Aqui até o céu escreve ficção, de Jozias Benedicto
Jozias Benedicto é escritor, artista visual e curador, com especialização em Literatura, Arte e Pensamento Contemporâneo pela PUC-Rio. Trabalha com videoinstalações, performances e pinturas que unem palavra e artes visuais. Seu primeiro livro de contos, Estranhas criaturas noturnas (2013), foi finalista do Concurso SESC de Literatura 2012/2013. Como não aprender a nadar (2016) conquistou o Prêmio de Literatura do Governo de Minas Gerais 2014 na categoria Contos e o Prêmio Moacyr Scliar 2019, da Diretoria da UBE-RJ. Também recebeu premiações da Fundação Cultural do Pará (2018) por Um livro quase vermelho e da Fundação Cultural do Maranhão (2018) por Aqui até o céu escreve ficção. Lançou dois livros de poesia, Erotiscências & embustes (2019) e A ópera náufraga (2020).
Jozias Benedicto é escritor, artista visual e curador, com especialização em Literatura, Arte e Pensamento Contemporâneo pela PUC-Rio. Trabalha com videoinstalações, performances e pinturas que unem palavra e artes visuais.
Seu primeiro livro de contos, Estranhas criaturas noturnas (2013), foi finalista do Concurso SESC de Literatura 2012/2013. Como não aprender a nadar (2016) conquistou o Prêmio de Literatura do Governo de Minas Gerais 2014 na categoria Contos e o Prêmio Moacyr Scliar 2019, da Diretoria da UBE-RJ.
Também recebeu premiações da Fundação Cultural do Pará (2018) por Um livro quase vermelho e da Fundação Cultural do Maranhão (2018) por Aqui até o céu escreve ficção.
Lançou dois livros de poesia, Erotiscências & embustes (2019) e A ópera náufraga (2020).
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Copyright © Editora Patuá, 2020.
Aqui até o céu escreve ficção © Jozias Benedicto, 2020.
Editor
Eduardo Lacerda
Projeto gráfico e Diagramação
Leonardo Mathias | flickr.com/leonardomathias
Assistente Editorial
Ricardo Escudeiro
Administrativo e Comercial
Pricila Gunutzmann
B463a
Benedicto, Jozias
Aqui até o céu escreve ficção / Jozias Benedicto. – 1. ed.
– São Paulo : Editora Patuá, 2020.
172 p. ; 14x21 cm.
Capa de leonardo MAthias.
ISBN 978-65-5864-052-3
1. Contos brasileiros I. Título.
322-65-20 CDD – B869.3
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Fabio Osmar de Oliveira Maciel – CRB-7 6284
Índice para catálogo sistemático:
1. Contos brasileiros : Literatura brasileira B869.3
Todos os direitos desta edição reservados à:
Editora Patuá
Rua Luís Murat, 40
CEP 05436-050 São Paulo – SP Brasil
Tel.: (11) 96548-0190
www.editorapatua.com.br
editorapatua@gmail.com
SUMÁRIO
Prefácio: Relato de um náufrago, 012
Prólogo, 019
Minhas férias, 023
Aqui até o céu escreve ficção, 027
Ingleses nos trópicos, 042
A cura, 055
Inocência, 065
A biblioteca, 072
Volta ao lar, 075
Salão Pompeo, 080
Os dias gordos, 097
A construção, 109
No mês de março, 118
Tambores, 121
Canção de um exílio (no meio dos
contos se esconde um soneto), 154
2161, 156
Epílogo, 164
Agradecimentos, 169
Para meus pais, Antonio e Genu (in memoriam)
e minhas irmãs Lucia e Lydia: que vivemos em
uma cidade de mar, nuvens, azulejos e sonhos.
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amanhece o sol muito claro, prometendo um formoso dia,
e dentro em uma hora se tolda o céu de nuvens
e começa a chover como no mais entranhado inverno.
De maneira que o sol, que em toda a parte é a regra certa
e infalível por onde se medem os tempos, os lugares,
as alturas, em chegando à terra do Maranhão, até ele mente
Padre Antonio Vieira, Sermão da Quinta Dominga da Quaresma
Que é necessário sair da ilha para ver a ilha
José Saramago, O conto da ilha desconhecida
O poeta é um fingidor
Fernando Pessoa, Autopsicografia
Aqui até o céu escreve ficção | 11
Relato de um náufrago
por Antonio Carlos Lima*
Este livro é uma viagem. Seu autor, navegante experimentado
nos sete mares da boa prosa de ficção, como
bem atestam seus dois livros anteriores de contos, ambos
premiados, conduz o leitor numa expedição em busca de
um tempo que ele sabe irremediavelmente perdido. Como
o poeta Gonçalves Dias, seu conterrâneo, que sucumbe
com seu navio nas águas tormentosas dos Atins quando
já avista as palmeiras da terra natal a que tenta retornar
depois do exílio, Jozias Benedicto faz, neste Aqui até o
céu escreve ficção, vencedor do Prêmio Literário 2018 do
Governo do Maranhão, a viagem regressiva à São Luiz da
infância e da juventude, consciente de que também não a
alcançará na plenitude.
A cidade, as pessoas, as vozes, os cheiros, os sabores de
outros tempos sobrevivem apenas em sua memória e em
sua imaginação. Dessa matéria difusa, feita de lembranças
e invenção, nascem os excelentes contos aqui reunidos.
Aqui até o céu escreve ficção | 13
A vida, na definição sempre lembrada de García Márquez,
não é a que a gente viveu, e sim a que a gente recorda, e como
recorda para contá-la.
No início desta viagem, Jozias Benedicto, a exemplo dos
modernos comissários de bordo, informa aos passageiros/leitores
os procedimentos e as instruções básicas do
voo/leitura, com epígrafes escolhidas a dedo: a do padre
Antonio Vieira, com a autoridade de quem viveu e pregou
em São Luiz, advertindo que ali até o tempo é enganoso;
a de José Saramago, para quem é preciso sair da ilha para ver
a ilha; e a de Fernando Pessoa, com um alerta importante:
O poeta é um fingidor, que é um aviso para o caráter fictício
do que muitas vezes será confundido com a realidade.
Construídos com a leveza da crônica e a sonoridade da
poesia, características de todo bom conto, as 16 narrativas
deste livro, incluído o prólogo, levam a um passeio pela
São Luiz dos anos 60-70 do século passado, período marcado
pela ditadura militar. Mas a cidade surge apenas como
moldura para o universo de histórias com os ingredientes
inescapáveis da condição humana: amor, inveja, mentira,
traição, drama e tragédia. No bem urdido conto que dá
título ao livro, o narrador/autor é um estudante que, em
fuga da repressão política, confronta-se, no final, com uma
revelação desconcertante. Os finais surpreendentes são,
aliás, uma marca de quase todos os contos.
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Há contos que, pela atmosfera mágica em que trafegam,
como A cura, lembram Borges, a começar pela epígrafe,
um verso de um poema de Arlete Nogueira da
Cruz, em Litania da Velha: O punhal enfiado no desvão da
memória perfura o horror. A biblioteca é um conto breve,
no qual o narrador defunto pede às traças da Biblioteca
Benedito Leite que destruam o livro de versos que escreveu
para a amada. Em Volta ao lar, a história do homem
que “nasce mulher”, faz as intervenções cirúrgicas e hormonais
necessárias para a mudança de gênero e, ao final,
proclama sua “real” identidade.
Ingleses nos trópicos, um conto narrado por diversas vozes,
recorda os tempos áureos da Western Telegraph Co.,
a empresa inglesa contratada pelo governo brasileiro para
instalar, operar e manter o cabo submarino que ligava o
Maranhão aos demais Estados costeiros, à Europa e aos
Estados Unidos. Os ingleses que operam o cabo instalaram-se
em um belo casarão na praia do Olho d’Água e
acabam enredados numa teia de amores com os nativos
da ilha. Salão Pompeo é um conto denso, nostálgico e
melancólico. Os dias gordos, que parece seguir a mesma
linha, termina de modo hilariante. Um dos textos mais
extensos, Tambores, narra uma história trágica que homenageia
o bumba meu boi, a começar pelos nomes dos
personagens, Francisco e Catarina, os protagonistas da
festa mais popular do Maranhão.
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Em todo o livro, Jozias Benedicto mostra o domínio
da linguagem e da melhor técnica narrativa, como se vê
também em 2161, uma distopia, a descrição de São Luiz
num futuro longínquo marcado pela opressão. Como uma
chave para o entendimento dessa envolvente viagem literária,
o último texto de Aqui até o céu escreve ficção traz
como epígrafe uma citação da Girândola de amores, de
Aluísio Azevedo, outro conterrâneo do autor: Triste viagem
é a da vida, que termina sempre por um naufrágio.
Boa leitura, boa viagem!
*Jornalista e escritor, membro da
Academia Maranhense de Letras
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Prólogo
Em cismar – sozinho – à noite –
Mais prazer encontro eu lá;
Gonçalves Dias, Canção do exílio
Sempre achei um dos maiores mistérios da tecnologia
a invisível mão mágica que segura no ar, com toda a tranquilidade,
um fardo tão maciço e portentoso como um
avião cheio de pessoas e seus sonhos gastos, suas bagagens
acima do peso, suas gorduras sedentárias, suas mentiras
veladas, seus pecados nunca confessados e suas vãs expectativas
por um futuro que quem sabe não aconteça.
Todos dormem, exceto eu; um voo da madrugada, e
talvez ninguém a menos do piloto, ou nem ele, tenha notado
que a descida começara muito antes que se pudesse
avistar a clareira cortada por duas pistas de negro asfalto
que se cruzam em um ângulo agudo; a maior delas, com
cerca de dois quilômetros de extensão, pronta para receber
Aqui até o céu escreve ficção | 19
o cansado pássaro de alumínio; mas desta vez a descida
começou um pouco antes demais, antes de se poder ver, se
não fosse noite sem lua, as palmeiras, as centenas milhares
de palmeiras babaçu que circundam as duas pistas, antes
de se poder saber se nestas palmeiras também canta o sabiá,
é noite e os sabiás dormem e todos também dormem
no avião que começa sua descida bem antes do que seria
prudente e o piloto, onde está?, que não estranha que
ao invés das palmeiras de um lugar que antigamente (eu
me lembro) era longe e era um deserto e conhecido por
Tirirical, talvez por ser cheio de ervas daninhas, e nem se
chamava de aeroporto e sim de campo de aviação e onde
está o piloto que não percebe?, onde estão as ervas daninhas
e as palmeiras que aqui já não há e onde está a pista
de áspero asfalto pronta para receber-nos, habitantes temporários
da barriga do alado dragão cujas asas imperceptivelmente
perdem o vigor? Pois se olharmos e se conseguirmos
distinguir através das trevas, veremos que ainda
estamos distantes bem distantes de nosso destino. Estamos.
No nosso céu que tem mais estrelas, sobre nossas várzeas
que têm mais flores a ave metálica flutua sem que ela ou
seu condutor percebam o desvio de rota e empreendam
uma manobra ousada para cima, de novo para o ar!, e nossos
bosques que têm mais vidas e nossas vidas cada vez
em maior risco e cada vez com menos amores e decerto
já é tarde e o mar nos chama para seu sombrio ventre e as
mentiras e os pecados nunca confessados e os planos para
o futuro e a volta do exílio e
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a volta do exílio e o barco se aproxima e o poeta sabe
que falta pouco para que ele possa olhar de novo as palmeiras
onde canta
e como o poeta, eu estou acordado e volto de meu exílio
e sei que falta pouco muito pouco e afinal o que segura
no espaço esta máquina avoante? Talvez um nada, talvez
só o meu desejo de voltar para onde as palmeiras e o sabiá,
mas contra meu desejo, as gorduras e os pecados das
quase duzentas pessoas que roncam indiferentes a um destino
que talvez já não há
o poeta sabe que falta pouco muito pouco mas não sabe
que o pouco-sim às vezes é um infinito-não
não houve barulho nem um estrondo nem um relâmpago,
um luzeiro, um clarão, nada, as luzes da cabine desvanecidas
e todos dormem e a manobra tentada pelo piloto
é de muito risco e
os pecados
os desejos
os sonhos
as mentiras
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se o poeta saísse agora de sua cabine que soçobra onde,
solitário, lê seus poemas com o resto de fôlego que lhe
resta e fosse voando no ar com a pujança de seu desejo e
o ardor de seus versos, chegaria bem antes e nem fatigaria
seus braços suas asas, pois é perto, muito perto, mas o
pouco-perto às vezes é um infinito-longe e o poeta sente
que a água quente dos Atins, o sal do mar revolto que banha
sua terra natal de exilado retornando, invadem a sua
cabine e é tudo muito rápido e
e me sinto descer e descer e agora não é o ar frio de
uma cabine pressurizada que me cerca e sim a água quente
da baía e o sal do mar revolto que banha minha terra
natal de exilado retornando e agora as outras duzentas
pessoas acordam e bradam e se debatem no choque com a
água que para elas é fria, para mim a água é quente como
o seio de minha mãe pois é a água do mar de minha terra,
da terra onde eu nasci, e como o poeta antes de sufocar
recitou um a um, calmamente, todos os seus poemas para
se preparar para a travessia dos rios do Hades, eu revisito
um a um os locais que conheci nesta ilha de Upaon-açu
onde eu fui um e fui muitos e
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