não queira, ele tem<br />

na sua alma elementos pelos quais,<br />

tocando-se nele, toca-se no sobrenatural.<br />

Entretanto, esse homem poderá<br />

ter muito mais se ele se der inteiramente<br />

a essa transcendência.<br />

A Igreja Católica é a<br />

sagrada fonte da sacralidade<br />

A Igreja é de tal maneira sagrada,<br />

a tal ponto escachoa toda espécie de<br />

sacralidades, que ela é a fonte de to-<br />

Vicente Torres<br />

Library of Congress (CC3.0)<br />

Catedral de Colônia em 1900<br />

22<br />

São Francisco de Assis - Igreja de São<br />

Francisco de Assis, Ouro Preto, Brasil


das as sacralidades. Ela é sacral em<br />

tão alto grau que a palavra “sacral”<br />

fica para ela meio apagada, e tendemos<br />

a dizer que ela é sagrada. Não<br />

porque ela não possua a sacralidade,<br />

nem por esta não lhe ser apropriada,<br />

mas porque é característico dela um<br />

estado tão eminente, que é, em certo<br />

sentido, um gênero maior na sacralidade.<br />

A Igreja é então sagrada porque<br />

foi revestida de todos os dons sobrenaturais<br />

por Deus. Mas é sagrada<br />

também nisto: na ordem do sagrado,<br />

os dons a colocaram sumamente elevada<br />

e lhe deram o caráter de fonte,<br />

quase um papel parecido com o<br />

de Deus na Criação: a Igreja é, em<br />

certo sentido, o motor imóvel, o fim<br />

último. Como fonte, ela seria como<br />

que a criadora de todo sagrado existente<br />

na Terra, de maneira que pousando<br />

n’Ela o olhar, a pessoa conclui:<br />

“Cheguei a meu ponto, embo-<br />

Flávio Lourenço<br />

ra aí dentro ainda possa subir.” É o<br />

mais alto concebível. São os degraus<br />

por onde se chega ao Céu.<br />

Por isso a palavra “sacral” torna-<br />

-se um pouco, ou bastante, fraca para<br />

a Igreja, quase inadequada, como<br />

se dissesse: “Tal rei é bem-educado.”<br />

Estala a palavra. Embora o rei, de<br />

fato, seja bem-educado, não se pode<br />

compreender um rei mal-educado.<br />

Aliás, deve ser o modelo da boa<br />

educação.<br />

Portanto, perguntar se o vocábulo<br />

“sacral” é um monopólio da ordem<br />

temporal, não é. Seria um monopólio<br />

da Igreja se esta não estalasse a<br />

palavra. Mas o termo convém inteiramente<br />

a ela. A Igreja é a sagrada<br />

fonte da sacralidade.<br />

Sacralidade e ordem<br />

temporal<br />

Pico das Agulhas Negras, Rio de Janeiro, Brasil<br />

Pelo contrário, a sacralidade convém<br />

à ordem temporal como o seu<br />

mais alto adorno. Assim como se diz<br />

que a Igreja é a sagrada fonte da sacralidade,<br />

deve-se dizer que a ordem<br />

temporal é toda embebida de algo<br />

mais alto do que ela e reluz da vida<br />

sobrenatural da qual ela não é fonte,<br />

mas um receptáculo. Ela cintila<br />

e deflui, não como o alto da montanha<br />

onde nasce uma fonte, mas como<br />

as encostas por onde baixam as<br />

águas nascidas no píncaro. O alto da<br />

montanha é a Igreja. A ordem temporal<br />

é a parte mais alta em torno do<br />

cume, e de onde tudo defluiu para<br />

baixo. Daí o caráter sacral da ordem<br />

temporal.<br />

Há dois modos de alguém se deixar<br />

penetrar pelo sacral. Um é a vocação<br />

de renunciar a tudo quanto é<br />

terreno, mas completamente, até o<br />

limite do inconcebível, para servir<br />

inteiramente a Deus. Então, renunciar<br />

até àquilo que é legítimo possuir.<br />

Outro é, pelo contrário, utilizar-se<br />

daquilo que Deus deu de um<br />

modo tão santo, que se santifique<br />

em alto grau no uso daquelas coisas.<br />

Dois exemplos característicos seriam<br />

São Luís, Rei da França e São<br />

Francisco de Assis. São Francisco de<br />

Assis levou ao extremo os despojamentos<br />

da pobreza; São Luís, pelo<br />

contrário, foi santo num píncaro da<br />

ordem temporal. São vocações distintas.<br />

v<br />

(Extraído de conferência de<br />

14/11/1986)<br />

1) Referência ao Cântico de Simeão:<br />

“Deixai, agora, vosso servo ir em<br />

paz...” (Lc 2, 29-32).<br />

J.P. ramos<br />

São Luís Rei - Igreja Nossa Senhora<br />

da Assunção, Caussade, França<br />

23


Flávio Lourenço<br />

C<br />

alendário<br />

1. Santa Teresinha do Menino Jesus,<br />

virgem e Doutora da Igreja<br />

(†1897).<br />

Beato Luís Maria Mónti, religioso<br />

(†1900). Fundador da Congregação<br />

dos Filhos da Imaculada Conceição.<br />

Morreu na casa para órfãos por<br />

ele instituída em Saronno, Itália.<br />

2. Santos Anjos da Guarda.<br />

Beato Antônio Chevrier, presbítero<br />

(†1879). Fundou em Lyon, França, a<br />

Obra da Providência do Prado.<br />

3. Bem-aventurados André de Soveral,<br />

Ambrósio Francisco Ferro, presbíteros,<br />

e companheiros, mártires (†1645).<br />

Santo Hesíquio, monge (†s. IV).<br />

Discípulo de Santo Hilarião e seu<br />

companheiro de peregrinação, morreu<br />

em Mayuma, Palestina.<br />

4. São Francisco de Assis, religioso<br />

(†1226).<br />

Santa Áurea, abadessa (†c. 666).<br />

Designada por Santo Elígio para ser<br />

superiora do mosteiro por ele fundado<br />

em Paris segundo a regra de São<br />

Columbano.<br />

5. São Benedito, o Negro, religioso<br />

(†1589).<br />

dos Santos – ––––––<br />

Santa Flora, virgem (†1347). Religiosa<br />

da Ordem de São João de Jerusalém.<br />

Dedicou-se à assistência aos enfermos<br />

pobres no Hospital de Beaulieu, França.<br />

6. XXVII Domingo do Tempo Comum.<br />

São Bruno, presbítero e eremita<br />

(†1101).<br />

Beata Maria Rosa Durocher, virgem<br />

(†1849). Fundou em Longueuil,<br />

Canadá, a Congregação das Irmãs<br />

dos Santos Nomes de Jesus e Maria.<br />

7. Nossa Senhora do Rosário. Ver<br />

página 10.<br />

Beato Martinho Cid, abade<br />

(†1152). Fundou o mosteiro de Bellafuente,<br />

em Valparaíso, Espanha, e o<br />

agregou à Ordem Cisterciense.<br />

8. Santo Hugo, religioso (†a. 1233).<br />

Após ter prestado serviço militar na<br />

Terra Santa, foi designado Mestre da<br />

Encomenda da Ordem de São João<br />

de Jerusalém na cidade de Gênova,<br />

Itália, onde se destacou pela sua bondade<br />

e caridade com os pobres.<br />

9. São Dionísio, bispo, e companheiros,<br />

mártires (†s. III).<br />

São João Leonardi, presbítero<br />

(†1609).<br />

Santo Abraão, patriarca. Atendendo<br />

ao chamado de Deus, partiu de<br />

Ur dos Caldeus em busca da terra<br />

prometida.<br />

10. Beato Eduardo Detkens,<br />

mártir (†1942). Sacerdote<br />

polonês morto na<br />

câmara de gás, em Linz,<br />

Áustria.<br />

11. São Meinardo, bispo<br />

(†1196). Monge alemão que,<br />

já em avançada idade, partiu<br />

para evangelizar a Letônia,<br />

onde foi ordenado Bispo.<br />

12. Solenidade de Nossa Senhora<br />

da Conceição Aparecida.<br />

São Calisto I<br />

São Félix IV, Papa (†530). Transformou<br />

dois templos do Foro Romano<br />

na basílica dedicada aos Santos Cosme<br />

e Damião.<br />

13. XXVIII Domingo do Tempo Comum.<br />

São Rômulo, bispo (†s. V). Cheio<br />

de ardor apostólico, morreu durante<br />

uma visita pastoral aos povoados rurais<br />

de sua diocese de Gênova, Itália.<br />

14. São Calisto I, Papa e mártir<br />

(†c. 222).<br />

Beato Diogo Kagayama Haito,<br />

mártir (†1619). Nobre samurai e governador<br />

da cidade. Morreu decapitado<br />

em Kokura, Japão, enquanto rezava<br />

com um crucifixo na mão.<br />

15. Santa Teresa de Jesus, virgem e<br />

Doutora da Igreja (†1582).<br />

São Severo de Tréveris, bispo<br />

(†s. V). Foi companheiro de São Germano<br />

de Auxerre na luta contra a heresia<br />

pelagiana na Bretanha e pregou<br />

aos Germanos o Evangelho. Morreu<br />

em Tréveris, Alemanha.<br />

16. Santa Edwiges, religiosa (†1243).<br />

Santa Margarida Maria Alacoque,<br />

virgem (†1690).<br />

Beato Agostinho Thevarparampil,<br />

presbítero (†1973). Sacerdote da<br />

eparquia sírio-malabar de Palai, no Estado<br />

de Kerala, consagrou sua vida ao<br />

apostolado com os dalit, ou “intocáveis”.<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

24<br />

Santo Inácio<br />

de Antioquia


––––––––––––––– * Outubro * ––––<br />

17. Santo Inácio de Antioquia, bispo<br />

e mártir (†107).<br />

Beato Tiago Burin, presbítero e<br />

mártir (†1794). Exerceu clandestinamente<br />

seu ministério pastoral durante<br />

a Revolução Francesa. Foi fuzilado<br />

quando celebrava Missa em Laval,<br />

tendo em suas mãos o Sagrado Cálice.<br />

18. São Lucas, Evangelista.<br />

19. São João de Brébeuf, Isaac Jogues,<br />

presbíteros, e companheiros,<br />

mártires (†1642-1649).<br />

São Paulo da Cruz, presbítero<br />

(†1775).<br />

20. XXIX Domingo do Tempo Comum.<br />

Santa Adelina, abadessa (†c. 1125).<br />

Primeira superiora do mosteiro de<br />

Mortain, em Savigny, França, que<br />

fundou com a ajuda de seu irmão São<br />

Vital.<br />

21. São Pedro Yu Tae-ch’ol, mártir<br />

(†1839). Tendo sido preso com apenas<br />

13 anos exortava seus companheiros<br />

de cativeiro a suportar os suplícios.<br />

Foi morto em Seul, Coreia do<br />

Sul, por estrangulamento, após ser<br />

cruelmente flagelado.<br />

22. São Moderano, abade (†c. 720).<br />

Foi Bispo de Rennes, França, e depois<br />

abade do mosteiro de Berceto,<br />

Itália. Destacou-se por seu amor à solidão<br />

e devoção aos lugares santos.<br />

23. São João de Capistrano, presbítero<br />

(†1456).<br />

Santo Inácio, bispo (†877). Perseguido<br />

e exilado por repreender o imperador<br />

Bardas pelo repúdio de sua<br />

legítima esposa. Por intervenção do<br />

Papa Nicolau I, foi restituído à sua sede<br />

patriarcal de Constantinopla.<br />

24. Santo Antônio Maria Claret,<br />

Bispo (†1870). Ver página 2.<br />

25. Santo Antônio de Sant’Ana<br />

Galvão, presbítero (†1822).<br />

São Frutos, eremita (†c. 715). Distribuiu<br />

seus bens aos pobres e passou<br />

a levar vida eremítica num rochedo<br />

perto de Segóvia.<br />

26. Santos Luciano e Marciano,<br />

mártires (†c. 250). Queimados vivos<br />

em Izmit, Turquia, por ordem do procônsul<br />

Sabino.<br />

27. XXX Domingo do Tempo Comum.<br />

Beato Bartolomeu de Breganza,<br />

bispo (†1270). Frade dominicano que<br />

instituiu a Milícia de Jesus Cristo em<br />

Vicenza, Itália, onde foi Bispo.<br />

28. São Simão e São Judas Tadeu,<br />

Apóstolos.<br />

São Ferrúcio, mártir (†c. 300). Abandonou<br />

o serviço militar para servir melhor<br />

e mais livremente a Cristo. Foi<br />

martirizado em Mogúncia, Alemanha.<br />

29. São Zenóbio, presbítero<br />

(†s. IV). Coroado com a palma do<br />

martírio em Sidon, Líbano, enquanto<br />

exortava seus companheiros a dar sua<br />

vida por Cristo.<br />

Santo Abraão, presbítero e eremita<br />

(†366). Ver página 26.<br />

30. Santa Eutrópia, mártir (†c. s. III).<br />

Sofreu cruéis tormentos em Alexandria,<br />

Egito, por negar-se a renegar a Cristo.<br />

31. Beato Cristóvão de Romanha,<br />

presbítero (†1272). Frade menor enviado<br />

pelo próprio São Francisco de<br />

Assis para pregar na Aquitânia. Morreu<br />

centenário em Cahors, França.<br />

Flávio Lourenço<br />

Encontro de Abraão com Melquisedeque<br />

25


Hagiografia<br />

Franqueza e<br />

métodos diretos<br />

Sabendo sempre jogar a cartada franca na hora certa,<br />

apesar de passar por diversos dissabores, Santo Abraão<br />

conseguiu converter uma cidade pagã destruindo todos<br />

os ídolos ali existentes. Que Maria Santíssima faça chegar<br />

logo o dia em que o ídolo da Revolução possa ser derrubado<br />

por nós. Mesmo que sejamos lapidados, Nossa Senhora<br />

nos restaurará para fazermos as obras que Ela deseja.<br />

Flávio Lourenço<br />

Chegaram ao meu conhecimento<br />

alguns dados sobre a interessante<br />

vida de um Santo do século<br />

IV chamado Abraão, que evidentemente<br />

não deve ser confundido com<br />

Abraão, patriarca do povo de Israel.<br />

Durante a festa de casamento,<br />

foge para uma gruta<br />

Ele era da cidade de Edessa, nascido<br />

de uma família nobre e rica.<br />

Quando os pais, que deitavam muita<br />

Festa na cidade - Museu Rolin, Autun, França<br />

esperança em seu futuro, viram-no<br />

ficar moço, deliberaram casá-lo com<br />

uma moça igualmente nobre e rica<br />

para o realce da família. Na realidade,<br />

ele não tinha vontade de se casar<br />

e fez muitas insistências neste sentido,<br />

mas a família exerceu tão grande<br />

pressão que ele, cedendo, contraiu o<br />

casamento.<br />

As bodas se deram em meio a<br />

grandes pompas e festividades, as<br />

quais, à maneira oriental, duraram<br />

uma semana inteira e deveriam culminar<br />

com uma grande festa no último<br />

dia, depois da qual começava a<br />

vida conjugal entre os nubentes.<br />

Eles já estavam casados no religioso,<br />

e naquele tempo o casamento<br />

religioso produzia os efeitos civis<br />

com todos os vínculos estabelecidos.<br />

Após cada dia de festa ele ficava<br />

mais contrariado com o rumo que tinha<br />

tomado, até que fugiu de casa<br />

26


Divulgação (CC3.0)<br />

Santo Abraão - Biblioteca do Vaticano<br />

discretamente, indo localizar-se num<br />

lugar completamente ermo, mais ou<br />

menos a duas milhas de distância de<br />

sua cidade.<br />

Então os pais, a esposa e toda sua<br />

família começaram a procurá-lo por<br />

todos os lados. Foram primeiro aos<br />

lugares de prazer; não o encontrando,<br />

procuraram-no nos locais de trabalho,<br />

principalmente no Fórum,<br />

que naquele tempo não era como<br />

hoje, ou seja, um lugar onde se distribui<br />

a justiça, mas uma espécie de<br />

imensa praça pública na qual se tratavam<br />

os negócios, havia mercado,<br />

faziam compras e vendas, era o centro<br />

da vida da cidade. Entretanto, ali<br />

também ele não estava. Então, ordenaram<br />

uma busca sistemática nos arredores<br />

da cidade e, afinal de contas,<br />

encontraram-no numa gruta que<br />

ele mesmo tinha murado do lado de<br />

dentro, de maneira a deixar apenas<br />

um pequeno quadrilátero por onde<br />

passar pão e água.<br />

Os parentes o descobriram lá, interpelaram-no<br />

e ele explicou ter<br />

se casado contra a própria vontade,<br />

e que o matrimônio, não tendo<br />

sido consumado, fora nulo. Como<br />

Abraão insistia que não queria saber<br />

do casamento, a moça teve que desistir,<br />

e ele ficou na gruta. É um bonito<br />

exemplo de homem que se subtrai<br />

à ação do contexto.<br />

Ordenado sacerdote<br />

Nessa gruta ele permaneceu durante<br />

muitos anos e ali recebeu a notícia<br />

de que seus pais tinham morrido<br />

deixando-lhe uma imensa fortuna,<br />

da qual ele podia dispor. Porém,<br />

ele não queria essas riquezas,<br />

porque dentro do isolamento em<br />

que vivia bastavam-lhe um manto,<br />

uma túnica e um recipiente de barro<br />

no qual recolhia a água que corria<br />

na própria gruta onde morava.<br />

Entretanto, sendo precavido, constituiu<br />

um parente seu como procurador<br />

para administrar a fortuna. Deu<br />

ordem para distribuir a metade para<br />

os pobres, e não indicou o que devia<br />

ser feito com o resto.<br />

Continuou a viver durante muitos<br />

anos na gruta e tornou-se um<br />

homem muito admirado pelo povo<br />

que, de vez em quando, ia lá para visitá-lo.<br />

Certo dia apareceu o bispo diocesano<br />

querendo falar com ele.<br />

Abraão, muito humilde, declarou ao<br />

prelado que não podia compreender<br />

como um homem de tal categoria<br />

dignava-se ir ter com ele, um simples<br />

eremita que vivia na sua gruta,<br />

isolado.<br />

O bispo disse ter um assunto muito<br />

grave para tratar com ele. Toda aque-<br />

27


Hagiografia<br />

la zona já estava convertida, com exceção<br />

de uma cidade de bom tamanho<br />

e importante que havia nas proximidades,<br />

a qual ainda era completamente<br />

pagã, rejeitava e matava todos<br />

os sacerdotes que iam se estabelecer<br />

lá. Não sabendo mais o que fazer,<br />

pareceu conveniente ao prelado conferir<br />

a ordenação sacerdotal ao eremita<br />

Abraão, que gozava de tal fama de<br />

santidade, e convidá-lo a se transferir<br />

para a cidade, onde seria vigário, assumindo<br />

a responsabilidade pelo culto.<br />

O eremita, pelas instâncias do<br />

bispo, percebeu que era vontade de<br />

Deus e concordou em deixar sua ermida<br />

para ser ordenado sacerdote,<br />

dirigindo-se depois para a cidade,<br />

onde assumiu corajosamente a função<br />

de vigário.<br />

Os pagãos o lapidaram,<br />

deixando-o quase morto<br />

Entrou sozinho e ignorado na cidade<br />

hostil. Ali chegando, ajoelhou-<br />

-se no chão diante do povo, e pediu a<br />

Deus que convertesse aquela cidade.<br />

As pessoas, andando de um lado para<br />

outro, não ligaram para ele.<br />

Santo Abraão estudou uma técnica<br />

de apostolado que lhe parecia<br />

mais própria a trazer a si os infiéis.<br />

Havia na cidade um templo pagão<br />

que passava toda a noite aberto.<br />

Quando anoiteceu, o santo sacerdote<br />

entrou com cuidado numa hora<br />

em que não havia ninguém, pegou<br />

todos os ídolos, jogou-os no chão reduzindo-os<br />

a cacos, varreu e levou<br />

tudo embora. No dia seguinte, ao<br />

raiar da aurora, ele ficou esperando<br />

o resultado.<br />

Logo de manhã, os primeiros que<br />

foram adorar os ídolos não os encontraram<br />

e notaram, por alguns sinais,<br />

que tinham sido quebrados. Percebendo<br />

ter sido o padre quem se ocupara<br />

disso, foram até ele e o lapidaram,<br />

deixando-o quase morto.<br />

Pelo fim do dia, Santo Abraão<br />

restabeleceu-se um pouco e, com os<br />

restos de voz e de saúde que ainda<br />

conservava, começou a increpar o<br />

povo contra os ídolos e a exortá-lo à<br />

conversão. Contudo, os infiéis não se<br />

converteram. Pelo contrário, indignaram-se,<br />

deram-lhe uma sova vigorosa,<br />

e o maltrataram fortemente.<br />

Santo Abraão, que gostava das táticas<br />

diretas, dirigiu-se então a Deus,<br />

dizendo: “Meu Deus, Vós me fizestes<br />

nomear vigário nesta cidade, e eu<br />

apanho todos os dias… Que solução<br />

há para este caso?! Dai-me saúde!”<br />

A oração de um Santo move montanhas.<br />

Ele rezou por si mesmo, levantou-se<br />

em perfeito estado de saúde<br />

e começou a pregar. A população<br />

da cidade ficou meio impressionada<br />

com o milagre, mas não se converteu.<br />

Cumprida a missão,<br />

regressa para a gruta<br />

Em certo momento, eles tiveram<br />

um caso muito complicado de interesse<br />

comum e não havia meio de<br />

solucionar. Um deles disse: “Olha,<br />

quem deve saber resolver esse assunto<br />

é o padre. Ele é inteligente<br />

e, ademais, precisamos reconhecer<br />

que desde quando está entre nós não<br />

tem feito senão dar exemplos muito<br />

bons, ajudar todo mundo que ele<br />

pode e distribuir esmolas. Os nossos<br />

ídolos, afinal de contas, o que eram?<br />

Ele os quebrou e não se salvaram a si<br />

próprios. O padre, entretanto, curou<br />

a si mesmo. Por que havemos de estar<br />

ainda acreditando nesses ídolos?<br />

Não tem propósito nossa conduta<br />

com ele; devemos procurá-lo e começar<br />

por pedir-lhe perdão de nosso<br />

mau procedimento, e então rogar<br />

um conselho para resolver a situação<br />

dentro da qual nos encontramos.”<br />

Assim, foram todos a Santo<br />

Abraão que os recebeu muito benignamente.<br />

Evidentemente, quando<br />

resolveram procurá-lo já estavam<br />

abalados na sua infidelidade e propensos<br />

a uma conversão. Durante a<br />

conversa declaram que queriam con-<br />

CeeGee (CC3.0)<br />

verter-se. Começou, então, o trabalho<br />

enorme da conversão da cidade:<br />

batizar, orientar todas as pessoas,<br />

até a população inteira mudar. Nessa<br />

ocasião, Santo Abraão aproveitou<br />

o dinheiro que ele tinha com o primo<br />

para mandar construir uma igreja<br />

na cidade. Vemos como tudo é feito<br />

com método, direito.<br />

Construída a igreja, todos estariam<br />

no direito de esperar que as<br />

coisas continuassem bem. O vigário<br />

orientaria o povo, tudo correria perfeitamente.<br />

Entretanto, numa bela<br />

manhã vão procurá-lo, mas ele não<br />

estava na igreja. Tinha fugido mais<br />

uma vez... Assim como fugira da esposa,<br />

ele fugiu também da paróquia<br />

e voltou para a gruta.<br />

Para lá se dirigiu o bispo, acompanhado<br />

de uma grande parte do clero,<br />

28


a fim de pedir ao santo eremita que<br />

reassumisse as funções de vigário. Porém,<br />

este declarou que a missão que<br />

recebera do prelado estava cumprida,<br />

pois a cidade se convertera. Agora,<br />

ele pedia o consentimento do bispo<br />

para permanecer como eremita na<br />

gruta; ao que o prelado acedeu.<br />

Educa uma sobrinha,<br />

que depois caiu numa<br />

vida devassa<br />

Depois de algum tempo, ele recebe<br />

um emissário da cidade contando-lhe<br />

que seu irmão tinha morrido,<br />

deixando uma grande fortuna, cuja<br />

herdeira universal era uma menina,<br />

a respeito da qual o falecido deixara<br />

a recomendação de que fosse educada<br />

pelo santo eremita.<br />

Grutas na Turquia<br />

Santo Abraão considerou ter responsabilidade<br />

para com essa menina<br />

e, portanto, era obrigado a fazer alguma<br />

coisa por ela. Sendo, até o fim<br />

da vida, amigo dos processos diretos,<br />

ele disse: “Pois bem, mandem vir a<br />

menina que eu a educo.”<br />

Chegada a sobrinha, ele mandou<br />

murar outra parte da gruta, mantendo<br />

um orifício na parede pelo qual,<br />

em certas horas do dia, ele ensinava<br />

para ela tudo quanto uma menina<br />

daquele tempo precisava saber.<br />

Passaram-se os anos, e a menina<br />

correspondia bem à educação recebida.<br />

Entretanto, uma circunstância<br />

qualquer a levou a decair na vida espiritual<br />

e dizer a ele que queria sair. Por<br />

fim, ela acabou fugindo para a cidade.<br />

Como a jovem já estivesse em sua<br />

maioridade, Santo Abraão considerou<br />

que não tinha mais nada a fazer.<br />

Porém, começou a receber notícias<br />

de que a sobrinha vivia em condições<br />

miseráveis, e caíra moralmente<br />

tão baixo que estava praticamente<br />

perdida.<br />

Então ele considerou que era desígnio<br />

da Providência tomar outra<br />

atitude enérgica, audaciosa, um<br />

tanto surpreendente, dessas atitudes<br />

que os santos adotam, e a respeito<br />

das quais a Igreja diz que se deve<br />

admirar, mas não imitar. Atitudes<br />

que, de si, intrinsecamente falando,<br />

não são pecados, mas podem<br />

constituir ocasião próxima de pecado,<br />

à qual ninguém pode se expor,<br />

a menos que movido por uma ação<br />

da graça. Nesta hipótese, então, com<br />

garantias e auxílios sobrenaturais especiais,<br />

a pessoa vai enfrentar aquela<br />

ocasião. Mas é muito delicado, só<br />

mesmo quando ela tem certeza de<br />

estar sustentada por uma graça especial<br />

pode expor-se a isso.<br />

Santo Abraão mandou vir a indumentária<br />

de um soldado e, apesar de<br />

estar velho, foi à cidade e entrou no<br />

estabelecimento onde a sobrinha levava<br />

uma vida devassa. Ela estava<br />

oferecendo um banquete, e a certa<br />

altura apareceu vestida com um luxo<br />

indecente, imoral, e não reconheceu<br />

o tio. A conversa seguia o seu curso,<br />

mas como ele era um homem muito<br />

inteligente e dotado, ela achou graça<br />

na prosa dele. As outras pessoas presentes<br />

foram, aos poucos, pelo movimento<br />

natural das coisas, afastando-se<br />

e deixando os dois conversando<br />

sozinhos.<br />

Quando os dois estavam a sós, ele<br />

tirou o elmo de soldado e disse:<br />

— Minha sobrinha, você me reconhece?<br />

Ela teve um choque, caiu de joelhos,<br />

baixou os olhos e disse:<br />

— Eu não ouso olhar-vos.<br />

— Por quê?<br />

— Porque sinto que caí num pecado<br />

muito profundo e que não sou<br />

digna de vossa presença.<br />

29


Hagiografia<br />

— Largue tudo isso e vamos para<br />

a gruta!<br />

Ela se levantou, ficou em pé durante<br />

algum tempo hesitando, e ele<br />

continuou:<br />

— Deixe todos esses trapos com<br />

que você está vestida, tome uma roupa<br />

simples e fuja comigo.<br />

Como se vê, ele era especialista<br />

em fugas para o Céu!<br />

A sobrinha concordou e disse:<br />

— Mas o que vou fazer desses trajes<br />

preciosos?<br />

— Pouco importa, deixe-os abandonados.<br />

Salve a sua alma!<br />

Sucesso da ação direta,<br />

franca, clara e positiva<br />

Ela voltou para a gruta com ele,<br />

fez penitência a vida inteira. Ele ainda<br />

ficou até o fim da vida com ela na<br />

gruta, e assim terminou a história<br />

dos dois. Não sei se ela foi canonizada.<br />

Ele é venerado pela Igreja com o<br />

nome de Santo Abraão.<br />

É uma linda vida que nos situa<br />

num ambiente de franqueza e retidão,<br />

onde o povo, por mais degradado<br />

que estivesse, suportava as verdades<br />

e os métodos diretos.<br />

Esses pagãos indecentes eram<br />

assassinos horrorosos, pois só faltou<br />

matarem o padre. Se não fosse<br />

o milagre que ele fez, restaurando<br />

por ação sobrenatural a sua própria<br />

saúde, seu apostolado teria cessado.<br />

No afã de fazer apostolado,<br />

ele quebrou os ídolos, enfrentou<br />

aquela gente, mas alcançou o objetivo<br />

que tinha em vista. Ele padeceu<br />

por amor à verdade, mas foi direto<br />

ao ponto. Resultado: converteu as<br />

pessoas.<br />

Isso feito, vemos o desapego dele.<br />

Tendo convertido aquela gente, Santo<br />

Abraão poderia ter levado uma vida<br />

tranquila, dormindo sobre os louros<br />

conquistados. Porém, estando a<br />

obra acabada e consolidada, ele foi<br />

embora. De fato, a Fé ficou estabelecida<br />

no lugar, foi possível implan-<br />

tar um clero, uma religiosidade normal.<br />

Então, ele fugiu porque fizera<br />

tudo para a glória de Deus e de Nossa<br />

Senhora.<br />

Tendo voltado para sua gruta, de<br />

lá saiu novamente para salvar a sobrinha,<br />

mas por um método direto<br />

também.<br />

Notamos como ele, jogando sempre<br />

a cartada franca na hora certa,<br />

passou por dissabores que um poltrão<br />

qualificaria de insucessos, mas<br />

uma pessoa que considera o todo<br />

de sua vida não pode deixar de reconhecer<br />

como sucessos admiráveis.<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1974<br />

Santo Abraão morreu admiravelmente<br />

bem sucedido. É o sucesso da<br />

ação direta, franca, clara e positiva.<br />

Peçamos a Maria Santíssima que<br />

faça chegar o dia em que também o<br />

ídolo da Revolução possa ser derrubado<br />

por nós com igual franqueza. É<br />

possível que sejamos lapidados, mas<br />

saberemos exercer o direito de legítima<br />

defesa. Nossa Senhora nos restaurará<br />

para fazermos por Ela as<br />

obras que Ela deseja. v<br />

(Extraído de conferência de<br />

27/12/1974)<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

30


Luzes da Civilização Cristã<br />

Luis C.R. Abreu<br />

Arquetipização<br />

Uma nota muito importante da escola de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> é a<br />

arquetipização, ou seja, a busca da perfeição de todas as coisas.<br />

Esta tendência do senso do ser leva a pessoa continuamente a um<br />

desejo de elevação. Aplicando esse princípio à consideração de<br />

ambientes, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> analisa o estilo grego, românico e gótico.<br />

Na Igreja do Sagrado Coração de Jesus está difusa<br />

pelo ar uma impressão de aconchego e de proteção<br />

muito grande, mas também de muita sabedoria,<br />

tranquilidade e bondade. No fundo, o que é isso?<br />

Uma operação eminentemente religiosa<br />

Quando entramos em algum ambiente, o que por excelência<br />

causa impressão, mais do que qualquer objeto,<br />

é a pessoa que encontramos ali ou a quem, de algum modo,<br />

aquele ambiente e os objetos nele contidos nos reportam.<br />

Lembro-me de ter visto um quadro representando o<br />

Lago Titicaca, na Bolívia, de um azul e um prateado lindíssimos!<br />

Tinha-se a impressão de uma imensa asa de<br />

borboleta que ondulava ao sopro do vento. Embora esse<br />

lago não seja uma criatura humana, nem foi ideado por<br />

um artista, ao vê-lo tem-se uma impressão parecida com<br />

a que se teria no convívio com uma pessoa que nos causasse<br />

análogo efeito.<br />

Assim também, quando ao contato da graça sentimos<br />

uma determinada impressão sobre um objeto, de fato temos<br />

a sensação de como se estivéssemos com Deus. Na<br />

31


Luzes da Civilização Cristã<br />

Nesta página e na precedente, interior<br />

do Santuário do Sagrado Coração<br />

de Jesus, São Paulo, Brasil<br />

Fotos: Luis C.R. Abreu / J.P. ramos<br />

Igreja do Coração de Jesus nós não vemos a Deus, mas<br />

sentimos a impressão que teríamos se estivéssemos com<br />

Ele, mostrando-Se sob aquele aspecto. A impostação de<br />

que Deus Se nos faz conhecer, sem que nós O vejamos, é<br />

o principal na Igreja do Coração de Jesus.<br />

Essa impressão, portanto, é um como que ver a Deus.<br />

Creio que esse ponto é absolutamente capital para compreendermos<br />

o que são as arquetipizações. Porque embora numa<br />

arquetipização possa não estar presente uma graça tão<br />

grande quanto à do Coração de Jesus, e se possa conceber<br />

uma arquetipização no plano apenas natural e sem presença<br />

nenhuma da graça, é fato que a verdadeira arquetipização<br />

conduz a uma ideia de como seria uma determinada<br />

coisa se ela fosse ainda mais semelhante a Deus.<br />

É, portanto, um ver a Deus em todas as coisas que<br />

constitui a alma verdadeiramente católica. Isso não significa,<br />

por exemplo, que olhando para uma cadeira estou<br />

imaginando o Padre Eterno sentado ali. Não tem propósito!<br />

Mas aquela cadeira, se eu a arquetipizo, vejo melhor<br />

o por onde ela se parece com o Criador. Logo, buscar<br />

a arquetipia de todas as coisas é procurar ver melhor<br />

a Deus nelas, e constitui uma operação eminentemente<br />

religiosa, ainda que no plano natural.<br />

A isso dou muita importância para se compreender o<br />

que é vida interior, o recolhimento notadamente na nossa<br />

escola. Porque na escola comum seria, por exemplo,<br />

ao ver uma coroa, faço o seguinte raciocínio: coroa é sím-<br />

32


olo do poder; então, como é belo o poder que Deus instituiu.<br />

Sem dúvida, é uma via muito boa. Mas faz parte do<br />

nosso espírito olhar a coroa e vê-la como um símbolo<br />

– na ordem natural e na sobrenatural – mostrando a<br />

Deus nesse sentido da arquetipização, isto é, um modo<br />

de compor como seria a figura de Deus a partir dessa coroa.<br />

Esse meu gosto de arquetipia é, no fundo, um anseio<br />

de Deus, mas ainda não explícito. É um desejo imediato<br />

de ver uma coisa mais excelente do que a coroa, o qual,<br />

de ponto em ponto, me conduzirá a Deus.<br />

Tendência do senso do ser à perfeição<br />

Então, no próprio modo de considerar a coroa entrou<br />

um certo estilo de ver a beleza que subconscientemente<br />

já está orientado para Deus.<br />

O trabalho do subconsciente aqui eu acho muito importante,<br />

porque se foi feito com o mero consciente, sem um<br />

movimento da sensibilidade mais ou menos simultâneo, a<br />

coisa não se fez como eu estou dizendo. É o livre curso do<br />

impulso do senso do ser que tende naturalmente para a excelência<br />

do ser. Propriamente a palavra “subconsciente”<br />

aqui é um termo tão emaranhado que prefiro me exprimir<br />

assim: é o livre curso do impulso do senso do ser rumo à<br />

perfeição de todas as coisas no seu próprio gênero.<br />

Essa tendência do senso do ser à perfeição das coisas leva<br />

continuamente a um desejo de elevação e, portanto, deve<br />

conduzir a pessoa a querer que existam na ordem humana<br />

os mais altos representantes dos mais elevados graus que<br />

chegam mais perto da perfeição do ser. Por isso, a hierarquia<br />

é uma necessidade. Pelo que o senso do ser é eminentemente<br />

contrarrevolucionário, porque enquanto o revolucionário<br />

quer arrasar todos os seres que representam, dentro<br />

da hierarquia, escalas para a perfeição, o contrarrevolucionário<br />

tem empenho em que a ordem social e a ordem eclesiástica<br />

vão destilando pessoas, e que haja cargos por onde<br />

elas vão se aproximando cada vez mais de uma determinada<br />

altura, a qual é a plenitude que nos fala mais de Deus.<br />

O estilo grego e o românico<br />

Mas voltando à consideração de ambientes, ao compararmos<br />

um edifício em estilo românico com um do esti-<br />

ogwen (CC3.0)<br />

Lago Titicaca<br />

Divulgação (CC3.0)<br />

33


Luzes da Civilização Cristã<br />

Sharon Mollerus (CC3.0)<br />

Tribuna das Cariátides, Atenas, Grécia<br />

lo grego, que diferença notamos? Uma coisa curiosa, pode<br />

haver razões técnicas para isso, eu não discuto, mas<br />

as construções gregas têm uma solidez suficiente de maneira<br />

a não dar a impressão da fragilidade que preocupa,<br />

inquieta, isto é certo. Entretanto, elas não possuem<br />

o aspecto de fortaleza e não brilham pela força. Dir-se-<br />

-ia quase que o grego tem a preocupação de fazer esconder<br />

a força do prédio sob o aspecto da ligeireza, da leveza,<br />

da elegância.<br />

Então, por exemplo, a coluna grega é, o quanto possível,<br />

esguia, lembrando o tronco de uma palmeira, etc. As<br />

colunas e todo o prédio românico são pesadões. O edifício<br />

tem algo das paredes de uma fortificação, e dá ao espírito<br />

uma ideia de luta que de nenhum modo está presente<br />

no aspecto da perfeição do universo que o prédio<br />

grego quer sustentar e manifestar.<br />

Olhando para o Parthenon, por exemplo, ninguém pode<br />

dizer: “Oh, que luta!” Ou exclamar<br />

ao ver a Tribuna das Cariátides: “Quanto<br />

heroísmo!” Sou entusiasta dessa tribuna,<br />

mas isso não se pode afirmar. Aliás,<br />

desconfio que as colunas delimitavam<br />

uma espécie de periferia e que o<br />

templo era um quadradão de alvenaria<br />

por dentro. É preciso dizer, desde logo,<br />

um quadradão de tal maneira sem graça<br />

que, se não fossem o teto e as colunas,<br />

seria a coisa menos interessante que poderia<br />

haver. Provavelmente, dentro era<br />

meio obscuro, mas uma obscuridade inteiramente<br />

diferente da existente no românico.<br />

Ao se considerar uma construção românica<br />

tem-se a impressão de um homem<br />

que carrega um peso sério, preocu-<br />

pações difíceis, mas que estão na altura<br />

dele. E que ele tem força, porque é um<br />

gigante, para entestar com aquilo e tocar<br />

para a frente. Esse é o lado românico.<br />

Vê-se também que as qualidades dele<br />

são de uma pessoa muito preocupada.<br />

Há uma atmosfera difusa de preocupação<br />

na obscuridade do templo romano.<br />

Mas nasce o vitral, o qual introduz em<br />

tudo isso uma certa forma de beleza, de<br />

pulcritude, que completa aquela carranca<br />

do prédio românico com algo que não<br />

é propriamente a louçania. O edifício românico<br />

é muito “pensativo”, muito “preocupado”.<br />

As cores do vitral românico não<br />

são tais que falem da alegria, da satisfação.<br />

Elas falam de uma espécie de doce<br />

maravilhoso, de maravilhosa doçura, que se compagina<br />

bem com aquilo e que é a meditação em Deus, do homem<br />

cansado. Do homem que não vai cantar o Gloria in excelsis<br />

Deo, o Magnificat, mas que também não vai gemer como<br />

Jó em cima de seu monturo; entretanto ele encontra um<br />

certo consolo no meio da sua tristeza, que é propriamente<br />

o bem-estar da consolação, o consolo cristão.<br />

A esperança do Céu começa a<br />

iluminar: nasce o gótico<br />

Quando se inicia a Idade Média, isso vai tomando,<br />

com a ogiva, um caráter diferente, porque a esperança<br />

do Céu vai iluminando aquilo que não está muito<br />

presente no românico. O românico parece mais dizer:<br />

“Deus te ajuda na Terra. Confia em Deus.” E o gótico<br />

parece mais afirmar: “É verdade, Deus te ajuda na Ter-<br />

Igreja de Nossa Senhora, a Grande - Poitiers, França<br />

TwoWings (CC3.0)<br />

34


Daniel A.<br />

Sainte-Chapelle, Paris, França<br />

ra, mas isso não é tão importante. O melhor é que Ele te<br />

ajuda no Céu. Pensa no Céu! Volta-te para lá! Lá tu terás<br />

a explicação de tudo.”<br />

Essa posição, que parece ser a perfeita, começa a fazer<br />

desabrochar a leveza dentro da seriedade e da atmosfera<br />

de uma igreja que continua com certos traços<br />

de fortaleza. Aí sim, os vitrais começam a ter louçania.<br />

Também a altura dos templos parece dar um caráter festivo<br />

e cheio de esperança, o que se reflete no modo de realizar<br />

o culto, os paramentos se tornam esplendorosos,<br />

etc. Assim, a partir de um determinado momento a esperança<br />

do Céu se acentua mais do que a esperança da ajuda<br />

nesta Terra. Para mim, o auge disso e o contrário do<br />

românico é a Sainte-Chapelle. É uma maravilha!<br />

Mas também fala muito nesse sentido aquele tipo de<br />

coluna gótica que se abre como uma palmeira. Aquilo é<br />

muito bonito e já fala de um mundo em que a seriedade<br />

se tornou leve, de tal maneira ela venceu a dor e a aflição<br />

sem ter fugido. Na ordem do espírito, aquele guarda-sol<br />

é quase o primeiro precursor da aeronáutica, pois<br />

faz pensar um pouquinho numa ligeireza que nos vai levar<br />

para o Céu, vai girando e conduzindo nossas almas<br />

para regiões azuis que elas devem contemplar.<br />

Nesse sentido, o gótico aparece menos consolante do<br />

que o românico. Para o homem desolado que entra em<br />

um edifício deste estilo, o românico parece dizer afetuosamente:<br />

“Sente-se, sofra, eu vou ajudá-lo no seu sofrimento.”<br />

O gótico é outra coisa. Ele como que diz o contrário:<br />

“Tome rápido contato comigo que seu sofrimento<br />

passa logo. Eu o levo para as regiões do Céu.” São os<br />

braços de Deus que se baixaram para elevar o homem. É<br />

um pouquinho como um pai ou uma mãe que se inclina<br />

sobre uma criancinha com dificuldade de andar e a suspende.<br />

Assim é o gótico conosco.<br />

v<br />

(Extraído de conferência de 7/11/1986)<br />

Pedro Morais<br />

35


João Carlos V.V.<br />

Modelo supremo<br />

e fonte da<br />

Contra-Revolução<br />

Nossa Senhora é para nós o exemplo<br />

de santidade. Se nos modelarmos<br />

inteiramente segundo<br />

Ela, alcançaremos a perfeita semelhança<br />

com Nosso Senhor Jesus Cristo. Imitar<br />

a Santíssima Virgem é tê-La em vista em<br />

todas as ações que praticamos.<br />

Ela é o modelo supremo e a fonte da<br />

Contra-Revolução. Portanto, imitá-La é<br />

ser, na perfeição, contrarrevolucionário.<br />

São Luís Grignion de Montfort nos<br />

propõe a imitação de três principais virtudes<br />

de Maria: a fé, a humildade e a pureza.<br />

Ora, se formos cheios de fé, de humildade,<br />

ou seja, de senso hierárquico, e de<br />

pureza, então seremos os contrarrevolucionários<br />

por excelência.<br />

Assim, devemos pedir a Nossa Senhora,<br />

com todo o empenho, a graça de uma profunda<br />

compreensão de suas altíssimas virtudes,<br />

as quais havemos de imitar. Além<br />

disso, que Ela nos comunique a plenitude<br />

de suas forças. Maria é a Virgem forte e<br />

combativa, intransigente e absolutamente<br />

inflexível diante do demônio, do mundo e<br />

da carne. Supliquemos a Ela essa intransigência,<br />

antes de tudo contra o que há de<br />

mal em nosso interior; em segundo lugar,<br />

contra o que há de mal fora de nós.<br />

O maior auxílio que Maria Santíssima<br />

pode nos prestar é o de nos conceder o espírito<br />

de sua santidade, a perfeição de suas<br />

vias, a autenticidade de suas virtudes e a<br />

vitória contra o demônio, tudo em ordem<br />

à nossa própria santificação.<br />

(Extraído de conferências de<br />

23/5/1963 e 26/5/1972)<br />

Nossa Senhora das Mercês - Quito, Equador

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