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A gestão dos supérfluos : neoliberalismo e prisãodepósito

Uma detalhada reportagem do Los Angeles Times sobre a penitenciária de Pelican Bay, na Califórnia, há três décadas, chamou a atenção de Zygmunt Bauman, que na época andava lendo Pierre Bourdieu, Loïc Wacquant e Nils Christie. O filósofo da modernidade líquida percebeu claramente o reflexo das transformações econômicas nas funções e no estilo da pena privativa de liberdade. As velhas mentiras preventivo-especiais (que eram mentiras, porém impediam uma gestão prisional conformada com o sepultamento em vida do condenado) eram abandonadas mais ou menos explicitamente em favor de uma execução neutralizante. Agora, pontuava Bauman, “o confinamento é antes uma alternativa ao emprego, uma maneira de neutralizar parcela considerável da população que não é necessária à produção”. Começava a sair de cena a prisão-fábrica, substituída pela prisão-depósito, sobre a qual Carlos Eduardo Figueiredo compartilha sua experiência e sua reflexão. O trabalho contempla a “clara transformação” pela qual o sistema penal brasileiro vem passando, não só inscrevendo-a no quadro da macroeconomia neoliberal, mas também observando as subjetivações que se impõem a partir da “lógica concorrencial”, da cotovelada por espaço como pedra fundamental da sociabilidade humana. A crítica do autor à realidade das execuções penais no Brasil traz a legitimidade de quem, por mais de uma década, exerceu judicatura precisamente nesse campo. Ele assinala, certeiramente, o excesso de prisões provisórias como “característica central de política criminal fundada no risco”; pois, após a Índia e ao lado da Turquia e do México, estamos na casa dos 40

Uma detalhada reportagem do Los Angeles Times sobre a penitenciária de Pelican Bay, na Califórnia, há três décadas, chamou a atenção de Zygmunt Bauman, que na época andava lendo Pierre Bourdieu, Loïc Wacquant e Nils Christie. O filósofo da modernidade líquida percebeu claramente o reflexo das transformações econômicas nas funções e no estilo da pena privativa de liberdade. As velhas mentiras preventivo-especiais (que eram mentiras, porém impediam uma gestão prisional conformada com o sepultamento em vida do condenado) eram abandonadas mais ou menos explicitamente em favor de uma execução neutralizante. Agora, pontuava Bauman, “o confinamento é antes uma alternativa ao emprego, uma maneira de neutralizar parcela considerável da população que não é necessária à produção”. Começava a sair de cena a prisão-fábrica, substituída pela prisão-depósito, sobre a qual Carlos Eduardo Figueiredo compartilha sua experiência e sua reflexão.

O trabalho contempla a “clara transformação” pela qual o sistema penal brasileiro vem passando, não só inscrevendo-a no quadro da macroeconomia neoliberal, mas também observando as subjetivações que se impõem a partir da “lógica concorrencial”, da cotovelada por espaço como pedra fundamental da sociabilidade humana. A crítica do autor à realidade das execuções penais no Brasil traz a legitimidade de quem, por mais de uma década, exerceu judicatura precisamente nesse campo. Ele assinala, certeiramente, o excesso de prisões provisórias como “característica central de política criminal fundada no risco”; pois, após a Índia e ao lado da Turquia e do México, estamos na casa dos 40

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A gestão dos supérfluos: neoliberalismo e

prisão-depósito é uma obra marcante para

leitores das áreas do Direito, da

Economia, da História, da Sociologia e

da generalidade das ciências sociais e

humanas. É uma reflexão de quem

evidencia um profundo conhecimento

não só do Direito, mas também da

condição humana. Convoca o Direito

Constitucional, o Internacional, o Penal

e o Processual Penal, entre outros

ramos, com um delicado tratamento dos

conceitos jurídicos num tema tão agressivo

como o da perceção e avaliação do

sistema penitenciário. O texto, num

amplo e útil mosaico jurídico, permite-

-nos conhecer uma realidade que deveria

ser impensável no século XXI, tão longe

que está dos pilares fundamentais.

Seguramente, a condição do autor de

magistrado judicial e investigador acadêmico

potencializou o resultado final, em

que avalia a situação do sistema carcerário

no Brasil e sugere soluções para

que a sociedade seja “organizada pela

circulação do afeto da solidariedade, em

que se verifique uma heteronomia sem

sujeição”. Tal reflexão se encontra ao

longo de uma obra muito atual, em que a

(re)afirmação da dignidade da pessoa

humana é uma constante.

Desengane-se, desde já, quem pensa

que vai ler um livro circunscrito ao

Brasil. É muito mais do que o Brasil que

está em causa nesta publicação e na

reflexão realizada, encontrando-se

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