OPINIÃOLauro WanderleyGuimarãesMédico“Até que se precise de umolhar empático, um ouvidoatento, uma consulta sempressa a preço de manicure eum diagnóstico que ninguémpensou, eu continuareitrancado e enclausuradosem voz e sem vez, olhandoas cicatrizes que a vida demédico me causou“Sal RefinadoSou um médico na ativa. Sou daterceira idade , já salvei muitas vidas,já perdi noites de sono tentando salvaroutras. Sou como o sal refinado pelotempo e experiência. Segundo CiroGomes, não tenho valor, sou branco, fácilde achar e barato.Hoje, aos 65 e 10 meses, já não passoas noites ao lado dos pacientes, juntocom bactérias multirresistentes, já nãosirvo para essa função tão desgastante.Mas, na vida sempre tem um Mas, comosal refinado, tenho a experiência vividapelas lutas nas noites insones, a paixãopela arte da medicina arde em meucoração e me faz buscar a atualizaçãopermanente.Atendo em consultório, muitas vezespor uma remuneração que deixariaindignada uma manicure. Mas (na vidasempre tem um Mas), dou diagnósticosdifíceis para um jovem que ainda nãoviveu o que vivi. Olho para minhascicatrizes de guerra pela vida, cabelosbrancos, noites mal dormidas, diabetes,hipertensão. Sou grupo de risco,fruto da idade e de muitas vezes nãoter me cuidado por amor ao próximo.Imagino que perante a sociedade, asautoridades, meus órgãos de classe,terei reconhecimento. Afinal, medediquei tanto, quase não vi meusfilhos crescerem, quase não desfruteioutro prazer que não fosse tentarcurar, ouvir o próximo e ajudar.Mas não. Eu sou um velhomédico como aquele menino acorrentadonum tambor. Não estouna linha de frente, não tenho umaentidade de classe ( CRM,AMB, IU,SINDICATO) Que se indigne com ofato de eu mesmo grupo de risco, nãosou vacinado. Meus princípios inegociáveis,não permitem que eu fure filas,cometa ilicitudes, mesmo suspeitando,com indignação, que doses de frascos devacina que foram abertos e não totalmenteusados, são jogados no lixo ( éapenas a desconfiança de uma mentefrágil ao fazer cálculos. 5 doses ao diaque sobraram X 20 dias úteis = 100 vidasvacinadas).Não, eu não tenho direito a cata-lasno lixo. Eu já faço parte do lixo humanodos médicos aposentados que nos seusconsultórios apaixonadamente davamum segundo diagnóstico, praticandouma medicina sem pressa e atenta à artede ouvir. Um grupo de médicos invisíveisque corrigiam a pressa dos diagnósticoapressados das urgências. Não, Eu nãotenho direitos cidadãos. Não constouem nenhuma lei de proteção indígena,quilombola, ou tenho um sindicato quefaça reinvindicações de paralização egerem o pânico entre prefeitos, governadorese secretários.Até que se precise de um olhar empático,um ouvido atento, uma consultasem pressa a preço de manicure e umdiagnóstico que ninguém pensou, eucontinuarei trancado e enclausurado semvoz e sem vez, olhando as cicatrizes que avida de médico me causou. Sou invisívelaté a hora em que percebam que o salrefinado pelo estudo, experiência, amorao próximo, empatia e capacidade de emalguns momentos, ver o que os outrosnão veem, seja por um acaso necessário.Até lá, se vivo eu estiver, ou a depressãocausada pelo descaso ou mesmo acovid19 me levar, eu estarei aqui estudando,trancado e triste por não poderexercer a arte de salvar vidas. Nem assobras vacinas que imagino devam estarindo pro lixo, eu mereço. Mas comomédico de raiz, continuarei amando ahumanidade e a medicina. Apesar dosburocratas, apesar das classes sindicaisbem representadas, apesar dos bilhõesem dólares que a big farma lucra comvacinas, apesar da falta de bom senso dosgestores.Sou cristão e jamais odiarei. Isso ésó um desabafo na passagem chamadavida. Eu faria tudo de novo em nome daarte de curar. A medicina é grande por simesma, mas, só é divina quando irmanadaà bondade. Lauro dos GuimarãesWanderley Filho, CRM 2526-pb. Apenasum velho sal refinado que políticoschamam de médico.30 Revista Turismo & Negócios
Revista Turismo & Negócios31