Arte e PaisagemEncontrosA paisagem, enquanto campo de investigação, assume caráter polissêmico. Distintas áreas do conhecimento como a geografia, a filosofia, as artes, aarquitetura e várias outras se apropriam desse termo para tratar de tópicos diversos, conferindo à categoria paisagem múltiplas atribuições, entendimentos esignificados. Têm-se, então, paisagens urbanas, paisagens contemporâneas, paisagens naturais… abordagens possíveis que reforçam ainda mais o aspectode incerteza sobre o significado dessa palavra.Tradicionalmente, a paisagem é um substantivo utilizado para se referir a uma porção do território alcançada em um lance visual. A origem do termo, noocidente, bem como sua percepção e seu entendimento estritamente ligado ao campo da visão muito se relacionam às manifestações artísticas do século XV,no período do Renascimento, sobretudo no que diz respeito à prática pictórica que representava a natureza e seus elementos. É consenso nos estudos sobreesse tema que antes disso não se pode dizer que havia uma noção já consolidada de acerca da paisagem em linhas terminológicas¹, não se poderia falar,então, em uma cultura da paisagem.Para Augustin Berque², considerar que a paisagem exista enquanto um conceito autônomo, estabelecido de forma mais consistente em determinada cultura énecessário atentar-se a alguns critérios que ele desenvolve em seus estudos. O autor elenca os seguintes itens para atestar a existência de uma culturapaisagística: 1. A existência de tratados sobre a paisagem; 2. A existência de termos capazes de designar essa noção; 3. A existência de representaçõesimagéticas; 4. A existência de jardins; 5. A existência de apreciações literárias do ambiente. (HOLZER, 2004, p.61).A arte exerceu influência não só na origem desse conceito bem como no modo como se destinam os olhares às realidades externas, à natureza. Em “A Invençãoda Paisagem” Anne Cauquelin³ explicita como, sob os artifícios da arte, a paisagem se tornou um construto e como a apreensão que se tem desse tema foipassado culturalmente ao longo das gerações como formas simbólicas. A paisagem seria uma herança. Com o avanço das técnicas de perspectiva na Idademoderna e a possibilidade de representar grandes extensões territoriais em duas dimensões, o contato com imagens de montanhas, oceanos, árvores seampliaria e seria capaz de direcionar o olhar da humanidade aos elementos naturais, guiar os dados perceptivos em direção a uma natureza bela, ordenada,que provoca êxtase, um processo que se perpetuaria ainda mais ao longo dos anos e que tornaria a paisagem um saber tácito.“Sentimento tanto mais poderoso quanto mais a memória subjetiva ligada àsimpressões da infância, à língua que falamos e ao contexto em que aprendemos adecifrar o mundo faz causa comum para objetivar a percepção. É difícil transpornossas aprendizagens, retornamos sempre ao Jardim perfeito, ao Rio, ao Oceano, àMontanha.” (CAUQUELIN, 2007, p.30)14
1CAUQUELIN, Anne. A invenção da paisagem. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 49.2Geógrafo orientalista considerado um importante nome no âmbito da Geografia Cultural Francesa, éprofessor da École des hautes études en sciences sociales em Paris e concentra seus estudos acerca dapaisagem, embasando-se em perspectivas fenomenológicas e entendendo-a enquanto um sistemproveniente das relações entre indivíduo e meio.3Anne Cauquelin é uma reconhecida crítica de arte, pintora, filósofa, escritora e docente, tendo já publicadas,durante a sua longa carreira, obras como As Teorias de Arte e A Invenção da Paisagem.15