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Livro Otites na Pratica Clinica

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JOÃO PAÇO

ILUSTRAÇÕES:

F. VILHENA DE MENDONÇA

OTITES

NA PRÁTICA

CLÍNICA

GUIA

DE DIAGNÓSTICO

E TRATAMENTO



OTITES

NA PRÁTICA CLÍNICA

GUIA DE DIAGNÓSTICO

E TRATAMENTO


FICHA TÉCNICA

[ AUTOR ] Prof. Doutor João Paço

[ ILUSTRAÇÃO CIENTÍFICA ] Dr. Fernando Vilhena de Mendonça

Círculo Médico - Comunicação e Design

[ EDITOR ] Círculo Médico - Comunicação e Design, Lda

[ DIRECÇÃO DE ARTE ] Rui Lis Romão

[ DIRECÇÃO DE PROJECTO ] Vanessa Silva

[ DESIGN GRÁFICO ] Filipa Mendes

[ PAGINAÇÃO ] José Artur

Paulo Mendes

[ REVISÃO ] Dra. Maria Teresa Egídio de Sousa

Maria do Céu Lopes

[ IMPRESSÃO E ACABAMENTOS ] Selenova, Lda.

[ EXEMPLARES ] 3.000 exemplares

[ 1ª EDIÇÃO ] 2010

[ DEPÓSITO LEGAL ] 306970/10

Av. Prof. Dr. Fernando da Conceição Fonseca, nº 41-A

Massamá – 2745-767 QUELUZ – PORTUGAL

Tel.:+351 214 307 830 a 8 Fax: 214 307 839

atelier@circulomedico.com – www.circulomedico.com

©2010, Círculo Médico todos os direitos reservados.

Nenhuma ilustração científica pode ser utilizada ou reproduzida sem autorização

expressa do autor.

O conteúdo desta obra é da responsabilidade dos seus autores.

Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida sem a sua autorização.

Esta publicação foi possível pelo apoio:


JOÃO PAÇO

ILUSTRAÇÃO CIENTÍFICA

F. VILHENA DE MENDONÇA

OTITES

NA PRÁTICA

CLÍNICA

GUIA

DE DIAGNÓSTICO

E TRATAMENTO


AUTORES

OTITES NA PRÁTICA CLÍNICA

GUIA DE DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO

Prof. Doutor João Paço

Otorrinolaringologista

Coordenador do Centro de Otorrinolaringologia

do Hospital CUF Infante Santo;

Director Clínico do Hospital CUF Infante Santo, Lisboa.

Dra. Carla Branco

Otorrinolaringologista

Hospital Pulido Valente e Hospital CUF Infante Santo, Lisboa

Dra. Cristina Caroça

Otorrinolaringologista

Hospital CUF Infante Santo, Lisboa

Dr. João Vieira de Almeida

Otorrinolaringologista

Hospital Egas Moniz e Hospital CUF Infante Santo, Lisboa

Dra. Maria Caçador

Otorrinolaringologista

Hospital CUF Infante Santo, Lisboa

Ilustração Científica

Dr. Fernando Vilhena de Mendonça

Otorrinolaringologista

Director do Círculo Médico


ÍNDICE

PÁG.

I Introdução 9

II Atlas de Anatomia Aplicada 13

III Ouvido Externo 25

• Anatomia do Ouvido Externo 26

• Fisiologia do Canal Auditivo Externo (CAE) 27

• Patologia do Canal Auditivo Externo 28

Patologia Infecciosa 29

Patologia Intrínseca da Pele 30

Patologia Óssea Benigna 31

Patologia Traumática 31

Corpos Estranhos 32

Patologia Neoplásica 33

IV Tímpano Normal 35

• Técnicas de Observação 37

Espéculos Auriculares 37

Iluminação da Membrana 39

Otoscópio 42

Teleotoscópio 43

Microscópio Binocular 46

Técnicas de Observação – Qual a Melhor? 47

• Observação do Tímpano Normal 48

Cor 50

Superfície e Orientação 52

Brilho 53

Transparência 54

Mobilidade 55

Pontos a Salientar 56


ÍNDICE

PÁG.

V Tímpanos Patológicos 59

• Otite Média Aguda 60

Fase Congestiva 62

Fase Supurativa 64

Fase Resolutiva 65

Miringite Bolhosa 65

Otite Média Aguda - Sinopse 67

• Otite Serosa 69

Otite Serosa - Sinopse 75

• Bolsas de Retracção 77

Localização 77

Fixação 80

Controlo 82

Morbilidade 83

Progressão das Bolsas de Retracção 84

Classificação das Bolsas de Retracção 90

Bolsas de Retracção - Sinopse 93

• Otite Fibroadesiva 94

Otite Fibroadesiva - Sinopse 97

• Otite Média Crónica Purulenta Simples 98

Otite Média Crónica Purulenta Simples -

- Sinopse 102

• Otite Média Crónica Colesteatomatosa 103

Desenvolvimento do Colesteatoma

de acordo com o local da perfuração 112

Otite Média Crónica Colesteatomatosa -

- Sinopse 119

• Timpanosclerose 121

Timpanosclerose - Sinopse 127


| 7

PÁG.

VI

VII

• Otite Traumática 128

Otite Traumática - Sinopse 129

• Otite Barotraumática 129

• Perfuração Traumática 131

• Complicações da Otite Média 132

Complicações Extracranianas 133

Complicações Intracranianas 136

Tímpanos Patológicos – Pontos a Salientar 137

Microbiologia e Guia de Antibioterapia

em Otites 145

• Quadro Sinóptico

Principais Patologias Infecciosas

do Ouvido Externo, Microbiologia

e Antibioterapia 147

• Quadro Sinóptico

Principais Patologias Infecciosas

do Ouvido Médio, Microbiologia

e Antibioterapia 148

• Quadro Posológico de Antibioterapia 149

Breves Noções

da Abordagem Cirúrgica do Tímpano 151

• Fundamentos Anátomo-clínicos

na Abordagem Cirúrgica do Tímpano 152

• Miringocentese 152

• Colocação de Tubos Transtimpânicos 154


OTITES NA PRÁTICA CLÍNICA

GUIA DE DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO


I . INTRODUÇÃO


João Paço

I . INTRODUÇÃO

As doenças inflamatórias do ouvido são sem dúvida das situações

mais frequentes que surgem tanto nos atendimentos permanentes

como nas consultas do nosso dia-a-dia.

Cedo nos podem apoquentar, sobretudo nos primeiros anos de

vida, provocando otites muitas vezes recorrentes que, para além

da otalgia, podem levar à otorreia e nalguns raros casos à perfuração

timpânica que se pode, desde logo, instalar limitando a qualidade

de vida da criança e mais tarde do adulto.

É também nestes primeiros tempos que surge aquela que ainda

hoje é a primeira causa de surdez infantil, a otite serosa, com a

instalação de um exsudado seroso ou seromucoso na caixa do

tímpano que vai limitar os movimentos da membrana timpânica e

cadeia ossicular, retardando a progressão das zonas sonoras em

direcção ao ouvido interno.

Muitos são os casos de otite serosa que evoluem e curam espontaneamente,

porém, outros apenas se resolvem com terapêutica

médica ou cirúrgica com a aplicação de tubos transtimpânicos.

Nalguns casos nenhuma terapêutica é eficaz para a disfunção tubária

que se pode tornar persistente dando origem ao aparecimento

de bolsas de retracção do tímpano, que com o passar do

tempo podem evoluir para um estádio fixo e definitivo.

Nesta altura entra em campo o novo agente, a migração epidérmica

na superfície timpânica que naturalmente é expulsa pelas

paredes do conduto auditivo externo, mas nos casos das bolsas


| 11

de retracção pode acumular-se em sacos que surgem e se desenvolvem

a partir do fundo das bolsas, crescendo para o interior

do ouvido médio provocando os célebres, mas cada vez mais

raros, colesteatomas que podem chegar a provocar largas destruições

e não raras complicações.

Otalgia, otorreia, hipoacúsia, otorragia, acufenos, vertigens e alterações

do equilíbrio, autofonia, plenitude auricular, hiperacúsia são

muitas das queixas que podem surgir associadas a todos estes

problemas.

O tímpano vai espelhando entretanto todos os processos que atingem

o ouvido médio, deixando de ser transparente ou translúcido,

sofrendo uma ingurgitação e hiperemia de todos os seus vasos,

espessando-se com inflamação, abaulando-se sobre a pressão

dos exsudados intratimpânicos que, por aumento de volume e fraqueza

da membrana, podem provocar a sua ruptura e o aparecimento

da otorreia.

Simultaneamente passada esta fase, a sua armadura colagénia

pode ficar enfraquecida e passar a ceder com mais facilidade às

pressões positivas, mas sobretudo negativas intratimpânicas, estando

na génese das bolsas de retracção e do colesteatoma.

Este Guia Ilustrado de Otites dirige-se a médicos de Medicina Geral

e Familiar, Pediatras e Otorrinos, pretendendo ser um auxiliar de

diagnóstico e terapêutica.

A abordagem fisiopatológica detalhada, a riqueza iconográfica de

fotografias e ilustrações científicas, os quadros sinópticos de diagnóstico

e terapêutica, fazem deste manual um utilitário de grande

interesse para a prática clínica.

Por último, um agradecimento a todos os que colaboraram nesta

obra, muito obrigado ao Fernando Vilhena de Mendonça por todas

as suas ilustrações e pela forma como dirigiu a edição deste manual,

e finalmente à BIAL que tornou possível a sua publicação.

A todos bem hajam.


OTITES NA PRÁTICA CLÍNICA

GUIA DE DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO


II . ATLAS DE ANATOMIA APLICADA


Fernando Vilhena de Mendonça, João Paço

II . ATLAS DE ANATOMIA

APLICADA

Fig. 2.1 - Divisão anatómica do ouvido

Fig. 2.2 - Anatomia do ouvido

Fig. 2.3 - Anatomia do pavilhão auricular

Fig. 2.4 - Aspecto macroscópico da membrana timpânica

normal (ouvido direito)

Fig. 2.5 - Estruturas situadas no interior da caixa

do tímpano, observáveis à transparência

(ouvido direito)

Fig. 2.6 - Estruturas situadas no interior da caixa

do tímpano (ouvido direito - corte sagital)

Fig. 2.7 - Cadeia ossicular do ouvido médio

Fig. 2.8 - Estruturas situadas no interior da caixa

do tímpano (ouvido direito - corte coronal)

Fig. 2.9 - Estruturas anatómicas vizinhas do ouvido


| 15

FIG. 2.1

Divisão anatómica do ouvido.


II . ATLAS DE ANATOMIA APLICADA

FIG. 2.2

Anatomia do ouvido: Pav – Pavilhão auricular;

CAE – Conduto auditivo externo; MT – Membrana

timpânica; Ep – Epitímpano; M – Martelo; Bi – Bigorna;

E – Estribo; CSC – Canais semi-circulares; Cc – Cóclea;

TE – Trompa de Eustáquio.


| 17

FIG. 2.3

Anatomia do pavilhão auricular: H – Hélix;

FN – Fosseta navicular; RH – Raiz do hélix; AH – Antihélix;

Tr – Tragus; MAE – Meato auditivo externo;

II – Incisura intertrágica; Lb – Lobo; AT – Antitragus;

C – Concha; GH – Goteira do hélix.


II . ATLAS DE ANATOMIA APLICADA

FIG. 2.4

Aspecto macroscópico da membrana timpânica normal

(ouvido direito): LAM – Ligamento anterior do martelo;

C. Ap – Curta apófise do martelo; U – Umbo; TL – Triângulo

luminoso; PT – pars tensa; AT – annulus timpânico;

ST – Sulco timpânico; TME – Tendão do músculo do estribo;

CM – Cabo do martelo; IR – Incisura de Rivinus;

PF – pars flaccida; Quadrantes timpânicos:

a – ântero-superior, b – ântero-inferior, c – póstero-inferior,

d – póstero-superior.


| 19

FIG. 2.5

Estruturas situadas no interior da caixa do tímpano,

observáveis à transparência (ouvido direito).

C. Ap – Curta apófise; TE – Trompa de Eustáquio;

Pr – Promontório; JR – Janela redonda; AlE – Articulação

incudo-estapédica; TME – Tendão do músculo do estribo;

NCT – Nervo da corda do tímpano; LT – Lâmina timpânica;

Bi – Bigorna.


II . ATLAS DE ANATOMIA APLICADA

FIG. 2.6

Estruturas situadas no interior da caixa do tímpano

(ouvido direito - corte sagital).

Tímpano removido: IR – Incisura de Rivinus;

LAM – Ligamento anterior do martelo; C. Ap – Curta

apófise; M – Martelo; TE – Trompa de Eustáquio;

Pr – Promontório; JR – Janela redonda; AlE – Articulação

incudo-estapédica; TME – Tendão do músculo do estribo;

E – Estribo; NCT – Nervo da corda do tímpano; Bi – Bigorna.


| 21

FIG. 2.7

Cadeia ossicular do ouvido médio: Ca. M – Cabeça

do martelo; Cl – Colo; C. Ap – Curta apófise ou apófise

lateral; CM – Cabo do martelo ou Manúbrio; Es – Espátula;

C. Bi – Corpo da Bigorna; Ap. C – Apófise curta ou lateral

da Bigorna; Ap. L – Apófise longa ou vertical da Bigorna;

Ap. Lent – Apófise lenticular da Bigorna;

AE – Arco do estribo ou crura; PE – Platina do estribo;

AlE – Articulação incudo-estapédica.


II . ATLAS DE ANATOMIA APLICADA

FIG. 2.8

Estruturas situadas no interior da caixa do tímpano

(ouvido direito - corte coronal).

LLE – Ligamento lateral externo do martelo;

Ep – Epitímpano; M – Martelo; LS – Ligamento superior

do martelo; Bi – Bigorna; TME – Tendão do músculo

do estribo; AE – Arco do estribo ou crura;

AlE – Articulação incudo-estapédica; Pr – Promontório;

TE – Trompa de Eustáquio; C. Ap – Curta apófise.


| 23

FIG. 2.9

Estruturas anatómicas vizinhas do ouvido:

ATM – Articulação temporo-mandibular; M – Mastóide


OTITES NA PRÁTICA CLÍNICA

GUIA DE DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO


III . OUVIDO EXTERNO


Cristina Caroça, João Vieira de Almeida, João Paço

III . OUVIDO EXTERNO

Este capítulo é destinado ao estudo da patologia do ouvido externo.

Será feita uma primeira abordagem superficial à anatomia

e depois descreveremos a patologia. Iremos dar mais

atenção à patologia infecciosa, mas iremos abordar superficialmente

as restantes patologias do ouvido externo.

ANATOMIA DO OUVIDO EXTERNO

O ouvido é dividido anatomicamente em três partes: externo,

médio e interno.

O ouvido externo é constituído pelo pavilhão auricular e canal auditivo

externo (CAE). O pavilhão auricular é composto por uma fina

lâmina de cartilagem, coberta de pele que se prolonga até ao

CAE (1/3 externo), também denominada porção membranosa. O

restante CAE (2/3 internos) ou porção óssea, apresenta-se derivado

do osso temporal (porção timpanal, mastoideia e escamosa

do osso temporal) igualmente revestido por pele. Este

epitélio, histologicamente classifica-se como pavimentoso-estratificado

e está em continuidade com a camada epitelial da

membrana timpânica. A espessura da pele do CAE vai diminuindo

de fora para dentro e apenas na sua porção mais externa

possui glândulas ceruminosas e folículos pilosos. Tem a

capacidade de migrar externamente em direcção ao meato, o

que funciona como um mecanismo de auto-limpeza. O CAE tem

aproximadamente 22 a 25 mm de comprimento e um volume

de 1 a 2 ml. Relaciona-se posteriormente com as células mastoi-


| 27

deias e nervo facial à medida que este desce na sua 3ª porção

em direcção ao buraco estilomastoideu, e anteriormente com a

articulação temporo-mandibular, que pela inervação comum, é

responsável por muitas situações de otalgia reflexa em casos de

patologia articular. Tem também estreita relação com a glândula

parótida na sua porção mais externa e ântero-inferior.

A configuração anatómica do ouvido externo é muito variável

entre os indivíduos, favorecendo, em alguns casos, e associado

a factores predisponentes, situações inflamatórias e infecciosas.

O ouvido externo encontra-se separado do ouvido médio pela

membrana timpânica que desempenha um papel essencial na

condução do som.

FISIOLOGIA DO CANAL

AUDITIVO EXTERNO (CAE)

A sua função é a de canalizar as ondas sonoras para o ouvido

médio, ajudando ao reconhecimento da origem do som. Por

outro lado, ao funcionar como caixa de ressonância permite amplificar

o som, sobretudo nas frequências conversacionais.

O som é produzido por ondas mecânicas longitudinais de compressão

e rarefacção no ar em frequências que podem ir dos 20

Hz a 20000 Hz nos humanos.

As ondas sonoras possuem características que permitem uma

melhor propagação: reflexão, refracção, interferência e ressonância.

Assim, a forma como a onda sonora progride através do meio

depende da sua natureza, suas irregularidades e ligações com

o mesmo. Quando uma onda sonora atinge um local de maior

impedância, a pressão sonora desenvolvida no lado do ar será

inadequada para promover a mesma amplitude de vibração

local.

Em resultado, o som será reflectido e apenas uma pequena proporção

é transmitida.


III . OUVIDO EXTERNO

Anatomicamente podemos dividir o ouvido em 4 secções com

importantes papéis na fisiologia da audição:

» O pavilhão auricular permite a captação do sinal, identificação

da localização de fonte sonora bem como protecção do

ouvido.

» A zona de transição localizada na porção final do pavilhão e

início do CAE, com 2 a 3 mm de comprimento, serve de ponte

entre o pavilhão auricular e o CAE, e aqui a onda adquire a sua

forma natural.

» O CAE conduz o som à membrana timpânica. A pressão sonora

varia ao longo do CAE mas é constante em qualquer secção

transversal. Possui uma ressonância próxima dos 3500 Hz,

o que provoca nesta frequência uma amplificação de cerca de

10 dB.

» A zona de transição junto ao osso timpânico permite a transmissão

da onda sonora a este.

De estudos efectuados verificou-se que o pavilhão auricular e

CAE permitem uma amplificação de cerca de 20 dB.

PATOLOGIA DO CANAL

AUDITIVO EXTERNO

Podemos dividi-la em congénita e adquirida. A título de curiosidade,

a patologia congénita compreende as malformações do

ouvido externo, que vão desde a atrésia completa (ausência de

CAE e pavilhão), até malformações isoladas do pavilhão, estenose

do meato ou do CAE. Todas as malformações do ouvido externo

podem surgir isoladamente ou associadas a malformações

do ouvido médio ou interno, ou ainda, no contexto de síndromes

mais complexas, a malformações craniofaciais associadas, ou

mesmo de outros órgãos e sistemas.

A patologia adquirida do ouvido externo pode ser infecciosa, intrínseca

da pele, óssea benigna, traumática, corpos estranhos e

neoplásica.


| 29

Patologia Infecciosa

Otite Externa (OE)

É um processo infeccioso do ouvido externo. Pode envolver unicamente

a porção cartilaginosa do pavilhão auricular (pericondrite)

que tem a particularidade de poupar o lóbulo, ou afectar a

pele do CAE. A clínica inclui otalgia mais ou menos intensa, prurido,

sensação de plenitude auricular com hipoacúsia. No capítulo

VI poderá consultar um quadro que resume as principais

características dos diferentes processos infecciosos do ouvido,

pelo que no texto apenas referiremos algumas particularidades

importantes das várias patologias.

Na Otite Externa Difusa, quando há um grande edema do CAE,

pode ser útil colocar um tampão de Merocel ® durante 24 a 48h

para permitir a entrada do antibiótico tópico.

No caso da Furunculose, habitualmente é necessário associar a

drenagm da colecção purulenta ao tratamento antibiótico.

Otite Externa Maligna/Necrosante

É um tipo de otite habitualmente crónica e que afecta indivíduos

imunocomprometidos, nomeadamente diabéticos, e caracteriza-se

pela presença de osteomielite dos ossos da base do crânio.

A suspeita clínica deve ser colocada quando estamos

perante uma otite externa resistente ao tratamento, sendo o

diagnóstico efectuado após realização de cintigrafia óssea com

Gálio. O tratamento é realizado em regime de internamento com

antibioterapia e.v., não esquecendo o tratamento da doença de

base, durante pelo menos 4 a 6 semanas, sendo útil a repetição

da cintigrafia para monitorização do tratamento. Trata-se de uma

situação grave com uma taxa de mortalidade elevada.

Otomicose

É uma otite externa fúngica, que ao exame pode ter dois aspectos

principais: ou se visualizam hifas do fungo a que vulgarmente

nos referimos como bolor, ou tem um aspecto de exsudado


III . OUVIDO EXTERNO

branco/acinzentado de consistência um pouco mais espessa do

que o exsudado bacteriano. Deve-se ter um cuidado especial de

limpeza do CAE, e por um período ligeiramente mais prolongado,

visto que os esporos são muito resistentes e podem assim sobreviver

ao tratamento e originar novamente fungos que perpetuam

a infecção.

Zona

É uma infecção provocada pelo vírus Herpes Zooster. Caracteriza-se

por uma erupção na concha, tragus, zona de Ramsay-

-Hunt (região sensitiva do intermediário de Wrisberg), associada

a paralisia do facial e a surdez por envolvimento do nervo coclear.

A sintomatologia inicia-se por prurido, sensação de parestesias

da concha e otalgia, instalando-se progressivamente

o quadro completo.

Patologia Intrínseca da Pele

Rolhão Epidérmico

Caracteriza-se pela acumulação de descamações epiteliais no

CAE, aderentes à parede ou à membrana timpânica. Esta patologia

pode ser um sinal de outras que a predisponham, nomeadamente

eczema atópico e eczema de contacto, dermite

seborreica ou psoríase. O tratamento reside na extracção do rolhão

e eventualmente corticóides tópicos ou antibióticos, se houver

infecção.

Quistos Epidérmicos e Colesteatomas

do Conduto

Podem ser primários e surgir espontaneamente, ou secundários

a uma cirurgia prévia. O seu tratamento é cirúrgico, uma vez que,

tal como o colesteatoma do ouvido médio, trata-se de uma patologia

com potencial destrutivo da parede do CAE e, posteriormente,

do ouvido médio.


| 31

Patologia Óssea Benigna

Exostoses

É a patologia óssea benigna mais frequente.

As exostoses caracterizam-se por uma proliferação óssea externa

que deforma a morfologia do canal auditivo externo, condicionando

uma diminuição do calibre e volume do CAE. É

classicamente definida como a doença do surfista, e pensa-se

que a exposição do CAE à água fria e ao vento favorece o crescimento

das exostoses. Trata-se de uma doença silenciosa até

tarde, e pode originar uma hipoacúsia de condução e otites externas

de repetição. O tratamento é cirúrgico.

Osteomas do CAE

São proliferações ósseas únicas, frequentemente pediculadas e

arredondadas. O tratamento é cirúrgico.

Displasia Fibrosa

É uma patologia óssea pouco frequente. Trata-se de uma fibrose

do osso com alteração da arquitectura óssea. Pode ser uma

doença monostótica ou poliostótica atingindo frequentemente os

ossos do crânio, podendo também afectar outros ossos e em

quadros mais graves cursar com alterações endocrinológicas.

Trata-se de uma mutação pós-zigótica que causa uma doença

tanto mais grave quanto mais cedo ocorrer.

Patologia Traumática

Em relação à patologia traumática do ouvido externo, podemos ter

traumatismos do Canal Auditivo Externo ou do pavilhão auricular.

Traumatismo do CAE

É frequentemente originado pelo próprio com cotonete, arames, chaves,

ganchos de cabelo, etc., habitualmente sem gravidade, mas podendo

atingir a membrana timpânica e a cadeia ossicular.


III . OUVIDO EXTERNO

Traumatismo do Pavilhão

Do traumatismo do pavilhão auricular pode resultar hematoma,

laceração ou amputação. A amputação do pavilhão é uma situação

que deve ser tratada sob anestesia geral em ambiente

hospitalar, se possível recuperar o fragmento amputado até 6

horas. A laceração pode ser tratada sob anestesia local com sutura

dos topos lacerados e antibioterapia. O hematoma, que é

bastante mais frequente, deve ser drenado e efectuado penso

compressivo e antibioterapia, caso contrário pode suceder uma

necrose da cartilagem ou deformação da mesma.

Corpos Estranhos

Os corpos estranhos do CAE são sobretudo frequentes em crianças

e devem ser removidos rapidamente. Podem ser animados

(organismos vivos) ou inanimados (material inerte ou organismos

mortos). Acima de tudo é importante ter a noção que não se deve

tentar remover um organismo vivo do CAE sem o imobilizar primeiro.

Pode-se optar por utilizar um material viscoso, como óleo

de amêndoas doces ou vaselina líquida, e não uma substância

alcoólica agressiva, uma vez que provoca agitação do organismo

com consequente aumento dos danos no CAE. A remoção

pode ser depois tentada com uma micropinça. No caso de um

corpo estranho inanimado deve-se tentar a remoção com um

gancho e nunca com uma micropinça porque pode provocar o

deslizamento do mesmo para o fundo do CAE. Em algumas situações

pode ser necessária anestesia geral para remoção do

corpo estranho.


| 33

Patologia Neoplásica

Os tumores do ouvido externo são raros, sendo que os malignos

são os mais frequentes. Podem ser de origem epitelial, glandular,

nervosa, vascular, óssea ou cartilaginosa.

Os mais frequentes são os carcinomas pavimento-celulares do

pavilhão, sendo que os basaliomas são bastante mais raros. O

tratamento é predominantemente cirúrgico complementado com

radioterapia ou quimioterapia nos casos em que se justifica.


OTITES NA PRÁTICA CLÍNICA

GUIA DE DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO


IV . TÍMPANO NORMAL


João Paço, Carla Branco

IV . TÍMPANO NORMAL

A observação da membrana do tímpano, situada na extremidade

interna do conduto auditivo externo, depende em grande

parte da morfologia deste canal.

Se analisarmos a porção cartilagínea do conduto, constatamos

existirem duas partes de direcções distintas, que fazem entre si

ângulos de 100º a 110º aberto para trás (Testut, 1949).

No plano vertical, o conduto fibrocartilagíneo tem uma direcção

transversal, côncava para baixo. Já a porção óssea, descrita no

capítulo anterior, tem sempre um istmo mediano e um eixo que

se dirige para baixo, para diante e para dentro.

Pelo facto da cartilagem do pavilhão auricular constituir simultaneamente

a parede interior da porção cartilagínea do conduto,

a sua tracção modifica a curvatura ou angulação que esta porção

apresenta e, uma vez alterada, poderá ser mantida através

da colocação de um espéculo auricular.

O mesmo não sucede na porção óssea, à qual o observador se

deve adaptar, quer pela mudança da sua posição, quer pela colocação

da cabeça do doente em distintas posições.

Para além de se corrigirem os diferentes segmentos do conduto

fibrocartilagíneo de forma a modificar os seus eixos colocando-os

em linha recta, é necessário iluminar este canal a fim

de podermos observar a membrana do tímpano.


| 37

TÉCNICAS DE OBSERVAÇÃO

Espéculos Auriculares

As observações do conduto auditivo destinavam-se inicialmente

à extracção de corpos estranhos.

Em 1363, Guy de Chauliac, no seu tratado Collectorium Artis Chirurgicalis

Medicinae, descreveu a extracção de corpos estranhos

do canal auditivo, para o que utilizava a luz solar e um espéculo

(Hawke e col., 1984).

Para este autor, a primeira ilustração de um espéculo auricular

deve-se a um cirurgião alemão, Fabricius Hildanus, que no século

XVI empregava um espéculo bivalve para a extracção de

corpos estranhos. Este tipo de espéculo vai continuar a ser utilizado

nos séculos seguintes.

Segundo Garcia-Ballester e col. (1978), Itard, 1821, apresenta um

espéculo de valvas com o qual observa a membrana do tímpano,

servindo-se da luz solar que deve passar acima do ombro

do observador em direcção ao ouvido do doente. As duas valvas,

que eram apenas introduzidas no conduto membranoso, ao

afastarem-se corrigiam as respectivas curvaturas, opunham-se

à pressão do tragus e possibilitavam que os raios luminosos atingissem

a face externa do tímpano.

Newberg (1827), utilizava um espéculo cilíndrico, que para além

de ser introduzido na porção membranosa do conduto, penetrava

ligeiramente na porção óssea.

Bonnafont (1860), comenta este tipo de espéculos, afirmando que

o seu calibre limita o campo de visão, e que as suas paredes cilíndricas

contactavam de uma forma dolorosa com as paredes

do conduto. Defende a utilização dos espéculos de valvas, uma

vez que estas se adaptam a qualquer conduto e a pressão exercida

pelas valvas nunca chega a ser dolorosa, pois é regulável e

possível de controlar.


IV . TÍMPANO NORMAL

O espéculo de valvas tinha contudo como limitação o facto de

requerer uma das mãos do observador, motivo pelo qual Bonnafont

propõe então um espéculo deste tipo, mas com os movimentos

comandados por uma cremalheira. Este, uma vez

colocado e ajustado, mantém-se no canal libertando as mãos

do observador.

Politzer (1865) punha como obstáculo à utilização destes espéculos

o facto de ser impossível dilatar grandemente a porção fibrocartilagínea

do canal sem provocar dor. Refere igualmente

que os pêlos do conduto se insinuavam entre as valvas, dificultando

a iluminação e a observação do tímpano.

Gruber (citado por Politzer) cria em Viena os espéculos auriculares

em forma de cone, com uma das extremidades de calibre mais reduzido

que deverá ser introduzido no conduto auditivo. Estes espéculos

apresentavam três calibres distintos, de forma a se

adaptarem aos condutos sem provocarem pressões dolorosas.

Wilde modifica os espéculos de Gruber tornando-os inteiramente

cónicos, igualmente com calibres variáveis, mas com superfícies

extremamente polidas e brilhantes de modo a reflectirem o máximo

de luz.

Toynbee é, para Hawke e col. (1984), o primeiro a conceber um

espéculo de lúmen oval, que para este autor se adaptaria melhor

ao conduto ósseo, possibilitando uma visão mais correcta da

membrana do tímpano.

Politzer, em finais do século XIX, advoga a utilização de espéculos

auriculares em forma de cone mas feitos em borracha,

menos traumatizantes e que evitam a sensação de frio provocada

pelos espéculos metálicos. A superfície de borracha não

reflecte a luz e possibilita um melhor contraste com a superfície

brilhante do tímpano.

Em 1864, Siegle introduz o espéculo pneumático. Este não é mais do

que um espéculo em forma de cone, encerrado na extremidade do

observador por um vidro que contém lateralmente uma adaptação

a um sistema pneumático, que pode fazer pressão ou sucção.


| 39

Todos estes espéculos, com mais ou menos modificações, continuam

a ser utilizados hoje em dia.

Os espéculos em forma de cone, segundo Alonso (1961), são muitas

vezes conhecidos pelos nomes dos seus autores. Os cones

truncados, que terminam em forma de círculo, são chamados

espéculos de Hartman. Os que têm a sua terminação ovalada,

são denominados espéculos de Alexander. Dentro de cada tipo

existem 3 a 4 diâmetros que vão de 3 a 8 mm.

Durante a cirurgia são ainda utilizados espéculos de metal, enegrecidos

e baços, pois evitam a reflexão da luz não perturbando

o observador, e criam melhores condições para a iluminação

das paredes do conduto e do tímpano. Alguns destes espéculos

têm a sua extremidade em bisel, de modo a melhor se adaptarem

à morfologia do conduto (espéculos de Plester).

Iluminação da Membrana do Tímpano

A iluminação do conduto auditivo externo e do tímpano sofreu

uma grande evolução, desde a utilização dos raios solares até à

luz fria transportada por cabos de fibras ópticas.

Politzer (1865) afirmava que a dificuldade principal numa otoscopia

consistia em iluminar suficientemente bem uma membrana

colocada no fundo de um tubo escuro (Garcia-Ballester

e col., 1978).

De início, a iluminação utilizada era a luz do dia. Wilde, um otologista

irlandês, citado por Hawke e col. (1984), fazia as suas observações

entre as 11:00 e as 15.00 horas, dizendo ter dificuldades

durante o inverno, pois não tinha luz suficiente.

Fabricius Ab Aquabendente, no século XVI, parece ter sido o

primeiro a utilizar a luz de uma vela para iluminar o conduto

auditivo. Cleland, um cirurgião inglês do século XVIII, propõe

o uso de um vidro convexo, que concentrava a luz da vela

para a observação do canal. Bozzini, serve-se para este fim

de um espelho, que colocava por trás de uma vela (Hawke e

col., 1984).


IV . TÍMPANO NORMAL

Mais tarde, com o aparecimento da luz produzida por óleos minerais,

são criadas por Buchanan, em Inglaterra, e por Kramer,

na Alemanha, caixas que no seu interior contêm uma fonte de

luz, um espelho reflector e uma lente convexa, possibilitando iluminar

de uma forma mais adequada o conduto e o tímpano.

Para Politzer (1865) a luz artificial tinha, contudo, o inconveniente

de alterar as sombras naturais do tímpano, perturbando a sua

imagem de conjunto.

Este autor descreve que é sempre preferível a luz natural, reflectida

num espelho ou numa parede branca e dirigida para o interior

do canal (Garcia-Ballester e col., 1978).

Tillaux (1897), escreve que a luz natural é superior à artificial, e a

melhor será aquela que provém de um céu carregado de nuvens

brancas, ou a que é reflectida de um muro branco, pois vê-se mal

com um céu azul.

O exame com luz viva em pleno sol, oferecia contudo a vantagem

de mostrar melhor certos detalhes do interior da caixa. Este

autor indica porém que usa a luz artificial na prática corrente.

O uso de espelhos especiais com um orifício central é atribuído

a Troltsch, que os divulga em 1855 num Congresso em Paris.

Politzer (1865) preconiza o seu uso na prática corrente, afirmando

que estes devem ser utilizados nos quartos dos doentes ou em dias

de muitas nuvens, servindo-se quer da luz natural quer da artificial.

Os espelhos de Troltsch podiam ser utilizados de várias formas,

desde colocados na fronte, os espelhos frontais, nos óculos, na

mão do otologista e mesmo nos seus dentes (Hawke e col., 1984).

Politzer aconselhava o uso destes espelhos na mão direita, enquanto

a esquerda segurava o espéculo auricular. O espelho

devia ser colocado de forma a fazer concentrar a maior intensidade

de luz na membrana do tímpano.

A desvantagem deste método resultava do facto de o observador

ter de se colocar a uma distância tal, que a sua cabeça não

interrompesse completamente a iluminação do tímpano, ao


| 41

mesmo tempo que lhe possibilitasse distinguir os pormenores e

as características desta membrana.

O espelho frontal de Troltsch não tinha este inconveniente e, por

libertar as mãos do observador, teve grande divulgação nos finais

do século XIX e início do XX.

As fontes de luz reflectidas no espelho frontal iam desde a luz

natural, luz de óleos minerais, de gases, até à luz de carburetos.

Posteriormente verificou-se a introdução gradual da luz eléctrica.

Surge então o espelho frontal de Clar, de grandes dimensões,

com uma superfície espelhada côncava no sentido do doente,

contendo no seu centro uma lâmpada cuja luz reflectida era dirigida

para o canal auditivo e membrana do tímpano. A iluminação,

feita inicialmente com base numa pilha eléctrica, era de

intensidade constante, não regulável. Este espelho continha dois

orifícios, através dos quais o observador podia controlar a concentração

dos raios luminosos e proceder à observação do conduto

auditivo externo e do tímpano (Alonso, 1961).

Os espelhos que hoje são utilizados, resultam da evolução do

espelho de Clar, têm uma menor superfície espelhada na qual

existem dois entalhes simétricos que permitem a observação, e

possuem uma lâmpada mais potente, cuja intensidade luminosa

é regulável por um transformador. Um parafuso de cremalheira

possibilita ainda a focagem dos raios luminosos.

Na prática corrente também é utilizada a luz frontal, na qual não

existe um espelho reflector e a luz é produzida junto à fronte e

orientada na direcção do conduto e do tímpano.

Todos estes sistemas têm vindo a beneficiar das inovações surgidas

no campo da iluminação, pois para além da lâmpada de

filamento é possível hoje utilizar a lâmpada de halogénio, ou a

luz fria transportada por um cabo de fibras ópticas.

A luz obtida por uma lâmpada de halogénio é três vezes superior

à do filamento incandescente, o que possibilita uma

melhor iluminação do interior do canal e de toda a membrana

do tímpano.


IV . TÍMPANO NORMAL

As cores do tímpano e da epiderme do conduto variam com a intensidade

da luz, sendo diferentes consoante a forma de iluminação.

Uma grande intensidade luminosa não significa uma

melhor observação do tímpano, pois esta membrana perde a

sua coloração natural tornando-se esbranquiçada devido à reflexão

dos raios luminosos.

Otoscópio

Os primeiros otoscópios surgem no final do século XIX, propostos

por Bonnafont, Brunton’s, Hawke e col. (1984). Eram constituídos

por um espéculo auricular que dispunha de um espelho

perfurado, colocado a 45° na extremidade de um cilindro oco,

encontrando-se na outra extremidade a fonte de luz. O espéculo

e o espelho faziam um ângulo de 90°.

O otoscópio de Brunton’s possuía já uma lente de aumento e era

usado sobretudo pelos médicos generalistas, pois os otologistas

preferiam o espelho frontal e o espéculo auricular, de forma

a terem as mãos livres.

Este otoscópio acabou por dispor de uma lâmpada, e ser deste

modo o primeiro a usar iluminação eléctrica.

Segundo Hawke e col. (1984), Schall, em 1890, produz o primeiro

otoscópio da Alemanha e Verdor em Barcelona, em 1895, cria

igualmente um aparelho deste tipo.

Todos estes otoscópios possuíam um cabo, um corpo e um espéculo.

A lâmpada contida no corpo ocupava parcialmente a cavidade

do espéculo, o que limitava a visão.

Os espéculos auriculares podiam ter calibres diferentes, que se

mudavam conforme as dimensões do conduto.

No espéculo de Brunton’s existia uma adaptação lateral para um

tubo de borracha através do qual o observador soprava ou fazia

sucção, de forma a modificar a posição do tímpano.

A grande evolução nestes otoscópios dá-se no sistema de iluminação.

Até muito recentemente, a iluminação era produzida


| 43

por uma lâmpada de filamento colocada na extremida inferior

do espéculo, o que limitava o espaço disponível e não criava as

condições ideais para a distribuição da luz.

Actualmente, utilizam-se otoscópios que têm incorporados uma

fonte de luz de halogénio, que é transmitida por fibras ópticas

dispostas em redor de toda a circunferência do espéculo. Esta

disposição, para além de iluminar de uma forma homogénea

a superfície do tímpano, não levanta obstáculos no interior do

espéculo.

A observação do tímpano com o otoscópio possibilita utilizar os

eixos de visão do conduto, percorrendo-se deste modo a totalidade

da superfície da membrana. A lente de aumento, que faz

parte hoje em dia de qualquer destes aparelhos, permite simultaneamente

um detalhe e um rigor indispensáveis para a sua

caracterização. Contudo, as procidências das paredes do canal

auditivo podem manter parte dos quadrantes anteriores e do annulus

inacessíveis à observação.

O otoscópio ocupa sempre uma das mãos do observador, motivo

pelo qual já os otologistas do final do século XIX afirmavam ser

preferível a observação com o espéculo auricular e a luz frontal.

Teleotoscópio

O teleotoscópio veio introduzir uma nova dimensão na observação,

assim como no registo fotográfico e em vídeo, da membrana

do tímpano.

As versões mais recentes destas ópticas utilizam um sistema inventado

pelo Professor Hopkins da Universidade de Reading –

Inglaterra.

Os teleotoscópios tradicionais que eram uma evolução do citoscópio

de Nitze (1879), utilizavam pequenas lentes colocadas

a intervalos regulares no interior do endoscópio. O sistema de

Hopkins emprega uma série de lentes em forma de varetas,

separadas por intervalos que contêm ar e que funcionam

como lentes.


IV . TÍMPANO NORMAL

Este sistema, relativamente ao convencional, ocupa menos espaço,

o que se traduziu por uma redução do calibre externo dos

endoscópios. Os teleotoscópios mais recentes apresentam dimensões

entre 2,7 e 4 mm, facto que possibilita a sua utilização

mesmo em crianças ou adultos com grande procidência das paredes

do conduto auditivo.

Se tivermos em conta que o calibre do conduto tem 5,3 mm no

istmo, e que entre este e o tímpano distavam cerca de 3 mm na

parede posterior e 5 mm na parede anterior, compreendemos

que é possível ultrapassar esta barreira ficando o teleotoscópio

a escassos milímetros da membrana timpânica.

As lentes de Hopkins proporcionam igualmente um largo ângulo

de visão e, apesar da curta distância do teleotoscópio ao tímpano,

permitem observar a totalidade desta membrana (Fig. 4.1).

Os obstáculos anatómicos levantados pela procidência das paredes

do conduto, numa otoscopia normal efectuada com um

espéculo auricular, impedem muitas vezes a observação da totalidade

dos quadrantes anteriores e do respectivo segmento do

annulus, e podem ser ultrapassados se utilizarmos um teleotoscópio

(Figs. 4.1-A e B).

Para além destes aspectos, os teleotoscópios de Hopkins transmitem

mais luz que os sistemas convencionais e têm melhor

poder de resolução e contraste.

A iluminação obtida através de fontes de luz fria de diferentes intensidades,

possibilita a documentação fotográfica da imagem,

assim como o seu registo em vídeo, com uma qualidade e um

pormenor que nenhum dos outros métodos consegue atingir.

O teleotoscópio é, contudo, apesar das inúmeras vantagens,

apenas um aparelho de observação que possibilita, desde que

acoplado a uma máquina fotográfica ou a um sistema de vídeo,

o registo das imagens, não permitindo todavia qualquer manipulação.

A sua utilização exige que tenham sido removidos do conduto

auditivo externo o cerúmen e os restos epidérmicos que aí se


| 45

FIG. 4.1

Observação da membrana timpânica.

A) – Métodos convencionais. B) – Com teleotoscópio.


IV . TÍMPANO NORMAL

costumam encontrar. Não é, pois, uma manobra isolada, antes

complementa a observação clássica, que a deve preceder.

Não se trata igualmente de um acto passivo, pois, na aproximação

do tímpano há que ter presente as dificuldades levantadas

pelo istmo do conduto, devendo-se procurar não contactar com

as paredes deste canal, facto que, para além de despertar um

reflexo de tosse, pode provocar a dor e ainda desencadear uma

reacção vasomotora e a hiperemia desta membrana.

Junto ao tímpano o teleotoscópio pode nalguns casos e desde

que se utilizem aparelhos de reduzido calibre, penetrar através

de uma perfuração e inspeccionar o interior da caixa de uma

forma sistemática, verificando o estado da cadeia ossicular e a

integridade dos mesmos. Hoje em dia encontram-se igualmente

fibroscópios de reduzido calibre que, para além de penetrarem

na caixa explorando o seu interior, podem ser introduzidos na

Trompa de Eustáquio.

Microscópio Binocular

O microscópio binocular é igualmente um aparelho indispensável

na observação da membrana do tímpano.

Os modelos mais recentes utilizam todos luz fria, transmitida por

cabos de fibras ópticas, o que possibilita uma iluminação difusa,

sem pontos de penumbra, aumentando-se deste modo a profundidade

do campo visual. As ópticas são todas estereoscópicas

e dão uma visão tridimensional da membrana do tímpano.

Este tipo de visão evita sobreposições ou efeitos ópticos, que muitas

vezes estão na origem de erros de observação.

Os microscópios actuais têm grande mobilidade, o que associado

a um espéculo correctamente colocado, e modificando a

posição da cabeça do doente, possibilita o controlo e a inspecção

da quase totalidade da membrana do tímpano.

Ao contrário do teleotoscópio, na otoscopia efectuada com o microscópio,

devemos contar com as dificuldades anatómicas colocadas

pela morfologia das paredes do conduto.


| 47

O microscópio de observação apresenta vantagens relativamente

ao teleotoscópio, possibilitando efectuar manobras como

aspiração de exsudados, remoção de corpos estranhos, e pequenos

actos cirúrgicos, que se tornam muito mais seguros se

efectuados desta maneira.

Uma vez focado um determinado ponto do tímpano, podem

aumentar-se as ampliações até se ter um detalhe suficiente,

transformando a observação microscópica do tímpano numa

manobra dinâmica.

Tal como no teleotoscópio, o microscópio possibilita o registo das

imagens em fotografia e em vídeo, permitindo a documentação

dos actos cirúrgicos. A observação das imagens associada ao

controlo de resultados, traduz-se numa melhoria dos cuidados

assistênciais para além de desempenhar um papel fundamental

no ensino.

Técnicas de Observação - Qual a Melhor?

Apesar da grande evolução sofrida nos últimos anos no

campo da iluminação e das ópticas, nenhuma das técnicas

veio substituir as anteriores. Todas se complementam, e

devem fazer parte dos métodos de observação da membrana

do tímpano.

O espelho frontal possibilita a inspecção do pavilhão auricular,

da mastóide e da porção fibrocartilagínea do conduto,

uma vez efectuada a tracção do pavilhão.

A utilização do espéculo é indispensável para manter corrigidas

as curvaturas da porção fibrocartilagínea e canalizar

os raios luminosos para o interior do conduto ósseo, dirigindo-os

para a membrana timpânica.

Os gestos a efectuar no interior do conduto e sobre a membrana

do tímpano deverão ser realizados com o auxílio do

microscópio binocular. Este possibilita-nos igualmente inspeccionar

em detalhe o tímpano e a caixa, no caso de existir

uma perfuração.


IV . TÍMPANO NORMAL

O teleotoscópio ultrapassa as barreiras anatómicas levantadas

pela morfologia do conduto, inspeccionando a globalidade da

membrana, nomeadamente os quadrantes anteriores e o segmento

anterior do annulus. Pode ser ainda introduzido no interior

da caixa, possibilitando uma panorâmica das várias

paredes e do seu conteúdo.

O otoscópio deverá ser utilizado sempre que tenhamos que

observar doentes fora do local da consulta, em enfermarias

ou à cabeceira do doente.

OBSERVAÇÃO DO TÍMPANO NORMAL

O tímpano apresenta um conjunto de características que o definem

no seu estado normal: a cor, a superfície e orientação, brilho,

transparência e mobilidade. Analisaremos cada uma delas,

pondo em destaque os pontos mais importantes.

Para efectuar a otoscopia, o observador colocar-se-á diante do

doente, que se encontra sentado, e que rodará a cabeça de

forma a expor o ouvido a examinar.

Deve-se sempre procurar, através da utilização de cadeiras de

altura regulável, que o ouvido do doente esteja à mesma altura

do eixo de visão do observador. No caso das crianças, estas

devem estar sentadas de lado, ao colo dos pais, com a cabeça

apoiada, e caso necessário, imobilizada.

A introdução do espéculo deve ser sempre precedida, no adulto,

pela tracção do pavilhão para trás e para cima, de forma a corrigir

as angulações da porção fibrocartilagínea do conduto, ao

mesmo tempo que se desloca o tragus ligeiramente para diante.

No caso de lactentes ou crianças até aos dois anos, esta tracção

deverá ser efectuada para trás, mas agora dirigida para baixo.

A observação do tímpano pode ser também realizada com o doente

deitado em decúbito dorsal e com a cabeça rodada, de forma a

expor o ouvido a inspeccionar. Esta posição é utilizada habitualmente

quando a observação é efectuada com o microscópio.


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FIG. 4.2

Nesta imagem de um tímpano normal, obtida com um

teleotoscópio, é possível observar à transparência da

membrana timpânica estruturas situadas no interior da caixa.

AlE – Articulação incudo-estapédica; Bi – Bigorna;

C. Ap – Curta apófise; JR – Janela redonda; LT – Lâmina

timpânica; NCT – Nervo da corda do tímpano;

Pr – Promontório; TE – Trompa de Eustáquio;

TME – Tendão do músculo do estribo.


IV . TÍMPANO NORMAL

Cor

A cor do tímpano varia habitualmente entre cinzento pérola e o

cinzento azulado, clássica cor de fumo.

Ao analisarmos esta característica do tímpano, temos que referir

que a membrana tímpânica é semitransparente, translúcida,

existindo, portanto, raios luminosos que a atravessam e se vão

reflectir no promontório, influenciando a sua cor.

O tipo de iluminação utilizado tem igualmente importância nesta

coloração, pois ela varia consoante se utllize uma lâmpada de filamento

de halogénio ou luz fria. Uma luz demasiado fraca dá

ao tímpano uma coloração sombreada, ao passo que uma luz

muito potente lhe confere uma cor pálida, para além de alterar

igualmente a coloração das paredes do conduto.

A limpeza deste canal influencia igualmente a cor do tímpano,

pois a presença de cerúmen, através do qual passam os raios luminosos,

pode-lhe atribuir diferentes tonalidades.

A coloração do tímpano resulta pois de uma combinação de

cores, que é influenciada pela transparência desta membrana,

tipo de luz utilizada e grau de limpeza do conduto.

Politzer (1865) referia-se já ao facto de a cor do tímpano ser diferente

consoante fosse observado com luz natural ou artificial.

Para este autor, o tímpano era cinzento neutro com tons de violeta

e de amarelo (Garcia-Ballester e col., 1978).

Considera-se hoje como normal a cor cinzento pérola, que apresenta

variações de acordo com a porção do tímpano considerada.

Estas alterações de cambiante estão em regra relacionadas com

a morfologia do conduto auditivo, surgindo normalmente a metade

anterior do tímpano mais sombreada que a posterior.

São as procidências das paredes anterior e inferior do conduto

que se interpõem entre raios luminosos e o tímpano, e que tornam

os quadrantes anteriores mais escuros e os posteriores

mais claros. Contudo, estas alterações não se verificam caso as


| 51

paredes do conduto sejam rectilíneas, ou a observação feita com

um teleotoscópio.

A cor do tímpano varia igualmente com o grupo etário. Assim, o

tímpano do recém-nascido apresenta-se sempre com um cinzento

mais carregado, o que poderá ser atribuído à obliquidade

da membrana e à sua falta de transparência.

Quanto mais oblíqua for a membrana, mais espessa se torna relativamente

à direcção dos raios luminosos, impedindo ou dificultando

a sua reflexão no interior da caixa e provocando esta

alteração da coloração.

No adulto idoso podem igualmente verificar-se modificações, e

o tímpano adquire um tom branco acinzentado, provavelmente

devido a processos de miringosclerose.

A pars flaccida apresenta muitas vezes uma coloração rosada,

diferente do cinzento pérola da pars tensa. Pensamos que esta

coloração se deve ao facto da pele da parede superior do conduto

descer sobre esta porção da membrana, como assinalámos

quando nos referimos à estrutura do tímpano. A pars

flaccida tem, então, uma coloração semelhante à da epiderme

do conduto.

A observação do tímpano pode desencadear um reflexo na sua

vascularização, que se traduz por uma vasodilatação. Este reflexo

pode ser iniciado pela simples introdução do espéculo,

pela aproximação de um teleotoscópio, ou por simples manobras

instrumentais como a remoção do cerúmen ou de restos

epidérmicos. Como consequência, o tímpano surge hiperemiado,

podendo assemelhar-se à fase inicial de um processo

inflamatório.

Nestes casos, as outras características da membrana mantêm-se

inalteradas e passado algum tempo este reflexo desaparece,

o que não sucede nas otites médias agudas.

A introdução do espéculo auricular pode também provocar um

reflexo de tosse, facto que resulta da enervação das paredes do

conduto por um dos ramos do nervo glossofaríngeo.


IV . TÍMPANO NORMAL

Superfície e Orientação

O tímpano não se apresenta plano e tem inclinações e orientações

distintas consoante a área considerada.

Para este facto muito contribui a disposição do martelo, e a forma

como estabelece relações com esta membrana, às quais já nos

referimos em pormenor.

A curta apófise do martelo é o ponto mais saliente da superfície

do tímpano, pelo que chama de imediato a atenção numa otoscopia.

Tem cor branca, e Tillaux (1897), comparou-a mesmo a

uma pérola. Esta apófise tem a sua localização mais próxima do

bordo anterior que do posterior, facto que é traduzido pela diferença

de dimensões das pregas timpanomaleolares, para a qual

chamámos a atenção no Capítulo 3.

Apesar da sua localização, a curta apófise é sempre visível, o

que se compreende se tivermos em conta a morfologia da parede

superior, sempre côncava, e o valor do ângulo tímpano-

-meatal superior.

Num tímpano normal, esta apófise pode parecer nuns casos mais

procidente que noutros, e ter mesmo uma coloração diferente.

Este facto deve-se ao prolongamento da epiderme da parede

superior do conduto, que depois da pars flaccida pode continuar-se

para baixo sobre a curta apófise e o cabo do martelo.

Esta apófise pode, então, ficar envolvida pela epiderme e não ter

a típica coloração esbranquiçada.

O cabo do martelo e a espátula destacam-se pela sua forma e

cor, diferente da cor cinzento pérola do resto da membrana.

A obliquidade normal da membrana do tímpano, analisada no

capítulo anterior, pode modificar-se devido, geralmente, a pressões

negativas intratimpânicas. Nesta situação, a observação do

martelo constitui um importante indicador, pois enquanto a curta

apófise se torna mais saliente, o cabo acompanha a depressão

timpânica ocupando uma posição próxima da horizontal.


| 53

Brilho

A membrana do tímpano no seu estado normal apresenta uma

porção que se destaca pela sua maior luminosidade.

Esta superfície mais brilhante localiza-se por baixo da espátula

do martelo, entre esta e o aro timpânico.

Wild chamou-lhe cone luminoso e Politzer triângulo luminoso

(ambos citados por Testut, 1949).

Efectivamente, esta área tem uma forma triângular de vértice superior,

situado na extremidade inferior do martelo, alargando-se a

partir deste ponto até atingir o aro tímpânico.

Enquanto o cabo do martelo se dirige obliquamente para baixo

e para trás, o triângulo luminoso dirige-se para baixo e para a

frente.

O cabo deste ossículo faz com o triângulo luminoso de Politzer

um ângulo obtuso, aberto para diante. Testut (1949) indica como

valor para este ângulo 100° a 110º.

As dimensões deste triângulo luminoso variam de caso para

caso e de acordo com o estado da membrana, mais ou menos

deprimida.

Quanto às causas deste cone de luz, várias têm sido as explicações.

Wild afirma que a este nível a parede do tímpano era convexa,

argumentos mais tarde rebatidos por Politzer, que atribui a

sua existência à forma côncava da pars tensa, descrevendo que

nenhuma luz seria reflectida se a membrana fosse plana. Troltsch

é da mesma opinião, quando diz que este cone luminoso tem o

seu início precisamente no ponto de maior concavidade.

As razões serão, portanto, a obliquidade do tímpano relativamente

ao eixo do canal, associada à depressão provocada pelo

cabo do martelo. A comprovar esta explicação está o facto de

este triângulo se modificar durante uma manobra de Valsalva,

quando o tímpano altera a sua posição. Por outro lado, e sempre

que o tímpano se torna mais espesso devido a fenómenos


IV . TÍMPANO NORMAL

inflamatórios, a sua superfície deixa de reflectir os raios luminosos

e este triângulo desaparece.

A localização do triângulo luminoso no quadrante ântero-inferior

faz com que nalguns casos, dada a procidência da parede

anterior do conduto, nem todo o triângulo seja visível.

Este triângulo é, portanto, uma característica do tímpano normal,

constitui o reflexo da luz projectada sobre a sua superfície côncava,

não é um acidente anatómico, apenas resulta do acto da otoscopia.

Transparência

A membrana do tímpano apresenta-se transparente ou translúcida,

possibilitando observar o interior da caixa (Fig. 4.2).

Nem toda a membrana tem esta característica. A pars flaccida

é sempre opaca, tal como algumas zonas da pars tensa. Muitos

tímpanos apresentam normalmente uma opacidade junto

ao annulus, que se estende dos quadrantes anteriores, onde é

mais evidente, até aos posteriores. De todos os quadrantes, o

mais transparente é o póstero-superior.

Relacionamos estes factos com a espessura da membrana.

Assim, a pars flaccida é a porção mais espessa do tímpano à

custa da sua camada epidérmica, enquanto que na pars tensa

esta membrana é mais espessa à periferia, resultado da disposição

da camada de fibras circulares.

Com efeito, o quadrante póstero-superior que praticamente só

possui fibras radiárias, será o menos espesso e, portanto, o

mais transparente. Neste quadrante é possível observar à transparência,

de trás para diante: a lâmina timpânica, o nervo da

corda do tímpano, o ramo vertical da bigorna, a articulação incudo-estapédica

e, por vezes, o ramo posterior do estribo.

A lâmina timpânica surge imediatamente para dentro e para

diante do annulus tímpânico, com uma cor esbranquiçada, relacionando-se

com o nervo da corda do tímpano. Este nervo

cruza obliquamente, de baixo para cima, este quadrante.


| 55

Por cima do nervo, a membrana torna-se menos transparente

e translúcida, o que atribuímos à presença da prega malear

posterior, com cujo bordo inferior o nervo se relaciona.

O ramo vertical da bigorna é visível em grande número de casos,

tal como a articulação, sobretudo se a observação for feita com

o teleotoscópio ou com o microscópio. Já o ramo posterior do estribo

só é visível em tímpanos de reduzida espessura.

O promontório é possível de observar em muitos tímpanos, reflectindo

os raios luminosos. Alguns autores descrevem na sua

superfície e, em casos de otosclerose em actividade, uma mancha

avermelhada, a mancha de Schwartz, que corresponde ao

foco da otosclerose em actividade.

No quadrante póstero-inferior pode-se, nalguns casos, observar

a sombra correspondente à janela redonda, e nos quadrantes

anteriores, junto ao bordo anterior adivinha-se, por vezes, o orifício

da Trompa de Eustáquio.

Mobilidade

A membrana do tímpano tem uma mobilidade natural, que pode

ser analisada sempre que se efectuem numa otoscopia, as manobras

de Valsalva e Toynhee, ou através da utilização do espéculo

de Siegle.

A manobra de Valsalva provoca uma hiperpressão positiva no

cavum, que transmitida pela Trompa de Eustáquio ao ouvido

médio, faz aumentar a pressão intratimpânica e movimenta o

tímpano em direcção ao observador.

Por sua vez, a manobra de Toynbee provoca uma pressão negativa

que transmitida ao ouvido médio implica uma depressão

do tímpano, em sentido contrário ao da manobra de Valsalva.

Pudemos comprovar através da manobra de Valsalva, efectuada

em 30 doentes isentos de patologia otológica e com timpanogramas

normais, que o tímpano não se distende da mesma maneira

ao longo de toda a sua superfície.


IV . TÍMPANO NORMAL

Em todos constatámos que o quadrante póstero-superior se distendia

mais do que qualquer outro quadrante da pars tensa. Simultaneamente

verificámos sempre a distenção da pars flaccida.

A prega timpanomaleolar posterior, que separa estas duas porções

do tímpano, desaparecia como resultado desta distensão.

A observação da mobilidade do tímpano pode ser igualmente

efectuada com o otoscópio pneumático, assim como com o espéculo

de Siegle.

Podemos, pois, afirmar que o tímpano é móvel na sua totalidade,

mas que existem porções desta membrana mais distensíveis

que outras. Estas localizam-se no quadrante póstero-superior da

pars tensa e na pars flaccida.

PONTOS A SALlENTAR

1. A existência e a disposição das várias camadas de fibras do

tímpano condicionam o seu grau de transparência aos raios

luminosos, o que clinicamente é valorizado na interpretação

das otoscopias.

O quadrante póstero-superior, onde existe apenas uma camada

de fibras (radiárias), tem em regra um grau de transparência

superior à da restante pars tensa. Através dele é

visível a lâmina tímpânica, para além das estruturas habitualmente

descritas na região correspondente da caixa do

tímpano.

A pars flaccida é a porção mais espessa do tímpano, o que

sucede à custa da camada epidérmica, razão da sua falta de

transparência.

No recém-nascido a obliquidade do tímpano torna-o mais espesso

aos raios luminosos, e impede ou dificulta a reflexão

destes no interior da caixa, pelo que se acentua a coloração

da membrana timpânica.


| 57

2. A mobilidade da membrana do tímpano, através da manobra

de Valsalva, possibilitou verificar que perante uma hiperpressão

positiva no ouvido médio, esta membrana reage

de forma diferente, consoante a área considerada.

Concluímos então que o tímpano é móvel na sua totalidade,

mas que existem porções desta membrana mais distensíveis

que outras, localizadas no quadrante póstero-superior

da pars tensa e da pars flaccida. Estas zonas possuem características

anatómicas comuns, tendo menos fibras colagénias,

e sendo igualmente distinto o modo como se inserem

no tímpano.

O quadrante póstero-superior que apresenta maiores dimensões,

está por este motivo mais sujeito às diferenças de

pressão. A inexistência do ligamento timpanomaleolar posterior

possibilita que o quadrante póstero-superior e a pars

flaccida se distendam simultaneamente.


OTITES NA PRÁTICA CLÍNICA

GUIA DE DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS


João Paço

V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

Neste capítulo, tendo como base as imagens otoscópicas de tímpanos

patológicos, comentaremos as principais alterações que

ocorrem na estrutura desta membrana, no martelo e no aro timpânico,

de acordo com os resultados do estudo morfológico efectuado.

Procuraremos assim contribuir para a compreensão da fisiopatologia

das mais frequentes entidades nosológicas que afectam

esta membrana.

OTITE MÉDIA AGUDA

A otite média aguda é uma inflamação aguda da mucosa do

ouvido médio. É extremamente comum em crianças, mas pode

ocorrer em qualquer idade, havendo quase sempre uma infecção

respiratória que a precede. O mesmo tipo de mucosa reveste

as fossas nasais, a nasofaringe, a Trompa de Eustáquio e

a caixa do tímpano.

A velocidade com que a doença se instala é variável, algumas

vezes lenta e insidiosa, outras em poucas horas, podendo chegar

à perfuração e à otorreia. Nos dias de hoje, com o fácil

acesso às urgências ou ao médico assistente, e com o início rápido

da terapêutica, as perfurações são menores.

Podem-se encontrar todos os degraus ou passos da infecção –

desde a simples inflamação até à formação franca de pus – com

todas estas transformações a poderem ser acompanhadas na

otoscopia reflectindo o tímpano o que se passa no interior da

caixa e do ouvido médio.


| 61

Contudo, é bom termos presente que o ouvido médio começa

na Trompa de Eustáquio e termina nas células mastoideias, e

que ao tratarmos uma otite devemos ter presente que a infecção

pode não estar limitada à caixa, mas progredir pelo aditus

ad antrum para o antro, e depois para as células mastoideias.

As mastoidites não são tão menos frequentes, pelo que o acto da

otoscopia deve ser sempre acompanhado pela observação da

pele que recobre a mastóide na procura duma hiperemia que

revele uma antrite ou mesmo uma mastoidite antes da deslocação

do pavilhão auricular.

Pensamos nesta altura ser importante relembrar os termos mais

comummente utilizados e as terminologias mais frequentes relativamente

a estas situações inflamatórias:

OTITE MÉDIA – é a inflamação do ouvido médio sem referência à

etiologia ou patogenia;

OTITE MÉDIA AGUDA – é o rápido início de sinais e sintomas,

como a otalgia e a febre, que acompanham a infecção aguda do

território do ouvido médio;

OTITE SEROSA – ou otite média com derrame, dos autores americanos;

é a inflamação do ouvido médio com uma colecção de

líquido no interior do espaço da caixa do tímpano. Não existem

sinais ou sintomas da otite média aguda e não há perfuração

da membrana timpânica;

EXSUDADOS TIMPÂNICOS – designam a qualidade do líquido

contido no interior do ouvido médio sem ter que ver com a etiologia,

patogénese, patologia ou duração. Estes exsudados

podem ser:

Serosos – um líquido fino e aquoso;

Mucosos – se contém um líquido espesso, viscoso, mucóide,

tipo cola;

Purulentos – quando nos referimos a pus;

Mucopurulentos – uma combinação destes.

Um exsudado pode ser recente – agudo, ou já persistir à

meses – subjugado ou crónico.


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

Após um episódio de otite aguda, e já depois da acção dos antibióticos,

o exsudado resultante pode levar até um mês para ser

completamente reabsorvido. A audição volta então ao normal, e

a sensação de plenitude desaparece.

O carácter evolutivo da otite média aguda possibilita distinguir 3

fases – congestiva, supurativa e resolutiva.

Fase Congestiva

Esta fase é habitualmente precedida dum curto período de obstrução

da Trompa de Eustáquio, no qual o tímpano se encontra

deprimido, a curta apófise saliente e o cabo horizontalizado. A

membrana perde o seu brilho natural e podem mesmo observar-se

à transparência níveis líquidos.

A fase congestiva propriamente dita caracteriza-se pela hiperemia.

Esta, inicialmente localizada à pars flaccida e ao cabo do

martelo, surge depois junto ao annulus timpânico (Fig. 5.1).

A vasodilatação da arteríola do martelo, que da parede superior

do conduto desce sobre a pars flaccida e sobre o cabo, é a responsável

pela hiperemia. Simultaneamente surge a vasodilatação

dos círculos vasculares peri-anulares, que é acompanhada

por alterações nos vasos das paredes adjacentes do conduto.

Com a hiperemia difusa passam a estar envolvidos, para além

das arteríolas já mencionadas, os vasos radiários que as

anastomosam e que se distribuem sobre toda a superfície do

tímpano.

Para além das modificações da coloração, o tímpano torna-se

progressivamente espesso e edemaciado, esbatendo-se progressivamente

os pontos de referência, como a curta apófise e o

cabo do martelo.

Como consequência o brilho desaparece, não se encontra o

triângulo luminoso, enquanto o aumento de espessura implica a

perda de transparência.


| 63

FIG. 5.1

Nesta imagem de uma otite média aguda obtida

com um teleotoscópio, verifica-se uma hiperemia

localizada à pars flaccida (PF), cabo do martelo

e annulus timpânico. Nota-se ainda um abaulamento

(Abl) mais acentuado nos quadrantes posteriores.


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

Nesta altura, a acumulação de exsudados purulentos intratimpânicos

vai provocar um abaulamento que se inicia no quadrante

póstero-superior, o que está perfeitamente justificado

pelas suas características anatómicas.

De facto, o quadrante póstero-superior é o que tem maior área,

estando, portanto, mais sujeito às variações de pressão. A sua

constituição favorece ainda a distensibilidade, uma vez que esta

é a zona do tímpano com menor número de fibras.

Com efeito, em 60% dos tímpanos estudados as fibras circulares

terminavam no início deste quadrante, junto à emergência do

nervo da corda do tímpano. Nos restantes casos identificava-se

apenas uma estreita faixa de fibras junto ao annulus.

A acompanhar o abaulamento, que se pode estender posteriormente

a outras áreas, nomeadamente à pars flaccida, observam-se,

muitas vezes, zonas de coloração branca amarelada

sobre um fundo hiperémico.

Hawke e Jahn (1988), relacionam esta mudança de coloração com

fenómenos locais de necrose, premonitórios da fase supurativa.

Fase Supurativa

Surge na sequência da fase congestiva e a perfuração ocorre em

geral no ponto de maior distensão. Esta, provoca um défice de irrigação

seguido de necrose.

A existência de perfurações vai determinar que este local, após

a cicatrização, constitua um ponto de menor resistência na estrutura

timpânica. É o que sucede com as otites de repetição

da criança.

Só após a aspiração dos exsudados é possível observar o orifício

da perfuração num tímpano que mantém uma coloração

branca amarelada, e no qual dificilmente se identificam os pontos

de referência.


| 65

Fase Resolutiva

O tímpano recupera gradualmente a sua cor, brilho, aspecto e

posição anatómica, e a perfuração, se existe, acaba na maioria

dos casos por se encerrar espontaneamente.

No interior da caixa processam-se igualmente uma série de alterações

ao nível das bolsas timpânicas. Estas, que na fase supurativa

da otite média aguda podem estar envolvidas pelo

conteúdo purulento da caixa, retomam a sua morfologia, o que

permite restabelecer a comunicação entre elas e os andares superior

e médio da caixa. Deste modo, volta a processar-se o arejamento

e a normalização da mucosa.

A permanência no seu interior dos exsudados inflamatórios pode

originar a formação de bridas cicatriciais e implicar o encerramento

do istmo timpânico externo, que consideramos como

sendo fundamental para o arejamento do ático externo. Nesta

eventualidade, a comunicação do ático com o mesotímpano ficará

limitada aos istmos timpânicos anterior e posterior, ambos

localizados no ático interno.

A recuperação dura em regra 4 a 6 semanas, sendo possível

durante este intervalo surgir uma descamação anormal sobre a

superfície timpânica.

A normalização da mobilidade timpânica é sinal de evolução favorável

de um otóscopio pneumático e registada pelo timpanograma.

A recuperação da audição verifica-se, habitualmente, apenas

cerca de um mês após o início do tratamento.

Miringite Bolhosa

Caracteriza-se pela presença de flictenas na superfície da membrana

timpânica.

Nalguns casos, estas bolhas que têm um conteúdo seroso ou

hemorrágico, podem confluir e ocupar a quase totalidade da


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

FIG.5.2

Fase pré-supurativa de uma otite média aguda. O tímpano

encontra-se espessado, com uma diminuição dos caracteres,

para além de existir um marcado abaulamento localizado

no quadrante póstero-superior e na pars flaccida.

Ca. M – Curta apófise do martelo; Nc – Necrose.


| 67

face externa do tímpano, prolongando-se mesmo para as paredes

do conduto.

Para Ballantyne e Groves (1978), Portmann (1982) e Hawke e col.

(1984), a sua origem é viral. Contudo, Roberts (1980), citado por

Browning (Scott-Brown, 1987), refere que na maioria dos casos o

vírus não é isolado.

Coffey (1966), citado pelo mesmo autor, afirma por outro lado ter

encontrado bactérias no interior dos exsudados, o que transformaria

as bolhas numa manifestação da otite média aguda.

Em qualquer dos casos, o aparecimento destas bolhas na membrana

do tímpano resulta da separação da camada epidérmica

da lamina propria.

O tecido conjuntivo sub-epidérmico possibilita esta dissociação,

e os vasos aí existentes, estarão na base das infiltrações hemorrágicas.

OTITE MÉDIA AGUDA - SINOPSE

QUADRO CLÍNICO

A dor é o sintoma dominante, associado à hipoacúsia por acumulação

dos exsudados no interior do ouvido médio, acufenos

(muitas vezes pulsáteis), autofonia e febre.

A criança que não se sabe queixar está irritada, prostrada,

com febre, chora e grita sobretudo durante a noite, leva a mão

ao ouvido ou encosta a cabeça.

A otite média afecta 80% das crianças abaixo dos 2 anos, e é

responsável por cerca de 1 /3 das visitas ao médico, abaixo

dos 5 anos. A razão é uma Trompa de Eustáquio horizontal,

de lúmen estreito que conduz as bactérias da nasofaringe

para o interior do ouvido médio, e que com facilidade fica

ocluída.

A alimentação do bebé por biberão, sobretudo se este estiver

na vertical, pode levar ao refluxo do leite para o interior do


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

ouvido médio. A presença, muito cedo, em infantários, e os

hábitos tabágicos dos pais são factores que podem incrementar

a frequência de otites.

MICROBIOLOGIA

Streptococcus pneumoniae, Haemofilus influenzae e Moraxella

catarrhalis são os microrganismos que, com maior frequência,

encontramos. Em cerca de 2% das crianças podem-se

encontrar bacilos Gram-negativos. Os vírus podem ser encontrados

em aproximadamente 4% dos exsudados com

os vírus respiratório sincicial e o influenza a serem os mais

comuns.

TERAPÊUTICA

A amoxicilina continua a ser o fármaco de eleição, com doses

de 10mg/kg/dia. Tendo em conta a resistência do Streptococcus

pneumoniae, logo seguida da associação amoxicilina-ácido

clavulânico, cefuroxime axetil e, nos casos mais graves, da ceftriaxone.

Nos doentes sensíveis à penicilina deverá ser usada

a eritrocina ou seus derivados ou cefixime.

Devem igualmente ser administrados analgésicos e, com o

fim de restabelecer o normal funcionamento da Trompa de

Eustáquio, gotas nasais vasoconstritoras, descongestionantes

nasais ou mucolíticos.

Os exsudados no interior do ouvido médio podem persistir

em crianças entre os 2 e os 6 anos, até dois meses após o

episódio agudo, ficando só nessa altura completamente restabelecida

a audição.

Timpanocentese

É realizada através de um fino catéter, que possibilita aspirar

o conteúdo do ouvido médio, permitindo identificar o/os microrganismo(s)

envolvidos.


| 69

Miringocentese

É a incisão da membrana timpânica que facilita a imediata drenagem

dos exsudados do ouvido médio. É habitualmente precedida

da timpanocentese e está indicada em casos de otalgia

severa, otites de repetição que não cedem à terapêutica médica,

ou complicações como a paralisia facial ou a meningite.

OTITE SEROSA

A otite serosa, uma das principais causas da surdez de transmissão

na criança, surge como consequência de uma disfunção

tubária, de que resulta a produção pela mucosa de um exsudado

que se acumula no interior do ouvido médio (Figs. 5.3 e 5.4).

Na otoscopia, o tímpano apresenta-se deprimido, com o cabo

do martelo horizontalizado, curta apófise procidente e ligamentos

timpanomaleolares bem evidentes. Para além destes aspectos

é possível observar alterações da cor, aspecto, brilho,

transparência e mobilidade.

Mas na otite serosa, e como resultado da depressão timpânica,

não são apenas a curta apófise e o cabo que modificam a sua

posição:

» a cabeça do martelo desloca-se do segmento atical da parede

externa da caixa. Como consequência, o corredor interno do

ático alarga-se em toda a sua extensão, enquanto o corredor

externo se torna praticamente inexistente. O limite deste movimento

vai ser a própria parede externa do ático, uma vez que

o ligamento superior do martelo, com poucas ou nenhumas fibras

colagénicas, quase não oferece resistência;

» o colo, tal como a cabeça do martelo, movimenta-se para fora

e aproxima-se, ou entra em contacto com a pars flaccida, tornando

a bolsa timpânica superior, um espaço virtual. Esta disposição,

reversível na maioria dos casos, pode, sempre que o

processo se arraste e evolua para a cronicidade, implicar a epidermização

desta área.


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

Na pars tensa, os quadrantes acompanham o movimento do

cabo do martelo em direcção ao promontório, mais os posteriores

que os anteriores. A pars flaccida, por seu lado, encontra-se

como que aspirada para o interior da caixa, esboçando mesmo

uma pequena cavidade. Ao nível da bolsa superior, a depressão

ou invaginação da pars flaccida torna este espaço virtual. O ligamento

lateral externo do martelo desempenha, então, um papel

fundamental, pois pode limitar a progressão desta invaginação

em direcção ao corredor externo do ático.

Já ao nível da pars tensa, e perante uma pressão negativa intratimpânica,

será o quadrante póstero-superior o que se deprime

mais facilmente, pois possui um reduzido conteúdo em

fibras, ficando nestes casos a bolsa posterior como um espaço

virtual.

Neste quadrante, o conjunto formado pelo tímpano e pela prega

malear posterior da face interna, acaba muitas vezes por estabelecer

contacto com o ramo vertical da bigorna, aspecto, aliás,

visível na otoscopia. Desta conexão, podem, nalguns casos, resultar

bridas de tecido fibroso que bloqueiam o componente

posterior do istmo timpânico externo e impedem o normal arejamento

e drenagem da bolsa superior.

De todas as bolsas timpânicas, a que menos se modifica com

uma depressão timpânica é a anterior, o que se compreende

pois o tímpano a este nível é mais resistente, uma vez que possui

duas camadas de fibras, e na prega malear anterior estão

incluídos o ligamento anterior do martelo e a espinha timpânica

anterior.

O tímpano perde a sua cor natural, acinzentada e brilhante,

apresentando uma cor mate despolida. Por vezes, pode ser

mesmo amarelo acastanhado, acobreado e mais raramente cinzento

azulado.

Estas alterações estão relacionadas com o conteúdo do derrame

existente na caixa, seroso, mucoso ou seromucoso.


| 71

FIG. 5.3

Otite Serosa – o tímpano apresenta-se deprimido, o cabo

do martelo horizontalizado, a curta apófise procidente

(Ct. Ap), observando-se ainda uma acentuação das pregas

timpanomaleolares e a bolsa de retracção (Br) da pars

flaccida. À transparência constata-se a existência de um

nível líquido (nl) na transição dos quadrantes inferiores para

os superiores. Note-se também a vascularização

no cabo do martelo e junto ao annulus, assim como a

existência de numerosos vasos radiários na pars tensa.

B – Bigorna; Lt – Lâmina timpânica; Jr – Janela redonda.


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

Na otite serosa de evolução prolongada, a membrana timpânica

pode ainda surgir com uma cor azulada, o denominado tímpano

azul idiopático (Fig. 5.4). Morgon e col. (1985) relacionam esta cor

com a presença de granulomas de colesterol, no interior dos

quais existem depósitos de ferro.

Verificámos igualmente que o tímpano se encontra geralmente

espessado, edemaciado e despolido, ficando apagados os caracteres

anatómicos. O triângulo luminoso modifica-se, tornando-se

mais fino e por vezes acaba mesmo por desaparecer.

Noutros casos, este aspecto era inexistente e o tímpano apresentava-se

transparente, permitindo observar o interior da caixa.

Esta característica, que nem sempre se constata, verifica-se, para

Trassera e Abelló (1982), em 10% dos casos, não constituindo

para estes autores uma fase da evolução da doença.

Através do tímpano é então possível visualizar o conteúdo líquido

traduzido na otoscopia por um nível, habitualmente curvo de

concavidade superior (Fig. 5.3). Esta linha, que é móvel, acompanha

os movimentos da cabeça do doente e modifica-se com

as manobras de Valsava.

No interior do exsudado, em consequência da sua viscosidade,

constata-se nalguns casos a existência de bolhas de ar de diferentes

dimensões.

Com menor frequência é possível observar à transparência,

manchas redondas de cor amarelada e reduzidas dimensões,

localizadas na grande maioria dos casos nos quadrantes posteriores,

que para Morgon e col. (1985) reflectem o conteúdo do

derrame existente no interior da caixa.

Na otite serosa, as alterações da vascularização da membrana

do tímpano detectam-se com maior facilidade, caso a observação

seja efectuada com o teleotoscópio ou com o microscópio.

Assim, na otoscopia os vasos do annulus tornam-se mais evidentes,

enquanto os radiários passam a ser visíveis sobretudo

na periferia da membrana.


| 73

FIG. 5.4

Imagem de uma otite serosa de adulto de evolução

arrastada. De registar a cor da pars tensa (PT), que traduz o

conteúdo do derrame intratimpânico no qual existe

hemossiderina. O tímpano apresenta-se deprimido com

o martelo horizontalizado e a curta apófise procidente.

Observa-se ainda uma bolsa de retracção (Br) da pars flaccida.

Ct. Ap – Curta apófise.


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

A utilização do espéculo pneumático na otite serosa permite

constatar que o tímpano está imóvel ou hipomóvel, com movimentos

mais lentos que o habitual.

Caso haja colaboração, este aspecto é igualmente visível com

as manobras de Valsalva e Toynbee, que em tímpanos transparentes

provocam o aparecimento de bolhas de ar e a modificação

da imagem do nível.

A mobilidade timpânica pode hoje em dia ser objectivada através

da impedanciometria, exame que por este motivo constitui

um complemento indispensável, tanto no diagnóstico como no

controlo da evolução desta doença.

Queremos destacar dois tipos de traçados relativos aos timpanogramas

de doentes com otite serosa:

» os traçados planos, que surgem em tímpanos deprimidos, com

curta apófise procidente, cabo do martelo horizontalizado, pregas

timpanomaleolares bem evidentes e alteração característica

da coloração, ou sempre que existam níveis líquidos no

interior da caixa;

» os que esboçam uma curva apex arredondado, deslocado

para as pressões negativas e de amplitude reduzida. Nestes

casos a otoscopia revela em geral um tímpano acinzentado,

espesso, ademaciado, sem brilho, sem áreas deprimidas ou

conteúdos líquidos visíveis à transparência.

Este segundo traçado surge apenas na otite serosa em fase inicial,

ou de resolução.

A manobra de Valsalva mostra nestes casos um tímpano hipomóvel,

que os autores anglo-saxões classificam de preguiçoso.

Verificámos, a exemplo do que foi descrito por Sultan e col. (1984),

que não existe correlação entre o traçado plano do timpanograma

e o grau de surdez de transmissão.

Assim, a este tipo de traçado tanto podia corresponder uma surdez

de transmissão de 20 a 30 como de 40 a 50 decibéis.


| 75

Procurámos estudar as alterações anátomo-patológicas de tímpanos

com otite serosa, através da análise de fragmentos de descamação

desta membrana, de doentes nos quais existia um derrame intratimpânico.

Nalguns casos, esta descamação constituía como que

um molde da face externa do tímpano, que era removido em bloco.

Pela análise histológica concluímos que estes fragmentos correspondiam

à camada córnea e à camada granulosa da epiderme

timpânica.

No seu interior, para além dos elementos celulares que se encontram

nestas camadas, constatámos em todos os casos a

existência de numerosas células inflamatórias, infiltradas de polimorfo

nucleares, sobretudo na camada granulosa.

Este facto demonstra que apesar de se tratar de um processo do

tímpano, as fibras colagénicas sofrem alongamentos e ruptura

dos entrecruzamentos dos feixes, para além duma redução da

espessura.

OTITE SEROSA - SINOPSE

QUADRO CLÍNICO

O sintoma dominante é a hipoacúsia, de início insidioso e que

muitas vezes passa despercebido – otite silenciosa. A forma

de apresentação depende da idade da criança: abaixo dos 3

anos pode atrasar a fala e o desenvolvimento da linguagem.

Em crianças mais velhas, estas podem ficar desatentas,

pouco colaborantes, solitárias. O problema é em regra chamado

à atenção pelos professores, ou por outros pais, ou

despistado em testes de rotina.

ETIOLOGIA

Trata-se da acumulação de exsudados fluidos no ouvido

médio, na ausência de inflamação ou infecção. Por o fluido

ser muitas vezes extraordinariamente viscoso é designado

pelos autores anglo-saxões de glue ear.


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

É a causa mais frequente de surdez na criança, habitualmente

bilateral, podendo apresentar-se unilateralmente ou ser intermitente.

Infecções de repetição, otites mal curadas, adenoidites e hipertrofia

dos adenóides, são as principais causas, para além

da alergia e hábitos tabágicos dos pais.

TERAPÊUTICA MÉDICA

Saber esperar. Uma otite serosa pode resultar da evolução

duma otite aguda, estando os exsudados do ouvido médio a

ser reabsorvidos, o que pode demorar 3-6 meses.

Devem ser utilizados descongestionantes, mucolíticos, anti-

-histamínicos e por vezes antibióticos (infecção bacteriana

associada).

Auto-insuflações são muitas vezes bem vindas e facilitam o

retorno ao normal da função tubária, porém, a idade da

criança condiciona estas manobras.

As alergias condicionam, muitas vezes, o bom êxito da terapêutica

e aceleram a indicação cirúrgica.

TERAPÊUTICA CIRÚRGICA

Recorre-se à terapêutica cirúrgica quando falha a terapêutica

médica após pelo menos 3-4 meses de tratamento, se a surdez

ultrapassa os 30 decibéis no melhor ouvido, ou se se formam

bolsas de retracção e se esboçam atelectasias.

A colocação dos tubos transtimpânicos sob anestesia geral

constitui um bypass a uma Trompa disfuncionante e serve

para “arejar” o ouvido médio e não para drenar, devendo ser

associada à remoção simultânea dos adenóides, a fonte da

infecção e inflamação da Trompa.

Após 8-10 meses, os tubos são expulsos espontaneamente,

podendo verificar-se uma recidiva em 8 a 10%.


| 77

BOLSAS DE RETRACÇÃO

As bolsas de retracção são um processo dinâmico, muitas vezes

reversível mesmo sem qualquer tratamento, traduzindo uma insuficiência

tubária associada a áreas de menor resistência do

tímpano.

Podem apresentar uma fase de actividade na qual existe uma inflamação,

por vezes com a presença de um exsudado intratimpânico,

e uma fase de sequela, de acalmia do processo

inflamatório e de cicatrização.

Contudo, na otoscopia a caracterização das bolsas de retracção

passa obrigatoriamente pela análise de outros aspectos, como

a localização, fixação, controlo e mobilidade.

Localização

As bolsas de retracção podem ser localizadas, caso existam

numa área circunscrita do tímpano, ou difusas, se estiver envolvida

toda a pars tensa.

A pars flaccida é o local onde mais frequentemente se situam as

bolsas de retracção, existindo factores anatómicos que podem

explicar esta incidência:

» as fibras colagénicas, em reduzido número, apresentam-se

desorganizadas, e ao contrário das da pars tensa não é possível

proceder à sua sistematização, pois encontram-se de

uma forma anárquica, não se associando em feixes e dispondo-se

apenas numa camada;

» o sulco e o annulus timpânico não existem ao nível da incisura

de Rivinus, pelo que as fibras da pars flaccida se continuam

com as do periosteo da incisura;

» os ligamentos timpanomaleolares que eventualmente poderiam

servir de apoio são igualmente inexistentes;

» a pars flaccida é o local do tímpano que apresenta maior mobilidade.


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

As bolsas de retracção da pars tensa localizam-se com maior

frequência no quadrante póstero-superior, e têm como principal

característica o facto de serem marginais (Fig. 5.5).

Se analisarmos estas bolsas de retracção, baseados nos resultados

obtidos sobre a anatomia macro e microscópica do tímpano

e do quadro timpânico, pensamos ser possível, tal como

para a pars flaccida, explicar a sua localização:

» a distribuição do tecido fibroso do tímpano, pois, de acordo

com os resultados obtidos, apenas existe a este nível a camada

das fibras radiárias que do martelo se dirigem ao annulus timpânico.

Em 40% dos casos, para além desta camada, existe

igualmente uma estreita banda de fibras circulares junto ao

annulus, disposição que pouco contribui para fortalecer a lamina

propria. Concluímos deste modo que, qualquer que seja

a distribuição das fibras, o quadrante póstero-superior será de

todos o que se encontra menos capacitado de um ponto de

vista estrutural para responder às diferenças de pressão;

» morfologia do annulus e do sulco timpânico, que se modificam

entre a emergência do nervo da corda do tímpano e a espinha

timpânica posterior, na porção que corresponde à inserção

do quadrante póstero-superior. Assim, enquanto o sulco diminui

progressivamente de profundidade até praticamente deixar

de existir, o annulus apresenta também uma redução no seu

calibre. Valorizámos estes factores, que uma vez associados

explicam a inserção menos resistente do tímpano no quadrante

póstero-superior relativamente à dos outros quadrantes;

» o facto de este quadrante ser de todos o que apresenta a maior

área, justifica a sua deflexão perante uma pressão negativa intratimpânica,

que será maior do que em qualquer outro quadrante;

» através da manobra de Valsalva, constatámos igualmente que

o quadrante póstero-superior é de todos o que apresenta

maior mobilidade e distensibilidade.


| 79

FIG. 5.5

Bolsa de retracção da pars tensa (BR), localizada

nos quadrantes posteriores, marginal, aderente à parede

interna da caixa e articulação incudo-estapédica (AIE).

JR – Janela redonda.


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

Todos estes factores: área, estrutura da lamina propria, inserção

e mobilidade permitem explicar a razão pela qual as bolsas de

retracção da pars tensa se situam com maior frequência no quadrante

póstero-superior e podem ser marginais.

Com menor frequência, surgem bolsas de retracção noutros

quadrantes da pars tensa, que não póstero-superior. Nestas bolsas,

que raramente são marginais, existem igualmente razões

anatómicas para a sua localização.

Assim, na margem dos quadrantes ântero-superior, ântero-inferior

e póstero-inferior, a lamina propria contém, para além das

fibras radiárias, uma camada de fibras circulares dispostas em

faixa adjacente ao annulus, ao qual estão solidamente amarradas

pelas fibras parabólicas.

Comparativamente, a lamina propria é sempre mais frágil junto

ao martelo, pois apenas dispõe da camada de fibras radiárias,

o que pode justificar a localização das bolsas de retracção em

redor deste ossículo. Valorizámos igualmente o triângulo interradial

de Kopsch, que constitui um ponto de menor resistência

da lamina propria no quadrante ântero-superior, dada a ausência

de fibras colagénias, e que está na base do aparecimento

de bolsas de retracção a este nível.

Fixação

Na sequência de processos inflamatórios e da manutenção das

pressões negativas que estiveram na origem das bolsas de retracção,

pode suceder uma fixação das paredes da bolsa às superfícies

ósseas do interior da caixa, paredes ou ossículos, com

os quais entra em contacto (Fig. 5.5).

Esta disposição das bolsas de retracção pode ser provisória e reversível,

contudo, a partir de determinado momento torna-se irreversível,

contribuindo para a invasão definitiva da caixa da epiderme.

Os locais de mais frequente fixação das bolsas de retracção são:

» o colo e a cabeça do martelo, nas bolsas de retracção da pars

flaccida (Fig. 5.6);


| 81

FIG. 5.6

Nesta imagem de uma bolsa de retracção da pars flaccida,

verifica-se a erosão parcial do muro do ático, através da qual

é possível identificar a espinha timpânica anterior (ETA) e parte

da cabeça do martelo (M). A pars tensa encontra-se deprimida,

com o martelo horizontalizado, curta apófise procidente

e a prega timpanomaleolar posterior mais acentuada.

À transparência constata-se também a existência

de um nível na transição do quadrante ântero-inferior para

o ântero-superior (NL). Bi – Bigorna; JR – Janela redonda;

LT – Lâmina timpânica; Nct – Nervo da corda do tímpano.


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

» o ramo vertical da bigorna e a articulação incudo-estapédica, nas

bolsas do quadrante póstero-superior da pars tensa (Fig. 5.5);

» o promontório, a fosseta oval e a região posterior da caixa nas

bolsas dos quadrantes posteriores (Fig. 5.5).

Nestes casos, a existência a título definitivo de epiderme no interior

da caixa, por motivo da fixação da bolsa, levou alguns autores

a designar esta situação de estado pré-colesteatomatoso.

A presença destas bolsas, associadas aos processos inflamatórios,

vai contribuir para a progressiva erosão dos ossículos aos

quais aderem, assim como do aro timpânico, pois tanto as bolsas

de retracção da pars flaccida como as do quadrante póstero-superior

da pars tensa são marginais (Fig. 5.6).

Quando constatamos uma erosão da incisura de Rivinus e do

antemuro, situação que sem dúvida tem maiores implicações na

clínica, nomeadamente no aparecimento e evolução do colesteatoma,

esta solução de continuidade possibilita quase sempre

observar o corredor externo do ático e analisar o comportamento

da bolsa relativamente ao colo e cabeça do martelo (Fig. 5.6).

Controlo

As bolsas de retracção podem, de acordo com as suas dimensões

e localização, ser controladas pela observação microscópica

e pelo teleotoscópio.

Se forem utilizados todos os ângulos de visão, uma boa iluminação

e uma ampliação adequada, é possível em muitos casos

observar a abertura da bolsa, as suas paredes e fundo, situados

no interior da caixa.

Controla-se deste modo se está a haver ou não acumulação de

queratina, e se esta segue a sua via natural, a expulsão pelo

conduto auditivo externo.

Considera-se que a bolsa deixa de ter controlo quando, pela

otoscopia com o microscópio ou o teleotoscópio, se tornou impossível

observar o fundo da bolsa e detectar a acumulação


| 83

de queratina, facto que significa a evolução do estado pré-colesteatomoso

para o de colesteatoma.

Mobilidade

O tímpano, nas bolsas de retracção, tem a sua mobilidade alterada

consoante as bolsas sejam móveis, fixas ou estejam em

período de actividade.

Nos casos de actividade, com sinais inflamatórios, independentemente

das bolsas estarem localizadas na pars tensa ou na pars

flaccida, de terem ou não controlo, o tímpano encontrava-se imóvel

e os timpanogramas eram planos.

Já nas bolsas de retracção fixadas, apesar da ausência de sinais

inflamatórios, a mobilidade do tímpano dependia da localização

e extensão da bolsa. Assim, uma bolsa de retracção da

pars flaccida, apesar de fixada, não significa que a pars tensa se

encontre também imóvel. Da mesma maneira, numa bolsa póstero-superior

fixada, os quadrantes anteriores do tímpano

podem apresentar-se móveis.

Será a manobra de Valsalva, a utilização de espéculo de Siegle,

ou de um otoscópio pneumático que possibilitam determinar se

uma bolsa de retracção, localizada ou difusa, é ou não móvel.

Na manobra de Valsalva, após a introdução de ar na caixa pela

Trompa de Eustáquio, a bolsa vai-se deslocar para fora em direcção

ao observador, fazendo no conduto uma procidência ou

um abaulamento correspondente à área da bolsa de retracção.

De todas as bolsas, são as póstero-superiores que enquanto não

estão fixadas apresentam maior distensibilidade e flexibilidade,

facto que pensamos estar relacionado com a área deste quadrante,

inserção e características da lamina propria.

Nas bolsas de retracção, as perdas audiométricas atingem essencialmente

a via área e são variáveis, de acordo com a sua

localização, extensão e existência ou não de lesões da cadeia

ossicular.


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

De todas, são as póstero-superiores que apresentam maiores

alterações que chegam a atingir os 50 decibéis sempre que se

verifique a interrupção da cadeia ossicular, com a lise do ramo

vertical da bigorna e por vezes, mesmo de parte da supra-estrutura

do estribo.

Já nas bolsas de retracção que são acompanhadas por fenómenos

exsudativos da caixa, as perdas auditivas estão relacionadas

não só com as alterações da membrana do tímpano, mas

também com a presença de líquido no interior da caixa.

O estudo do ouvido contralateral torna-se obrigatório, uma vez

que em mais de 50% dos casos, como é afirmado pela maioria

dos autores, nele se encontram alterações, otites serosas, adesivas,

bolsas de retracção ou colesteatomas.

A análise de fragmentos de tímpanos operados com bolsas de

retracção, revelou que todas as camadas apresentavam modificações

relativamente a um tímpano normal.

A camada externa epidérmica encontrava-se atrófica, com uma

diminuição da espessura, e nos casos em que existiam fenómenos

inflamatórios, verificavam-se infiltrados de polimorfo nucleares.

Relativamente à camada média do tímpano, não era

possível individualizar fibras colagénias, quer radiárias, quer circulares.

De salientar que na maioria dos casos se tratavam de

bolsas de retracção fixas de longa evolução.

Por último, a camada mucosa apresentava-se igualmente atrofiada

e de difícil identificação.

Progressão das Bolsas de Retracção

A existência das bolsas timpânicas na face interna do tímpano,

dos mesos da caixa, assim como nos istmos timpânicos, condicionam

a progressão das bolsas de retracção.

A tomografia computorizada possibilita, pelas suas características,

acompanhar o desenvolvimento das bolsas de retracção, identificar

as estruturas anatómicas que consideramos como barreiras e

os locais que mais provavelmente se encontram invadidos.


| 85

Pars Flaccida

O desenvolvimento das bolsas de retracção da pars flaccida é

condicionado pela bolsa timpânica superior, da qual esta membrana

constitui a parede externa.

Valorizamos nesta bolsa timpânica a parede interna formada

pelo ligamento lateral externo do martelo, que do colo deste ossículo

se dirige ao bordo inferior do muro do ático, onde se insere

conjuntamente com a membrana de Shrapnell (Fig. 5.7-A).

Assim, enquanto este ligamento existir constitui uma verdadeira

barreira à progressão das bolsas de retracção, que ficam confinadas

ao espaço da bolsa timpânica superior. Este facto é possível

de avaliar através de um corte coronal de tomografia

computorizada que passe pelo cabo do martelo (Figs. 5.7-B ).

Já com a bolsa de retracção a ocupar na íntegra este espaço,

há que ter em conta que a sua parede inferior comunica directamente,

em 65% dos casos com a bolsa timpânica posterior, e

em 20% com a bolsa anterior.

Esta relação possibilita a progressão inferior da bolsa de retracção

ou já do colesteatoma pela face interna do tímpano, que

desce do ático para o atrium, através do que apelidamos de

istmo timpânico externo.

Clinicamente é possível suspeitar desta invasão quando à bolsa

de retracção da pars flaccida se associa uma hipoacúsia superior

a 30-40 decibéis, que poderá significar uma interrupção da

cadeia ossicular, apesar de a pars tensa se apresentar íntegra.

A análise pela tomografia computorizada poderá então, nestes

casos, demonstrar a existência de lesões no mesotímpano, não

detectadas pela otoscopia.

Após a erosão do antemuro, aspecto que radiologicamente se expressa

nos cortes coronais pela alteração da imagem em cunha

da incisura de Rivinus que passa a arredondada, constata-se na

maioria dos casos a invasão do corredor externo do ático devido

à desinserção do ligamento lateral externo (Fig. 5.7-C).


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

A

B


| 87

C

FIG. 5.7

Bolsa de retracção da pars flaccida antes (A e B) e depois (C)

da erosão da incisura de Rivinus.

At – Antemuro; CAE – Conduto auditivo externo;

IR – Incisura de Rivinus; M – Martelo.

A) – O muro do ático está íntegro, podendo-se delimitar

a bolsa timpânica superior entre a pars flaccida (PF)

e o ligamento lateral externo (LLE); B) – A pars flaccida

encontra-se deprimida e em conexão com o ligamento lateral

externo do martelo, que impede a sua progressão para

o ático; C) – A erosão do muro do ático implica a desinserção

do ligamento lateral externo, possibilitando a progressão

para o corredor externo deste andar da caixa.


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

Uma vez invadido o ático externo, o colo e a cabeça do martelo

podem orientar a progressão das bolsas de retracção.

Assim, uma bolsa situada na metade anterior da pars flaccida,

dirige-se, depois de contactar com o martelo, para o ático anterior

podendo, após contornar ou destruir este ossículo, chegar a

atingir a fosseta supratubárica (Fig. 5.8).

No caso de uma bolsa de retracção da metade posterior da pars

flaccida, esta, após contactar o colo e a cabeça do martelo, pode

progredir para trás no corredor externo do ático em direcção ao

aditus ad antrum, para onde se insinua invadindo as células

mastoideias.

No ático, o corredor externo tem sempre menores dimensões

que o interno, resultado da posição da cabeça do martelo, aspecto

que aliás é visível nos cortes coronais que passam pelo

cabo deste ossículo.

Uma vez invadido o ático externo pelas bolsas de retracção,

constata-se a inversão destes valores, com a cabeça do martelo

a situar-se mais próximo da parede interna, traduzindo a extensão

das lesões.

Pars tensa

Nas bolsas de retracção da pars tensa destacamos as póstero-

-superiores, por serem mais frequentes, marginais, e pelas relações

que estabelecem com a cadeia ossicular e a região

posterior da caixa do tímpano.

Ao desenvolver-se uma bolsa neste quadrante, esta vai encontrar

duas estruturas, uma óssea, a lâmina timpânica, e outra

membranosa, a prega malear posterior (Fig. 5.9).

Esta prega poderia ter funções semelhantes às do ligamento lateral

externo, constituindo neste local uma barreira anatómica,

contudo, o seu conteúdo é escasso em tecido fibroso.


| 89

FIG. 5.8

Progressão das bolsas de retracção no corredor externo

do ático a partir da pars flaccida.

AA – Aditus ad antrum; CAE – Conduto auditivo externo;

ETA – Espinha timpânica anterior; FST – Fosseta supratubárica;

IR – Incisura de Rivinus; LAM – Ligamento anterior do martelo;

M – Martelo.


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

Assim, as bolsas de retracção póstero-superiores necessitam

apenas de contornar a lâmina timpânica ou destruí-la, para atingirem

a região posterior da caixa e a cadeia ossicular.

No que respeita à região posterior da caixa, é possível, tendo

como base a sistematização proposta por Andrea (1975), prever

quais as fossetas desta região que vão ser invadidas:

» se a bolsa de retracção está situada acima da emergência do

nervo da corda do tímpano, e uma vez contornada a lâmina timpânica,

desenvolve-se para o recesso facial e o aditus ad atrum;

» caso a bolsa esteja situada abaixo deste nervo, poderão ser

invadidas a fosseta de Grivot e o seio timpânico. Tal como sucede

com a incisura de Rivinus, também a lâmina timpânica

pode vir a ser destruída, modificando as condições de observação,

que não de controlo.

Classificação das Bolsas de Retracção

Várias têm sido as classificações das bolsas de retracção e atelectasias

timpânicas ao longo dos últimos anos.

Pensamos que a de Bluestone e Klin (2001), que segue em parte

a orientação de Sade (1993), será das que mais consenso tem

reunido, motivo pelo qual a apresentamos na continuação dos

nossos resultados.

A primeira grande divisão respeita à área da superfície do tímpano.

Assim, podemos ter bolsas de retracção parciais envolvendo

apenas um dos quatro quadrantes da pars tensa, ou a

pars flaccida e as totais.

São quatro, para Sade, os estádios de uma bolsa de retracção:

Estádio 1 – discreta ou moderada retracção e mecanismos de

auto-limpeza a funcionar;

Estádio 2 – retracção mais acentuada e que necessita de consultas

periódicas para controlo e remoção de restos epidérmicos;

Estádio 3 – obriga à excisão, que é possível através do arco

timpânico;


| 91

FIG. 5.9

Progressão de uma bolsa de retracção póstero-superior.

BTP – Bolsa timpânica posterior; CAE – Conduto auditivo

externo; LT – Lâmina timpânica; M – Martelo;

PMP – Prega maleolar posterior.


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

Estádio 4 – obriga à excisão que, tendo em conta a profundidade

da bolsa, implica a remoção do antemuro e rebatimento parcial

do arco timpânico.

Estes quatro estádios podem, por sua vez, ser subclassificados em:

» agudos (menos de três meses de duração);

» crónicos (duração superior a três meses).

É igualmente possível sistematizar os factores que afectam a progressão

de uma bolsa de retracção para além dos já abordados:

1 A bolsa está ou não em contacto, ou é ou não aderente a um

ossículo (bigorna, articulação incudo-estapédica, estribo, cabeça

do martelo, ou articulação incudomaleolar, ou outra estrutura

do ouvido médio, como o promontório ou a cóclea).

2 Expansão com manobra de Valsava: toda a bolsa expande,

descola ou não, sob a acção desta manobra ou com uma

pressão negativa aplicada com um ostoscópio pneumático.

3 Toda a bolsa é visualizada utilizando os meios, mesmo os mais

distanciados, hoje, ao nosso dispor, antes ou depois de ser

expandida sob pressão. Isto porque nalguns casos existem

porções da bolsa que para além de fixados são impossíveis

de controlar (seio timpânico, recessus facial, epitímpano, etc.).

4 A bolsa de retracção auto-limpa-se e está livre da infecção de

restos epiteliais, crostas e exsudados purulentos.

Partindo destes pressupostos é possível propor a seguinte

classificação:

Estádio 1-a – o fundo da bolsa não toca nem é aderente a nenhuma

estrutura do ouvido médio, é totalmente visível, expandindo-se

sob pressão e auto-limpa-se;

Estádio 1-b – idêntico ao estádio 1-a, mas crónico (superior a três

meses);

Estádio 2-a – o fundo da bolsa encosta e envolve numa ou mais

estruturas do ouvido médio mas não lhes está aderente, expandindo-se

sob pressão, é totalmente controlável, auto-limpa-se e

não está infectada;


| 93

Estádio 2-b – idêntico a 2-a, mas crónico (superior a três meses);

Estádio 3-a – a bolsa de retracção está aderente a uma ou mais

estruturas do ouvido médio, não se expande sob pressão, é totalmente

visível, não está infectada, auto-limpa-se;

Estádio 3-b – idêntico a 3-a, mas crónico (mais de três meses);

Estádio 4-a – bolsa aderente, sem controlo otoscópico, microscópico

ou endoscópico, não se auto-limpa, está por vezes infectada;

Estádio 4-b – idêntico a 4-a, mas crónico.

Bolsas de Retracção - Sinopse

QUADRO CLÍNICO

Resulta de uma disfunção da Trompa no arejamento, “clearance

de secrecções” e protecção do ouvido médio, podendo

acompanhar ou associar-se a derrames intratimpânicos.

Na ausência de derrame, podem os doentes sentir “apitos”

nos ouvidos, seguido de plenitude auricular, otalgia, hipoacúsia

e mesmo em raros casos vertigem ou desequilíbrio.

As bolsas de retracção podem também infectar-se, após a

entrada de água que transporta as bactérias do ouvido externo,

e surge um exsudado mais ou menos purulento.

Os doentes podem, porém, ter longos períodos assintomáticos.

ETIOLOGIA

Comprometimento contínuo do funcionamento da Trompa de

Eustáquio, associado a áreas de menor resistência da camada

média do tímpano, sujeita, por razões anatómicas, a

maiores pressões e deflexões da membrana timpânica.

Sucessivas infecções podem igualmente ajudar ao enfraquecimento

das fibras colagénias da lamina propria.

Em crianças devemos pensar na hipertrofia dos adenóides, enquanto

que nos adultos devemos examinar sistematicamente

a nasofaringe para afastar a hipótese dum tumor desta área.


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

TERAPÊUTICA MÉDICA

Tratar a causa da disfunção tubária, por exemplo uma coriza,

uma rinite ou sinusite.

O ouvido médio deve ser reventilado através de manobras de

Valsalva associadas à terapêutica médica que nalguns casos

deve incluir corticosteróides, por via intramuscular. Tudo deve

ser feito na tentativa de evitar a passagem de uma bolsa de

retracção, de móvel a fixa.

TERAPÊUTICA CIRÚRGICA

Estão indicadas as cirurgias de reforço timpânico, com materiais

resistentes às mudanças de pressão, associados ou não

à colocação de tubos de ventilação e introdução de materiais

inertes intratimpânicos que impeçam a adesão.

EVOLUÇÃO

O perigo, sempre presente, da evolução de uma bolsa de retracção

é o desta deixar de ter a possibilidade de espontaneamente

expelir (auto-limpar-se) os restos epidérmicos,

infectar-se ou não, e evoluir para o colesteatoma, invadindo

os recessos da caixa e passando para a mastóide.

OTITE FIBROADESIVA

A otite fibroadesiva caracteriza-se pela ausência da camada intermédia

do tímpano, associada a uma retracção completa da

membrana timpânica que acaba por aderir à parede interna da

caixa, como se pode observar numa otoscopia (Fig. 5.10).

A curta apófise torna-se procidente, o cabo horizontaliza-se, e a

espátula pode aderir ao promontório, cuja convexidade é muitas

vezes bem evidente, estando apenas revestida por um tímpano

atrófico.

Esta forma de otite pressupõe um processo inflamatório da mucosa

do ouvido médio, que evolui por detrás de um tímpano íntegro.


| 95

FIG. 5.10

Otite fibroadesiva – a membrana do tímpano adere

em praticamente toda a sua superfície à parede interna

da caixa, moldando os acidentes que aí se encontram.

A erosão da incisura de Rivinus possibilita ainda observar

no ático parte da cabeça do martelo (M).

AIE – Articulação incudo-estapédica; Ct. Ap – Curta apófise;

JR – Janela redonda; TE – Trompa de Eustáquio.


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

Trata-se de uma doença com carácter evolutivo que passa por

vários estádios, como foi referido por Shucknecht (1974) e

Aboulker e Demaldent (1975).

Após um primeiro estádio que surge na sequência de uma salpingite,

segue-se uma fase inflamatória na qual se desenvolvem

elementos conjuntivos que levam a uma posterior invasão de tecido

fibroso ao nível da mucosa.

Na região do quadrante póstero-superior, o tímpano envolve

completamente a articulação incudo-estapédica. Na maioria dos

casos pode-se mesmo constatar a erosão da extremidade do

ramo vertical da bigorna, que não chega a contactar com a tacícula

do estribo.

Por vezes é visível o tendão do músculo do estribo, do mesmo

modo que por baixo do promontório se pode observar a janela

redonda.

A depressão timpânica é acompanhada pela perda da lamina

propria do tímpano, o que acaba por torná-lo transparente à

otoscopia.

De todos os quadrantes, o único que em alguns casos conserva

a sua posição, se bem que apresentando alterações, nomeadamente

placas de timpanosclerose, é o quadrante ântero-superior.

Como já anteriormente descrevemos, este quadrante é o

mais resistente por ter um maior número de fibras colagénias.

Mas, para além deste facto, importa realçar que a prega timpanomaleolar

que lhe está adjacente é suportada pelo ligamento

anterior do martelo e pela espinha timpânica anterior, que impedem

o colapso a este nível.

No último estádio, a caixa do tímpano é virtual, resultado da adesão

da membrana timpânica à parede interna da caixa, estando

nesta fase o tímpano completamente imóvel.

A lâmina timpânica, a espinha timpânica posterior, o recorte

da incisura de Rivinus, e mesmo a espinha timpânica anterior,


| 97

tornam-se evidentes (Fig. 5.10). Noutros casos, e em consequência

de processos mais arrastados, surgem, inclusive, erosões

ósseas a este nível.

OTITE FIBROADESIVA - SINOPSE

QUADRO CLÍNICO

Poucos são os sintomas: hipoacúsia, mais ou menos marcada,

dependente do grau da adesão do tímpano à parede

interna da caixa e do grau de destruição da cadeia ossicular.

- inexistência do ramo vertical da bigorna; fixação do cabo do

martelo ao promontório e da sua cabeça à parede externa

do ático.

A otalgia surge associada à infecção, assim como a plenitude

e a sensação de desequilíbrio.

ETIOLOGIA

Tudo começa na disfunção tubária; é uma evolução das bolsas

de retracção. Nas fases avançadas, a mucosa deixa de

existir nos pontos de fixação e dá-se a adesão da epiderme

ao periósteo das paredes do ouvido médio.

TERAPÊUTICA

Apenas vigiar na grande maioria dos casos, e evitar a entrada

da água para impedir a progressão da doença.

Caso exista uma boa reserva coclear, encarar a hipótese

duma adaptação protética.

Dependendo do estado do ouvido contralateral, é possível,

em casos seleccionados, pensar numa cirurgia de reconstrução,

em um ou dois tempos, com reforço timpânico e a colocação

de material inerte para criar espaço e impedir novas

adesões.


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

OTITE MÉDIA CRÓNICA

PURULENTA SIMPLES

Este termo comporta as infecções crónicas do ouvido médio que

se acompanham de lesões irreversíveis, nomeadamente ao nível

da membrana timpânica e sem a presença de epiderme no interior

da caixa do tímpano.

Clinicamente, a otite crónica purulenta simples é caracterizada

por uma perfuração timpânica, hipoacúsia de grau variável e

otorreia intermitente.

A otoscopia, realizada com o microscópio ou com o teleotoscópio,

deverá compreender a análise tão detalhada quanto possível

do interior da caixa do tímpano, estado da cadeia ossicular,

da mucosa, e avaliar a existência de bridas e mesos.

Existem dois estádios nas otites crónicas purulentas simples –

um de actividade, no qual para além da perfuração timpânica se

pode encontrar um exsudado purulento e uma hiperplasia da

mucosa, e um outro de sequela, onde não existem fenómenos

inflamatórios, e que se caracteriza pela perfuração timpânica associada

ou não a alterações da cadeia ossicular.

No primeiro, o tímpano apresenta uma perfuração sempre na

pars tensa, de dimensões variáveis, estando a porção circundante

da membrana hiperemiada, espessada e sem brilho. É

constante a presença de uma otorreia variável no que se refere

às suas características – cor, cheiro e quantidade.

Na fase de sequela é a perfuração timpânica que domina a otoscopia.

Esta tem como característica principal, para além de se situar

na pars tensa, o facto de ser não marginal (Fig. 5.11).

A caracterização das perfurações fundamenta-se pela sua forma

(punctiformes, reniformes) e pela sua topografia (mesotimpânica

ou situada apenas num ou em vários quadrantes).

As perfurações, independentemente de se localizarem num ou

noutro quadrante, nunca atingem o annulus, facto que resulta

da estrutura da membrana timpânica.


| 99

FIG. 5.11

Otite média crónica purulenta simples. De assinalar

o facto de a perfuração ser não marginal. A este nível,

a margem do tímpano possui, para além das fibras

radiárias, uma faixa de fibras circulares.

Ct. Ap – Curta apófise; EPT – Espátula do martelo;

JR – Janela redonda; Pr – Promontório; TE – Trompa

de Eustáquio.


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

Assim, as perfurações na otite média crónica purulenta simples,

situam-se preferencialmente nas zonas do tímpano em que há

menor número de fibras.

Na lamina propria existem duas porções concêntricas dispostas

à volta do martelo (externa e interna). Na porção externa a lamina

propria apresenta-se sempre mais espessa, existindo a

esse nível duas camadas de fibras justapostas, as radiárias e as

circulares. Já a porção interna, adjacente ao martelo, apenas

possui uma camada de fibras, as radiárias.

Se correlacionarmos este facto com o que se passa na clínica,

constatamos que as perfurações mesotimpânicas ocorrem (preferencialmente)

na porção interna, sem dúvida menos resistente.

Para além da constituição da lamina propria há que ter igualmente

em conta o aporte vascular que é distinto nestas duas partes

do tímpano.

Na externa, a vascularização é assegurada por dois círculos arteriais

dispostos junto aos bordos do sulco e do annulus.

Por sua vez, a interna, adjacente ao martelo, é apenas irrigada

pelas arteríolas do cabo, do qual partem os vasos radiários.

Assim, parece-nos que a margem do tímpano que é a mais espessa

e na qual existem duas camadas de fibras, fortemente inseridas

e melhor vascularizadas, oferece maior resistência aos

processos inflamatórios e infecciosos.

A estutura do tímpano e dos ossículos sofrem modificações, que

inicialmente correspondem à fase inflamatória e num segundo

estádio à cicatrização das lesões.

Nos fragmentos do tímpano que analisámos, verificava-se um

ingurgitamento e uma congestão dos capilares, que se intensificava

à medida que nos aproximávamos dos bordos da perfuração,

enquanto a epiderme apresentava uma extensa infiltração

por polimorfo nucleares e outras células inflamatórias. Já ao nível

da camada média constatava-se uma desorganização das fi-


| 101

bras que passavam a ter um trajecto irregular, ao mesmo tempo

que podiam sofrer uma degenerescência hialina.

Estas modificações também se intensificavam à medida que caminhávamos

para os bordos da perfuração, onde as fibras deixavam

mesmo de existir e eram integralmente substituídas por

tecido hialino. A submucosa apresentava-se edematosa, com os

capilares ingurgitados e a camada mucosa mais espessa.

Uma vez ultrapassada esta fase inflamatória, e de acordo com

a evolução do tecido de granulação e dos fibroblastos que o

acompanham, a degenerescência hialina do tecido fibroso entra

numa fase cicatricial, na qual o tímpano perde as suas características

de mobilidade, elasticidade e capacidade vibratória, em

torno do local da perfuração.

Na maioria dos casos, verificámos que o epitélio da face externa

do tímpano ultrapassava o bordo da perfuração, caminhando

numa extensão variável para a sua face interna.

A este nível, o epitélio entra em contacto com a mucosa que

tende a limitar a sua progressão, o que se traduz, do ponto de

vista histológico, pela aglomeração de grande número de células

inflamatórias.

Uma vez estabelecida a solução de continuidade no tímpano,

podem suceder duas situações:

» no caso das perfurações de pequenas dimensões, a migração

epitelial associada à ausência de fenómenos inflamatórios,

pode permitir o encerramento, apesar de ter havido uma interrupção

da lamina propria. Surge assim um tímpano cicatricial,

mais frágil, menos espesso, onde apenas existe uma

camada epidérmica e a mucosa;

» já na segunda hipótese, à qual se associa a reinfecção da

caixa do tímpano por via do conduto ou da Trompa de Eustáquio,

a perfuração mantém-se ou aumenta de dimensões e o

processo evolui para a cronicidade.


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

Uma surdez de transmissão acima dos 30 decibéis obriga a considerar

a existência de alterações ossiculares associadas à perfuração

timpânica. A lise do ramo vertical da bigorna é sem

dúvida a situação mais frequente. Porém, associada, ou não, a

essa alteração, pode existir o bloqueio da cadeia ossicular, habitualmente

ao nível do ático, facto que é independente das dimensões

da perfuração.

A tomografia computorizada, no estudo dos doentes com uma

otite média crónica purulenta simples ou das suas sequelas, permite

esclarecer dúvidas e discrepâncias que possam eventualmente

surgir entre a imagem otoscópica e o audiograma.

Esta técnica possibilita também analisar o estado do ramo vertical

da bigorna, assim como dos ramos do estribo, para além de

em alguns casos permitir esclarecer a presença, ou não, de focos

de timpanosclerose, em especial ao nível da janela oval. Igualmente,

a fixação da espátula ao promontório poderá ser avaliada

pela tomografia computorizada, sempre em associação

com a otoscopia e o estudo audiométrico.

É nestes casos que a utilização das ópticas ou do fibroscópico

pode vir em auxílio do cirurgião, revelando o conteúdo da caixa,

as lesões e os tecidos cicatriciais.

OTITE MÉDIA CRÓNICA

PURULENTA SIMPLES - SINOPSE

QUADRO CLÍNICO

A sintomatologia é dominada pelos episódios de otorreia

mais ou menos abundante, não fétida, associada a infecções

respiratórias, ou mais frequentemente à entrada de água.

Existe igualmente uma hipoacúsia relacionada com o grau de

destruição da membrana timpânica e da cadeia ossicular.

Nos casos mais graves pode estar associada a otalgia, a plenitude,

a autofonia, e ainda vertigem e desequilíbrio.


| 103

ETIOLOGIA

Sucessivos episódios de otorreia, nalguns casos associados a

infecções virais e ao mau funcionamento do arejamento natural

da caixa, e não tratadas medicamente.

TERAPÊUTICA

“Secar” o ouvido é o objectivo, após aspiração cuidadosa ao

microscópio seguida da aplicação de gotas contendo uma

associação de corticóides e antibióticos.

Dado que em muitos casos existe em simultâneo uma infecção

respiratória, é necessário administrar um antibiótico por

via oral após a “secagem” do ouvido e do controlo do estado

da mucosa, e tendo em conta a idade do doente e do estado

do ouvido contralateral.

OTITE MÉDIA CRÓNICA

COLESTEATOMATOSA

A otite média crónica colesteatomatosa define-se pela presença

no interior do ouvido médio de um epitélio malpighiano queratinizado,

que possui, para além de uma capacidade de descamação,

um potencial de migração e de erosão.

As características desta doença fazem com que só exista tratamento

cirúrgico, o que, salvo contra-indicação de ordem geral,é

obrigatório.

A presença da epiderme pode revestir duas formas:

» massa esbranquiçada envolvida pela matriz;

» epidermização das paredes da caixa sem acumulação de

queratina.

No primeiro caso, o do colesteatoma clássico, existe um saco herniário

no interior do ouvido médio, único ou com vários prolongamentos.

Frequentemente, a massa de queratina contida no interior


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

deste saco pode infectar, dando origem a uma otorreia escassa e

muito fétida que esvazia muitas vezes o conteúdo do colesteatoma,

que fica assim reduzido à sua matriz de forma sacular.

Na segunda hipótese, a epidermização tem origem nos bordos

da perfuração e estende-se para o interior da caixa, podendo

envolver para além das suas paredes a cadeia ossicular. A bolsa

de retracção fixada constitui uma forma de epidermização, e foi

descrita noutro local deste capítulo.

O colesteatoma pode ser classificado como congénito ou adquirido,

sendo o primeiro resultado da proliferação de um resto

de epitélio embrionário que ficou “esquecido” no interior da caixa

do tímpano, na ausência de qualquer alteração na membrana

do tímpano.

O colesteatoma adquirido ou secundário desenvolve-se a partir

de uma bolsa de retracção da pars tensa ou da pars flaccida da

migração de epitélio através de uma perfuração pré-existente

ou, mais raramente, da metaplasia do epitélio após várias agressões

infecciosas ou da implantação de epitélio no interior da

caixa, iatrogénica ou devido a trauma.

O colesteatoma pode ser classificado em 6 estádios (Bluestone e

Klin, 2001):

Estádio 1 – colesteatoma confinado à caixa do tímpano sem erosão

da cadeia ossicular;

Estádio 2 – idêntico ao estádio 1, mas com erosão da cadeia

ossicular;

Estádio 3 – ouvido médio e células mastoideias envolvidas, sem

erosão dos ossículos;

Estádio 4 – idem, mas com erosão dos ossículos;

Estádio 5 – colesteatoma que ocupa a caixa do tímpano, mastóide

e outras porções do osso temporal – por exemplo, retrolabiríntico

de difícil remoção cirúrgica;

Estádio 6 – idêntico ao estádio 5, mas o colesteatoma estende -se

para além do temporal.


| 105

FIG. 5.12

Otite média crónica colesteatomatosa – nota-se

a existência de uma crosta (Cr) situada sobre a pars

flaccida (PF), sinal indirecto da presença do colesteatoma.

M – Martelo; PT – Pars tensa.


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

Todos os estádios podem estar ou não infectados, sendo muitas

vezes impossível de dominar a infecção sem a remoção cirúrgica

do colesteatoma. A infecção, por outro lado, é o “motor” da

progressão do colesteatoma e está associada sempre que surgem

as temidas complicações desta patologia.

Na otoscopia da otite crónica colesteatomatosa, encontramos uma

perfuração que apresenta como característica principal o facto de

ser marginal. Localiza-se com maior frequência na pars flaccida,

no quadrante póstero-superior da pars tensa, ou em ambos.

A perfuração da pars flaccida situa-se acima da curta apófise e

das pregas timpanomaleolares, podendo ocupar toda a membrana

até à incisura de Rivinus (Fig. 5.12).

Constatámos, no nosso trabalho, as diferenças na constituição e

forma de inserção da pars flaccida relativamente à pars tensa,

que relacionamos com a maior incidência de perfurações que

originam o colesteatoma.

Com efeito, a lamina propria possui, a este nível, escassas fibras

colagénias dispostas apenas numa camada e sem qualquer

forma de organização, pelo que constitui uma armadura pouco

consistente para resistir às diferenças de pressão.

Deste modo, as pressões negativas, resultado da obstrução dos

istmos timpânicos ou da Trompa de Eustáquio, traduzem-se inicialmente

por uma invaginação da pars flaccida, tal como já havíamos

referido para as bolsas de retracção.

A erosão desta incisura, e o aumento das dimensões da perfuração

em maior ou menor extensão, à custa da destruição do

muro do ático, constitui outra das características do colesteatoma

(Fig. 5.13).

Através da perfuração é muitas vezes visível a massa branca do

colesteatoma, que uma vez aspirada possibilita observar, ao microscópio,

o interior do ático, nomeadamente o colo, a cabeça do

martelo e o seu ligamento anterior. Nos casos de grandes destruições,

é ainda possível distinguir a bigorna e mesmo a parede

interna do ático (Fig. 5.14).


| 107

FIG. 5.13

Otite média crónica colesteatomatosa – para além de uma

perfuração da pars flaccida (PF), verifica-se que o antemuro

(At) está parcialmente destruído.


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

FIG. 5.14

Otite crónica colesteatomatosa, na qual se verifica

destruição da totalidade da parede externa do ático,

da cabeça do martelo e do corpo da bigorna. Através

da perfuração é possível controlar o andar superior

da caixa e visualizar a entrada da fosseta supratubária

(FST). AA – aditus ad antrum; B – Bigorna; CSE – Canal

semicircular externo; M – Martelo.


| 109

A inexistência de annulus ou sulco timpânico na incisura de Rivinus

explica por outro lado, que estas perfurações sejam marginais,

pois não existe qualquer barreira à progressão da

epiderme.

Caso esta entre em contacto com o bordo da incisura, provoca a

sua erosão e a desinserção simultaneamente do ligamento lateral

externo, que abre caminho à invasão do corredor externo

do ático.

Ao estudarmos a epiderme da pars flaccida, verificámos que esta

se apresentava em todos os casos mais espessa que a da pars

tensa, com maior número de camadas celulares, associada a uma

vascularização suportada pela arteríola do cabo do martelo.

Valorizámos então três aspectos na constituição da pars flaccida,

que relacionamos com o colesteatoma – uma lamina propria frágil

e desorganizada, ausência de sulco e annulus timpânico, espessura

e vascularização da epiderme.

Na pars tensa são as perfurações póstero-superiores marginais

que se associam com maior frequência à formação de colesteatomas.

Segundo a teoria da invaginação proposta por Bezold (1890) e a

teoria ex-vacuum de Wittmaack (1993), será uma pressão negativa

intratimpânica que está na origem da formação do saco herniário

do colesteatoma.

Estas teorias estão de acordo com o facto do quadrante póstero-

-superior apresentar uma área sempre superior às dos outros

quadrantes, que perante a mesma força de pressão sofre maior

retracção.

Para além disso, o quadrante póstero-superior apresenta uma

armadura fibrosa menos resistente que qualquer dos outros

quadrantes às modificações de pressão, uma vez que a lamina

propria tem, a este nível, uma constituição mais frágil, pois é formada

na grande maioria dos casos apenas pela camada das fibras

radiárias, reforçadas perifericamente por uma estreita

banda de fibras circulares.


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

Por último, o sulco a este nível é praticamente inexistente e o

annulus apresenta um calibre bastante reduzido.

Esta morfologia, que não encontrámos descrita na bibliografia,

favorece a migração da epiderme através dos bordos da perfuração

e poderá explicar as teorias migratórias de Habermann

(1888), divulgadas por Politzer (1901).

A exemplo do que sucedia na pars flaccida, também no quadrante

póstero-superior se pode verificar a erosão da margem

óssea do tímpano adjacente à perfuração, possibilitando observar

o interior do andar médio da caixa, as suas paredes e a cadeia

ossicular.

Mas a observação do tímpano pode ser condicionada pela presença

de pólipos e crostas, que constituem sinais evidentes da

presença de colesteatoma.

Assim, os pólipos emergem muitas vezes da caixa através de

uma perfuração situada na pars flaccida ou no quadrante póstero-superior,

e impedem, pelas suas dimensões, a correcta observação

da perfuração. São os conhecidos pólipos “sentinela”.

Já as crostas ou pequenos fragmentos de cerúmen, situados

sobre a membrana do tímpano, devem também ser obrigatoriamente

retirados, mesmo na ausência de qualquer sintomatologia,

pois após a sua remoção torna-se muitas vezes visível uma

perfuração marginal, através da qual se observa a matriz do colesteatoma.

Contudo, nenhuma perfuração permite excluir a hipótese de colesteatoma,

pois a epiderme após contornar os seus bordos

pode continuar a migração e invadir o ouvido médio.

O colesteatoma tem a forma de uma massa arredondada que

pode ter vários lóbulos, cuja superfície externa, denominada

matriz, tem uma cor branca nacarada, tendo sido descrita pela

primeira vez em 1830 por Cruveilhier, com o nome de tumor

perlado.


| 111

Histologicamente é formado por um invólucro de tecido conjuntivo

constituído por epitélio malpighiano queratinizado, a matriz

do colesteatoma. Neste epitélio, que não contém papilas nem

anexos, distinguem-se quatro camadas como na epiderme do

tímpano de onde provém: os estratos germinativo, espinhoso,

granuloso e córneo, que produz a queratina.

Verificámos que a epiderme se encontra sempre espessada, com

aumento do número das camadas celulares, e que os núcleos

das células deixam de estar alinhados, passando a haver como

que uma inquietação celular, sinal do processo inflamatório.

A massa do colesteatoma, que resulta da descamação do epitélio,

acumula-se no interior do saco herniário em estratos sucessivos,

com uma disposição lamelar onde se reconhecem as

lamelas de queratina, ácidos gordos e colesterol, que pode surgir

sob a forma de agulhas.

Para além das lesões típicas do colesteatoma, constatámos

igualmente importantes alterações nas porções restantes da

membrana timpânica, que pode apresentar um infiltrado de polimorfonucleares,

tecido de granulação com capilares neoformados,

sendo as fibras da camada intermédia sede de um

processo de degenerescência hialina.

Os ossículos, cobertos pela matriz, podem igualmente sofrer modificações

como a fragmentação da cortical e a infiltração por

células inflamatórias, que chegam a localizar-se no interior dos

canais de Havers.

O estudo audiométrico, num doente com colesteatoma, pode

em certa medida traduzir o grau de extensão das lesões. Assim,

e sempre que exista uma interrupção da cadeia ossicular, constata-se

uma perda de transmissão superior a 30 decibéis. Contudo,

este exame não permite excluir que a cadeia ossicular haja

sido destruída pelo colesteatoma, que a pode substituir para o

efeito de transmissão.

A natureza do próprio colesteatoma, bem como o seu poder

migratório associado à compartimentação do ouvido médio,


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

não possibilitam estabelecer uma correlação entre as dimensões

da perfuração, a extensão do colesteatoma e o estudo

audiométrico. De facto, um pequeno colesteatoma situado no

ático, limitado pelas barreiras anatómicas aí existentes, pode

acompanhar-se de um audiograma praticamente normal.

Nestes casos, a análise do estado do ouvido contralateral é fundamental

e obrigatória, pois pode ser determinante na escolha

da técnica operatória.

Uma vez vencida a barreira do tímpano, o colesteatoma progride

no interior da caixa, condicionado pelos compartimentos e mesos

que encontra.

As estruturas que descrevemos na face interna da membrana

timpânica e as suas relações topográficas, possibilitam compreender

esta progressão e acompanhá-la, se articularmos a

otoscopia com os cortes de tomografia computorizada.

Desenvolvimento do Colesteatoma

de acordo com o local da perfuração

O conhecimento das bolsas da face interna do tímpano, dos

mesos da caixa e dos istmos timpânicos, permitem seguir a evolução

do colesteatoma de uma forma sistematizada.

Esta progressão que depende do local onde se situa a perfuração,

pode ser acompanhada por cortes de tomografia computorizada,

a exemplo do que fizemos para as bolsas de retracção.

Perfuração da pars flaccida

sem destruição do antemuro

O colesteatoma está contido no interior da bolsa timpânica superior,

e o ligamento lateral externo, disposto entre o colo do martelo

e a incisura de Rivinus, impede a invasão do ático (Fig. 5.15-A).

Valorizámos nestes casos o pavimento da bolsa superior, por

nós considerado o istmo timpânico externo, pois estabelece uma

comunicação com as bolsas timpânicas anterior (20% dos casos)

e posterior (65% dos casos) através da qual o colesteatoma pode


| 113

FIG. 5.15

Colesteatoma situado na bolsa timpânica superior,

com o muro do ático íntegro.

CAE – Conduto auditivo externo; Coles – Colesteatoma;

LLE – Ligamento Lateral Externo; M – Martelo.

A) Corte coronal. O Ligamento Lateral Externo impede

a progressão do colesteatoma para o ático, que pode

então descer para o mesotímpano (atrium);

B) Face interna da parede externa da caixa, estando

representados os trajectos da possível progressão

de um colesteatoma situado na bolsa timpânica superior

em direcção ao mesotímpano.


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

descer, deslizando junto à face interna do tímpano até ao andar

médio da caixa (Fig. 5.15-B).

Esta via de extensão permite assim explicar que, existindo apenas

uma perfuração da pars flaccida sem haver invasão do ático,

se possa encontrar colesteatoma no mesotímpano.

Nestes casos torna-se obrigatório o estudo pela tomografia computorizada,

única forma de estabelecer um correcto planeamento

cirúrgico.

Através de um corte coronal, que passe pelo cabo do martelo, é

possível observar a morfologia da parede externa do ático e

comprovar que o colesteatoma está confinado ao interior da

bolsa timpânica superior (Fig. 5.15).

Já a sua descida até ao mesotímpano, sem tradução na otoscopia,

deverá ser detectada através de cortes axiais e coronais que

analisem o espaço situado entre o tímpano e a articulação incudo-estapédica.

Perfuração da pars flaccida

com destruição do antemuro

A erosão do antemuro abre outros percursos à progressão do

colesteatoma situado na bolsa timpânica superior (Fig. 5.16-A).

Com esta erosão, verifica-se a desinserção do ligamento lateral

externo do martelo, que constitui a parede interna da bolsa e que

possibilita ao colesteatoma invadir o corredor externo do ático,

existindo então três hipóteses de progressão (Fig. 5.16-B).

Numa primeira fase, o colesteatoma pode desenvolver-se junto ao

martelo, entre este e a parede externa do ático, chegando a ultrapassar

a cabeça deste ossículo até ao seu ligamento suspensor.

Nestes casos devemos optar por um corte coronal que passe

pelo cabo do martelo e permita observar a presença do colesteatoma

no corredor externo do ático, que por este motivo se

torna mais amplo que o corredor interno.


| 115

FIG. 5.16

Progressão do colesteatoma após a erosão do antemuro.

CAE – Conduto auditivo externo; IR – Incisura de Rivinus;

M – Martelo; Coles - Colesteatoma.

A) Corte coronal. O Ligamento Lateral Externo (LLE) foi

desinserido e o colesteatoma invade o ático;

B) Face interna do tímpano. Estão assinalados os trajectos

no ático e para o mesotímpano.


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

Anteriormente, o colesteatoma caminha pelo corredor externo

do ático, deslizando sobre o ligamento anterior do martelo e a

espinha timpânica anterior, acabando por atingir o seu limite

anterior. A este nível, e depois de contornar a cabeça do martelo,

pode invadir o ático interno e insinuar-se para a fosseta

supratubárica.

Posteriormente, encontra uma via de extensão no espaço compreendido

entre o corpo da bigorna e a parede externa do ático.

A continuar este trajecto, o colesteatoma acaba por invadir o aditus

ad antrum, limite posterior deste corredor e início da entrada

para a mastóide.

Através do istmo timpânico externo, o colesteatoma pode ainda

descer do ático para o mesotímpano, junto à face interna do tímpano.

Pela tomografia computorizada é possível acompanhar a

progressão do colesteatoma no corredor externo do ático, através

de um corte axial que inclua todo este andar da caixa e que possibilite

observar a cabeça do martelo e a totalidade do corpo e do

ramo horizontal da bigorna, assim como a fosseta supratubárica.

Nestes casos, os cortes coronais permitem delimitar, não só a

posição do colesteatoma no corredor externo do ático, como seguir

a sua eventual descida para o mesotímpano através do

istmo timpânico externo.

Perfuração póstero-superior marginal

Um colesteatoma com origem no quadrante póstero-superior,

ao estender-se para dentro da caixa do tímpano vai atingir a

prega malear posterior juntamente com o nervo da corda do tímpano,

estruturas que pela sua constituição não representam uma

barreira à progressão desta entidade.

Em seguida, o colesteatoma acaba por envolver o ramo vertical

da bigorna, a articulação incudo-estapédica e a supra-estrutura

do estribo, resultando deste contacto lesões na cadeia ossicular

que podem inclusive chegar à sua destruição. Junto à margem

da perfuração, o colesteatoma após contornar ou destruir a lâmina

timpânica invade a região posterior da caixa.


| 117

FIG. 5.17

Progressão do colesteatoma a partir de uma perfuração

póstero-superior.

AA – Aditus ad antrum; FG – Fosseta de Grivot;

ST – Seio timpânico.

A) – Face externa do tímpano, na qual está representada

a perfuração;

B) – Face interna da parede externa da caixa, estando

assinalados os possíveis trajectos da progressão

do colesteatoma em direcção à região posterior da caixa

e bolsa timpânica superior.


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

A lâmina timpânica e a prega malear posterior, a que já nos referimos,

não constituem uma barreira anatómica. A erosão desta

lâmina é quase uma constante e arrasta consigo a desinserção

da prega.

Tendo em conta a relação topográfica dada pela emergência do

nervo da corda do tímpano e baseados na sistematização proposta

por Andrea (1975) para a região posterior da caixa, é possível

prever, numa fase inicial, quais as fossetas desta região que

vão ser invadidas, a exemplo do que já havíamos efectuado para

as bolsas de retracção (Fig. 5.17-B).

A partir de uma perfuração marginal situada acima do nervo da

corda do tímpano, o colesteatoma, após contornar a lâmina timpânica

ou destruí-la, invade o recesso facial. Caso se dirija para

cima, pode atingir o aditus ad antrum e entrar para a mastóide.

Se a perfuração se encontrar abaixo do nervo da corda do tímpano

a sua progressão faz-se para a fosseta de Grivot e, mais

para dentro, para o seio timpânico (Fig. 5.17).

Em qualquer das hipóteses, ao ultrapassar o tendão do músculo

do estribo e atingir os ramos deste ossículo, o colesteatoma

pode, utilizando os istmos timpânicos internos que aí se situam,

progredir para cima em direcção ao corredor interno do ático.

Junto ao tímpano, a partir de uma perfuração póstero-superior,

é possível ao colesteatoma insinuar-se sob a prega timpanomaleolar

posterior e utilizar o istmo timpânico externo, para se

alojar na bolsa timpânica superior.

Através de cortes axiais, a topografia computorizada possibilitará

identificar o colesteatoma na região posterior da caixa. Contudo,

dadas as reduzidas dimensões das fossetas desta região,

este exame requer para além de aparelhos de alta resolução

um profundo conhecimento anatómico.


| 119

Otite Média Crónica Colesteatomatosa

- SINOPSE

QUADRO CLÍNICO

É pobre na ausência de complicações, os sintomas podem

ser mínimos, uma hipoacúsia não muito marcada em fases

iniciais, uma otorreia escassa e intermitente mas com uma

característica – a fetidez.

Podemos ser surpreendidos pelas complicações como labirintites,

mastoidites, paralisia facial, meningite ou mesmo um

abcesso do lobo temporal.

ETIOLOGIA

Na base de tudo está uma disfunção tubária que, de uma

otite serosa inicial passa a uma bolsa de retracção que ultrapassa

as barreiras anatómicas naturais e evolui para

uma perfuração marginal ou atical associada a uma doença

crónica progressiva e destrutiva do ouvido médio.

BASES ANATÓMICAS PARA A ORIGEM

DO COLESTEATOMA

Na pars flaccida – a ausência de sulco na incisura de Rivinus

e a não organização das fibras da lamina propria.

No quadrante póstero-superior da pars tensa – a ausência

de sulco, a diminuição do calibre do annulus, a área deste

quadrante e a organização das fibras colagénias.

PROGRESSÃO

Os colesteatomas resultam, em geral, da progressão ou evolução

das bolsas de retracção de zonas consideradas “perigosas”

– o quadrante póstero-superior da pars tensa e a pars flaccida

que têm como denominador comum a ausência do annulus.


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

Naturalmente, os restos epidérmicos da camada superficial

do tímpano são eliminados naquilo que se considera uma

auto-limpeza.

Porém, à medida que estas bolsas se tornam mais profundas

e progridem para o interior do ouvido médio, a sua “boca”

torna-se pequena e estes mecanismos de limpeza falham,e

os restos epidérmicos vão-se acumulando e incrementando

simultaneamente o volume da própria bolsa, comprimindo as

estruturas anatómicas e destruindo-as com a ajuda do processo

enzimático. Criam-se assim sucessivos focos de osteíte

e de inflamação, e tecidos de granulação. A infecção destes

sacos da epiderme, que muitas vezes sucede com a entrada

de água, faz “explodir” estas bolsas acelerando todo o processo

já descrito.

TERAPÊUTICA

Colesteatoma diagnosticado, colesteatoma operado.

Quatro princípios orientam a cirurgia: erradicação das lesões,

prevenção das recidivas, prevenção das complicações e restauração

da função auditiva.

Duas técnicas:

– aberta com rebatimento do muro do facial e realização de

uma cavidade de esvaziamento associado a uma timpanoplastia.

– fechada com preservação da parede posterior do conduto

auditivo externo e reconstrução do sistema tímpano-ossicular.

Esta técnica obriga a uma vigilância regular, com tomografia

computorizada, sempre com hipótese de segunda intervenção.

A opção técnica, aberta ou fechada, depende da extensão do

colesteatoma, das regiões invadidas, da reserva coclear, da

existência, ou não, de complicações, do estado do ouvido

contralateral, da idade, profissão e condição social do doente,

da experiência do cirurgião e, por fim, da garantia do controlo

regular do ouvido operado.


| 121

Caso não seja possível uma recuperação funcional em simultâneo

com a erradicação da doença, e se verifique que

existe uma boa reserva óssea, é sempre possível colocar à

consideração do doente a possibilidade de uma adaptação

protética.

TIMPANOSCLEROSE

É Zollner (1956) quem introduz o termo de timpanosclerose e a

descreve como uma doença da lamina propria.

Em 1974 Tos define esta entidade como um processo irreversível,

produto final de uma infecção crónica na qual se formam massas

que para além de alterarem a estrutura do tímpano, podem

fixar o estribo, a bigorna e o martelo.

Kinney (1978) e Schiff (1980) relacionam-na com doenças auto-

-imunes. Dois factores parecem ser necessários para obter esta

resposta; são eles uma imunização de anticorpos contra a lamina

propria que pode surgir após vários episódios de otites médias

e um traumatismo que concentre os anticorpos nesse local

(Hawke e Jahn, 1988).

A timpanosclerose pode ser diferentemente considerada, consoante

exista ou não uma perfuração.

Na sua forma mais simples, a tímpano fechado, encontramos

pequenas manchas brancas isoladas, em número variável, dispersas

pelo tímpano. Podem ser encontradas em todos os grupos

etários, incluindo crianças, nas quais estão muitas vezes

associadas à otite serosa.

Nos casos por nós estudados, muitos tinham sido submetidos a

actos terapêuticos, como a miringocentese e colocação de tubos

transtimpânicos. Para estes, Mckinnon (1071) indica uma percentagem

de 33% nos tímpanos que colocaram tubos transtimpânicos,

e de 1% nos que ficaram sem tubos.


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

Esta forma de timpanosclerose surge com maior frequência no

quadrante póstero-superior, a exemplo do que já havia sido referido

por Mawson (1972) e Bonding (1973), facto para o qual

pensamos poder encontrar uma explicação com base nos resultados

obtidos.

Com efeito, este quadrante é o que mais se distende uma vez

submetido a variações de pressão. Por outro lado, os exsudados

inflamatórios da caixa, quando existem, provocam igualmente

um maior abaulamento a este nível. Esta distensão,

qualquer que seja a sua causa, pode provocar microrupturas ao

nível das fibras da lamina propria que, associadas aos fenómenos

inflamatórios, evoluem mais tarde para as manchas isoladas

de timpanosclerose.

Na outra forma de timpanosclerose, a tímpano fechado, encontramos

placas calcárias de dimensões variáveis, únicas ou múltiplas,

de forma semilunar ou mesmo reniformes. Estas placas,

que podem ocupar um ou mais quadrantes, chegam em casos

extremos a englobar a totalidade da pars tensa.

Para Morgan e col. (1985), as placas calcárias originam-se a partir

de fenómenos inflamatórios que sucedem na camada interna

das fibras circulares.

Por outro lado, e como já havia sido assinalado por Villarejo

(1984), as placas de timpanosclerose situam-se mais frequentemente

nos quadrantes anteriores e dentro destes sobretudo no

ântero-posterior.

De acordo com os resultados obtidos na análise da estrutura do

tímpano, sem dúvida que é ao nível dos quadrantes anteriores

que encontramos a maior concentração de fibras circulares, que

ocupam praticamente toda a sua área, desde o annulus até ao

cabo do martelo, ao contrário do que sucede nos posteriores.

Pelo seu significado funcional, queremos destacar as placas que,

ocupando toda a área de um dos quadrantes do tímpano, estabelecem

a união do annulus com o martelo. Esta disposição, que


| 123

FIG. 5.18

Timpanosclerose a tímpano aberto – evidenciam-se duas

volumosas placas calcárias que rodeiam uma perfuração,

através da qual se detecta igualmente a presença

de lesões no interior da caixa. Saliente-se a ausência

de timpanosclerose na pars flaccida.

PF – Pars flaccida; Pr – Promontório; Tp – Timpanosclerose.


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

sucede com maior frequência no quadrante ântero-superior,

acaba por bloquear a cadeia ossicular.

O martelo, ao localizar-se mais próximo do bordo anterior do aro

timpanal, cria no quadrante ântero-superior condições para que

uma placa calcária estabeleça mais facilmente uma conexão

entre este ossículo e o annulus timpânico.

Ao mesmo tempo, e caso a placa de timpanosclerose se estenda

à prega timpanomaleolar anterior, acaba por envolver o ligamento

anterior do martelo, que constitui o principal ponto de sustentação

e o eixo de rotação deste ossículo. Em qualquer dos

casos constata-se um bloqueio da cadeia ossicular ao nível do

martelo, que pode explicar as perdas audiométricas, em geral

superiores a 40-50 decibéis.

Na timpanosclerose em tímpano aberto, para além da perfuração

que pode ter maiores ou menores dimensões, ser reniforme

ou sub-total, a margem do tímpano é ocupada por uma ou mais

placas calcárias de cor branca, ou branca amarelada (Fig. 5.18).

De assinalar que estas placas podem preencher por completo

as margens timpânicas, estendendo-se até ao annulus, ao qual

aderem.

O orifício da perfuração, quando é de grandes dimensões, permite

controlar o interior da caixa, onde são também muitas vezes visíveis

placas de timpanosclerose geralmente ao nível do promontório e

na região da janela oval, envolvendo a cadeia ossicular.

Em nenhum dos casos observados encontrámos timpanosclerose

na pars flaccida, sendo mesmo esta localização considerada

excepcional (Morgan e col., 1985). Quando abordámos a

constituição da pars flaccida, descrevemos em todos os casos fibras

colagénias. Contudo, e ao contrário do que sucedia na pars

tensa, nunca encontrámos fibras circulares a este nível, consideradas

como estando na origem dos fenómenos que levam à

formação de timpanosclerose.


| 125

FIG. 5.19

Imagem de uma perfuração traumática (Pf) situada

no quadrante póstero-superior, resultado da agressão por

um objecto introduzido pelo conduto auditivo externo.


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

No estudo histológico efectuado em fragmentos de tímpano, encontrámos

zonas de estrutura conservada, que se modificavam à

medida que nos aproximávamos das placas de timpanosclerose.

As fibras colagénicas acabam por perder o seu arranjo, tornam-se

irregulares, distorcidas, sendo impossível distinguir as

circulares das radiárias.

Existem numerosas células inflamatórias polimorfonucleares infiltradas

no seio da lamina propria, de acordo com a etiologia inflamatória

atribuída a este processo.

O tecido fibroso acaba por perder completamente a sua identidade,

sendo substituído por um tecido hialino mais espesso, podendo

nalguns locais serem observados fibroblastos.

Segue-se uma fase de homogeneização dos tecidos, com infiltração

de eosinófilos, criando-se desta forma as condições para

surgirem depósitos de cálcio.

Simultaneamente começam a verificar-se metaplasias que conduzem

à formação do tecido cartilagíneo.

No seio destas alterações que espessam a lamina propria, encontram-se

por vezes algumas fibras colagénias que mantiveram

o seu aspecto normal.

Sempre que se verifica uma dissociação entre a extensão de timpanosclerose

na membrana do tímpano e o audiograma, deve

ser levantada a hipótese das principais alterações se encontrarem

no interior da caixa.

Nestas circunstâncias, o estudo radiológico por tomografia computorizada

torna-se particularmente importante, pois constitui a

única forma de podermos avaliar o grau de extensão das lesões.

A tomografia pode revelar uma massa de timpanosclerose, que

situada no ático e envolvendo a cadeia ossicular, fixa o martelo

ou a bigorna às paredes da caixa. No mesotímpano as placas de

timpanosclerose podem mesmo fixar a articulação incudo-estapédica

e o estribo ao promontório.


| 127

A timpanosclerose pode, segundo Klin (2000), ser dividida em 6

estádios:

Estádio 1 - a timpanosclerose encontra-se limitada à membrana

timpânica (não há envolvimento ao nível do ouvido médio), sem

alteração da audição; é a miringosclerose que pode ser subdividida

em:

1.1 - lesões limitadas a um quadrante

1.2 - mais de um quadrante

1.3 - todos os quadrantes estão atingidos

Estádio 2 - idêntico ao estádio 1, mas associado à hipoacúsia;

Estádio 3 - a timpanosclerose encontra-se apenas no ouvido

médio, mas sem hipoacúsia;

Estádio 4 - idêntico ao estádio 3. Lesões apenas no ouvido médio

mas com hipoacúsia;

Estádio 5 - timpanosclerose que atinge o tímpano e o ouvido

médio sem hipoacúsia;

Estádio 6 - idêntico ao estádio 5, mas com hipoacúsia que resulta

do envolvimento do ouvido médio, ossículos e respectivas

articulações.

TIMPANOSCLEROSE - SINOPSE

QUADRO CLÍNICO

É diferente consoante temos uma timpanosclerose a tímpano

fechado ou associada a uma perfuração.

No primeiro caso, e se as placas ocupam a membrana timpânica

como focos de algodão, pode não existir compromisso

funcional e a doença ser assintomática.

Se existir uma perfuração podemos encontrar uma sintomatologia

semelhante às otites purulentas simples com

otorreia intermitente. O compromisso funcional depende do


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

grau de extensão das placas que podem, para além do tímpano,

envolver a cadeia ossicular e ocupar largas extensões

da caixa do tímpano.

ETIOLOGIA

Estas placas brancas resultam de uma degeneração hialina

na camada média do tímpano e na submucosa do ouvido

médio, consequência de uma infecção ou inflamação.

TERAPÊUTICA

Nada consegue eliminar as placas de timpanosclerose, e a

indicação cirúrgica deve limitar-se ao encerramento das perfurações,

pois os resultados funcionais são, em regra, pobres.

No caso de existir uma boa reserva coclear deve encarar-se

a colocação de uma prótese auditiva.

OTITE TRAUMÁTICA

A membrana do tímpano, quando é submetida a agressões físicas,

poderá sofrer lesões que nalguns casos têm como consequência

o aparecimento de uma perfuração (Fig. 5.19).

Estas agressões são essencialmente de dois tipos. Na primeira

hipótese encontram-se as diferenças súbitas de pressão, quer

em meio aéreo e em campo livre, quer no meio líquido, que ao

embaterem na membrana lhe provocam alterações (a otite barotraumática).

No segundo tipo consideramos as agressões directas ao tímpano

por um objecto introduzido através do conduto auditivo externo,

que provoca na membrana timpânica uma perfuração de

maiores ou menores dimensões.


| 129

OTITE TRAUMÁTICA - SINOPSE

QUADRO CLÍNICO

A otalgia domina o quadro clínico associado à otorragia e à

hipoacúsia cujo grau depende das lesões provocadas pelo

tímpano e na cadeia ossicular.

Podem também verificar-se vertigens e alterações de equilíbrio

por concussão do labirinto.

ETIOLOGIA

É variável, podendo a agressão resultar de um objecto contundente,

duma variação súbita da pressão exterior, caso dos

rebentamentos de bombas ou das agressões físicas ou ainda

de lesões por produtos químicos

TERAPÊUTICA

Acalmar a dor, evitar a infecção, delimitar a inflamação e

esperar. Se as lesões se restringem à membrana timpânica

podem em muitos casos e, naturalmente, encerrar espontaneamente.

No caso de se manterem, deve encarar-se a possibilidade

de uma timpanoplastia associada, caso necessário, a uma

ossiculoplastia.

OTITE BAROTRAUMÁTICA

O tímpano encontra-se geralmente deprimido, a curta apófise

procidente e o cabo do martelo horizontalizado.

Existe uma alteração da coloração, com hiperemia da membrana

de Shrapnell e do cabo do martelo. O brilho desaparece e deixa

de se observar o triângulo luminoso na maioria dos casos.


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

Constatam-se muitas vezes pequenas hemorragias intersticiais

que surgem habitualmente junto ao cabo do martelo ou na

membrana de Shrapnell. No interior da caixa pode verificar-se a

existência de um exsudado, traduzido pela presença de níveis

líquidos visíveis à transparência, ou mesmo de bolhas gasosas.

A mobilidade está diminuída ou praticamente ausente, como

atestam as imagens dos timpanogramas obtidos.

Nos casos observados com perfurações timpânicas, estas situavam-se

sempre nos quadrantes ântero-inferiores e apresentavam-se

no sentido do cabo do martelo, como que prolongando

o seu eixo, ou ligeiramente deslocadas para a frente. Estes resultados,

aliás, estão de acordo com outros autores, que indicam

existir uma maior incidência deste tipo de perfurações nos

quadrantes ântero-inferior e ântero-superior, (Bebear e col., 1987;

Lindeman e col., 1987 e Hawke e Jahn, 1988).

Há que ter em conta que a este nível o tímpano possui duas camadas

de fibras colagénias: as radiárias e as circulares, enquanto

que no quadrante póstero-superior, praticamente apenas

existem as fibras radiárias.

Por outro lado, o segmento ântero-inferior do sulco e do annulus

timpânico constitui uma sólida amarragem para estes quadrantes

do tímpano, ao contrário do póstero-superior, onde o

sulco se encontra planificado e o annulus apresenta um calibre

mais reduzido.

Deste modo, perante uma onda de pressão, os quadrantes anteriores

serão aqueles que oferecem maior resistência, e como

consequência estão mais sujeitos à rotura traumática.

O quadrante póstero-superior, assim como a pars flaccida, com

menor conteúdo em tecido fibroso e uma inserção mais frágil,

oferecem menor resistência às ondas de pressão e raramente

são local de perfurações provocadas por barotraumatismos.


| 131

PERFURAÇÕES TRAUMÁTICAS

As perfurações que resultam da agressão directa do tímpano

por um objecto contundente, situam-se em regra nos quadrantes

posteriores, com maior frequência no póstero-superior e são

de maiores ou menores dimensões, de acordo com a violência

da agressão e o objecto utilizado (Fig. 5.19).

Nestes casos é a anatomia do conduto auditivo que condiciona

o local da perfuração. Assim, e de acordo com os resultados que

obtivemos, constatamos que as paredes anterior e inferior deste

canal são na maioria dos casos procidentes, protegendo os quadrantes

do tímpano que lhe estão adjacentes.

Por outro lado, o quadrante póstero-superior é o que está situado

mais próximo do orifício externo do tímpano e o que está mais

exposto devido à própria morfologia do conduto, uma vez que as

paredes que o rodeiam são rectilíneas ou côncavas, e os ângulos

timpanomeatais, obtusos.

Por este motivo, um objecto introduzido no conduto auditivo externo

acaba por ser conduzido, pela procidência das paredes

anterior e inferior, em direcção a este quadrante.

Nestas circunstâncias devemos ainda ter em atenção as relações

topográficas com a cadeia ossicular, nomeadamente com

o ramo vertical da bigorna e a articulação incudo-estapédica,

que poderão ser lesadas. Estes traumatismos podem então provocar,

para além de uma interrupção ossicular, uma concussão

labiríntica.

Uma surdez de condução mais ou menos grave pode surgir

como resultado destes traumatismos por lesões no conduto auditivo

externo, membrana do tímpano ou ouvido médio.

O canal auditivo pode estar preenchido por coágulos, restos epidérmicos

e de cerúmen, ou hematomas. A membrana timpânica

pode estar danificada e a caixa do tímpano também


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

envolvida e repleta de coágulos. A cadeia ossicular pode estar interrompida,

sendo a articulação incudo-estapédica a mais atingida,

seguida da deslocação da bigorna e da fractura dos ramos

do estribo, estando estas últimas lesões associadas habitualmente

a fracturas do temporal com otorragia.

A ausência da correcção destas lesões, em fase aguda, pode

implicar mais tarde estenoses do conduto e anquiloses da cadeia

ossicular, associada a surdez de transmissão.

Os traumatismos cranianos severos estão, muitas vezes, associados

a perda auditiva por lesões traumáticas ou concussão,

estando comprometidos, para além do sistema de transmissão,

o componente sensorioneural da audição.

Nestas situações podem resultar como sequela fístulas labirínticas,

que se revelam por uma perda auditiva flutuante, associada

a alterações do equilíbrio com mudança de pressão.

COMPLICAÇÕES DA OTITE MÉDIA

O ouvido médio é composto por caixa do tímpano, mastóide e

Trompa de Eustáquio. Qualquer processo inflamatório desta região

(ouvido médio), seja agudo, subagudo ou crónico, pode

complicar-se.

As complicações das otites médias podem dividir-se em extracranianas

e intracranianas.

A utilização, cada vez mais generalizada, de antibióticos fez diminuir

consideravelmente o número e a gravidade destas complicações.

Clinicamente, uma otite média complicada pode manifestar-se

por otalgia, otorreia purulenta, febre e mais raramente alterações

do estado geral, paralisia facial, vertigem e outras alterações

neurológicas.

O diagnóstico é clínico e radiológico (TC), e a sua precocidade

depende fundamentalmente de um elevado grau de suspeição.


| 133

Complicações Extracranianas

Mastoidite Aguda

Definição: processo inflamatório da mastóide, num doente sem

história de otite média crónica purulenta simples ou colesteatomatosa.

Epidemiologia:

» maior incidência em crianças com idade inferior a 8 anos;

» 1 /3 dos doentes têm história prévia de otite média aguda.

Patogenia: O ouvido médio deve ser entendido como uma unidade

funcional, em que a caixa do tímpano e a mastóide se encontram

em continuidade, comunicando entre si através do

aditus ad antrum.

Por princípio, todos os doentes com otite média aguda apresentam

algum grau de inflamação da mastóide. Quando o processo

inflamatório/infeccioso da mastóide ultrapassa o mucoperiósteo

e envolve o osso, verifica-se a desmineralização e a erosão dos

septos das células mastoideias, com a formação de um empiema

intramastoideu. Só nesta fase, em que a mastóide é transformada

numa grande cavidade abcedada, deve ser considerada como

complicação de otite média.

Etiologia (agentes mais frequentes):

» Streptococcus pneumoniae;

» Streptococcus pyogenes;

» Staphylococcus aureus;

» Staphylococcus coagulase negativos.

Clínica:

» sintomas otológicos sugestivos de otite média aguda (otalgia,

otorreia, febre);

» sinais inflamatórios da mastóide (dor, calor, eritema e edema

retroauricular, apagamento do sulco retroauricular com deslocamento

do pavilhão para a frente e para baixo e abaulamento

da parede póstero-superior do canal auditivo externo).


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

Complicações - Com a progressão da infecção pode surgir:

› abcesso subperiósteo (extensão à região retroauricular);

› abcesso zigomático (extensão à região pré-auricular);

› abcesso de Bezold (extensão à região inferior);

› labirintite (extensão ao ouvido interno);

› síndrome de Gradenigo (extensão ao apex petroso);

› trombose do seio lateral (extensão ao seio lateral);

› paralisia facial;

› complicações intracranianas (meningite, abcesso

subdural, epidural, cerebral, cerebeloso).

Diagnóstico: Clínico + Tomografia Computorizada dos Ouvidos

Para o diagnóstico radiológico de mastoidite coalescente não

basta a presença de níveis hidro-aéreos ou espessamento da

mucosa das células pneumatizadas da mastóide, sendo necessário

a demonstração de erosão dos septos ósseos das células

mastoideias ou da cortical mastoideia.

Terapêutica:

» internamento hospitalar;

» antibioterapia endovenosa (amoxicilina + ácido clavulânico;

cefuroxime);

» Cirurgia:

› miringocentese com colheita de pus para identificação

do agente patogénico;

› colocação de tubo transtimpânico, drenagem de abcesso

subperiósteo, mastoidectomia simples).

Labirintite

Definição: Inflamação do labirinto.

Etiologia: Raramente surge como complicação de otite média

aguda, mais frequentemente associado a otite média crónica.


| 135

A causa mais frequente de labirintite otogénica é a presença de

fístula do canal semicircular externo por otite média crónica colesteatomatosa.

Classificação:

» labirintite serosa – inflamação do labirinto membranoso,

não piogénica, habitualmente reversível;

» labirintite supurada – processo infeccioso purulento

do labirinto, condicionando perda da função auditiva

e vestibular irreversível.

Clínica:

» otite média;

» vertigem;

» nistagmo para o lado afectado;

» sinal da fístula positivo (se fístula do canal semicircular externo);

» hipoacúsia neurosensorial e arreflexia vestibular

(labirintite supurada).

Diagnóstico:

» clínica;

» TC/RM;

» provas audiométricas e vestibulares.

Terapêutica:

» internamento hospitalar;

» repouso;

» antibioterapia endovenosa;

» corticoterapia;

» depressores vestibulares e antieméticos;

» cirurgia otológica (tubo transtimpânico, mastoidectomia);

» nas lesões irreversíveis: reabilitação vestibular.


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

Paralisia Facial

Etiologia: Complicação geralmente associada a otite média crónica

colesteatomatosa, ou otite média aguda em doentes com

deiscência do aqueduto de Falópio (raro).

Clínica: Paralisia facial periférica de instalação rápida, num contexto

de otalgia e otorreia.

Diagnóstico: Clínico + TC (localizar a erosão do aqueduto de

Falópio).

Terapêutica:

» internamento hospitalar;

» antibioterapia endovenosa/corticoterapia endovenosa;

» protecção ocular para evitar as lesões da córnea

por diminuição da produção de lágrimas;

» cirurgia (drenagem e ventilação do ouvido médio).

Complicações Intracranianas

Tromboflebite do Seio Lateral

Definição: Trombose séptica do seio lateral.

O sangue da mastóide drena para o seio lateral, logo qualquer

processo séptico do ouvido médio pode extender-se ao seio.

Esta complicação está associada a uma alta taxa de mortalidade

(15-38%) e está frequentemente associada a outras complicações

intracranianas.

Etiologia (agentes mais frequentes):

» Streptococcus pneumoniae tipo III;

» Streptococcus ß-hemolíticos.

Clínica:

» otalgia + otorreia + sinais inflamatórios retroauriculares;

» febre (em picos, com calafrios);

» cefaleias ligeiras;


| 137

» náuseas e vómitos;

» diplopia, fotofobia, vertigem, rigidez da nuca.

Diagnóstico:

» angiografia/RM;

» TC (exclusão de outras complicações intracranianas);

» punção lombar – LCR normal;

» hemoculturas positivas.

Terapêutica:

» antibioterapia endovenosa;

» solução cirúrgica do foco otogénico (laqueação prévia

da veia jugular interna a nível cervical).

Meningite / Empiema / Abcesso cerebral

ou cerebeloso

Meningite é a complicação intracraniana mais frequente.

TÍMPANOS PATOLÓGICOS

- PONTOS A SALIENTAR

1. O abaulamento do tímpano na otite média aguda localiza-se

na pars flaccida e no quadrante póstero-superior, o

que se justifica por:

» as fibras da pars flaccida serem em reduzido número e disporem-se

de um modo desorganizado;

» o quadrante póstero-superior, que tem maiores dimensões,

está mais sujeito às forças de pressão intratimpânicas;

» neste quadrante identificam-se apenas fibras radiárias,

facto que o torna simultaneamente mais frágil e menos espesso.

A existência de perfurações a este nível pode encontrar

nesta disposição a sua justificação;


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

» a ausência do ligamento timpanomaleolar posterior possibilita

que a pars flaccida se distenda em conjunto com o

quadrante póstero-superior.

2. Na otite serosa a manutenção das pressões negativas vai

provocar o colapso das bolsas timpânicas. Este processa-se

de acordo com a sua constituição, iniciando-se pela bolsa timpânica

superior, situada por detrás da membrana de Shrapnell,

seguida da bolsa timpânica posterior, correspondente ao

quadrante póstero-superior. Por último, a mais resistente será

a anterior, localizada por detrás do quadrante ântero-superior.

Verificámos também que na otite serosa todas as camadas

do tímpano acabam por estar envolvidas pelo processo inflamatório,

mesmo a camada mais externa de queratina que

contém no seu interior numerosas células polimorfonucleares,

ao mesmo tempo que se observa um aumento de calibre

das arteríolas radiárias. Este facto constitui uma das características

otoscópicas de uma das fases da otite serosa.

3. A maior incidência das bolsas de retracção ao nível da pars

flaccida justifica-se por:

» as fibras colagénias serem sempre escassas e disporem-se

de uma forma desorganizada e apenas numa camada;

» inexistência do sulco, do annulus, assim como dos ligamentos

timpanomaleolares. Para além da maior mobilidade da

própria membrana, verificamos ainda que a progressão das

bolsas de retracção da pars flaccida está condicionada pela

constituição das paredes da bolsa timpânica superior. De

facto, enquanto existe o ligamento lateral externo do martelo

(a parede interna da bolsa), este oferece resistência à

progressão das bolsas de retracção que, deste modo, ficam

limitadas ao espaço da bolsa timpânica superior, o que é visível

numa tomografia computorizada.

Com a erosão da incisura de Rivinus, este ligamento acaba

por se desinserir e a bolsa de retracção pode invadir o corredor

externo do ático.


| 139

O facto da bolsa timpânica superior não possuir parede inferior,

dando origem ao istmo timpânico externo, possibilita que

as bolsas de retracção da pars flaccida progridam para baixo

em direcção ao mesotímpano.

4. As bolsas de retracção da pars tensa localizam-se com

maior frequência no quadrante póstero-superior, sendo habitualmente

marginais. De facto:

» o quadrante póstero-superior é o que tem a maior área, tornando-se

mais sensível às variações de pressão;

» este quadrante é sempre mais frágil, o que se compreende

pela sua constituição (só fibras radiárias);

» inserção do quadrante póstero-superior diferente da dos

outros quadrantes, dada a diminuição da profundidade do

sulco e a alteração do calibre do annulus, aspectos que tornam

menos resistente a amarragem do tímpano a este nível

e que aumentam a sua mobilidade e distensibilidade.

Na sua progressão, uma bolsa de retracção do quadrante

póstero-superior, vai contactar com a prega malear posterior

da face interna do tímpano, a qual, devido à sua estrutura,

não constitui barreira.

Esta bolsa terá então apenas que contornar a lâmina timpânica

para invadir a região posterior da caixa e atingir a cadeia

ossicular, situação que a tomografia computorizada

possibilita acompanhar.

5. O triângulo interradial de Kopsch, situado junto ao bordo

anterior do cabo do martelo, constitui um ponto de menor resistência

da lamina propria, dada a ausência de fibras colagénias.

Este facto permite explicar a existência das bolsas de

retracção, que apesar de menos frequentes se desenvolvem

a este nível.

6. Na otite fibroadesiva pode verificar-se um colapso da quase

totalidade da membrana do tímpano, resistindo apenas o

quadrante ântero-superior.


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

Este facto está de acordo com a constituição da lamina propria,

que neste quadrante apresenta duas camadas de fibras

(radiárias e circulares) solidamente fixadas através do annulus

no sulco timpânico, que neste local se apresenta sempre

bem definido.

Superiormente, a resistência deste quadrante é ainda reforçada

pela prega timpanomaleolar anterior, a qual é suportada

pelo ligamento anterior do martelo e pela espinha

timpânica anterior. Estes elementos contribuem para impedir

a retracção deste quadrante.

7. A localização das perfurações das otites médias crónicas purulentas

simples pode ser justificada pela organização da lamina

propria e pela distribuição vascular da membrana do tímpano:

» na área correspondente às perfurações mesotimpânicas, à

volta do cabo do martelo apenas existe uma camada de fibras,

as radiárias, irrigadas pelos vasos do mesmo nome;

» à periferia o tímpano apresenta-se sempre mais resistente,

uma vez que possui para além das fibras radiárias uma espessa

camada de fibras circulares, solidamente fixadas no

annulus e vascularizadas através dos círculos arteriais peri-

-anulares, dispostos dos dois lados deste anel.

8. Nas perfurações das otites médias crónicas purulentas

simples, as dimensões da perfuração são limitadas pela reacção

inflamatória que se verifica no local de encontro do epitélio

malpighiano com a mucosa da face interna do tímpano.

Cirurgicamente este facto deve ser tido em consideração.

9. Na compreensão do aparecimento das perfurações das

pars flaccida e na génese do colesteatoma, há a considerar:

» maior número de camadas ao nível da epiderme;

» fibras da lamina propria em escasso número, dispostas

anarquicamente e apenas numa camada;

» ausência de sulco e annulus timpânico.


| 141

Estes aspectos condicionam e facilitam a progressão da epiderme

através dos bordos da perfuração para o interior da

incisura de Rivinus.

10. As perfurações póstero-superiores marginais da otite

média crónica colesteatomatosa estão igualmente relacionadas

com a maior incidência de bolsas de retracção neste

quadrante, o que se justifica por uma maior área do quadrante

póstero-superior, constituição da lamina propria, morfologia

do annulus e do sulco timpânico.

Valorizamos a inexistência do sulco e a diminuição do calibre

do annulus na região póstero-superior do conduto, que facilita

a migração da epiderme para o interior da caixa.

11. A tomografia computorizada desempenha um papel fundamental

na avaliação da extensão dos colesteatomas, que

se desenvolvem a partir das perfurações póstero-superiores

marginais.

» as perfurações situadas acima da emergência da corda do

tímpano, após contornarem a lâmina timpânica invadem

primeiramente o recesso facial, podendo-se estender para

o aditus ad antrum e mastóide;

» abaixo deste nervo, o colesteatoma insinua-se para a fosseta

de Grivot, seio timpânico e hipotímpano.

12. As áreas isoladas de timpanosclerose surgem com maior

frequência no quadrante póstero-superior, o que concorda

com a maior distensibilidade deste quadrante. As microrupturas

ao nível das fibras da lamina propria, associadas aos

processos inflamatórios e à presença de exsudados estão na

origem da timpanosclerose.

13. As grandes placas calcárias, que se dispõem junto ao

annulus de acordo com a orientação das fibras circulares,

podem provocar o bloqueio da cadeia ossicular, o que é mais

frequente no quadrante ântero-superior:


V . TÍMPANOS PATOLÓGICOS

» este quadrante possui uma maior concentração de fibras

circulares, as quais ocupam cerca de 2 /3 da sua área;

» é a este nível que o martelo se encontra mais próximo do

aro timpânico, permitindo que uma placa calcária, mesmo

de pequenas dimensões, estabeleça a união entre este ossículo

e o annulus;

» por último, e caso a placa se estenda até à prega timpanomaleolar,

acaba por envolver o ligamento anterior do martelo

que constitui o seu eixo de rotação.

14. Procurámos verificar se existia uma correlação entre a disposição

da lamina propria e o local das perfurações provocadas

pelas bruscas e violentas mudanças de pressão.

Concluímos que perante um blast os quadrantes anteriores

(com duas camadas de fibras) oferecem sempre maior resistência

que os posteriores (sobretudo o póstero-superior que

apenas possui fibras radiárias). Esta disposição, que condiciona

uma menor distensibilidade nos quadrantes anteriores,

está na base da maior incidência das perfurações traumáticas

a este nível.

15. As perfurações provocadas por um objecto contundente,

que penetre pelo conduto auditivo externo, localizam-se com

maior frequência no quadrante póstero-superior, o que é condicionado

pela maior ou menor procidência das paredes anterior

e inferior do conduto.


| 143

BIBLIOGRAFIA

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KLUWE L., COSTA S., CRUZ O.: Complicações das Otites Médias. In Otalgia Clínica

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NETO A., FLORES P., RUAH C., SOUSA E., PEREIRA P., NORONHA F., PALMINHA J.,

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OTITES NA PRÁTICA CLÍNICA

GUIA DE DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO


VI . MICROBIOLOGIA E GUIA DE ANTIBIOTERAPIA EM OTITES


Cristina Caroça, João Vieira de Almeida, João Paço

VI . MICROBIOLOGIA

E GUIA DE ANTIBIOTERAPIA

EM OTITES

Quadro Sinóptico

PRINCIPAIS PATOLOGIAS INFECCIOSAS DO OUVIDO EXTERNO,

MICROBIOLOGIA E ANTIBIOTERAPIA

Quadro Sinóptico

PRINCIPAIS PATOLOGIAS INFECCIOSAS DO OUVIDO MÉDIO,

MICROBIOLOGIA E ANTIBIOTERAPIA

Quadro Posológico de Antibioterapia


| 147

Quadro Sinóptico

PRINCIPAIS PATOLOGIAS INFECCIOSAS DO OUVIDO EXTERNO,

MICROBIOLOGIA E ANTIBIOTERAPIA

Diagnóstico Etiologia Terapêutica

Otite Externa

Aguda Difusa

Pseudomonas

aeruginosa;

Staph. aureus

Álcool 70º sat.

Ác. bórico ou

neomicina/

polimixina/

hidrocortisona

Furunculose Staph. aureus Cefalosporinas

1ªG

Alternativa

Terapêutica

Ofloxacina ótica;

ciprofloxacina;

gentamicina

oftálmica;

tobramicina

oftálmica

Clindamicina po;

dicloxacilina po

Comentários

Nos diabéticos ou pacientes

com disseminação

de infecção –

ciprofloxacina/

levofloxacina po -

pseudomonas; ou cefalexina

po ou clindamicina

po – Staph.

Deve ser efectuada

limpeza do CAE

Otite Externa

Crónica

Otite Externa

Maligna

Otomicose

Nos episódios de infecção aguda – os da otomicose

ou otite externa aguda difusa

Pseudomonas Ciprofloxacina/

aeruginosa ofloxacina tópica +

ciprofloxacina ou

levofloxacina po ou

ev associado a antipseudomonas

ev:

piperacilina/

tazobactan ev +

gentami cina ev ou

tobra micina ev ou

amicacina ev;

ceftazidima ev;

imipenem ou

meropenem ev

Aspergillus sp;

Candida

albicans

Solução

clotrimazole

Ác. acético/cítrico

em álcool; sol mertiolato;

iodopovidona;

violeta de

genciana 2% em

álcool 95%

Prevenção: shampoo

anticaspa com

selénium ou de

ketonazol com

aplicações à noite

de corticóide tópico

Considerar

oxigénioterapia

hiperbárica

Limpeza do CAE é

essencial

Zona

Herpes

Zooster

Aciclovir;

Valaciclovir

Pode associar-se

corticóides

sistémicos


VI . MICROBIOLOGIA E GUIA DE ANTIBIOTERAPIA EM OTITES

Quadro Sinóptico

PRINCIPAIS PATOLOGIAS INFECCIOSAS DO OUVIDO MÉDIO,

MICROBIOLOGIA E ANTIBIOTERAPIA

Diagnóstico Etiologia Terapêutica

OMA

Streptococcus

pneumoniae;

Hemophilus

influenzae;

Moraxella

catarrhalis;

Streptococcus

pyogenes ou

Staphylococcus

aureus; Vírus

Amoxicilina

(altas doses) po

ou Amoxicilina

+ Ác.

clavulânico

(altas doses) po

Alternativa

Terapêutica

Cefpodoxime po;

cefdinir po;

cefuroxima axetil

po; cefprozil po;

ceftriaxona IM;

levo-gati-moxifloxacina

po

(adultos)

Comentários

Duração tratamento:

<3 anos – 10 dias

mínimo; > 3 anos;

caso ligeiro sem

história de otite prévia

– 5 a7 dias. Má

resposta terapêutica

ao fim de 48-72h de

amox. – terapêutica

alternativa – 10 dias

ou 3 dias ceftriaxona

3 dias

ALÉRGICOS PENICILINA: Eritromicina po ou clindamicina po

+ sulfonamida po

Nas crianças com reacção alérgica tipo rash –

cefalosporina 3ªG (cefpodoxime po ou ceftriaxona im)

Nos adultos quinolonas respiratórias [ levofloxacina;

gatifloxacina; moxifloxacina ] po

Miringite

Bolhosa

Variante de OMA (na ausência de história prévia de perfuração timpânica ou

colesteatoma)

OMA Supurada

OM Persistente Estéril ou bactérias

com Derrame de baixa virulência

ou estirpes resistentes

da OMA

Terapêutica alternativa para a OMA

Sem terapêutica AB

necessária se: dor/inflamação

ausente ou

hipoacúsia não é um

problema

OMC

com Derrame

= OMA A hipoacúsia dita a

urgência da cirurgia

OMC Supurada

(perfuração

timpânica

com ou sem

colesteatoma)

Mastoidite

Aguda

(complicação

invasiva

de OMA)

Infecções mistas

aeróbios

(Pseudomonas

aeruginosa; Staph.

aureus e epidermidis;

Proteus sp;

Klebsiella e E. coli)

e anaeróbios

(prevotella;

Porphyromonas

anaerobes; Streptococci

anaerobic*;

Bacteroides

fragilis*)

S. pneumoniae;

Streptococci gr A

- hemolítico

(Strep. pyogenes);

Staph. aureus

e coag neg.

Hemophilus;

proteus;

Bacteroides sp

Tópica:

ofloxacina ou

ciprofloxacina

Sistémica:

ciprofloxacina

po ou

levofloxacina

po - adultos

com ou sem

clindamicina

po;

piperacilina/

tazobactam ev

Vancomicina ev

+ ceftriaxona

ev com ou sem

rifampicina po

Tópica:

iodopovidona ou

Ác. bórico iodado

Sistémica:

ceftazidime ev ou

cefepima ev com ou

sem clindamicina

po; meropenem ev

com ou sem

clindamicina ev ou

metronidazole ev

Levofloxacina ev;

gatifloxacina ev;

moxifloxacina ev;

clindamicina ev +

rifampicina po ou

ceftriaxona ev;

ampicilina/

sulbactam ev +

rifampicina po

* colesteatoma

infectado

Devem ser efectuadas

culturas e teste

sensibilidade AB;

Deve ser antecipada

a probabilidade de

Pneumococci

resistente à penicilina

e risco de complicações

intracranianas


| 149

Quadro Posológico de Antibioterapia

Princípio Activo Dose PO Dose EV Dose Pediátrica PO Dose Pediátrica EV

Amicacina

5mg/Kg/8h

(500mg/12h)

Amoxicilina 500mg/8h 45mg/Kg/12h

Amoxicilina 875+125mg/12h

+ Ác. clavulânico ou 500+125mg/8h

ou 2g+125mg/12h

45mg/Kg/12h

10mg/Kg/8h

Ampicilina

Sulbactam

1,5-3g/6h

25-75mg/Kg/6h

Cefalexina 500mg/12h 10mg/Kg/6h

Cefdinir 600mg/24h 7mg/Kg/12h

ou 14mg/Kg/24h

Cefepima

2g/12h

Cefpodoxime 200mg/12h 10mg/Kg/24h

ou 5mg/Kg/12h

Cefprozil 500mg/12h 15mg/Kg/12h

Ceftazidime 1-2g/8-12h 50mg/Kg/8h

Ceftriaxona 1g/12h ev/im 50-75mg/Kg/24h

ev/im ou

100mg/Kg/24h ev

(meningite)

Cefuroxima axetil 250-500mg/12h 750-1500mg/8h 15mg/Kg/12h 50mg/Kg/8h

ou 80mg/Kg/8h

(meningite)

Ciprofloxacina 500mg/12h 400mg/12h

Clindamicina 300-450mg/6-8h 600mg/6-8h 10mg/Kg/8h 7,5mg/Kg/6h

Dicloxacilina

Eritromicina

Gentamicina

Imipenem

500mg/8h

1g/12h ou

500mg/6h

1g/6h 15mg/Kg/6-8h 10mg/Kg/6h

1mg/Kg/8h

(80mg/8h)

500mg/6h

Levofloxacina 500mg/24h 750mg/24h

Meropenem

1g/8h

2,5mg/Kg/8h

Metronidazol 500mg/8h 500mg/6-8h 7,5mg/Kg/6h

Moxifloxacina 400mg/24h 400mg/24h

Piperacilina/

tazobactan

3,375/4-6h

ou 4,5/8h

Rifampicina 600mg/24h 10-20mg/Kg/24h

Sulfonamida 160mg TMP/12h 4mg TMP/Kg/12h

Tobramicina

Vancomicina

1mg/Kg/8h

(80mg/8h)

500mg/6h

ou 1g/12h

75mg/Kg/4-6h

2,5mg/Kg/8h

10-15mg/Kg/6h


OTITES NA PRÁTICA CLÍNICA

GUIA DE DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO


VII . BREVES NOÇÕES DA ABORDAGEM CIRÚRGICA DO TÍMPANO


João Paço, Maria Caçador

VII . BREVES NOÇÕES

DA ABORDAGEM

CIRÚRGICA

DO TÍMPANO

FUNDAMENTOS ANÁTOMO-CLÍNICOS NA

ABORDAGEM CIRÚRGICA DO TÍMPANO

Não faz parte do âmbito desta obra o desenvolvimento de um

capítulo de técnicas cirúrgicas para o tratamento das otites médias.

Faremos, no entanto uma breve consideração sobre alguns

dos gestos cirúrgicos que mais frequentemente se praticam na

abordagem da membrana do tímpano, tendo em conta o conhecimento

pormenorizado da sua morfologia, inserção, relações

que estabelece com o martelo e ainda da anatomia do

conduto e do quadro timpânico.

MIRINGOCENTESE

Na miringocentese, através da incisão das três camadas do tímpano,

estabelece-se uma comunicação entre a caixa do tímpano

e o conduto auditivo externo (Fig. 7.1).

Esta manobra, utilizada como complemento da terapêutica das

otites médias agudas e das otites crónicas a tímpano fechado,

tem como objectivo efectuar a drenagem e a ventilação do ouvido

médio.


| 153

FIG. 7.1

Miringocentese.

A) – O espéculo auricular possibilita uma boa iluminação

e exposição do tímpano; B) – Incisão radiária.


VII . BREVES NOÇÕES DA ABORDAGEM CIRÚRGICA DO TÍMPANO

COLOCAÇÃO DE TUBOS

TRANSTIMPÂNICOS

A colocação de um tubo transtimpânico tem por objectivo a manutenção

de uma abertura na membrana do tímpano que possibilite,

na sequência da miringocentese e da drenagem de

exsudados, assegurar o arejamento da caixa do tímpano.

Está actualmente reconhecido que a principal função destes

tubos é a ventilação, mais do que a drenagem, Gibb (1980). Com

o aumento da ventilação, o epitélio alterado do ouvido médio,

voltará gradualmente ao estado normal, apesar da disfunção da

Trompa de Eustáquio.

A grande vantagem deste acto terapêutico reside no facto de,

para além de permitir uma recuperação imediata da audição

após a remoção do conteúdo da caixa, promover a normalização

da mucosa do ouvido médio.

São múltiplos os factores que intervêm na resolução de uma otite

média crónica a tímpano fechado, ou otite com derrame e, como

é afirmado por Sade e Haley (1976), o tubo não é mais do que

um paliativo à disfunção tubária.

Os tubos inicialmente utilizados por Armstrong em 1954 eram de

vinil, com um diâmetro interno de 1,5 mm. Muitos dos utilizados

hoje em dia, são de polietileno, de teflon ou de silicone e têm habitualmente

um rebordo interno que evita a sua saída prematura,

e um externo que impede a sua queda para o interior da

caixa (Fig. 7.2-D).

De dimensões e morfologia variável, os diferentes modelos de

tubos, são muitas vezes conhecidos pelos nomes dos seus autores,

caso dos tubos de Armstrong, de Donaldson, de Paparella, de

Shepard, entre outros.

Em qualquer dos casos, a colocação dos tubos de ventilação na

membrana do tímpano, tal como a miringocentese, depende de

vários factores como a morfologia do conduto, as dimensões dos


| 155

quadrantes, a estrutura da lamina propria e ainda a velocidade

de migração do epitélio.

O quadrante póstero-superior é de todos o que apresenta melhores

condições de acesso e abordagem cirúrgica tendo, contudo,

vários inconvenientes que desaconselham a colocação de

um tubo transtimpânico. Com efeito, a lamina propria é constituída

em praticamente toda a sua extensão apenas pela camada

das fibras radiárias, não oferecendo o suporte necessário

para a manutenção de um tubo.

Há ainda a considerar as relações que estabelece com o nervo

da corda do tímpano, cadeia ossicular e nervo facial, que poderão

ser lesados com a miringocentese ou com a colocação do tubo.

No quadrante póstero-inferior, a lamina propria é constituída,

para além das fibras radiárias, por uma camada de fibras circulares

dispostas junto ao annulus, que ocupam cerca de um terço

da sua superfície, fornecendo-lhe uma resistência que não existe

no póstero-superior.

Das relações topográficas deste quadrante, não podemos deixar

de assinalar a janela redonda, que pode ser lesada.

No quadrante ântero-inferior, que tem a sua abordagem condicionada

pelas procidências das paredes anterior e inferior, a disposição

da lamina propria assegura melhores condições de

resistência, nomeadamente de suporte na colocação de tubos

transtimpânicos, do que em qualquer dos outros quadrantes já

abordados.

Assim, para além das fibras radiárias, as circulares ocupam

cerca de metade da sua superfície, pelo que o tubo fica suportado

por duas camadas de fibras, que fornecem um bom apoio

tanto ao rebordo interno como ao externo.

O quadrante ântero-inferior, apresenta ainda como vantagem o

facto de não estabelecer relações com a cadeia ossicular, com o

labirinto ou qualquer estrutura nervosa.


VII . BREVES NOÇÕES DA ABORDAGEM CIRÚRGICA DO TÍMPANO

A

B


| 157

C

D

FIG. 7.2

Colocação de tubos transtimpânicos.

A) – Incisão radiária; B) – Tímpano com tubo de ventilação;

C) – Arejamento da mucosa da caixa; D) Diferentes tipos

de tubos de ventilação.


VII . BREVES NOÇÕES DA ABORDAGEM CIRÚRGICA DO TÍMPANO

Em tímpanos sujeitos a fortes pressões negativas intratimpânicas,

o quadrante ântero-superior, tendo em conta a resistência

da sua camada fibrosa, constitui muitas vezes o único local onde

é possível colocar um tubo de ventilação.

Por outro lado, e como foi demonstrado por Alberti (1974), a migração

do tecido epitelial é mais lenta neste quadrante, factor

que retardará a expulsão do tubo.

A este nível, o tímpano apresenta ainda a vantagem de não relacionar

com qualquer estrutura intratimpânica, pois tanto o

nervo da corda do tímpano como a bolsa timpânica anterior se

situam apenas junto à prega timpanomaleolar anterior.

São três as sequelas que podem surgir como consequência da

colocação de um tubo de ventilação – a timpanosclerose, a perfuração

e mais raramente o colesteatoma.

A timpanosclerose aparece sobretudo sob a forma de pequenas

manchas isoladas, de cor branca e número variável, que

não atingem a periferia do tímpano.

Segundo McKinnon (1971), estas lesões surgem em 33% dos tímpanos,

nos quais haviam sido colocados tubos de ventilação.

Para Aguado e col. (1987), esta forma de timpanosclerose encontra-se

em 70,4% dos casos, atribuindo estes autores, o aumento

da incidência, à existência de patologia alérgica.

Não encontrámos, na bibliografia, unanimidade quanto ao facto

de ser apenas o tubo o agente desencadeante do processo, uma

vez que o fenómeno inflamatório, próprio da otite serosa, deverá

estar igualmente envolvido.

A perfuração do tímpano é sem dúvida menos frequente. Morgan

e col. (1985), de acordo com os resultados de um inquérito efectuado

em França, referem apenas 2% de perfurações residuais.

Estas perfurações, caso sejam de pequenas dimensões, acabam

muitas vezes por encerrar, pelo que a indicação de uma miringoplastia

não deve ser posta de imediato.


| 159

O aparecimento de um colesteatoma, se bem que descrito por

todos os autores como possível, é na realidade uma complicação

rara. Bastará para tal, que a epiderme após contornar os bordos

da perfuração, continue a sua migração na face interna do

tímpano, vencendo o conflito que se estabelece com a mucosa.




NA PRÁTICA

CLÍNICA

GUIA

DE DIAGNÓSTICO

E TRATAMENTO

2P10LVPCV03 CV/FEV 10/040

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