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A-Rainha-Vermelha-Victoria-Aveyard

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lanço à tarefa de encontrar eletricidade, de trazê-la de volta e provar que ao

menos sei fazer direito alguma coisa neste mundo tão torto. Meus dedos

topam com alguma coisa pontiaguda e meu corpo estremece. Um fio

desencapado e afiado ou uma chave defeituosa, digo a mim mesma. Pareceu

uma picada de agulha, como se um alfinete me acertasse bem no nervo, mas

sem dor.

Acima de nós, a luz da varanda ressuscita.

— Bom, vai entender — resmunga meu pai.

Ele gira as rodas enlameadas da cadeira de volta para a polia. Vou atrás,

calada, sem vontade de mencionar o motivo de ambos estarmos com tanto

medo do lugar que chamamos de lar.

— Chega de fugir — ele suspira, prendendo a cadeira na plataforma.

— Chega de fugir — concordo, mais por mim que por ele.

A plataforma geme sob o peso ao içá-lo até a varanda. Vou mais rápido

pela escada e espero no andar de cima para ajudar, sem palavras, meu pai a

se soltar da plataforma.

— Porcaria — resmunga ele quando finalmente consigo soltar a fivela.

— Mamãe vai ficar feliz por você ter saído de casa.

Ele crava os olhos em mim e segura minha mão. Embora meu pai mal

trabalhe — ele só conserta bugigangas para crianças —, suas mãos ainda

são ásperas e calejadas, como se tivesse acabado de voltar da frente de

batalha. A guerra nunca acaba.

— Não conte para sua mãe.

— Mas…

— Sei que não parece nada, mas dá pano pra manga. Ela vai pensar que é

um pequeno passo de uma grande jornada, entende? Primeiro saio de casa à

noite, depois de dia, depois vou à feira com ela como há vinte anos. Então

as coisas voltam a ser como antes.

Seus olhos escurecem enquanto ele fala. Meu pai luta para manter a voz

baixa e constante.

— Nunca vou ficar bem, Mare. Nunca vou me sentir bem. Não posso

deixar sua mãe ter essa esperança quando sei que nunca vai acontecer. Você

entende?

Bem demais, pai.

Ele sabe o que a esperança fez comigo e ameniza o tom.

— Queria que as coisas fossem diferentes.

— Todos queríamos.

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