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Carolina de Mattos Ricardo

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CAROLINA DE MATTOS RICARDO<br />

REGULAMENTAÇÃO, FISCALIZAÇÃO E CONTROLE<br />

SOBRE A SEGURANÇA PRIVADA NO BRASIL<br />

Dissertação <strong>de</strong> Mestrado<br />

apresentada ao Programa <strong>de</strong><br />

Pós-Graduação da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Direito, para obtenção do título<br />

<strong>de</strong> Mestre em Direito. Trabalho<br />

<strong>de</strong>senvolvido sob a orientação<br />

do Professor Doutor José<br />

Eduardo Faria.<br />

FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO<br />

São Paulo<br />

Dezembro <strong>de</strong> 2006


SUMÁRIO<br />

RESUMO .................................................................................................... 04<br />

AGRADECIMENTOS .............................................................................. 05<br />

APRESENTAÇÃO .................................................................................... 07<br />

CAPÍTULO 1 – DELIMITAÇÃO CONCEITUAL<br />

Segurança Privada: um conceito ................................................................. 11<br />

Diferentes Concepções <strong>de</strong> Estado e a Segurança Privada .......................... 12<br />

Policiamento no Estado centralizado ................................................................... 14<br />

Policiamento e a idéia <strong>de</strong> laissez-faire.................................................................. 16<br />

Uma perspectiva pluralista ................................................................................... 21<br />

Segurança Privada na Literatura Brasileira ................................................. 26<br />

Tipologia da Segurança Privada .................................................................. 33<br />

Mapa analítico do fenômeno ................................................................................ 36<br />

Tipologia do fenômeno ......................................................................................... 38<br />

Mo<strong>de</strong>lo Brasileiro ................................................................................................. 41<br />

CAPÍTULO 2 – REGULAMENTAÇÃO, FISCALIZAÇÃO E<br />

CONTROLE DO SETOR<br />

Levantamento e Análise da Legislação Relativa à Segurança Privada no Brasil<br />

..................................................................................................................... 44<br />

Definições legais ................................................................................................... 47<br />

Estrutura <strong>de</strong> Fiscalização e Controle da Segurança Privada no Brasil ....... 54<br />

Estrutura institucional <strong>de</strong> fiscalização e controle da segurança privada do<br />

Departamento da Polícia Fe<strong>de</strong>ral (DPF) .............................................................. 54<br />

Ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> fiscalização e controle da Polícia Fe<strong>de</strong>ral .................................... 58<br />

Outros mecanismos <strong>de</strong> fiscalização e controle .................................................... 62<br />

Análise da Regulamentação, Fiscalização e Controle do Setor .................. 67<br />

2


CAPÍTULO 3 – O PROBLEMA DA IRREGULARIDADE E DA<br />

ILEGALIDADE DO SETOR<br />

Panorama Atual da Segurança Privada no Brasil ......................................... 72<br />

O Mercado Irregular e Ilegal da Segurança Privada .................................... 75<br />

Especificida<strong>de</strong>s da participação <strong>de</strong> policiais na segurança privada ..................... 79<br />

Casos concretos <strong>de</strong> irregularida<strong>de</strong>s e ilegalida<strong>de</strong>s no setor da segurança privada ...<br />

........................................................................................................................................... 87<br />

CAPÍTULO 4 – CONCLUSÕES .............................................................. 93<br />

BIBLIOGRAFIA ........................................................................................ 98<br />

3


RESUMO<br />

Tradicionalmente, a segurança privada é tratada como um serviço que se expan<strong>de</strong> em<br />

virtu<strong>de</strong> da incapacida<strong>de</strong> do Estado em promover segurança pública. No entanto, cada vez<br />

mais as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> segurança privada se consolidam como parte do setor <strong>de</strong> serviços,<br />

inseridas na lógica <strong>de</strong> mercado, para as quais há <strong>de</strong>manda suficiente para seu crescimento e<br />

fortalecimento. No Brasil esse mercado tem crescido constantemente, o que gera a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> compreendê-lo melhor. Esse estudo discute a segurança privada e o papel<br />

do Estado no provimento da segurança e na regulação do setor da segurança privada, sob a<br />

ótica do pluralismo. É feita a análise <strong>de</strong> toda a estrutura <strong>de</strong> regulação existente sobre<br />

segurança privada no país, bem como <strong>de</strong> suas lacunas. São estudados também os principais<br />

problemas vividos pelo setor: empresas clan<strong>de</strong>stinas, participação <strong>de</strong> policiais e crimes<br />

cometidos durante a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> segurança privada. Por fim, são apresentadas propostas<br />

que po<strong>de</strong>m contribuir para o aperfeiçoamento da regulação sobre o setor.<br />

Palavras-chave: segurança privada; pluralismo; regulação; <strong>de</strong>mocracia<br />

ABSTRACT<br />

Traditionally, the private security is treated as a service that grows due to the incapacity of<br />

the State in promoting public security. However, private security has become part of the<br />

service sector, inserted in the economic logic. There are enough <strong>de</strong>mands for its growth. In<br />

Brazil this sector has grown constantly and it is important to un<strong>de</strong>rstand it better. This study<br />

aim to discuss private security sector and the paper of the State in promote security and the<br />

regulation of private security sector, un<strong>de</strong>r the optics of pluralism. There is also the<br />

discussion about the structure of existing regulation on private security in Brazil, as well as<br />

its gaps. The main problems in the sector are also studied: clan<strong>de</strong>stine companies,<br />

participation of police officers, and crimes committed during activity of private security.<br />

Finally, proposals are presented to contribute for the <strong>de</strong>velopment of the regulation of the<br />

sector.<br />

Key words: private security; pluralism; regulation; <strong>de</strong>mocracy<br />

4


AGRADECIMENTOS<br />

Esse estudo nasceu do meu envolvimento com a segurança pública e todo o trabalho<br />

que venho realizando <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ste tema <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2001. Nasceu da preocupação com a<br />

construção <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> em que a segurança seja efetivamente <strong>de</strong>mocrática e eficiente<br />

e garantida como um direito social a todas as pessoas, sem distinção.<br />

Foi um episódio vivido por mim em uma praia do litoral paulista, ao ser abordada<br />

<strong>de</strong> forma bastante truculenta por seguranças <strong>de</strong> um condomínio, que <strong>de</strong>spertou a<br />

inquietação em tentar enten<strong>de</strong>r como essa forma <strong>de</strong> segurança, fornecida por atores<br />

privados, se <strong>de</strong>senvolve no país e quais são os seus limites e <strong>de</strong> que forma ela po<strong>de</strong><br />

contribuir ou dificultar a construção <strong>de</strong> uma política <strong>de</strong> segurança pública, <strong>de</strong>mocrática e<br />

eficiente.<br />

O <strong>de</strong>safio para a elaboração <strong>de</strong>sse estudo foi gran<strong>de</strong>. Trabalhar e estudar ao mesmo<br />

tempo é tarefa sempre muito complicada, pois o tempo e o ritmo do trabalho são muito<br />

diferentes daqueles necessários para reflexão e produção acadêmica e os momentos <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sânimo foram gran<strong>de</strong>s. Mas eu sempre soube que chegaria até o fim. Espero po<strong>de</strong>r, com<br />

este estudo, contribuir para a construção do conhecimento sobre a segurança privada, tema<br />

que tem <strong>de</strong>spertado cada vez mais interesse acadêmico.<br />

Assim, a realização <strong>de</strong>sse estudo só foi possível em virtu<strong>de</strong> do apoio <strong>de</strong> pessoas<br />

muito queridas, às quais gostaria <strong>de</strong> registrar meu profundo agra<strong>de</strong>cimento.<br />

Ao professor José Eduardo Faria, que aceitou o trabalho <strong>de</strong> orientar uma aluna que é<br />

um misto <strong>de</strong> advogada e cientista social, além <strong>de</strong> militante <strong>de</strong> direitos humanos.<br />

Ao gran<strong>de</strong> amigo e referência profissional, Paulo Mesquita, com quem trabalhei e<br />

aprendi muito em todo o meu percurso acadêmico e profissional e que me ajudou <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

início da elaboração do projeto até o final do estudo, e com quem sempre contei e sei que<br />

posso continuar contando.<br />

5


Ao amigo Renato Lima, que leu, comentou e me incentivou num momento crucial<br />

da produção do trabalho. Aos amigos André Zanetic, Viviane Cubas e Vanessa Cortes, com<br />

quem, além do interesse pelo tema, compartilhei textos e informações fundamentais para a<br />

elaboração do estudo. À amiga Haydée Caruso que, sem saber, me estimulou imensamente<br />

a seguir até o fim.<br />

A meu pai, por todo carinho sempre dado. Ao André, meu amor e companheiro <strong>de</strong><br />

todas as horas e que me apoiou muito e durante todo o tempo nessa empreitada. E à minha<br />

mãe, que nunca me <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong>sistir e que me dá muita força e muito amor para continuar,<br />

sempre...<br />

<strong>Carolina</strong> <strong>de</strong> <strong>Mattos</strong> <strong>Ricardo</strong><br />

São Paulo, 15 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2006<br />

6


APRESENTAÇÃO<br />

A <strong>de</strong>mocracia transformou<br />

profundamente a maneira pela qual<br />

incumbe hoje ao Estado ser esse<br />

representante da unida<strong>de</strong> nacional. Ela<br />

passou a exigir <strong>de</strong>le ao mesmo tempo<br />

menos, e mais. Menos, no sentido <strong>de</strong><br />

que ele <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser no essencial um<br />

elemento <strong>de</strong> regulação autoritária.<br />

Mais, porque ele tem hoje novas<br />

funções a cumprir, e porque é<br />

imperativo que as cumpra <strong>de</strong> forma<br />

diferente do passado. (PERALVA,<br />

2000, p. 23)<br />

O objetivo <strong>de</strong>sta dissertação é propor uma reflexão mais aprofundada e<br />

problematizar o setor da segurança privada no Brasil, à luz da sua estrutura <strong>de</strong> regulação -<br />

ou seja, regulamentação, fiscalização e controle - e do problema da irregularida<strong>de</strong> e<br />

ilegalida<strong>de</strong> do setor, que causam gran<strong>de</strong> prejuízo, além <strong>de</strong> colocar em risco a vida e a<br />

integrida<strong>de</strong> física das pessoas.<br />

Tradicionalmente, a segurança privada é tratada como um serviço que se expan<strong>de</strong><br />

em virtu<strong>de</strong> da incapacida<strong>de</strong> do Estado em promover segurança pública, sendo esta a<br />

principal forma pela qual se manifesta o monopólio legítimo da força física. No entanto,<br />

cada vez mais as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> segurança privada consolidam-se como parte do setor <strong>de</strong><br />

serviços, inseridas na lógica <strong>de</strong> mercado, para as quais há <strong>de</strong>manda suficiente para seu<br />

crescimento e fortalecimento. A discussão cujo foco centrava-se numa questão <strong>de</strong> soberania<br />

e sobre o papel do Estado passa a se dar no âmbito da economia e da prestação <strong>de</strong> serviços.<br />

Tais serviços <strong>de</strong> segurança têm crescido vertiginosamente nos últimos anos. Estudos<br />

apontam que, entre 1985 e 1995, “mais que dobrou o pessoal ocupado em empresas <strong>de</strong><br />

vigilância e guarda no Brasil” (MUSUMECI, 1998, p.49), correspon<strong>de</strong>ndo a um aumento<br />

<strong>de</strong> 112%, valor muito superior ao do setor <strong>de</strong> serviços, que cresceu 43% no mesmo período<br />

7


(MUSUMECI, 1998), além <strong>de</strong> ter havido um gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico para<br />

aprimorar e expandir esses serviços. Essa ampliação do setor tem se dado,<br />

fundamentalmente, num cenário em que o crime e a violência e, principalmente, o medo do<br />

crime e da violência têm atingido cada vez mais as pessoas. Esse cenário é composto<br />

também pela <strong>de</strong>scrença na capacida<strong>de</strong> do Estado <strong>de</strong> promover segurança e pelo recurso a<br />

formas privadas <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> questões públicas. Trata-se, portanto, <strong>de</strong> um serviço que<br />

cresce e se fortalece na medida em que as pessoas sentem mais medo, a criminalida<strong>de</strong><br />

aumenta e que a polícia não dá conta <strong>de</strong> controlá-la.<br />

No entanto, além <strong>de</strong>sse cenário negativo que contribui para a expansão do setor, é<br />

preciso ter em conta dois pontos: que existem <strong>de</strong>mandas por segurança que não cabem ao<br />

Estado respon<strong>de</strong>r e que a segurança privada é criada e regulamentada pela lei, ou seja, é um<br />

serviço legal e estruturado <strong>de</strong>ntro dos mecanismos institucionais do Estado brasileiro.<br />

Verifica-se, então, uma ambigüida<strong>de</strong>. De um lado, tem-se um serviço <strong>de</strong> segurança<br />

privada inserido na lógica do mercado, criado e regulamentado por lei, que supre <strong>de</strong>mandas<br />

específicas <strong>de</strong> segurança e que está cada vez mais presente nas ruas das cida<strong>de</strong>s, nos<br />

edifícios, nos condomínios, nas vilas, nas empresas e nos bancos e que, em alguma medida,<br />

fornece segurança e ajuda a acalmar o medo tão crescente na realida<strong>de</strong> brasileira. De outro<br />

lado, trata-se <strong>de</strong> um serviço que também acarreta mais medo e insegurança, uma vez que<br />

lida com situações <strong>de</strong> tensão, <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconfiança, <strong>de</strong> violência e <strong>de</strong> crimes, exercendo uma<br />

ativida<strong>de</strong> que se confun<strong>de</strong> com o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> polícia do Estado e para o qual não há um<br />

mecanismo <strong>de</strong> regulação organizado e estruturado, contando com funcionários (armados ou<br />

não) sobre os quais não se tem clareza das responsabilida<strong>de</strong>s, dos limites para atuação e<br />

nem da sua formação.<br />

Além <strong>de</strong>ssa ambigüida<strong>de</strong>, é um serviço que permite uma relação confusa entre o<br />

público e o privado, já que é notório o fato <strong>de</strong> que policiais se envolvem com ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

segurança privada, seja realizando o “bico”, seja ocupando cargos <strong>de</strong> direção em empresas<br />

<strong>de</strong> segurança.<br />

8


O estudo realizado por Musumeci (1998, p. 50) apresenta o seguinte diagnóstico<br />

sobre os problemas do setor:<br />

Os problemas específicos que a literatura sinaliza no sistema norteamericano<br />

(afora as questões <strong>de</strong> fundo relativas à privatização da segurança,<br />

comuns a todos os países) reproduzem-se no Brasil <strong>de</strong> modo muito mais<br />

dramático: baixa escolarida<strong>de</strong> da mão <strong>de</strong> obra recrutada, treinamento<br />

precário ou inexistente, proliferação <strong>de</strong> serviços clan<strong>de</strong>stinos e falta <strong>de</strong><br />

controle sobre o <strong>de</strong>sempenho rotineiro das ativida<strong>de</strong>s legais <strong>de</strong> vigilância<br />

privada.<br />

É bastante inquietante, portanto, o fato <strong>de</strong> um serviço criado para garantir a<br />

segurança das pessoas ser tão permeado por ambigüida<strong>de</strong>s e por problemas concretos <strong>de</strong><br />

irregularida<strong>de</strong>s e ilegalida<strong>de</strong>s. Diante <strong>de</strong>ssa inquietu<strong>de</strong>, são postas perguntas fundamentais:<br />

como regular um serviço <strong>de</strong>ssa natureza? Os mecanismos <strong>de</strong> regulamentação, fiscalização e<br />

controle existentes são suficientes para um serviço com tantas ambigüida<strong>de</strong>s? Há<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> propor alguma mudança na forma e funcionamento <strong>de</strong>sses mecanismos? As<br />

empresas clan<strong>de</strong>stinas, a participação dos policiais nos serviços <strong>de</strong> segurança privada e os<br />

atos <strong>de</strong> violência arbitrária praticados por vigilantes têm sido <strong>de</strong>vidamente controlados?<br />

Para tentar respon<strong>de</strong>r tais questões e lidar com essa “dupla face” da segurança<br />

privada é que o presente trabalho foi elaborado. Assim, procurar compreen<strong>de</strong>r as<br />

possibilida<strong>de</strong>s efetivas <strong>de</strong> regulação que o Estado brasileiro po<strong>de</strong> exercer e analisar as<br />

formas atuais existentes sobre o setor correspon<strong>de</strong>m a uma maneira <strong>de</strong> avaliar se a<br />

regulação existente é ou não suficiente e, nesta segunda hipótese, tentar enten<strong>de</strong>r on<strong>de</strong> estão<br />

essas insuficiências e quais sãos as formas possíveis para aprimorá-las. A hipótese inicial<br />

<strong>de</strong>ste trabalho é <strong>de</strong> que a estrutura <strong>de</strong> regulamentação, fiscalização e controle existente<br />

sobre a segurança privada no Brasil é insuficiente e po<strong>de</strong> ser aperfeiçoada. A partir do<br />

entendimento <strong>de</strong> que a segurança privada é um setor <strong>de</strong> serviços que <strong>de</strong>ve ser<br />

rigorosamente regulado, será feita a análise dos mecanismos <strong>de</strong> regulação e a avaliação<br />

sobre sua suficiência ou não.<br />

9


Para tanto, este estudo está estruturado em três capítulos e uma conclusão. O<br />

primeiro apresenta um levantamento teórico sobre a segurança privada, seguindo duas<br />

linhas principais: a primeira procura problematizar a segurança privada a partir dos<br />

diferentes mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> Estado, tanto na literatura estrangeira como na nacional; a segunda,<br />

mais <strong>de</strong>scritiva e conceitual, busca construir o mo<strong>de</strong>lo dos serviços <strong>de</strong> segurança no Brasil<br />

a partir <strong>de</strong> uma tipologia <strong>de</strong>senvolvida por uma pesquisadora norte-americana. No segundo<br />

capítulo, são <strong>de</strong>scritas e analisados todos os tipos <strong>de</strong> mecanismos <strong>de</strong> regulação -<br />

regulamentação, fiscalização e controle - existentes sobre a segurança privada no país. No<br />

terceiro capítulo, apresentam-se três principais problemas que envolvem o setor: as<br />

empresas clan<strong>de</strong>stinas; o envolvimento <strong>de</strong> policiais; e as arbitrarieda<strong>de</strong>s cometidas pelos<br />

vigilantes. Por fim, uma conclusão é elaborada buscando construir propostas a partir da<br />

análise da estrutura <strong>de</strong> regulação e dos principais problemas vividos pelo setor.<br />

Para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ste estudo, foi realizado um amplo levantamento<br />

bibliográfico sobre o tema tanto na literatura estrangeira, predominantemente norteamericana<br />

e cana<strong>de</strong>nse, como na nacional, o que serviu para subsidiar a construção teórica<br />

e a problematização em torno da segurança privada ao longo <strong>de</strong> todo o trabalho. Foi<br />

também realizado um levantamento estatístico e da estrutura da Polícia Fe<strong>de</strong>ral, a partir das<br />

informações divulgadas pelo Departamento da Polícia Fe<strong>de</strong>ral, para auxiliar a análise sobre<br />

o exercício da fiscalização e controle realizado sobre o setor no país. Por fim, foram<br />

coletados casos emblemáticos <strong>de</strong> irregularida<strong>de</strong>s e ilegalida<strong>de</strong>s divulgados na mídia<br />

impressa sobre segurança privada, para ilustrar os principais problemas encontrados e<br />

contribuir para a análise dos mecanismos <strong>de</strong> regulação.<br />

10


CAPITULO 1 - DELIMITAÇÃO CONCEITUAL<br />

Segurança Privada: um conceito<br />

Na elaboração <strong>de</strong> um estudo sobre segurança privada no Brasil, é fundamental<br />

<strong>de</strong>limitar com clareza o conceito que <strong>de</strong>fine e baliza o que po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado um serviço<br />

<strong>de</strong> segurança privada, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> duas razões principais. A primeira refere-se ao fato <strong>de</strong><br />

a segurança privada ser um fenômeno que po<strong>de</strong> se manifestar e ser entendida <strong>de</strong> diferentes<br />

formas, como, por exemplo, a privatização das próprias forças públicas <strong>de</strong> segurança, a<br />

alocação privada <strong>de</strong> recursos públicos <strong>de</strong> segurança, a contratação <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> segurança<br />

por atores públicos ou privados, entre outras. Além <strong>de</strong>ssas possibilida<strong>de</strong>s, há ainda um<br />

variado rol <strong>de</strong> tipos <strong>de</strong> serviços que po<strong>de</strong>m ou não se enquadrar no conceito <strong>de</strong> segurança<br />

privada que for adotado, como, por exemplo, transporte <strong>de</strong> valores, investigação privada,<br />

vigilância, segurança pessoal, equipamentos <strong>de</strong> segurança eletrônica, entre outros.<br />

A segunda razão é que, no Brasil, quem estabelece a <strong>de</strong>finição legal sobre o que são<br />

serviços <strong>de</strong> segurança privada é a legislação fe<strong>de</strong>ral. No entanto, é possível verificar, a<br />

partir da análise empírica e dos estudos produzidos sobre o tema, que há uma série <strong>de</strong><br />

formas pelas quais são prestados serviços privados <strong>de</strong> segurança que não se enquadram<br />

nessa legislação, mas que, no entanto, existem e têm gran<strong>de</strong> impacto para o setor.<br />

Assim, no presente estudo, será utilizada uma <strong>de</strong>limitação conceitual mais ampla<br />

do que aquela prevista na legislação brasileira, o que possibilitará uma análise crítica sobre<br />

essas diferentes formas <strong>de</strong> segurança privada, que existem na realida<strong>de</strong>, mas não são<br />

regidas pela legislação sobre segurança privada no país.<br />

Neste estudo, a segurança privada é entendida como um serviço legal prestado por<br />

empresas privadas, mediante remuneração, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contribuir para aumentar a<br />

segurança e a sensação <strong>de</strong> segurança, protegendo as pessoas e patrimônios e partir do<br />

fornecimento <strong>de</strong> equipe capacitada e <strong>de</strong> equipamentos <strong>de</strong> proteção, como alarmes, câmeras<br />

<strong>de</strong> monitoramento, entre outros. Assim, a segurança privada é entendida como uma<br />

11


ativida<strong>de</strong> que movimenta a economia e que, portanto, está inserida na lógica do mercado.<br />

Além dos serviços regulares prestados por empresas, serão também consi<strong>de</strong>radas ativida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> segurança privada, aquelas realizadas por vigias autônomos, ainda que irregulares do<br />

ponto <strong>de</strong> vista da legislação fe<strong>de</strong>ral sobre segurança privada. Também outros tipos <strong>de</strong><br />

ativida<strong>de</strong>s não estatais que promovam segurança, como a segurança comunitária realizada<br />

por <strong>de</strong>terminados grupos em suas comunida<strong>de</strong>s, compõem o conceito utilizado no presente<br />

estudo.<br />

Para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ste trabalho, é preciso ainda diferenciar os serviços <strong>de</strong><br />

segurança privada legais, os irregulares e os serviços ilegais. O conceito utilizado engloba<br />

ativida<strong>de</strong>s legais, prestadas por empresas e regidas pela lei fe<strong>de</strong>ral, e ativida<strong>de</strong>s irregulares,<br />

não regidas pela lei da segurança privada, como aquelas <strong>de</strong>senvolvidas por vigias<br />

autônomos e por grupos comunitários. Também serão discutidos outros tipos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s<br />

irregulares, como as empresas clan<strong>de</strong>stinas e a participação <strong>de</strong> policiais na segurança<br />

privada, e ainda ativida<strong>de</strong>s ilegais, que existem quando há ocorrência <strong>de</strong> crimes durante o<br />

exercício, regular ou irregular, da segurança privada.<br />

Diferentes Concepções <strong>de</strong> Estado e a Segurança Privada<br />

Não é objetivo <strong>de</strong>ste estudo realizar a construção da história da segurança privada<br />

no Brasil e no mundo. No entanto, é preciso abordar as transformações históricas na<br />

concepção <strong>de</strong> Estado, para se analisar como a segurança privada relaciona-se com o Estado<br />

atualmente. Há entre eles uma contradição necessária? Ou é possível que serviços <strong>de</strong><br />

segurança privada convivam com o Estado Democrático <strong>de</strong> Direito? Aceitando a segunda<br />

hipótese, é preciso relacionar as diferentes formas <strong>de</strong> Estado e a relação <strong>de</strong>stas com o<br />

monopólio legítimo da força física e da responsabilida<strong>de</strong> por prover segurança às pessoas.<br />

Foi a transformação ocorrida na maneira <strong>de</strong> conceber o Estado que possibilitou a aceitação<br />

dos serviços privados <strong>de</strong> segurança como legítimos e não contrários ao Estado.<br />

12


O professor Clifford Shearing, criminologista cana<strong>de</strong>nse, 1 trabalhou profundamente<br />

o tema da relação entre o policiamento público e privado na perspectiva histórica do século<br />

XX, fazendo uma interessante relação com três perspectivas <strong>de</strong> Estado: o centralizado, a<br />

laissez faire e a pluralista. Em seu texto A relação entre policiamento público e<br />

policiamento privado, Shearing (2003) trabalha a relação entre segurança privada e os<br />

diferentes mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> Estado e como a crescente aceitação a esse tipo <strong>de</strong> policiamento<br />

privado foi se <strong>de</strong>senvolvendo ao longo <strong>de</strong> um processo histórico-político, particularmente<br />

na América do Norte. O trabalho <strong>de</strong> Shearing analisa a realida<strong>de</strong> norte-americana, mas<br />

partindo do pressuposto <strong>de</strong> que, <strong>de</strong> uma forma geral, as transformações entre os diferentes<br />

mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> Estado são observadas em diversos outros países. Assim, sendo uma tendência<br />

geral no mundo oci<strong>de</strong>ntal e servindo para ajudar a enten<strong>de</strong>r a relação entre Estado e<br />

segurança privada no Brasil, o trabalho <strong>de</strong>ste autor será utilizado para subsidiar o presente<br />

estudo.<br />

Introdutoriamente, Shearing caracteriza a função <strong>de</strong> policiamento como uma forma<br />

<strong>de</strong> manutenção ampla da paz. Essa maneira <strong>de</strong> conceber policiamento procura respon<strong>de</strong>r à<br />

idéia <strong>de</strong> que o termo significaria exclusivamente polícia pública e que equipararia<br />

perfeitamente à concepção <strong>de</strong> controle. Assim, para o autor, o policiamento tem a função <strong>de</strong><br />

garantir e promover a paz <strong>de</strong> uma forma mais ampla e, portanto, a segurança das pessoas<br />

como uma “base da or<strong>de</strong>m”, da qual <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m, inclusive, outras or<strong>de</strong>ns, como, por<br />

exemplo, a or<strong>de</strong>m do mercado financeiro. Dessa forma, para garantir tal proteção que trará<br />

a paz, há múltiplos fiadores da paz, estatais e não-estatais.<br />

Shearing prossegue sua análise tecendo algumas consi<strong>de</strong>rações sobre a distinção<br />

entre o público e o privado que foi permeando a constituição do mundo social em termos <strong>de</strong><br />

consciência política e sobre a existência da face pública e da face privada também da<br />

ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> policiamento. 2 O autor cita Gid<strong>de</strong>ns e sustenta que o Estado Nacional<br />

1 Shearing é pesquisador senior do Centro <strong>de</strong> Criminologia da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Toronto (<strong>de</strong> on<strong>de</strong> foi diretor<br />

entre 1993 e 1998). É professor do Australian National University, da University of Toronto e da University<br />

of the Western Cape. Sua especialida<strong>de</strong> é o tema da “gestão da segurança”.<br />

2 A discussão sobre a formação dos “mundos público e privado” é amplamente feita no Brasil também.<br />

Gilberto Freyre (2001, 2000) e Sérgio Buarque <strong>de</strong> Holanda (1979) apresentam a constituição do mundo<br />

público e do mundo privado no Brasil e as implicações <strong>de</strong>ssa constituição sobre a forma pela qual tudo o que<br />

13


sobressaiu e acabou sendo o responsável pela manutenção da or<strong>de</strong>m. “Com o passar do<br />

tempo, uma <strong>de</strong>ssas esferas, o Estado Nacional, obteve supremacia sobre a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong><br />

ambas as esferas. Ele se auto<strong>de</strong>finiu como o fiador insuperável da or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>ntro das<br />

fronteiras territoriais <strong>de</strong>finidas pelas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> estados.” (GIDDENS, 1987 apud<br />

SHEARING, 2003, p. 430).<br />

Assim, a partir do pressuposto <strong>de</strong> que o Estado passou a ser o principal responsável<br />

pela manutenção da or<strong>de</strong>m, Shearing <strong>de</strong>screve as três concepções - a centrada no Estado, a<br />

laissez faire e a pluralista - para explicar a relação com a segurança privada em cada uma<br />

<strong>de</strong>las.<br />

Policiamento no Estado centralizado<br />

Shearing chama <strong>de</strong> “nova polícia” a polícia pública que foi se constituindo com a<br />

consolidação dos Estados nacionais. A “nova polícia” materializou o controle estatal em<br />

que as garantias privadas da paz foram sendo substituídas pela responsabilida<strong>de</strong> pública na<br />

tarefa <strong>de</strong> manter a paz.<br />

Sob a ótica do Estado centralizado, o policiamento privado foi um precursor do<br />

policiamento público quando não havia um Estado forte o suficiente para constituir essa<br />

“nova polícia” e, portanto, para garantir a paz <strong>de</strong> forma eficiente.<br />

As formas <strong>de</strong> policiamento privado que existiam antes da consolidação dos Estados<br />

nacionais apresentaram inúmeros problemas, como, por exemplo, a existência <strong>de</strong><br />

organizações corruptas que cobravam taxas ilegais, limitando o acesso ao serviço a quem<br />

pu<strong>de</strong>sse pagar, e a presença dos “salafrários”, que ganhavam dinheiro sobre bens por eles<br />

roubados e <strong>de</strong>pois vendidos para as próprias vítimas. Dessa forma, “a compreensão<br />

histórica do surgimento <strong>de</strong> um policiamento público mo<strong>de</strong>rno, como a forma <strong>de</strong><br />

policiamento mais satisfatória, tanto expressa a criação <strong>de</strong> uma consciência política <strong>de</strong><br />

é público opera no Brasil, sempre com uma forte influência da esfera privada. Sobre a relação entre o público<br />

e o privado, especificamente na segurança privada, ver Cubas (2005).<br />

14


Estado-centralizado, que consi<strong>de</strong>rava a manutenção privada da paz como sendo suspeita e<br />

lhe era hostil, mas também contribui para isso.” (ROCK, 1983 apud SHEARING, 2003, p.<br />

432).<br />

O aumento do controle estatal foi um processo consi<strong>de</strong>rado positivo. Nos Estados<br />

Unidos, por exemplo, foram elaborados relatórios por comitês compostos por membros do<br />

Senado e do Congresso críticos em relação às práticas <strong>de</strong> policiamento das companhias <strong>de</strong><br />

mineração e ferrovias, especificamente sobre as formas extremamente arbitrárias <strong>de</strong><br />

tratamento da mão-<strong>de</strong>-obra. Esses relatórios públicos criticavam o uso da força pelas<br />

corporações para estabelecer e manter uma or<strong>de</strong>m que promovia seus interesses privados,<br />

na forma <strong>de</strong> um verda<strong>de</strong>iro “exército privado”. Estes comitês insistiam que apenas o Estado<br />

tinha condições <strong>de</strong> promover o interesse público.<br />

Foi afirmado que o policiamento, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um Estado mo<strong>de</strong>rno, era<br />

fundamentalmente, uma responsabilida<strong>de</strong> do governo público. O<br />

policiamento era apresentado, em termos essencialmente weberianos, como<br />

sendo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, no final das contas, do uso da força como um recurso.<br />

Este recurso, argumentava-se, <strong>de</strong>veria ser monopolizado pelo governo<br />

público e, <strong>de</strong> acordo com isto, <strong>de</strong>veria ser usado somente sob a autorização<br />

e controle do Estado (SHEARING, 2003, p. 433).<br />

Nesse momento, a relação entre o policiamento público e o privado era clara:<br />

enquanto a força pública salvaguardava e agia em nome do interesse público, a privada agia<br />

em sentido oposto, <strong>de</strong> forma contrária a esse interesse. O <strong>de</strong>senvolvimento da segurança<br />

privada nesse momento <strong>de</strong>u-se em função da incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> os governos protegerem<br />

efetivamente os cidadãos, ou seja, ela <strong>de</strong>senvolveu-se no vácuo do Estado. Um trecho do<br />

relatório do Senado norte-americano <strong>de</strong> 1971 registra literalmente que “A polícia privada<br />

tornou-se necessária quando as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> policiamento dos proprietários, para<br />

proteger suas proprieda<strong>de</strong>s contra furtos e vandalismos, exce<strong>de</strong>ram os limites <strong>de</strong> cobertura<br />

oferecidos pela polícia pública.” (UNITED STATES COMMITTEE ON EDUCATION<br />

AND LABOUR, 1971, apud SHEARING, 2003, p. 434).<br />

15


Assim, o fenômeno do policiamento privado, no contexto do Estado centralizado,<br />

foi interpretado como algo contrário ao interesse público, uma vez que, segundo esse<br />

entendimento, a polícia privada agia em <strong>de</strong>fesa do interesse e proprieda<strong>de</strong> dos particulares,<br />

funcionando como instrumento <strong>de</strong> competição econômica, por meio do uso da força, cujo<br />

monopólio era o próprio fundamento <strong>de</strong>sse Estado centralizado. Havia algumas poucas<br />

funções aceitáveis para o policiamento privado, que se enquadravam na idéia <strong>de</strong> auto<strong>de</strong>fesa<br />

legítima, em oposição aos exércitos privados ilegítimos encontrados então.<br />

O que justificava essa idéia <strong>de</strong> auto<strong>de</strong>fesa era o ponto <strong>de</strong> vista liberal, que<br />

sustentava que a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se exercer a auto<strong>de</strong>fesa legítima era também uma forma<br />

<strong>de</strong> colocar algum limite ao po<strong>de</strong>r do Estado. Nas palavras <strong>de</strong> Shearing (2003, p. 436):<br />

Permitindo às corporações agir como governos privados, que <strong>de</strong>finem e<br />

mantém a paz, conce<strong>de</strong>u-se à esfera privada autonomia <strong>de</strong>mais; já o outro<br />

extremo, da eliminação da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “vigias” privados, <strong>de</strong>struiria os<br />

limites do po<strong>de</strong>r governamental, tão crítico para a concepção liberal <strong>de</strong><br />

Estado.<br />

Policiamento e a idéia <strong>de</strong> laissez-faire<br />

Depois da primeira meta<strong>de</strong> do século XX, em que o policiamento privado viveu<br />

uma fase <strong>de</strong> profundo <strong>de</strong>sprestígio, começou a haver uma forte expansão <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong><br />

serviço. Por volta <strong>de</strong> 1970, o policiamento privado passou a entrar no <strong>de</strong>bate e foram<br />

realizadas pesquisas tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos sobre o tema.<br />

Uma importante referência sobre o tema foi o relatório RAND, produzido nos<br />

Estados Unidos, o qual:<br />

(...) não só argumentou que o policiamento privado estava vivo, saudável e<br />

era encontrado em todo os Estados Unidos, mas também que o<br />

policiamento privado, especialmente a segurança contratada, era uma<br />

‘indústria’, fornecendo um ’serviço’. Aquela imagem do policiamento<br />

16


privado como exércitos privados, <strong>de</strong>safiando a autorida<strong>de</strong> do Estado foi<br />

substituída por uma do policiamento privado como sendo apenas uma outra<br />

indústria fornecedora <strong>de</strong> serviços ao público. O policiamento foi elaborado<br />

como uma commodity que tanto a iniciativa privada como o Estado<br />

po<strong>de</strong>riam fornecer com eficiência. Assim o relatório RAND transformou o<br />

tema do policiamento, público ou privado, <strong>de</strong> uma questão <strong>de</strong> política e<br />

soberania, a ser respondida em termos absolutos, em um tema <strong>de</strong> economia<br />

e eficiência, a ser tratado em termos <strong>de</strong> equilíbrio, proporção e grau (Lan<strong>de</strong>s<br />

e Posner, 1975; Kraakman, 1986). Em outras palavras, a questão do<br />

relacionamento entre o policiamento público e o privado se tornou,<br />

essencialmente, uma questão do modo mais eficiente <strong>de</strong> fornecer serviços<br />

<strong>de</strong> policiamento (SHEARING, 2003, p. 438).<br />

O que os autores do relatório RAND, Kakalik e Wildhorn (1972), <strong>de</strong> fato fizeram<br />

foi mudar os termos do <strong>de</strong>bate, afirmando que o crescimento do policiamento privado não<br />

ameaçava o monopólio do Estado sobre a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> paz, especialmente porque, segundo<br />

esses autores, o policiamento privado apenas materializava a auto<strong>de</strong>fesa, sendo que a<br />

principal função <strong>de</strong>sses agentes era prevenir, <strong>de</strong>tectar e relatar atos criminosos em<br />

proprieda<strong>de</strong>s privadas, controlar o acesso a elas, aplicar as regras dos empregadores<br />

privados e ainda fornecer segurança contra as perdas por fogo ou falha em equipamentos.<br />

Assim, foi construída a idéia <strong>de</strong> que havia uma complementarieda<strong>de</strong> entre os policiamentos<br />

público e privado, que nas palavras <strong>de</strong> Shearing (2003, p.439), po<strong>de</strong> ser assim <strong>de</strong>scrita:<br />

“Essa transformação do policiamento privado <strong>de</strong> uma ameaça em um lucro foi completada<br />

pela conceituação da polícia privada como um parceiro júnior no negócio <strong>de</strong> policiamento,<br />

que estava trabalhando para ajudar seu parceiro sênior, a polícia pública, na manutenção da<br />

paz.”<br />

Depois do relatório RAND, foi publicado, em meados dos anos 80, pelo<br />

Departamento <strong>de</strong> Justiça dos Estados Unidos, um outro estudo sobre o tema, preparado pela<br />

Hallcrest Corporation. Nesse relatório, a segurança privada aparecia ainda mais como uma<br />

commodity, sendo um serviço produzido por uma indústria relacionada com o crime e com<br />

o medo do crime. Nesse trabalho, seus autores, Cunninghan e Taylor, utilizaram três<br />

17


estratégias para respon<strong>de</strong>r às críticas que eram feitas ao policiamento privado e para<br />

sustentar sua necessida<strong>de</strong>, eficiência e legitimida<strong>de</strong>: ampliaram a idéia trazida pelo RAND,<br />

<strong>de</strong> complementarieda<strong>de</strong> entre os dois policiamentos; respon<strong>de</strong>ram às preocupações sobre as<br />

implicações da segurança privada nas liberda<strong>de</strong>s civis; e argumentaram contra a resistência<br />

da polícia pública em relação à polícia privada.<br />

Para ampliar a idéia <strong>de</strong> complementarieda<strong>de</strong> entre os dois tipos <strong>de</strong> policiamento, foi<br />

construído o argumento <strong>de</strong> que, na verda<strong>de</strong>, as ativida<strong>de</strong>s da segurança privada acabavam<br />

sendo muito parecidas com a da polícia pública, <strong>de</strong> combate ao crime. Assim, em vez <strong>de</strong><br />

sustentar que a polícia privada centrava seu foco na auto<strong>de</strong>fesa, como fez o relatório<br />

RAND, esse segundo relatório equiparou as ativida<strong>de</strong>s dos dois tipos <strong>de</strong> policiamento e,<br />

assim, os colocou como parceiros em pé <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> no combate ao crime. Com essa<br />

aliança público-privada, houve a substituição da antiga e negativa imagem dos exércitos<br />

privados.<br />

Para respon<strong>de</strong>r às preocupações em relação às liberda<strong>de</strong>s civis, 3 foi utilizada a idéia<br />

<strong>de</strong> que os controles reguladores sobre o policiamento privado <strong>de</strong>veriam se dar por meio <strong>de</strong><br />

medidas legislativas e <strong>de</strong> regras auto-reguladoras e <strong>de</strong> mercado. Além <strong>de</strong>stes, outras formas<br />

<strong>de</strong> controle po<strong>de</strong>riam ser exercidas sobre o setor, por meio da própria indústria<br />

(empregados e empregadores), dos clientes e do público em geral.<br />

Em relação à resistência da polícia pública, os autores construíram um argumento<br />

baseado em três idéias. A primeira era <strong>de</strong> que o policiamento privado não surgiu no vácuo<br />

do policiamento público (“teoria do vácuo”) por causa da falta <strong>de</strong> recursos ou outras<br />

capacida<strong>de</strong>s, mas sim porque houve uma mudança estrutural na socieda<strong>de</strong> que permitiu seu<br />

surgimento e expansão. 4 Além disso, a segunda idéia trazida pelos autores é <strong>de</strong> que a<br />

3 Um exemplo <strong>de</strong> preocupação com as liberda<strong>de</strong>s civis era o fato <strong>de</strong> haver troca das informações obtidas pelos<br />

serviços <strong>de</strong> segurança públicos e privados, o que po<strong>de</strong>ria acarretar violação <strong>de</strong> privacida<strong>de</strong>.<br />

4 Esse argumento correspon<strong>de</strong> às críticas formuladas por Shearing e Steaning em relação à “teoria do vácuo”.<br />

Literalmente, assim consta no relatório: “Todas as vezes que se encontra uma mudança nas relações <strong>de</strong><br />

proprieda<strong>de</strong>, relativas às gran<strong>de</strong>s massas <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s privadas arrendadas (holdings), geograficamente<br />

extensas e ligadas entre si, também se encontra uma mudança em relação às iniciativas <strong>de</strong> policiamento<br />

privado. As ruas privadas e as áreas anexas a gran<strong>de</strong>s construções industriais, comerciais e resi<strong>de</strong>nciais<br />

ten<strong>de</strong>m a ser protegidas privativamente, enquanto as áreas públicas são protegidas pela polícia pública.<br />

18


polícia pública tinha interesses políticos em não per<strong>de</strong>r seu espaço e sua posição. E por fim,<br />

eles utilizaram o termo “policiamento” com o sentido mais amplo, que englobava uma série<br />

<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s não realizadas pela polícia pública.<br />

Assim, nos Estados Unidos, tanto o relatório RAND como o Hallcrest promoveram<br />

uma gran<strong>de</strong> mudança sobre a aceitação do policiamento privado, em comparação à<br />

concepção negativa que se tinha da polícia privada nos anos 30. Os autores do Hallcrest<br />

apoiaram a idéia <strong>de</strong> parceiros iguais entre a polícia pública e a privada e estabeleceram a<br />

divisão <strong>de</strong> trabalho entre ambas sendo que as tarefas que necessitassem <strong>de</strong> múltiplas e<br />

diferentes habilida<strong>de</strong>s seriam feitas pela polícia pública, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua formação mais<br />

completa, e as que não <strong>de</strong>mandassem essa combinação <strong>de</strong> habilida<strong>de</strong>s seriam realizadas<br />

pela polícia privada.<br />

Ao fazer tal <strong>de</strong>claração, os autores, ao mesmo tempo, confirmam o<br />

princípio <strong>de</strong> que não há limites teóricos para a privatização (na medida em<br />

que o treinamento é alterado, também será alterado o que será transferido)<br />

e, ao mesmo tempo, acalmam a oposição da polícia à privatização, quando<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m a transferência <strong>de</strong> tarefas que policiais e administradores<br />

consi<strong>de</strong>ram periféricas (SHEARING, 2003, p. 445).<br />

Depois do relatório Hallcrest, foi realizado um outro estudo nos Estados Unidos,<br />

comissionado pelo Instituto Nacional <strong>de</strong> Justiça, que <strong>de</strong>monstrou que entre 20% e 30% do<br />

efetivo da polícia pública realizava ativida<strong>de</strong>s na área da segurança privada fora do<br />

expediente. O autor <strong>de</strong>sse terceiro estudo, Reiss, argumentava que era até positivo o<br />

exercício por parte <strong>de</strong> policiais públicos, <strong>de</strong> tarefas na segurança privada em suas horas <strong>de</strong><br />

folga, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que sempre primando pelo interesse público. A vantagem residiria no fato <strong>de</strong><br />

que, sendo o Estado que <strong>de</strong>ve prover segurança pública <strong>de</strong> qualquer maneira em todo o<br />

tempo, seria mais econômico que a iniciativa privada pagasse esses policiais para trabalhar<br />

nas horas <strong>de</strong> folga, “poupando” o Estado. Além disso, Reiss argumentou ser possível<br />

Shearing e Steaning chamam isso <strong>de</strong> novo ‘feudalismo corporativo’, que transferiu, do setor público para o<br />

privado, recursos <strong>de</strong> proteção. Assim, a ‘crise fiscal do estado’ e o <strong>de</strong>clínio dos recursos da polícia resultaram<br />

<strong>de</strong>sta mudança e não foram a sua causa (1985, p. 171).” (SHEARING E STENNING, 1985 apud<br />

SHEARING, 2003, p. 443).<br />

19


<strong>de</strong>senvolver alternativas <strong>de</strong> controle sobre esses policiais públicos que trabalhavam na<br />

iniciativa privada em suas horas <strong>de</strong> folga, particularmente por meio da forma como a<br />

contratação <strong>de</strong>sses policiais era feita pela iniciativa privada. 5<br />

Há ainda um quarto relatório, produzido no Canadá, que segue a linha dos outros<br />

três já mencionados. Os autores Norman<strong>de</strong>au e Leighton trabalharam sob a perspectiva <strong>de</strong><br />

“integração para preservar a paz”, ou seja, integrar toda a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> policiamento<br />

existente em uma <strong>de</strong>terminada comunida<strong>de</strong>, incluindo capacida<strong>de</strong>s públicas e privadas, para<br />

preservar a paz. A idéia <strong>de</strong> “parceiros em pé <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong>”, trazida pelo relatório Hallcrest,<br />

foi mantida e a preocupação com a <strong>de</strong>fesa das liberda<strong>de</strong>s civis não apareceu. Ao não tratar<br />

<strong>de</strong>ste último tema, o relatório cana<strong>de</strong>nse acabou minando a importância da distinção entre o<br />

público e o privado, bem como a relevância do espaço privado como fonte <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>s e<br />

aí tanto a socieda<strong>de</strong> como o Estado passam a integrar um sistema único, sem necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> que os indivíduos se protejam da “intromissão” estatal.<br />

Além <strong>de</strong>sses quatro relatórios produzidos na América do Norte, na década <strong>de</strong> 80, foi<br />

convocada, em 1988, pelo Conselho Europeu, uma conferência <strong>de</strong> pesquisa criminológica<br />

sobre a privatização do controle do crime, o que indica que a discussão sobre o tema da<br />

segurança privada não esteve limitada à América do Norte. Portanto, o conceito <strong>de</strong> laissezfaire<br />

<strong>de</strong> não intervenção foi o critério por trás da consciência política que guiou, nas<br />

décadas <strong>de</strong> 80 e 90, o crescimento do policiamento privado e sua relação com o<br />

policiamento público. Tanto o conceito <strong>de</strong> Estado centralizado como o <strong>de</strong> laissez-faire,<br />

presumem um Estado que monopoliza o governo e assumem o mundo social dividido entre<br />

público e privado. No entanto, o que a estrutura <strong>de</strong> laissez-faire busca é a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

privatização do policiamento e a construção <strong>de</strong> um sistema coor<strong>de</strong>nado <strong>de</strong> policiamento<br />

público e privado.<br />

5 Túlio Kanh (1999, p.2) explicita uma <strong>de</strong>ssas alternativas <strong>de</strong> controle da seguinte forma: “Para lidar com o<br />

problema, algumas unida<strong>de</strong>s policiais norte-americanas criaram uma espécie <strong>de</strong> Fundação da Polícia, que<br />

recebe as solicitações <strong>de</strong> serviços particulares <strong>de</strong> segurança e aponta policiais em folga para exercê-las. Parte<br />

do lucro vai para o policial e parte para a própria fundação, que passa a exercer também alguma fiscalização<br />

sobre o trabalho paralelo <strong>de</strong> seus membros.”<br />

20


Há, contudo, uma vertente crítica em relação a essa concepção positiva do<br />

policiamento privado no laissez-faire, que sustenta que a privatização não é algo que<br />

acontece <strong>de</strong> forma in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do Estado, mas conjuntamente a ele. Assim, essa<br />

privatização nada mais seria do que a ampliação da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle do Estado capitalista.<br />

Assim, em vez <strong>de</strong> melhorar a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, a privatização levou a vida cotidiana ao<br />

controle <strong>de</strong>sse Estado com interesses capitalistas. A alternativa a esse tipo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento do policiamento seria composta por formas <strong>de</strong>mocráticas <strong>de</strong> policiamento<br />

controladas pelas comunida<strong>de</strong>s diretamente envolvidas e atingidas.<br />

Uma perspectiva pluralista<br />

O ponto <strong>de</strong> vista pluralista <strong>de</strong>sloca da centralida<strong>de</strong> estatal a capacida<strong>de</strong> e a<br />

legitimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> normas e <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong> governabilida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> produção <strong>de</strong><br />

segurança e paz social, assumindo que formas distintas, complementares ou antagônicas <strong>de</strong><br />

normativida<strong>de</strong>s convivem entre si.<br />

Shearing (2003, p. 453) explica esse ponto <strong>de</strong> vista nos seguintes termos:<br />

O conceito pluralista confronta a posição do laissez faire ao rejeitar o<br />

argumento <strong>de</strong> que a privatização envolve apenas a transferência técnica <strong>de</strong><br />

tarefas <strong>de</strong> um setor <strong>de</strong> serviços para outro. Ao contrário, ele argumenta que,<br />

sob a aparência <strong>de</strong> privatização, o que está acontecendo é uma mudança<br />

fundamental na localização da responsabilida<strong>de</strong> pela garantia e <strong>de</strong>finição da<br />

paz, que transfere-se do Estado para entida<strong>de</strong>s corporativas. Junto com o<br />

Estado, essas corporações constituem um campo <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s que se<br />

interpenetram e que são frouxamente ligadas, que negociam territórios e<br />

esferas <strong>de</strong> autonomia (Macauley, 1986). Os pluralistas discordam do<br />

conceito <strong>de</strong> que as esferas políticas e legal sejam organizadas verticalmente,<br />

com o Estado no ápice. Em seu lugar eles sugerem uma esfera <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s<br />

ligadas, porém autônomas, organizada mais horizontalmente, com<br />

reivindicações mútuas umas sobre as outras, caracterizada por uma flui<strong>de</strong>z e<br />

um fluxo consi<strong>de</strong>ráveis (Rock, 1983, p. 193; Henry, 1987a). As entida<strong>de</strong>s<br />

21


corporativas, incluindo o Estado, operam na sombra uns dos outros e nos<br />

espaços uns dos outros, mas nenhuma sombra ou espaço é, em princípio,<br />

mais importante do que o outro (Galanter, 1981).<br />

De forma geral, a perspectiva pluralista consi<strong>de</strong>ra que o conceito do Estado<br />

centralizado e do laissez-faire foram etapas na maneira <strong>de</strong> pensar a segurança privada que,<br />

agora, <strong>de</strong>ve ser concebida na chave pluralista em um panorama emergente <strong>de</strong> soberanias<br />

fragmentárias em que há <strong>de</strong>scentralização e que o po<strong>de</strong>r está por toda parte. 6 No Brasil, os<br />

mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> Estado Centralizado, laissez-faire e pluralista não se aplicam <strong>de</strong> modo<br />

estanque. É possível i<strong>de</strong>ntificar elementos <strong>de</strong> todas as formas <strong>de</strong> Estado no mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

Estado brasileiro.<br />

Para o professor José Eduardo Faria (2000, p. 155), uma situação <strong>de</strong> pluralismo<br />

jurídico po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finida quando há “sobreposição, articulação, intersecção e<br />

interpenetração <strong>de</strong> vários espaços jurídicos misturados”. Assim, diferentes espaços <strong>de</strong><br />

juridicida<strong>de</strong> geram formas <strong>de</strong> controle diversas, porém inter-relacionadas, e autônomas com<br />

suas próprias lógicas. Boaventura <strong>de</strong> Sousa Santos (2002) explica que essas esferas<br />

jurídicas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e conhecimento não se apresentam <strong>de</strong> forma caótica, mas sim se interrelacionam,<br />

ao mesmo tempo em que confirmam e relativizam a centralida<strong>de</strong> estatal.<br />

Assim, a existência <strong>de</strong>ssas múltiplas formas <strong>de</strong> direito não significa que o Estado e seu<br />

direito e po<strong>de</strong>r são automaticamente substituídos, mas que são relativizados diante <strong>de</strong>ssa<br />

pluralida<strong>de</strong> que, muitas vezes, necessita <strong>de</strong> um reforço estatal para existir.<br />

A compreensão da segurança privada à luz da perspectiva pluralista coloca-a nas<br />

mãos das corporações, como uma alteração na re<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle do Estado e com uma<br />

6 É possível relacionar essa idéia com a micro mecânica do po<strong>de</strong>r, conceito <strong>de</strong> Foucault em que o po<strong>de</strong>r é<br />

disperso e há uma re<strong>de</strong> infinita <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r: “Ora, nos séculos XVII e XVIII ocorreu um fenômeno<br />

importante: o aparecimento - <strong>de</strong>veríamos dizer a invenção - <strong>de</strong> uma nova mecânica do po<strong>de</strong>r, que tem<br />

procedimentos bem particulares, instrumentos totalmente novos, uma aparelhagem muito diferente e que,<br />

acho eu, é absolutamente incompatível com as relações <strong>de</strong> soberania. Essa nova mecânica <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r inci<strong>de</strong><br />

primeiro sobre os corpos e sobre o que eles fazem, mais do que sobre a terra e sobre o seu produto. É um<br />

mecanismo <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que permite extrair dos corpos po<strong>de</strong>r e trabalho, mais do que bens e riqueza. (...) É um<br />

tipo <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que pressupõe muito mais uma trama cerrada <strong>de</strong> coerções materiais do que a existência física <strong>de</strong><br />

um soberano, e <strong>de</strong>fine uma nova economia <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r cujo princípio é o <strong>de</strong> que se <strong>de</strong>ve ao mesmo tempo fazer<br />

que cresçam as forças sujeitadas e a força e a eficácia daquilo que as sujeita.” (FOUCAULT, 1999, p. 42).<br />

22


mudança na localização do po<strong>de</strong>r. A natureza da segurança passou, assim, por importantes<br />

transformações balizadas pelos objetivos e pelas capacida<strong>de</strong>s das entida<strong>de</strong>s corporativas.<br />

Essa nova forma <strong>de</strong> promover a or<strong>de</strong>m, trazida pela perspectiva pluralista, vincula-se<br />

diretamente aos interesses das corporações em sua dimensão competitiva.<br />

Shearing, em entrevista concedida ao website do International Centre of the<br />

Prevention of Crime, em junho <strong>de</strong> 2005, reafirmou seu entendimento sobre a segurança<br />

privada a partir da perspectiva pluralista:<br />

Eu penso que a coisa mais importante para enten<strong>de</strong>r sobre segurança<br />

privada, e que estranhamente não é reconhecida com freqüência, é que a<br />

segurança privada é exercida por corporações. E não é exercida por<br />

corporações para perseguir um interesse público, mas para perseguir seus<br />

próprios objetivos e é dirigida para as suas próprias preocupações com<br />

segurança. A segurança privada é guiada pelos negócios. Isso significa que<br />

o crime não é o seu foco. Eles (gestores das corporações) não estão focados<br />

na lei penal ou em questões ligadas à garantia da lei, eles estão focados na<br />

preocupação com a segurança das empresas e companhias (tradução<br />

nossa). 7<br />

É importante, no entanto, fazer algumas consi<strong>de</strong>rações sobre a perspectiva<br />

pluralista. Há duas formas <strong>de</strong> interpretar essa perspectiva: como um projeto conservador, ou<br />

enquanto um projeto emancipador (Wolkmer, 2003). Nos países <strong>de</strong>senvolvidos, on<strong>de</strong> ciclos<br />

políticos e econômicos se consolidaram, as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s não são tão marcantes e as<br />

instituições são efetivamente <strong>de</strong>mocráticas, como os Estados Unidos e o Canadá, por<br />

exemplo, essa dualida<strong>de</strong> não se coloca. Ou seja, a sobreposição <strong>de</strong> espaços jurídicos e a<br />

7 Clifford Shearing, em entrevista concedida ao website do ICPC. Edição 39, junho <strong>de</strong> 2005. Disponível em<br />

. Acessado em 14/07/05.<br />

No original: “I think the most important thing to un<strong>de</strong>rstand about private security, and the thing which<br />

strangely is not recognized often, is that private security is employed by corporations. It is not employed by<br />

corporations to pursue a public interest, but to pursue their own objectives, and address their own security<br />

concerns. Private security is primarily hired by business. This means that crime is not their focus. They are<br />

not focused on criminal law, or issues related to law enforcement, they are focused on security concerns of<br />

companies.”<br />

23


mudança da localização do po<strong>de</strong>r para as corporações, próprias do pluralismo, nesses<br />

países, não são questões problemáticas, afetando muito pouco o conceito <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia e o<br />

papel do Estado.<br />

No entanto, ao se <strong>de</strong>slocar o foco para países em <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> capitalismo<br />

periférico, como os da América Latina e, mais precisamente, o Brasil, a situação se inverte.<br />

Como a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> é marcante e a <strong>de</strong>mocracia é incompleta nesses países, é necessário<br />

enten<strong>de</strong>r se o projeto <strong>de</strong> pluralismo que se coloca é conservador ou emancipador.<br />

Segundo Wolkmer (2003, p.3, tradução nossa):<br />

Em razão do seu significado contemporâneo, é importante ter uma noção<br />

clara do que é pluralismo, suas causas <strong>de</strong>terminantes, tipologias e objeções.<br />

Para começar, é preciso <strong>de</strong>signar pluralismo como a multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

práticas existentes em um mesmo espaço sócio-político, inter-atuantes por<br />

conflitos e consensos, po<strong>de</strong>ndo ser oficiais ou não e tendo sua razão <strong>de</strong> ser<br />

nas necessida<strong>de</strong>s existenciais, materiais e culturais. 8<br />

Para o autor, o pluralismo é um dos traços centrais da esfera jurídica latinoamericana<br />

e que <strong>de</strong>ve ser entendido como uma tendência e não como um fenômeno<br />

generalizado.<br />

A especificida<strong>de</strong> do pluralismo não é negar ou minimizar o direito estatal, mas sim<br />

reconhecer que este é apenas uma das formas jurídicas que po<strong>de</strong>m existir na socieda<strong>de</strong>.<br />

Portanto, o pluralismo envolve as práticas in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e autônomas, bem como as<br />

normativas estatais/oficiais. As práticas normativas autônomas geradas por diferentes<br />

forças sociais e plurais, na perspectiva pluralista, po<strong>de</strong>m ser incorporadas ou controladas<br />

pelo Estado e, ainda assim, tem-se uma realida<strong>de</strong> pluralista (WOLKMER, 2003).<br />

8 No original: “Em razón <strong>de</strong> su significación contemporanea, importa tener una noción clara <strong>de</strong> que és<br />

pluralismo, sus causas <strong>de</strong>terminantes, tipologias e objeciones. Para comenzar hay que <strong>de</strong>signar al pluralismo<br />

jurídico como la multiplicidad <strong>de</strong> practicas existentes en un mismo espacio socio politico, interactuantes por<br />

conflictos o consensos, pudiendo ser oficiales o no y teniendo su razón <strong>de</strong> ser en las necesida<strong>de</strong>s existenciales,<br />

materiales e culturales.”<br />

24


O projeto conservador <strong>de</strong> pluralismo, <strong>de</strong>fendido a partir da primeira meta<strong>de</strong> do<br />

século XX, pressupõe <strong>de</strong>scentralização administrativa, integração <strong>de</strong> mercados,<br />

globalização e acumulação flexível <strong>de</strong> capital, formação <strong>de</strong> blocos econômicos, políticas <strong>de</strong><br />

privatização e regulação reflexiva e supra-nacional, funciona bem nas <strong>de</strong>mocracias<br />

consolidadas. É consi<strong>de</strong>rado o atual projeto do capitalismo mundial (WOLKMER, 2003).<br />

O projeto emancipador <strong>de</strong> pluralismo coloca-se como um projeto alternativo à<br />

inexorabilida<strong>de</strong> capitalista e pressupõe a legitimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> novos sujeitos sociais, a<br />

<strong>de</strong>mocratização e <strong>de</strong>scentralização <strong>de</strong> um espaço público participativo, o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

<strong>de</strong> uma ética <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> e a realização <strong>de</strong> processos que conduzam a uma<br />

racionalida<strong>de</strong> emancipatória.<br />

Nas realida<strong>de</strong>s latino-americanas, o projeto pluralista que envolve a segurança<br />

privada, ao menos do ponto <strong>de</strong> vista sustentado na presente pesquisa, é predominantemente<br />

conservador. Ainda que formas mais autônomas, individuais ou comunitárias <strong>de</strong> segurança<br />

privada possam existir, o que se verifica na realida<strong>de</strong> brasileira é a expansão <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo<br />

que contribui para a exclusão <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados setores, para a privatização <strong>de</strong> certos espaços<br />

públicos e para a segurança apenas daqueles que po<strong>de</strong>m pagar. Não é um projeto que busca<br />

reconstituir laços sociais e comunitários e contribuir para a garantia <strong>de</strong> segurança para<br />

todos. Sem questionar sua legitimida<strong>de</strong>, o fenômeno <strong>de</strong> expansão do mercado da segurança<br />

está muito mais relacionado com os pressupostos conservadores do que aos<br />

emancipatórios. 9 O crescimento do setor da segurança privada explicita uma ativida<strong>de</strong> com<br />

fins econômicos, que se fortalece conforme o medo e a insegurança crescem. Trata-se <strong>de</strong><br />

um serviço que apenas algumas pessoas po<strong>de</strong>m pagar em contraposição a um direito social<br />

<strong>de</strong> todos os cidadãos ao provimento <strong>de</strong> segurança pública. Se a segurança privada se<br />

9 Nesse sentido, Tereza Cal<strong>de</strong>ira (2000, p. 203) aponta o seguinte: “De fato, embora o policiamento público e<br />

privado possam parecer opostos sob alguns pontos <strong>de</strong> vista (especialmente o do consumidor), eles partilham<br />

características básicas e são estruturados em relações <strong>de</strong> contiguida<strong>de</strong>. Isso acontece não só no Brasil, on<strong>de</strong> os<br />

abusos e o <strong>de</strong>srespeito vão <strong>de</strong> um setor ao outro, mas nas <strong>de</strong>mocracias consolidadas da América do Norte e da<br />

Europa oci<strong>de</strong>ntal, on<strong>de</strong> o respeito à lei e aos cidadãos serve <strong>de</strong> parâmetro aos dois setores. Nesse sentido, a<br />

<strong>de</strong>speito das diferenças, segurança pública e a segurança privada compartilham a mesma matriz <strong>de</strong> relações e<br />

estruturas. No Brasil essa matriz é <strong>de</strong> relações instáveis entre o legal e o ilegal; em outros casos, a matriz é <strong>de</strong><br />

respeito ao estado <strong>de</strong> direito, como na América do Norte e na Europa oci<strong>de</strong>ntal.” (grifo nosso).<br />

25


fortalece à medida que a segurança pública <strong>de</strong>mocrática se enfraquece, tem-se com mais<br />

força a presença <strong>de</strong> pressupostos conservadores.<br />

Assim, consi<strong>de</strong>ra-se que a segurança privada não é o contraponto ao monopólio<br />

estatal do uso legítimo da força, uma vez que o Estado e o po<strong>de</strong>r são entendidos da<br />

perspectiva pluralista. Ainda que o Estado brasileiro concentre elementos <strong>de</strong> todas as<br />

formas <strong>de</strong> Estado <strong>de</strong>scritas, a segurança privada como um setor <strong>de</strong> serviços se fortalece a<br />

partir da perspectiva pluralista. No entanto, os serviços privados <strong>de</strong> segurança no país<br />

trazem muito mais elementos conservadores do que emancipatórios. O crescimento atual<br />

<strong>de</strong>sses serviços na realida<strong>de</strong> brasileira indica um projeto <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> voltado para a<br />

proteção do indivíduo que po<strong>de</strong> pagar por sua segurança e para a resolução privada <strong>de</strong><br />

muitos conflitos que são públicos, em <strong>de</strong>trimento da ética da solidarieda<strong>de</strong>, da construção<br />

<strong>de</strong> laços comunitários, da igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s em receber segurança e do<br />

investimento na melhoria dos serviços públicos <strong>de</strong> segurança.<br />

Ainda assim, é fundamental que a segurança privada seja regulada pelo Estado, por<br />

meio <strong>de</strong> um aparato <strong>de</strong> regulamentação, fiscalização e controle que possa contribuir para<br />

que o fenômeno não coloque mais em risco aspectos <strong>de</strong>mocráticos e que, <strong>de</strong> alguma forma,<br />

permita o reforço <strong>de</strong> elementos emancipatórios.<br />

Segurança Privada na Literatura Brasileira<br />

Após a apresentação do processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento da centralida<strong>de</strong> estatal para<br />

outras esferas <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> direito e <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e a relação com os serviços <strong>de</strong> segurança<br />

privada, foi apontada, a partir do pensamento <strong>de</strong> Shearing e do diálogo com os pluralistas, a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> existência legítima da segurança privada, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que regulada <strong>de</strong> forma<br />

efetiva pelo Estado e por outros mecanismos. No entanto, é importante analisar a produção<br />

científica brasileira sobre o tema, para estabelecer um diálogo entre a discussão conceitual e<br />

histórica feita a partir das realida<strong>de</strong>s norte-americana e brasileira.<br />

26


Ainda há pouca produção científica sobre o tema e o que existe está na área das<br />

Ciências Sociais, como Sociologia, Ciência Política e Antropologia, e alguma coisa na área<br />

das Ciências Econômicas e Exatas.<br />

Tradicionalmente, a literatura brasileira trabalha o assunto a partir da perspectiva <strong>de</strong><br />

contradição com o conceito <strong>de</strong> Estado Mo<strong>de</strong>rno weberiano, 10 entendido como uma<br />

comunida<strong>de</strong> humana no interior <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado território, que reclama para si e com<br />

êxito o monopólio da coação física legítima. Conforme o próprio Weber (1964, p. 1056,<br />

tradução nossa): “Porque o específico da atualida<strong>de</strong> é que para as <strong>de</strong>mais associações ou<br />

pessoas individuais só se lhes conce<strong>de</strong> o direito à coação física na medida em que o Estado<br />

permite. Este se consi<strong>de</strong>ra, pois, como fonte única do ‘direito’ <strong>de</strong> coação.” 11<br />

Nessa linha, há o entendimento <strong>de</strong> que a expansão da segurança privada,<br />

englobando tanto as empresas que ven<strong>de</strong>m a seus clientes serviços <strong>de</strong> vigilância (em<br />

residências, condomínios, lojas, centros comerciais e plantas industriais) ou equipamentos<br />

<strong>de</strong> prevenção (monitores, alarmes, cercas e outros aparelhos <strong>de</strong> auto<strong>de</strong>fesa), como os<br />

<strong>de</strong>partamentos e divisões <strong>de</strong> segurança interna <strong>de</strong> empresas e instituições (PAIXÃO, 1991,<br />

p. 131), significa o <strong>de</strong>slocamento da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle social e manutenção da<br />

or<strong>de</strong>m 12 para setores privados. Portanto, o profissional da segurança privada não se<br />

encontra balizado, como aquele da segurança pública - o policial -, por princípios, rotinas,<br />

10 “Do ponto <strong>de</strong> vista da nossa consi<strong>de</strong>ração importa, pois, <strong>de</strong>stacar o puramente conceitual no sentido <strong>de</strong> que<br />

o Estado mo<strong>de</strong>rno é uma associação <strong>de</strong> domínio <strong>de</strong> tipo institucional, que no interior <strong>de</strong> um território tratou<br />

com êxito <strong>de</strong> monopolizar a coação física legítima como instrumento <strong>de</strong> domínio, e reúne a tal objeto os<br />

meios materiais <strong>de</strong> exploração nas mãos <strong>de</strong> seus diretores, tendo expropriado <strong>de</strong> todos os funcionários <strong>de</strong><br />

classe autônomos, que anteriormente dispunham daquilo por direito próprio, e colocando a si mesmo, no lugar<br />

<strong>de</strong>les, <strong>de</strong> forma suprema.” (WEBER, 1964, p. 1060, tradução nossa).<br />

No original: “Des<strong>de</strong> el punto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> nuestra consi<strong>de</strong>ración importa, pues, <strong>de</strong>stacar lo puramente<br />

conceptual en el sentido <strong>de</strong> que el Estado mo<strong>de</strong>rno es una asociación <strong>de</strong> dominio <strong>de</strong> tipo institucional, que en<br />

el interior <strong>de</strong> un territorio ha tratado con éxito <strong>de</strong> monopolizar la coacción física legítima como instrumento<br />

<strong>de</strong> dominio, y reúne a dicho objeto los medios materiales <strong>de</strong> explotación en manos <strong>de</strong> sus directores pero<br />

habiendo expropriado para ello a todos los funcionarios <strong>de</strong> clase autónomos, que anteriormente disponíen <strong>de</strong><br />

aquéllos por <strong>de</strong>recho proprio, y colocándodose a sí mismo, en lugar <strong>de</strong> ellos, en la cima suprema.”<br />

11 No original: “Porque lo específico <strong>de</strong> la actualidad es que a las <strong>de</strong>más asociaciones o personas individuales<br />

solo se les conce<strong>de</strong> el <strong>de</strong>recho <strong>de</strong> la coacción fisica en la medida en que el Estado lo permite. Éste se<br />

consi<strong>de</strong>ra, pues, como fuente única <strong>de</strong>l ‘<strong>de</strong>recho’ <strong>de</strong> coacción.”<br />

12 Paixão (1991, p. 132) ressalta que a esfera do controle social não é a mais a<strong>de</strong>quada para a plena realização<br />

das liberda<strong>de</strong>s civis nas <strong>de</strong>mocracias consolidadas. Sendo assim, o <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong>ssa esfera para o setor<br />

privado coloca ainda mais em risco, ou dificulta ainda mais a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realização plena <strong>de</strong>ssas<br />

liberda<strong>de</strong>s.<br />

27


egulamentos e órgãos <strong>de</strong> controle, sendo a neutralização e a contenção das ameaças<br />

sofridas efetivamente ou apenas percebidas pelos clientes que compram o serviço mais<br />

importantes do que garantir a segurança e a or<strong>de</strong>m sociais segundo princípios <strong>de</strong>mocráticos<br />

(PAIXÃO, 1991).<br />

Há também o trabalho da socióloga Rosana Heringer, que <strong>de</strong>monstra a crescente<br />

institucionalização dos serviços <strong>de</strong> segurança privada, diante <strong>de</strong> uma aposta muito maior na<br />

resolução privada das questões públicas, ficando <strong>de</strong> lado a alternativa <strong>de</strong> investir e melhorar<br />

o aparato <strong>de</strong> segurança pública, que é ainda uma das funções primordiais do Estado. A<br />

autora aponta as principais questões que envolvem a segurança privada e questiona que<br />

“Cabe agora enfrentar os dilemas colocados para que a segurança <strong>de</strong> todos os cidadãos<br />

esteja garantida pelo Estado, seja através <strong>de</strong> um maior controle das empresas privadas ou<br />

do melhor cumprimento daquela que ainda consi<strong>de</strong>ramos entre uma <strong>de</strong> suas atribuições<br />

básicas: a segurança pública” (HERINGER, 1992, p. 87).<br />

Numa linha semelhante, há o já citado estudo <strong>de</strong> Musumeci (1998, p. 1) que aponta:<br />

Para alguns, esse fenômeno ultrapassa muito em seus efeitos a tendência<br />

geral <strong>de</strong> encolhimento do Estado e ampliação dos espaços sob o domínio da<br />

iniciativa privada, abalando, no limite, a própria <strong>de</strong>finição mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong><br />

Estado – ‘comunida<strong>de</strong> humana que preten<strong>de</strong>, com êxito, o monopólio do<br />

uso legítimo da força física <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um território’ [Weber (1974)] e à qual<br />

cumpre garantir a or<strong>de</strong>m e segurança para as vidas e proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> seus<br />

cidadãos. A transformação da segurança em mercadoria e a transferência<br />

crescente para mãos privadas do ‘uso legítimo’ da força po<strong>de</strong>riam trazer<br />

sérias ameaças à manutenção dos direitos humanos e civis penosamente<br />

conquistados ao longo dos últimos dois séculos. Afinal, os sistemas<br />

públicos <strong>de</strong> segurança vigentes nas socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>mocráticas constituem-se<br />

sobre uma série <strong>de</strong> princípios que limitam seu po<strong>de</strong>r coercitivo e sua<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interferir legitimamente na vida dos cidadãos, submetendo o<br />

uso da força à observância <strong>de</strong> procedimentos formalizados - o due process<br />

of law -, <strong>de</strong>stinados a proteger a integrida<strong>de</strong> e privacida<strong>de</strong> individuais, e a<br />

garantir equanimida<strong>de</strong> na aplicação da lei. Em outras palavras, o monopólio<br />

28


estatal da coerção física, que se exerce em nome da or<strong>de</strong>m pública e do bem<br />

geral, tem como pressuposto mecanismos <strong>de</strong> proteção do indivíduo e dos<br />

grupos sociais contra abusos que o Estado venha a cometer no <strong>de</strong>sempenho<br />

<strong>de</strong>ssa função.<br />

A segurança privada, ao contrário, não está submetida a tais<br />

constrangimentos. Embora, formalmente, limite-se à prevenção <strong>de</strong><br />

aci<strong>de</strong>ntes e crimes em espaços físicos <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> dos usuários, seu<br />

po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> interferência (portanto, <strong>de</strong> coerção) sobre os indivíduos, assim<br />

como seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> imprimir lógicas exclu<strong>de</strong>ntes aos espaços que controla,<br />

vai muito além, segundo alguns autores, daquele <strong>de</strong>tido pelos sistemas<br />

mo<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> segurança pública.<br />

Esse estudo é uma pesquisa encomendada pelo Ipea (Instituto <strong>de</strong> Pesquisa<br />

Econômica Aplicada) em 1998, a partir das informações da PNAD (Pesquisa Nacional por<br />

Amostra <strong>de</strong> Domicílios do IBGE), sobre os serviços <strong>de</strong> vigilância e guarda no Brasil, entre<br />

1985 e 1995. O objetivo do estudo é traçar um perfil dos empregados no setor em<br />

comparação àqueles alocados na segurança pública. Portanto, a par das críticas e ressalvas<br />

apresentadas, é também um trabalho que coloca a segurança privada como um significativo<br />

setor <strong>de</strong> serviços no Brasil.<br />

A antropóloga Tereza Cal<strong>de</strong>ira também <strong>de</strong>senvolve seu trabalho sobre a segurança<br />

privada seguindo a linha que aponta para os riscos do crescimento <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nado do setor.<br />

Entretanto, para a autora, a principal questão não está na quebra do monopólio estatal da<br />

coação física legítima e nem na estrutura insuficiente <strong>de</strong> accountability, mas sim na lógica<br />

exclu<strong>de</strong>nte que alimenta seu crescimento - “Segurança privada tornou-se um elemento<br />

central do novo e já muito difundido padrão <strong>de</strong> segregação urbana baseada em enclaves<br />

fortificados” (CALDEIRA, 2000, p. 196) - e na zona cinzenta que se forma entre a<br />

segurança pública e a privada:<br />

O entrelaçamento <strong>de</strong> segurança pública e privada e <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s legais e<br />

ilegais <strong>de</strong>squalifica um dos principais argumentos do setor privado<br />

regulamentado: <strong>de</strong> que o privado po<strong>de</strong>ria servir como alternativa e corretivo<br />

29


à polícia. Embora não haja dados sobre abusos e corrupção <strong>de</strong> vigilantes<br />

privados, o simples fato <strong>de</strong> que o pessoal dos dois setores possa ser o<br />

mesmo, e as conexões <strong>de</strong> empresas <strong>de</strong> segurança privada com justiceiros e<br />

oficiais envolvidos em violações <strong>de</strong> direitos humanos, invalidam qualquer<br />

diferenciação muito nítida entre os dois setores (CALDEIRA, 2000, p.<br />

203).<br />

A vinculação da expansão das empresas <strong>de</strong> segurança privada às características<br />

particularistas da cultura brasileira 13 prossegue na produção científica na área da Sociologia<br />

sobre o tema. Segundo Cubas (2005, p.17) “como a socieda<strong>de</strong> brasileira ainda preserva suas<br />

características particularistas, a expansão <strong>de</strong>stas empresas seria uma radicalização <strong>de</strong><br />

característica tradicional da socieda<strong>de</strong> brasileira”. A autora aponta que a segurança privada<br />

é entendida como um serviço que vem suprir a “<strong>de</strong>ficiência” do Estado em prover<br />

segurança aos cidadãos, ao mesmo tempo em que há indistinção entre o público e o privado<br />

e uma tendência <strong>de</strong> resolução privada dos conflitos públicos. 14 No entanto, ainda que os<br />

serviços <strong>de</strong> segurança privada ganhem espaço nesse contexto, há o entendimento <strong>de</strong> que<br />

existe complementarieda<strong>de</strong> entre os serviços <strong>de</strong> segurança pública e privada e <strong>de</strong> que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

que haja mecanismos <strong>de</strong> fiscalização e controle sobre os segundos, é possível conceber<br />

segurança sendo provida por atores públicos e privados (CUBAS, 2005).<br />

A tese da complementarieda<strong>de</strong> entre segurança pública e segurança privada dialoga<br />

com a tese da suplementarieda<strong>de</strong> (ou “teoria do vácuo”). Esta última sustenta que, dada a<br />

incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> as polícias lidarem com a insegurança pública, a segurança privada ganha<br />

força e realiza um trabalho suplementar ao da polícia. Já a tese da complementarieda<strong>de</strong> se<br />

funda na idéia <strong>de</strong> que a segurança privada po<strong>de</strong> constituir uma força auxiliar da polícia na<br />

manutenção da or<strong>de</strong>m pública, liberando-a <strong>de</strong> tarefas que não são suas atribuições diretas,<br />

como vigilância patrimonial, segurança pessoal, transporte <strong>de</strong> valores e contribuindo para<br />

13 Ver citação <strong>de</strong> Tereza Cal<strong>de</strong>ira, na nota 9.<br />

14 Nesta linha, Beste e Vob (1999) auxiliam no estudo do fenômeno, apontando algumas das contradições na<br />

política <strong>de</strong> controle que o Estado tenta levar adiante, como o movimento <strong>de</strong> avanço e retirada que o direito<br />

penal faz, a flexibilização das fronteiras entre o público e o privado e o fato <strong>de</strong> o Estado utilizar os interesses<br />

privados <strong>de</strong> controle para assegurar suas próprias pretensões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m e segurança e os particulares utilizarem<br />

o Estado para alicerçar seu próprio conceito <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m.<br />

30


que as polícias possam trabalhar mais diretamente na prevenção e controle da criminalida<strong>de</strong><br />

(HERINGER, 1992).<br />

Outro pesquisador que trabalha a temática no Brasil e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a<br />

complementarieda<strong>de</strong> é o cientista político Túlio Kahn. Seu entendimento é <strong>de</strong> que não há<br />

problema, a priori, na forma como prospera a indústria da segurança no Brasil. No entanto,<br />

é preciso atentar para algumas características que po<strong>de</strong>m tornar essa prestação <strong>de</strong> serviços<br />

mais problemática, como, por exemplo, a simbiose suspeita entre o setor público e o<br />

privado. Há muitos policiais que, ilegalmente, prestam seus serviços na segurança privada.<br />

Outra questão é a precarieda<strong>de</strong> da fiscalização dos vigilantes, pos são feitas apenas algumas<br />

exigências legais simples, como ter bons antece<strong>de</strong>ntes, porte <strong>de</strong> arma e aulas elementares<br />

<strong>de</strong> legislação e tiro, o que contribui para o aumento do envolvimento <strong>de</strong>sses vigilantes em<br />

confrontos letais (KAHN, 1999).<br />

afirma que:<br />

Ainda no campo da Ciência Política e nessa mesma linha, Zanetic (2005, p.103)<br />

O surgimento e emancipação dos serviços particulares <strong>de</strong> segurança no<br />

Brasil é fenômeno complexo e que não po<strong>de</strong> ser resumido na questão da<br />

falência da segurança pública, nem tampouco a uma suposta crise <strong>de</strong><br />

legitimida<strong>de</strong> do Estado, como mostra a análise <strong>de</strong>sse processo. Além do<br />

aumento da criminalida<strong>de</strong> e da sensação <strong>de</strong> insegurança, a segurança<br />

privada tem como pressupostos <strong>de</strong> sua expansão o surgimento <strong>de</strong> novas<br />

formas <strong>de</strong> uso e circulação no espaço urbano que tem motivado a criação <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>terminados espaços para os quais se <strong>de</strong>seja ter segurança reforçada em<br />

tempo integral.<br />

Além disso, há também especialização, diversificação e profissionalização do crime<br />

e dos criminosos. Portanto, existem <strong>de</strong>mandas específicas que justificam o crescimento da<br />

segurança privada e, se o setor tiver sua regulamentação efetivada, será um serviço, <strong>de</strong> fato,<br />

complementar à segurança pública (ZANETIC, 2005). Novos trabalhos têm sido escritos<br />

com foco na regulação do setor (COELHO, 2006).<br />

31


Na área das Ciências Econômicas, a análise focaliza a segurança privada como parte<br />

do setor <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços, que ganha força diante da incapacida<strong>de</strong> do Estado em<br />

prestar alguns serviços, como o <strong>de</strong> segurança. O foco da pesquisa recai, portanto, sobre as<br />

condições <strong>de</strong> concorrência entre as empresas regulares e as clan<strong>de</strong>stinas, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

atrair trabalhadores mais ou menos qualificados e a rotativida<strong>de</strong> dos profissionais <strong>de</strong> setor<br />

(OLIVEIRA, 2004). Há, ainda, trabalhos sobre a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviços, como o <strong>de</strong> Santa<br />

Maria (2003), que faz uma análise da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviços prestados por três empresas <strong>de</strong><br />

segurança privada em Curitiba-PR.<br />

Há também, na Antropologia, uma pesquisa realizada por Cortes (2005), que<br />

trabalha a segurança privada a partir da categoria “bico”, <strong>de</strong>nominação “utilizada por<br />

policiais (que fazem bico ou não) e seus representantes para a construção da legitimida<strong>de</strong><br />

na dupla inserção do policial no campo da segurança, sendo ela empregada para fora como<br />

uma forma <strong>de</strong> transpor a fronteira colocada pelo regulamento que separa o público do<br />

privado.” (CORTES, 2005, p. 71). O trabalho busca mostrar como o “bico” é compreendido<br />

pelos policiais militares e como a instituição Polícia Militar do Rio <strong>de</strong> Janeiro, um grupo <strong>de</strong><br />

comerciantes e o governo (Executivo e Legislativo estaduais) se relacionam com o “bico”.<br />

A conclusão aponta para a existência <strong>de</strong> uma legitimida<strong>de</strong> construída que faz com que o<br />

“bico” seja entendido como necessário para o policial conseguir mais recursos e,<br />

conseqüentemente, ter melhores condições <strong>de</strong> sustentar a família, sendo o sustento da<br />

família um dos <strong>de</strong>veres do policial militar.<br />

De forma geral, é possível verificar na produção científica brasileira sobre o tema<br />

uma transformação gradual no enfoque dado à questão da expansão da segurança privada.<br />

Inicialmente, observa-se uma tendência em enfatizar a oposição clara entre o Estado<br />

Democrático <strong>de</strong> Direito e a idéia <strong>de</strong> Estado Mo<strong>de</strong>rno com os serviços privados <strong>de</strong><br />

segurança, havendo uma preocupação com o projeto <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> no qual se aposta quando<br />

empresas privadas exploram uma ativida<strong>de</strong> cujo monopólio é estatal. Gradualmente, essa<br />

resistência foi per<strong>de</strong>ndo força, dando margem para a compreensão <strong>de</strong> que se trata, <strong>de</strong> fato,<br />

<strong>de</strong> um setor <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> econômica, com especificida<strong>de</strong>s importantes o suficiente para que<br />

32


sejam necessários fortes mecanismos <strong>de</strong> regulamentação e controle sobre o setor, além <strong>de</strong><br />

constituir-se em uma ativida<strong>de</strong> complementar à segurança pública. A produção científica<br />

nacional <strong>de</strong>monstra forte preocupação com a segurança privada e com a maneira como ela<br />

po<strong>de</strong> ou não contribuir para a <strong>de</strong>mocracia, mas cada vez mais trabalhos têm sido escritos<br />

com uma compreensão <strong>de</strong> que se trata <strong>de</strong> um serviço e que, por isso, a preocupação com a<br />

qualida<strong>de</strong> do mesmo <strong>de</strong>ve ser crescente.<br />

A concepção <strong>de</strong>fendida no presente trabalho é a <strong>de</strong> que não há uma contradição<br />

necessária entre a existência dos serviços privados <strong>de</strong> segurança e o Estado. Enten<strong>de</strong>ndo-se<br />

o po<strong>de</strong>r e o direito do ponto <strong>de</strong> vista pluralista, em que convivem e se inter-relacionam<br />

diferentes esferas <strong>de</strong> juridicida<strong>de</strong>, a existência da segurança privada está alinhada com esse<br />

mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Estado. No entanto, há que se atentar para qual o tipo <strong>de</strong> serviço prestado e qual<br />

o impacto real e simbólico da ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> segurança, seja esta pública ou privada. Sendo<br />

uma ativida<strong>de</strong> econômica que cresce predominantemente em função do aumento do medo e<br />

da insegurança, que envolve crimes e violências e que lida com situações <strong>de</strong> tensão, é<br />

fundamental trabalhar a segurança privada do ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> seus mecanismos <strong>de</strong><br />

controle. A segurança privada só não será contrária à <strong>de</strong>mocracia se for<br />

pormenorizadamente regulamentada, fiscalizada e controlada.<br />

Tipologia da Segurança Privada<br />

Depois do esforço em problematizar a segurança privada e apontar a partir <strong>de</strong> qual<br />

conceito <strong>de</strong> Estado é possível interpretá-la como um serviço legal e legítimo pertencente ao<br />

setor <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> econômica, é preciso explicitar quais tipos <strong>de</strong> serviços a compõem: a<br />

privatização das próprias forças públicas <strong>de</strong> segurança, a alocação privada <strong>de</strong> recursos<br />

públicos <strong>de</strong> segurança ou a contratação <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> segurança por atores públicos ou<br />

privados? Há inúmeros tipos <strong>de</strong> serviços que po<strong>de</strong>m ser prestados <strong>de</strong> diferentes formas.<br />

33


A professora e pesquisadora norte-americana, Elizabeth E. Joh, 15 em seu texto<br />

Conceptualizing the private police, traça um panorama sobre a dificulda<strong>de</strong> em <strong>de</strong>finir<br />

conceitual e empiricamente a segurança privada, bem como sobre os tipos <strong>de</strong> serviços que a<br />

constituem. Na realida<strong>de</strong> brasileira essa dificulda<strong>de</strong> também ocorre e, assim, partiremos das<br />

reflexões da autora para tentar <strong>de</strong>finir os tipos <strong>de</strong> serviços que compõem o conceito <strong>de</strong><br />

segurança privada utilizado no presente estudo, com base na realida<strong>de</strong> nacional.<br />

Segundo Joh (2005), para construir o conceito <strong>de</strong> segurança privada, é importante<br />

trabalhar com cinco afirmações recorrentes sobre o tema:<br />

1. a segurança privada não é algo novo;<br />

2. a segurança privada é comparável ao processo contemporâneo <strong>de</strong> privatizações das<br />

prisões;<br />

3. a segurança privada possui uma função essencial para a promoção da segurança<br />

como um todo;<br />

4. há uma divisão <strong>de</strong> trabalho no exercício da segurança, que po<strong>de</strong> ser realizada por<br />

atores tanto públicos como privados;<br />

5. as normas estatais po<strong>de</strong>m ser aplicadas tanto para os atores públicos como para os<br />

privados.<br />

Em relação à primeira afirmação, a autora sustenta que, embora as formas<br />

privadas 16 <strong>de</strong> proteção da proprieda<strong>de</strong> e da vida existam <strong>de</strong>s<strong>de</strong> há muito tempo, elas são<br />

diferentes da segurança privada contemporânea. Função, proposta e incentivos para a<br />

segurança privada contemporânea <strong>de</strong>vem ser <strong>de</strong>finidos a partir <strong>de</strong> uma relação <strong>de</strong><br />

comparação com os serviços <strong>de</strong> segurança pública. As formas privadas <strong>de</strong> proteção da vida<br />

15 Elizabeth E. Joh é professora <strong>de</strong> Direito na University of Califórnia Davis Law School.<br />

16 Elizabeth Joh i<strong>de</strong>ntifica cinco formas privadas <strong>de</strong> proteção da vida e do patrimônio, existentes entre os<br />

séculos X e XVIII. A primeira <strong>de</strong>las é a “proteção comunitária compulsória”, a partir <strong>de</strong> organizações da<br />

própria comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> grupos para julgar e pren<strong>de</strong>r pessoas acusadas <strong>de</strong> crimes e <strong>de</strong> romper a lei. A segunda<br />

é formada pelas “socieda<strong>de</strong>s privadas <strong>de</strong> persecução”, que captam recursos privados para processar<br />

criminosos. A terceira é o “vigilantismo”, caracterizado por grupos organizados e extralegais que trabalham à<br />

margem da lei. A quarta é composta pelos “thief-takers” (pessoas/grupos que capturam criminosos) e os<br />

“informantes”. E a quinta e última, as “patrulhas financiadas privadamente”. Para maiores <strong>de</strong>talhes sobre cada<br />

uma <strong>de</strong>las, ver Joh (2005).<br />

34


e do patrimônio mais antigas, i<strong>de</strong>ntificadas por ela, não eram <strong>de</strong>finidas em relação ao<br />

policiamento público e, por isso, são distintas dos serviços privados <strong>de</strong> segurança atuais.<br />

Sobre a segunda afirmação, o argumento é <strong>de</strong> que há limites na comparação entre a<br />

segurança privada e o processo contemporâneo <strong>de</strong> privatizações das prisões,<br />

especificamente porque a primeira, em geral, respon<strong>de</strong> a <strong>de</strong>mandas diretamente privadas<br />

dos atores que contratam o serviço, diferentemente da privatização das prisões, 17 que, em<br />

geral, é uma opção governamental que escolhe transferir para o setor privado suas funções<br />

<strong>de</strong> controle e encarceramento das pessoas que cometem crimes.<br />

Em relação à terceira afirmação, Elizabeth Joh relativiza o argumento <strong>de</strong> que a<br />

segurança privada tem uma função essencial para promoção da segurança, uma vez que<br />

existem diferentes formas <strong>de</strong> serviços privados <strong>de</strong> segurança e alguns <strong>de</strong>les po<strong>de</strong>m não<br />

contribuir positivamente para a segurança em geral, chegando a ser, ao contrário,<br />

prejudiciais.<br />

Quanto à afirmação da divisão <strong>de</strong> trabalho entre atores públicos e privados na<br />

realização da segurança, a autora afirma que não é apenas a diferença entre os responsáveis<br />

pelo serviço, mas também entre objetivos e motivações que qualifica o provimento da<br />

segurança. Assim, não se po<strong>de</strong> afirmar que ambos, automaticamente, contribuem para<br />

promoção da segurança no geral.<br />

Sobre a quinta e última afirmação, a autora argumenta, mais uma vez, que, <strong>de</strong>vido à<br />

complexida<strong>de</strong> da segurança privada, não é possível simplesmente equipará-la à segurança<br />

pública e submetê-la automaticamente às mesmas normas reguladoras.<br />

Realizar o contraponto a essas cinco afirmações recorrentes no <strong>de</strong>bate sobre<br />

segurança privada é importante para que o tema não seja tratado como um “todo monolítico<br />

e uniforme” e possa ser consi<strong>de</strong>rado em toda sua complexida<strong>de</strong>. O fenômeno tratado aqui,<br />

portanto, não é o mesmo dos séculos passados, difere do processo <strong>de</strong> privatização dos<br />

17 Sobre a privatização das prisões, ver Minhoto (2000).<br />

35


presídios, po<strong>de</strong> contribuir para a promoção da segurança <strong>de</strong> uma forma mais ampla (mas<br />

não necessariamente, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo das características específicas do tipo <strong>de</strong> serviço privado<br />

<strong>de</strong> segurança prestado), relaciona-se com a segurança pública e é <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

atores privados, <strong>de</strong>vendo assim, ser regulamentado por uma legislação própria.<br />

Mapa analítico do fenômeno<br />

Para compreen<strong>de</strong>r mais a fundo a caracterização da segurança privada, Elizabeth<br />

Joh (2005) enumera cinco dimensões a serem analisadas, <strong>de</strong> forma a comporem um mapa<br />

analítico que permita o entendimento do fenômeno a partir <strong>de</strong> uma ótica mais reflexiva e<br />

problematizante e menos <strong>de</strong>scritiva. A construção <strong>de</strong>sse mapa analítico ajuda a visualizar o<br />

fenômeno a partir <strong>de</strong> suas importantes variações. As cinco dimensões da segurança privada<br />

são as seguintes: objetivos, recursos, po<strong>de</strong>res legais, jurisdição e estrutura organizacional.<br />

Em relação a seus objetivos, a segurança privada, em suas múltiplas variações, tem<br />

uma característica comum: estes são sempre <strong>de</strong>finidos pelo consumidor do serviço, pelo<br />

cliente, mesmo que sejam diferentes em conteúdo, duração e outros aspectos. Isto já<br />

estabelece uma diferença básica com a segurança pública, uma vez que esta <strong>de</strong>ve buscar<br />

sempre a primazia do interesse público e do bem-estar da coletivida<strong>de</strong>. A prevalência <strong>de</strong><br />

interesses individuais e particularistas orientando ações <strong>de</strong> segurança pública é ilegal.<br />

Sobre os recursos necessários para a existência do setor, há três categorias<br />

principais: os recursos materiais, que provêem os serviços com equipamento técnico<br />

necessário; as tecnologias sociais, que oferecem métodos provenientes das ciências sociais,<br />

contribuindo para organizar e compreen<strong>de</strong>r melhor os diferentes comportamentos humanos;<br />

e as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> profissionais que, no contexto norte americano, são compostas essencialmente<br />

por policiais públicos que migram total ou parcialmente para o setor privado <strong>de</strong><br />

segurança. 18 Essas fontes <strong>de</strong> recursos se distribuem <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>sigual entre os serviços <strong>de</strong><br />

segurança privada, acarretando variações entre eles.<br />

18 Nesse ponto, a autora apresenta um fenômeno que ela chama <strong>de</strong> “old boy network” (“re<strong>de</strong> dos antigos<br />

meninos”), que ocorre quando policiais, aposentados ou não, acessam o banco <strong>de</strong> informações da polícia<br />

36


Em relação à situação legal, não há praticamente um status específico para a<br />

segurança privada e o direito <strong>de</strong> exercer atos relativos à segurança se funda no direito que<br />

qualquer cidadão tem <strong>de</strong> pren<strong>de</strong>r alguém em flagrante <strong>de</strong>lito. Nas palavras <strong>de</strong> Joh (2005, p.<br />

603, tradução nossa): “Muitas polícias privadas não tem mais direitos do que cidadãos<br />

ordinários <strong>de</strong> conduzir <strong>de</strong>tenções, buscas, prisões e interrogatórios <strong>de</strong> pessoas.” 19<br />

Já a abrangência das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> segurança privada (sua jurisdição) é dada em<br />

relação ao po<strong>de</strong>r legal atribuído ao serviço. Assim, se <strong>de</strong>terminada ativida<strong>de</strong> se funda tão<br />

somente no direito <strong>de</strong> qualquer cidadão pren<strong>de</strong>r uma pessoa em flagrante <strong>de</strong>lito, a<br />

jurisdição acompanhará esse direito e terá uma ampla extensão. Se outra ativida<strong>de</strong> refere-se<br />

à proteção limitada a uma proprieda<strong>de</strong> privada, a jurisdição se esten<strong>de</strong>rá aos limites <strong>de</strong>ssa<br />

proprieda<strong>de</strong>. 20<br />

Por fim, em relação à estrutura organizacional, existem duas formas: é possível<br />

contratar uma empresa terceirizada 21 que forneça serviços <strong>de</strong> segurança privada; ou instalar<br />

um <strong>de</strong>partamento próprio <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada empresa ou outro tipo <strong>de</strong> instituição e<br />

pública para subsidiar o trabalho no setor privado. Segundo ela, essa prática, na maioria das vezes ilícita,<br />

ocorre freqüentemente. “Ter oficiais no nosso time, eles po<strong>de</strong>m nem sempre ter a habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> entrar em<br />

certas áreas ou formar contatos, mas (pausa) eles têm seus amigos. Assim, o que eles fazem é abrir as portas<br />

para nós <strong>de</strong> forma que po<strong>de</strong>mos trabalhar dos dois lados da rua.” (CHEZZI apud Joh, 2005, p. 602, tradução<br />

nossa).<br />

No original: “Getting law officers on our team, they may not always have the ability to get into certain areas<br />

or form contacts but—[pause] there are their friends. So what it does is open up the doors for us so we can<br />

work both si<strong>de</strong>s of the street.”<br />

19 No original: “Many private police possess no greater rights than ordinary citizens in conducting <strong>de</strong>tentions,<br />

searches, arrests, and interrogations of persons.”<br />

20 “Com a polícia privada, a fonte da autorida<strong>de</strong> legal <strong>de</strong>fine a jurisdição também, mas com consi<strong>de</strong>rável<br />

maior variação. As ativida<strong>de</strong>s da polícia privada que se fundam apenas nos po<strong>de</strong>res dos cidadãos, <strong>de</strong>vem<br />

realizar suas tarefas na extensão <strong>de</strong> que qualquer indivíduo possa. Em outros casos – como a proteção <strong>de</strong><br />

proprieda<strong>de</strong> privada –, os direitos do cliente sobre a proprieda<strong>de</strong> também vão <strong>de</strong>finir e limitar o po<strong>de</strong>r da<br />

polícia privada.” (JOH, 2005, p. 607, tradução nossa)<br />

No original: “With private police, the source of legal authority <strong>de</strong>fines jurisdiction as well, but with<br />

consi<strong>de</strong>rably more variation. Private police who rely only upon citizen powers may carry out their assigned<br />

tasks to the extent that any private individual could. In other cases - such as the protection of private property<br />

- the legal rights of the client both <strong>de</strong>fine and limit the powers of private police.”<br />

21 Essa forma <strong>de</strong> estrutura organizacional é conhecida como “by contract” (por contrato). Sobre essa<br />

distinção, ver Ocqueteau (1997, p. 191).<br />

37


mantê-lo, 22 sendo essa estrutura conhecida como “in house” (interna) e, no Brasil, também<br />

como “segurança orgânica”.<br />

Tipologia do fenômeno<br />

Elizabeth Joh (2005) apresenta também uma tipologia do fenômeno,<br />

diferenciando quatro tipos específicos <strong>de</strong> serviço <strong>de</strong> segurança privada, no contexto norteamericano,<br />

por meio das cinco dimensões construídas por ela para analisar o fenômeno.<br />

Essa tipologia servirá <strong>de</strong> base para a construção do mo<strong>de</strong>lo brasileiro, apresentado mais<br />

adiante.<br />

22 “Como a polícia privada se encaixa na estrutura organizacional que a emprega? Duas escolhas são<br />

disponíveis para os clientes da segurança privada: contratar os serviços <strong>de</strong> uma agência <strong>de</strong> segurança privada,<br />

como a Kroll Associates ou a Wackenhut Corporation, ou estabelecer um <strong>de</strong>partamento na sua própria<br />

estrutura organizacional. Alguns clientes preferem a polícia privada por contrato, porque é mais barato do que<br />

estabelecer um <strong>de</strong>partamento próprio <strong>de</strong> segurança. O que se ganha em economia, contudo, é perdido em<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contratar e supervisionar os empregados diretamente.” (JOH, 2005, p. 608, tradução nossa).<br />

No original: “How do the private police fit into the organizational structure that employs them? Two choices<br />

are available to clients of private police: either to engage by contract the services of a private police agency,<br />

such as Kroll Associates or the Wackenhut Corporation, or to establish a police <strong>de</strong>partment within its existing<br />

organizational framework. Some clients prefer private policing by contract because the arrangement offers a<br />

less expensive alternative to establishing an internal <strong>de</strong>partment. What is gained in economy, however, is<br />

often lost in the ability to hire and supervise employees directly.”<br />

38


Quadro 1 – Tipos <strong>de</strong> Policiamento Privado<br />

Tipos/<br />

Características<br />

Objetivos Recursos Po<strong>de</strong>res Legais Jurisdição Estrutura<br />

Organizacional<br />

A. Proteção Prevenir a perda Recursos Direito <strong>de</strong> Limites da Tipicamente<br />

material materiais, proprieda<strong>de</strong>, proprieda<strong>de</strong> contratada<br />

tecnologias po<strong>de</strong>res/direitos protegida<br />

sociais e <strong>de</strong> cidadão ou<br />

“old boy <strong>de</strong>legação<br />

network”<br />

B. Inteligência Levantar e Recursos Po<strong>de</strong>res/direitos Muito ampla Incorporada pela<br />

organizar materiais e <strong>de</strong> cidadão ou quando os corporação (“in<br />

informações “old boy nomeação po<strong>de</strong>res/direitos house”/orgânica)<br />

network” judicial <strong>de</strong> cidadãos ou contratada<br />

formam a base<br />

legal<br />

C. Contratada Prover um serviço Recursos Po<strong>de</strong>res/direitos Definidos Supervisionada<br />

Publicamente <strong>de</strong> proteção a uma materiais e <strong>de</strong> cidadão ou conforme o e/ou contratada<br />

agência pública tecnologias <strong>de</strong>legação contrato pela agência<br />

específico sociais<br />

celebrado com pública<br />

a agência<br />

pública<br />

D.<br />

Multidimensional: Recursos Contrato <strong>de</strong> Limites físicos Incorporada pela<br />

Corporativa assessorar no materiais, emprego, e legais da corporação (“in<br />

cálculo e na tecnologias direito <strong>de</strong> corporação house”/orgânica)<br />

prevenção <strong>de</strong> sociais e proprieda<strong>de</strong> e<br />

riscos, proteger “old boy po<strong>de</strong>res/direitos<br />

reputação, network” <strong>de</strong> cidadão<br />

prevenir perdas<br />

materiais e<br />

imateriais<br />

Fonte: Joh (2005, p. 610, tradução nossa).<br />

A partir da análise da tipologia, é possível verificar que existe uma distinção entre<br />

os tipos <strong>de</strong> policiamento “A” e “B” e entre “C” e “D”. Os dois primeiros correspon<strong>de</strong>m a<br />

tipos <strong>de</strong> serviços prestados, <strong>de</strong> proteção ou <strong>de</strong> inteligência, enquanto os outros dois<br />

referem-se a tipos <strong>de</strong> contratação, por órgãos públicos ou orgânicas (“in house”). No<br />

entanto, parece que o mais a<strong>de</strong>quado seria fazer uma distinção somente por tipo <strong>de</strong> serviço<br />

prestado, já que ambos, <strong>de</strong> proteção e <strong>de</strong> inteligência, po<strong>de</strong>m ser realizados por uma<br />

empresa contratada (por um órgão público ou por uma empresa ou ente privado) ou serem<br />

orgânicos e, então, diluir os tipos <strong>de</strong> contratação (tipos “C” e “D”) em mais uma dimensão<br />

(a estrutura organizacional, que já consta na sua tipologia).<br />

39


Esse mapa é importante, contudo, para ajudar a categorizar a realida<strong>de</strong> brasileira e<br />

auxiliar na construção <strong>de</strong> uma tipologia da segurança privada para o Brasil. É necessário,<br />

portanto, explicar mais <strong>de</strong>talhadamente os diferentes tipos trazidos por Joh.<br />

A. Policiamento <strong>de</strong> proteção<br />

Esse tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> tem seu foco prioritário na salvaguarda da proprieda<strong>de</strong><br />

privada contra roubo, furto, violação ou dano e po<strong>de</strong> ser preventiva ou reativa. Em geral, os<br />

profissionais envolvidos nessa ativida<strong>de</strong> são os mais mal remunerados do mercado e não<br />

são formalmente integrados a uma empresa <strong>de</strong> segurança <strong>de</strong> forma regular. Ainda que boa<br />

parte dos clientes seja <strong>de</strong> comerciantes, esses serviços têm se tornado bastante popular entre<br />

associações <strong>de</strong> moradores, que os contratam para proteção dos bairros. Esse tipo <strong>de</strong><br />

ativida<strong>de</strong> é encontrado com freqüência no Brasil e po<strong>de</strong> ser contratado ou orgânico.<br />

B. Ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inteligência<br />

A ativida<strong>de</strong> privilegia o levantamento <strong>de</strong> informações e a investigação em<br />

<strong>de</strong>trimento da apreensão <strong>de</strong> pessoas, sendo composta, prioritariamente, por empresas <strong>de</strong><br />

investigação. No Brasil, esse tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> não é regulamentada pela legislação<br />

específica sobre segurança privada, ainda que seja possível encontrar serviços <strong>de</strong><br />

investigação.<br />

C. Serviços contratados publicamente<br />

Nesse tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>, uma empresa <strong>de</strong> segurança privada é contratada para<br />

substituir um serviço <strong>de</strong> proteção formalmente prestado pelo Estado em alguma agência<br />

pública, que passa apenas a financiar e supervisionar o serviço. Essa ativida<strong>de</strong> também<br />

ocorre muito na realida<strong>de</strong> brasileira, especialmente com a contratação <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong><br />

proteção.<br />

40


D. Corporativa<br />

Se os serviços contratados publicamente substituem o setor público em algumas<br />

tarefas <strong>de</strong> segurança, a segurança corporativa replica um <strong>de</strong>partamento público <strong>de</strong><br />

segurança em um ambiente privado, ou seja, uma empresa implanta internamente um<br />

<strong>de</strong>partamento para cuidar da sua própria segurança (“in house”/orgânica). Via <strong>de</strong> regra,<br />

quanto maior é a empresa, maior é seu <strong>de</strong>partamento interno <strong>de</strong> segurança. Esta ativida<strong>de</strong><br />

também existe no Brasil.<br />

Mo<strong>de</strong>lo brasileiro<br />

Utilizando-se o mapa analítico e a tipologia dos serviços privados <strong>de</strong> segurança<br />

formulados por Elizabeth Joh (2005), é possível <strong>de</strong>senhar o mo<strong>de</strong>lo brasileiro <strong>de</strong> segurança<br />

privada. A partir da <strong>de</strong>finição legal (mais <strong>de</strong>talhada no capítulo 2) e do conceito utilizado<br />

no presente trabalho, foi montado o quadro com a tipologia dos serviços <strong>de</strong> segurança<br />

privada encontrados na realida<strong>de</strong> brasileira, regulares e irregulares.<br />

41


Quadro 2 – Tipos <strong>de</strong> Policiamento Privado no Brasil<br />

Tipos/Características Objetivos Recursos Po<strong>de</strong>res Legais Jurisdição Estrutura<br />

Organizacional<br />

A. Vigilância<br />

Patrimonial<br />

Proteger o<br />

patrimônio<br />

Contratada ou<br />

orgânica<br />

B. Segurança Pessoal Segurança<br />

<strong>de</strong> pessoas<br />

físicas<br />

C. Transporte <strong>de</strong><br />

valores/carga/escolta<br />

armada<br />

D. Formação <strong>de</strong><br />

vigilantes<br />

E. Vigilância<br />

patrimonial<br />

autônoma<br />

F. Serviços <strong>de</strong><br />

investigação<br />

(<strong>de</strong>tetives<br />

particulares)<br />

G. Venda <strong>de</strong><br />

equipamentos <strong>de</strong><br />

segurança (1)<br />

Proteção<br />

ao<br />

transporte<br />

<strong>de</strong> valores<br />

e outras<br />

cargas<br />

Recrutar,<br />

selecionar,<br />

formar e<br />

reciclar<br />

vigilantes<br />

Proteger o<br />

patrimônio<br />

Investigar<br />

diferentes<br />

tipos <strong>de</strong><br />

situações<br />

<strong>de</strong> forma<br />

“secreta”<br />

Proteger o<br />

patrimônio<br />

Recursos<br />

materiais e<br />

re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

profissionais<br />

Recursos<br />

materiais e<br />

re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

profissionais<br />

Recursos<br />

materiais e<br />

re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

profissionais<br />

Recursos<br />

materiais e<br />

tecnologias<br />

sociais<br />

Recursos<br />

materiais sem<br />

formação<br />

a<strong>de</strong>quada<br />

Recursos<br />

materiais sem<br />

formação<br />

a<strong>de</strong>quada<br />

_<br />

Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, Lei Fe<strong>de</strong>ral<br />

nº 7.102/83 e<br />

Portaria/MJ nº<br />

387/06<br />

Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, Lei Fe<strong>de</strong>ral<br />

nº 7.102/83 e<br />

Portaria/MJ nº<br />

387/06<br />

Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, Lei Fe<strong>de</strong>ral<br />

nº 7.102/83 e<br />

Portaria/MJ nº<br />

387/06<br />

Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, Lei Fe<strong>de</strong>ral<br />

nº 7.102/83 e<br />

Portaria/MJ nº<br />

387/06<br />

Não é regulada por<br />

lei específica,<br />

po<strong>de</strong>ndo<br />

excepcionalmente,<br />

ser equiparada ao<br />

trabalho autônomo<br />

ou eventual<br />

Ativida<strong>de</strong> irregular,<br />

não há nenhuma lei<br />

que regulamente<br />

esse tipo <strong>de</strong><br />

ativida<strong>de</strong><br />

Ativida<strong>de</strong> regulada<br />

pelo setor <strong>de</strong> venda<br />

<strong>de</strong> equipamentos<br />

eletrônicos<br />

Limite da<br />

proprieda<strong>de</strong><br />

protegida<br />

Acompanha<br />

a pessoa a<br />

ser<br />

protegida<br />

Acompanha<br />

o objeto a<br />

ser<br />

protegido<br />

_<br />

Não tem<br />

jurisdição<br />

<strong>de</strong>finida,<br />

em geral,<br />

acompanha<br />

a rua ou o<br />

espaço a ser<br />

protegido<br />

Não tem<br />

jurisdição<br />

<strong>de</strong>finida<br />

_<br />

Contratada<br />

Contratada ou<br />

orgânica<br />

(apenas para<br />

transporte <strong>de</strong><br />

valores)<br />

Contratada<br />

Contratada<br />

irregularmente<br />

Contratada<br />

irregularmente<br />

Contratada.<br />

Muitas<br />

trabalham<br />

juntamente com<br />

empresas <strong>de</strong><br />

vigilância<br />

patrimonial<br />

(1) São exemplos <strong>de</strong> equipamentos <strong>de</strong> segurança: sistemas <strong>de</strong> alarme; circuitos internos <strong>de</strong> televisão; cercas<br />

elétricas; <strong>de</strong>tectores <strong>de</strong> metais; equipamento <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> acesso; iluminação <strong>de</strong> emergência; sensores <strong>de</strong><br />

presença; portões; interfones e fechaduras elétricos; e equipamentos <strong>de</strong> rastreamento.<br />

42


É importante ressaltar que os recursos disponíveis para os serviços <strong>de</strong> segurança, no<br />

Brasil, são distintos daqueles presentes na realida<strong>de</strong> norte-americana. Os recursos materiais<br />

são os que mais obviamente se assemelham, já que se referem a equipamentos, tecnologia e<br />

infra-estrutura, necessários e disponíveis, ainda que em proporções diferentes, nos diversos<br />

contextos. Em relação às tecnologias sociais, no Brasil ainda há pouco conhecimento<br />

<strong>de</strong>senvolvido sobre essa área que seja útil ao setor e o que possa ser efetivamente entendido<br />

como tecnologia social. Já a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> profissionais é o ponto mais difícil <strong>de</strong> fazer a<br />

comparação. No Brasil, falta informação precisa e <strong>de</strong>talhada sobre a composição da re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

profissionais da segurança privada, no entanto, sabe-se que parte é formada por policiais,<br />

que ilegalmente fazem “bico” ou são os donos/diretores <strong>de</strong> empresas, e por pessoas cuja<br />

formação não é garantida, em razão <strong>de</strong> parte significativa prestar serviços em empresas<br />

clan<strong>de</strong>stinas. Nos Estados Unidos, o setor é mais estruturado e, mesmo para os policiais que<br />

trabalham no setor, há formas <strong>de</strong> institucionalizá-los e fiscalizá-los.<br />

43


CAPITULO 2 - REGULAMENTAÇÃO, FISCALIZAÇÃO E<br />

CONTROLE DO SETOR<br />

Levantamento e Análise da Legislação Relativa à Segurança Privada no<br />

Brasil<br />

A normatização da segurança privada no Brasil teve início no período ditatorial,<br />

com o principal objetivo <strong>de</strong> servir à segurança nacional, focando o controle <strong>de</strong> assaltos<br />

terroristas a bancos. Em 21 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1969, foi promulgado o Decreto Fe<strong>de</strong>ral nº 1.034,<br />

que estabeleceu a obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> segurança privada nas instituições<br />

financeiras, particularmente nos bancos (CALDEIRA, 2000, p. 196).<br />

Des<strong>de</strong> então, po<strong>de</strong>m ser i<strong>de</strong>ntificadas três fases <strong>de</strong> normatização da segurança<br />

privada no país: entre 1969 e 1983; <strong>de</strong> 1983 a 1995; e <strong>de</strong>ste último ano até a atualida<strong>de</strong>.<br />

A primeira fase <strong>de</strong>finiu muito vagamente a forma dos serviços <strong>de</strong> segurança privada<br />

e estabeleceu aos Estados, por meio das Secretarias <strong>de</strong> Segurança Pública e dos chefes das<br />

polícias civis, a responsabilida<strong>de</strong> pela fiscalização e controle dos serviços nas suas áreas e<br />

às polícias civis a função <strong>de</strong> fornecer instrução e testar as capacida<strong>de</strong>s dos vigilantes. Entre<br />

1969 e 1983, o Banco Central era responsável por fiscalizar a segurança bancária, o<br />

Ministério do Exército responsável pelo controle <strong>de</strong> armas e as Secretarias <strong>de</strong> Segurança <strong>de</strong><br />

cada Estado, com relativa autonomia, criavam suas próprias normas para regular o<br />

funcionamento das empresas. “Esta fiscalização ocorreu sempre <strong>de</strong> maneira muito precária,<br />

tanto em função <strong>de</strong>sta fragmentação <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>s, como também da falta <strong>de</strong> aparato<br />

próprio e eficiente pelos órgãos responsáveis.” (HERINGER, 1992, p. 37).<br />

Em 1983, dando início à segunda fase, foi aprovada a Lei Fe<strong>de</strong>ral nº 7.102, que até<br />

hoje é a que regulamenta o setor e traz <strong>de</strong>finições mais <strong>de</strong>talhadas sobre os serviços. “A Lei<br />

7.102 transferiu o treinamento dos vigilantes da polícia para o setor privado e o controle<br />

dos serviços e empresas <strong>de</strong> segurança privada das secretarias <strong>de</strong> segurança pública<br />

estaduais e da polícia civil para o Ministério da Justiça e a Polícia Fe<strong>de</strong>ral.” (CALDEIRA,<br />

2000, p. 197). A lei também regulamentou o porte <strong>de</strong> armas pelos vigilantes. No entanto, a<br />

promulgação <strong>de</strong>ssa lei não resolveu, e tampouco esclareceu, todos os pontos relevantes para<br />

44


o setor, tendo sua regulamentação <strong>de</strong>morado quase seis meses para ser expedida (Decreto<br />

nº 89.056, <strong>de</strong> 23.11.83) (HERINGER, 1992, p. 41).<br />

A terceira fase é marcada pela alteração da Lei Fe<strong>de</strong>ral nº 7.102/83, por meio das<br />

Leis Fe<strong>de</strong>rais nº 8.863/94 e nº 9.017/95. Houve ampliação da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> segurança<br />

privada, com inclusão dos serviços <strong>de</strong> segurança orgânica, criação <strong>de</strong> requisitos mínimos<br />

para as empresas e contratantes, e transferência exclusivamente para a Polícia Fe<strong>de</strong>ral, da<br />

responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fiscalizar e controlar a segurança privada.<br />

Além <strong>de</strong>ssas leis, em 28 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2006 foi publicada a Portaria nº 387/2006,<br />

pelo Departamento da Polícia Fe<strong>de</strong>ral do Ministério da Justiça, que traz outras alterações,<br />

mas que, principalmente, busca consolidar a legislação sobre o setor, esparsa e<br />

<strong>de</strong>sorganizada. Atualmente essa é a norma mais completa e que contém todas as<br />

informações relevantes sobre a segurança privada no país, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a conceituação dos<br />

serviços, até as penalida<strong>de</strong>s, procedimentos variados, <strong>de</strong>finição dos vigilantes e dos<br />

requisitos específicos para cada modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>.<br />

Essa Portaria traz uma gran<strong>de</strong> inovação na legislação sobre segurança privada no<br />

Brasil, uma vez que estabelece princípios e valores claros para o setor. Ainda é cedo para<br />

afirmar se, com essa Portaria, inaugura-se uma nova fase na normatização da segurança<br />

privada no Brasil, mas que há inovações, isso é inegável.<br />

Nesse instrumento legal, a idéia <strong>de</strong> política <strong>de</strong> segurança privada (art. 1º, par. 1º)<br />

envolve a gestão pública e as classes patronal e laboral, ou seja, menciona-se uma política<br />

<strong>de</strong> segurança privada englobando a tría<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r público, empregadores e empregados.<br />

Além disso, são apontados princípios aos quais as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> segurança privada <strong>de</strong>vem<br />

se submeter: da dignida<strong>de</strong> da pessoa; das relações públicas; da satisfação do usuário final;<br />

da prevenção e ostensivida<strong>de</strong> para dar visibilida<strong>de</strong> ao público em geral; da pró-ativida<strong>de</strong><br />

para evitar ou minimizar os efeitos nefastos dos eventos danosos; do aprimoramento<br />

técnico-profissional dos seus quadros, inclusive com a criação <strong>de</strong> divisões especializadas<br />

pelas empresas para permitir um crescimento sustentado em todas as áreas do negócio; da<br />

45


viabilida<strong>de</strong> econômica dos empreendimentos regulados; e da observância das disposições<br />

que regulam as relações <strong>de</strong> trabalho. Nota-se claramente a preocupação em <strong>de</strong>finir uma<br />

segurança privada que quer crescer respeitando direitos civis, com vistas à sustentabilida<strong>de</strong><br />

e ao aperfeiçoamento do setor.<br />

As diferentes leis revelam uma mudança na forma pela qual os serviços <strong>de</strong><br />

segurança privada têm sido enquadrados no Brasil. Inicialmente, eles<br />

estiveram subordinados a uma política <strong>de</strong> segurança nacional e a um estrito<br />

controle da polícia. Com a segunda lei, esse controle foi relaxado e os<br />

regulamentos trabalhistas aumentaram. O que tinha sido um instrumento<br />

para lutar contra a oposição política foi adaptado para lutar contra a<br />

criminalida<strong>de</strong>. A terceira lei, assinada durante o regime <strong>de</strong>mocrático e<br />

seguindo a rápida expansão dos serviços <strong>de</strong> segurança em resposta às<br />

crescentes preocupações da população, tenta esten<strong>de</strong>r o controle do Estado<br />

para compreen<strong>de</strong>r todo o mercado <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> segurança (CALDEIRA,<br />

2000, p. 198).<br />

É preciso ter em conta que a normatização sobre a segurança privada no país tem<br />

um pouco a cara <strong>de</strong> “colcha <strong>de</strong> retalhos”, tendo passado por inúmeras alterações <strong>de</strong> forma<br />

pouco sistemática, o que cria dificulda<strong>de</strong>s operacionais tanto para as próprias empresas<br />

como para os órgãos fiscalizadores (COELHO, 2006, p. 6).<br />

A publicação da Portaria nº 397/2006 é um esforço <strong>de</strong> organização e consolidação<br />

da legislação e inaugura também uma nova forma <strong>de</strong> conceber a segurança privada,<br />

revelando uma preocupação em inserí-la como uma política mais ampla, com o<br />

envolvimento do Estado e dos setores laboral e patronal, e inserindo valores e princípios<br />

sobre a forma pela qual a segurança privada <strong>de</strong>ve ser prestada. Essa nova idéia ainda é<br />

pouco clara e, na prática, revela poucos resultados em termos <strong>de</strong> mudança <strong>de</strong> concepção.<br />

No entanto, a alteração é recente. Vale aguardar um pouco para avaliar seus resultados.<br />

Além da normativida<strong>de</strong> específica sobre a segurança privada, o artigo 144 da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 assim dispõe sobre a segurança pública:<br />

46


A segurança pública, <strong>de</strong>ver do Estado, direito e responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos, é<br />

exercida para a preservação da or<strong>de</strong>m pública e da incolumida<strong>de</strong> das pessoas e<br />

do patrimônio, através dos seguintes órgãos:<br />

I - polícia fe<strong>de</strong>ral; II - polícia rodoviária fe<strong>de</strong>ral;III - polícia ferroviária fe<strong>de</strong>ral;<br />

IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos <strong>de</strong> bombeiros militares.<br />

Ainda que a Constituição Fe<strong>de</strong>ral atribua a todos a responsabilida<strong>de</strong> pela segurança<br />

pública, cabe a alguns órgãos específicos sua manutenção e promoção. São eles a Polícia<br />

Fe<strong>de</strong>ral (também a rodoviária e ferroviária) e as Polícias Civis e Militares (também os<br />

bombeiros) dos Estados. Existem, assim, uma Polícia Fe<strong>de</strong>ral e pelo menos 54 polícias<br />

estaduais responsáveis pela segurança pública no país. No entanto, não há nada específico<br />

na Constituição Fe<strong>de</strong>ral sobre segurança privada, apenas na legislação infra-constitucional.<br />

Definições legais<br />

Serviços <strong>de</strong> segurança privada<br />

A Lei Fe<strong>de</strong>ral nº 7.102, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1983, 23 e a Portaria nº 387/2006 do<br />

Departamento da Polícia Fe<strong>de</strong>ral do Ministério da Justiça estabelecem que os serviços <strong>de</strong><br />

segurança privada assim se divi<strong>de</strong>m:<br />

- vigilância patrimonial: exercida <strong>de</strong>ntro dos limites dos prédios e edificações, urbanos<br />

ou rurais, públicos ou privados, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> proteger os bens patrimoniais;<br />

23 A Lei Fe<strong>de</strong>ral nº 7.102, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1983, foi regulamentada pelo Decreto Fe<strong>de</strong>ral nº 89.056/83 e<br />

alterada pelas Leis Fe<strong>de</strong>rais nº 8.863/94 e nº 9.017/95, respectivamente. Vale esclarecer que antes da<br />

promulgação <strong>de</strong>ssa Lei Fe<strong>de</strong>ral sobre segurança privada, no Estado <strong>de</strong> São Paulo, o Decreto Estadual nº<br />

50.301/68 (alterado pelos Decretos Estaduais nº 51.422/69 e nº 37/72) regulamentava o artigo 32 da antiga<br />

Lei Orgânica da Polícia (Lei Estadual nº 10.123/68), cujo objetivo era organizar o funcionamento das guardas<br />

municipais, guardas noturnas, transportes <strong>de</strong> valores e vigilantes particulares. Por esse Decreto, as ativida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> segurança privada <strong>de</strong>viam ser fiscalizadas pelas <strong>de</strong>legacias <strong>de</strong> polícia dos Estados, sendo, portanto, uma<br />

competência <strong>de</strong>scentralizada e estadual. “Até 1983 as empresas <strong>de</strong> segurança eram fiscalizadas pelos<br />

governos estaduais, cada um seguindo suas próprias portarias. Isso se tornava um impedimento às empresas<br />

que pretendiam expandir seus negócios em estados diferentes. A intenção em instalar uma filial, em outro<br />

estado, significava encontrar inúmeros bloqueios políticos e judiciais que eram superados através do lobby<br />

entre empresários e políticos.” (CUBAS, 2005, pp. 78/79). Em agosto <strong>de</strong> 2006, foi publicada a Portaria nº<br />

387/2006 que alterou e consolidou toda a legislação fe<strong>de</strong>ral sobre segurança privada no Brasil.<br />

47


- segurança pessoal: exercida com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> garantir a incolumida<strong>de</strong> física <strong>de</strong><br />

pessoas;<br />

- transporte <strong>de</strong> valores: consiste no transporte <strong>de</strong> numerário, bens ou valores, mediante<br />

a utilização <strong>de</strong> veículos, comuns ou especiais;<br />

- escolta armada: visa garantir o transporte <strong>de</strong> qualquer tipo <strong>de</strong> carga ou <strong>de</strong> valores;<br />

- curso <strong>de</strong> formação: tem por finalida<strong>de</strong> formar, especializar e reciclar os vigilantes.<br />

A Portaria nº 387/2006 distingue as empresas especializadas daquelas possuidoras<br />

<strong>de</strong> serviços orgânicos <strong>de</strong> segurança:<br />

- empresas especializadas: são prestadoras <strong>de</strong> serviço <strong>de</strong> segurança privada, autorizadas<br />

a exercer as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> vigilância patrimonial, transporte <strong>de</strong> valores, escolta armada,<br />

segurança pessoal e cursos <strong>de</strong> formação;<br />

- empresas possuidoras <strong>de</strong> serviços orgânicos <strong>de</strong> segurança: são aquelas não<br />

especializadas (objeto econômico diverso da promoção da segurança privada),<br />

autorizadas a constituir um setor próprio <strong>de</strong> vigilância patrimonial ou <strong>de</strong> transporte <strong>de</strong><br />

valores.<br />

Tanto a Lei Fe<strong>de</strong>ral nº 7.102/83 como a Portaria nº 387/2006 obrigam todo<br />

estabelecimento financeiro on<strong>de</strong> haja guarda <strong>de</strong> valores ou manutenção <strong>de</strong> numerário a<br />

manter serviços privados <strong>de</strong> segurança, o que acarreta também a obrigação <strong>de</strong> que tais<br />

estabelecimentos possuam plano <strong>de</strong> segurança 24 <strong>de</strong>vidamente aprovado pelas Delegacias <strong>de</strong><br />

Segurança Privada ou Comissões <strong>de</strong> Vistoria (explicadas mais adiante). Um plano <strong>de</strong><br />

segurança <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>screver todos os elementos do sistema <strong>de</strong> segurança 25 .<br />

24 Em conversa informal com seguranças <strong>de</strong> agências bancárias, foi possível i<strong>de</strong>ntificar que a percepção <strong>de</strong>les<br />

é <strong>de</strong> que a obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> apresentar o Plano <strong>de</strong> Segurança é uma boa forma <strong>de</strong> fiscalizar as empresas que<br />

prestam serviços em bancos ou os bancos que possuam segurança orgânica.<br />

25 O artigo 62 da Portaria nº 387/2006 prevê os seguintes requisitos para um plano <strong>de</strong> segurança completo: I - a<br />

quantida<strong>de</strong> e a disposição dos vigilantes, a<strong>de</strong>quadas às peculiarida<strong>de</strong>s do estabelecimento, sua localização,<br />

área, instalações e encaixe; II - alarme capaz <strong>de</strong> permitir, com rapi<strong>de</strong>z e segurança, comunicação com outro<br />

estabelecimento, bancário ou não, da mesma instituição financeira, empresa <strong>de</strong> segurança ou órgão policial;<br />

III - equipamentos hábeis a captar e gravar, <strong>de</strong> forma imperceptível, as imagens <strong>de</strong> toda movimentação <strong>de</strong><br />

público no interior do estabelecimento, as quais <strong>de</strong>verão permanecer armazenadas em meio eletrônico por um<br />

período mínimo <strong>de</strong> 30 (trinta) dias; IV - artefatos que retar<strong>de</strong>m a ação dos criminosos, permitindo sua<br />

perseguição, i<strong>de</strong>ntificação ou captura; V - anteparo blindado com permanência ininterrupta <strong>de</strong> vigilante<br />

48


Coelho (2006, p. 3), analisando comparativamente a legislação brasileira sobre<br />

segurança privada com a <strong>de</strong> outros países, faz uma importante crítica sobre o escopo <strong>de</strong><br />

nossa legislação.<br />

Vale lembrar que a segurança privada po<strong>de</strong> ser vista como um só negócio,<br />

mas na realida<strong>de</strong> contém vários segmentos e cada um <strong>de</strong>les possui uma<br />

dinâmica própria, com variáveis regionais e locais. Ativida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong>senvolvidas nos diferentes setores como: segurança eletrônica, alarmes,<br />

cercas elétricas, blindagem <strong>de</strong> veículos e edifícios, circuito fechado <strong>de</strong><br />

televisão, investigações particulares encontram-se <strong>de</strong>samparados pela<br />

legislação, tal qual a segurança privada <strong>de</strong>sarmada, que mesmo diante da<br />

franca expansão a mais <strong>de</strong> uma década, não se tem conhecimento da<br />

existência <strong>de</strong> algum tipo <strong>de</strong> regulamento em nível Fe<strong>de</strong>ral, Estadual ou<br />

Municipal (COELHO, 2006, p. 3).<br />

Nesse ponto <strong>de</strong> vista, há uma importante lacuna legislativa em relação a esses outros<br />

serviços <strong>de</strong> segurança, já que a lei atual somente atinge a vigilância patrimonial, segurança<br />

pessoal, transporte <strong>de</strong> valores, escolta armada e curso <strong>de</strong> formação, com uso <strong>de</strong> arma <strong>de</strong><br />

fogo.<br />

É preciso atentar para esse fato. O conceito <strong>de</strong> segurança privada utilizado neste<br />

estudo é mais amplo e engloba também esses tipos <strong>de</strong> serviços, embora os mesmos não<br />

sejam objetos <strong>de</strong> regulação específica.<br />

Vigilantes<br />

A Portaria nº 387/2006 <strong>de</strong>fine que vigilante é o profissional capacitado pelos cursos<br />

<strong>de</strong> formação, empregado 26 das empresas especializadas e daquelas que possuem serviço<br />

orgânico <strong>de</strong> segurança, registrados no DPF, responsáveis pela execução das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

durante o expediente para o público e enquanto houver movimentação <strong>de</strong> numerário no interior do<br />

estabelecimento.<br />

26 Conforme o artigo 3º da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), empregado é toda pessoa física que<br />

presta serviços <strong>de</strong> natureza não eventual a empregador, sob a <strong>de</strong>pendência <strong>de</strong>ste e mediante salário.<br />

49


segurança privada. Os requisitos para o exercício da profissão são: ser brasileiro; ter no<br />

mínimo 21 anos; ensino fundamental completo; ter sido aprovado no curso <strong>de</strong> vigilante; ter<br />

sido aprovado em exame <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> física e mental e psicotécnico; não ter antece<strong>de</strong>ntes<br />

criminais; estar quite com as obrigações eleitorais e militares; e possuir CPF (certificado <strong>de</strong><br />

pessoa física).<br />

É importante esclarecer que o vigilante <strong>de</strong> que se trata aqui é aquele com vínculo<br />

empregatício com a empresa, seja <strong>de</strong> segurança privada, seja na segurança orgânica, o que é<br />

distinto dos “vigias, vigilantes ou guardas <strong>de</strong> ruas ou noturnos”, que não são vinculados e<br />

nenhuma empresa. Assim, ao vigilante é garantido o fornecimento <strong>de</strong> carteira <strong>de</strong> trabalho e<br />

previdência social e, sendo ele um empregado, tem treinamento específico para exercer seu<br />

ofício com arma <strong>de</strong> fogo, armamento que não é <strong>de</strong>le próprio, mas da empresa e cujo porte<br />

só po<strong>de</strong> acontecer quando estiver estritamente em serviço.<br />

Para os outros “vigias, vigilantes ou guardas <strong>de</strong> ruas ou noturnos” não há<br />

regulamentação legal específica. Eventualmente, tais serviços po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>rados<br />

autônomos ou eventuais, mas não serão regidos pela CLT, ainda que os mesmos não se<br />

enquadrem na legislação específica <strong>de</strong> segurança privada, configurando, portanto, situação<br />

irregular na prestação privada <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> segurança.<br />

Assim, o vigilante tem também assegurada uma série <strong>de</strong> direitos e prerrogativas, tais<br />

como:<br />

- uniforme especial fornecido pela empresa;<br />

- porte <strong>de</strong> arma, quando em serviço;<br />

- prisão especial <strong>de</strong>corrente do serviço;<br />

- seguro <strong>de</strong> vida em grupo, feito pela empresa empregadora;<br />

- utilização <strong>de</strong> materiais e equipamentos em perfeito funcionamento e estado <strong>de</strong><br />

conservação, inclusive armas e munições;<br />

- utilização <strong>de</strong> sistema <strong>de</strong> comunicação em perfeito estado <strong>de</strong> funcionamento;<br />

- treinamento permanente <strong>de</strong> prática <strong>de</strong> tiro e <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa pessoal.<br />

50


Para exercer a profissão, o vigilante <strong>de</strong>ve possuir a Carteira Nacional <strong>de</strong> Vigilante<br />

(CNV), conforme dispõe a Portaria nº 891/99, emitida pelo Departamento <strong>de</strong> Polícia<br />

Fe<strong>de</strong>ral (DPF), só po<strong>de</strong>ndo obtê-la o vigilante que comprovar vínculo empregatício com a<br />

empresa e possuir curso <strong>de</strong> formação <strong>de</strong>ntro do prazo <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> (artigo 11 e seguintes da<br />

Portaria nº 387/2006).<br />

A Portaria nº 387/2006 estabelece alguns <strong>de</strong>veres aos vigilantes:<br />

- exercer suas ativida<strong>de</strong>s com urbanida<strong>de</strong>, probida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>nodo;<br />

- utilizar, a<strong>de</strong>quadamente, o uniforme autorizado, apenas em serviço;<br />

- portar a Carteira Nacional <strong>de</strong> Vigilante - CNV;<br />

- manter-se adstrito ao local sob vigilância, observando-se as peculiarida<strong>de</strong>s das ativida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> transporte <strong>de</strong> valores, escolta armada e segurança pessoal;<br />

- comunicar, ao seu superior hierárquico, quaisquer inci<strong>de</strong>ntes ocorridos no serviço, assim<br />

como quaisquer irregularida<strong>de</strong>s relativas ao equipamento que utiliza, em especial quanto ao<br />

armamento, munições e colete à prova <strong>de</strong> balas, não se eximindo o empregador do <strong>de</strong>ver <strong>de</strong><br />

fiscalização.<br />

A mesma Portaria (artigo 119) estabelece ainda que cabe às empresas apurar o<br />

envolvimento <strong>de</strong> seus vigilantes em serviço com ocorrências <strong>de</strong> crimes contra o patrimônio<br />

e contra a organização do trabalho, juntando boletim <strong>de</strong> ocorrência e outros documentos e<br />

também <strong>de</strong> encaminhar ao órgão competente da Polícia Fe<strong>de</strong>ral tais documentos para que a<br />

informação sobre o envolvimento (comprovado) <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado vigilante com crimes seja<br />

passada para outras empresas <strong>de</strong> segurança em nível nacional.<br />

Fiscalização<br />

Em relação à fiscalização direta dos serviços prestados pelas empresas <strong>de</strong> segurança<br />

privada, a Lei Fe<strong>de</strong>ral nº 7.102/83 e a Portaria nº 387/2006 dispõem que esta competência é<br />

do Ministério da Justiça, por meio do Departamento <strong>de</strong> Polícia Fe<strong>de</strong>ral (DPF).<br />

51


As principais atribuições <strong>de</strong> fiscalização são: concessão <strong>de</strong> autorização para<br />

funcionamento <strong>de</strong> empresas; fiscalização das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> tais empresas; aplicação <strong>de</strong><br />

penalida<strong>de</strong>s por irregularida<strong>de</strong>s; aprovação <strong>de</strong> uniforme; e fixação <strong>de</strong> currículo <strong>de</strong> formação<br />

<strong>de</strong> vigilantes.<br />

Para que as empresas sejam autorizadas a funcionar em suas diversas modalida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> atuação, elas <strong>de</strong>vem preencher alguns requisitos formais e materiais, tais como:<br />

comprovante do pagamento da taxa específica do setor <strong>de</strong> atuação; comprovante da<br />

regularida<strong>de</strong> civil, comercial e trabalhista da empresa; certificado <strong>de</strong> antece<strong>de</strong>ntes criminais<br />

dos sócios responsáveis pela empresa; memorial <strong>de</strong>scritivo do uniforme dos vigilantes; e<br />

instalações físicas a<strong>de</strong>quadas ao trabalho, com todos os aparatos <strong>de</strong> segurança necessários<br />

inclusive com local específico para o armazenamento <strong>de</strong> armas e munições. Esses são os<br />

requisitos gerais para as diferentes modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> atuação, havendo ainda outros<br />

específicos, conforme varia a modalida<strong>de</strong>. 27<br />

Cabe ainda ao DPF a aprovação do plano <strong>de</strong> segurança dos estabelecimentos<br />

financeiros, a revisão da autorização <strong>de</strong> funcionamento das empresas e a emissão da<br />

Carteira Nacional <strong>de</strong> Vigilante (CNV).<br />

A Portaria nº 387/2006 também enumera as penalida<strong>de</strong> aplicáveis às empresas que<br />

apresentam irregularida<strong>de</strong>s: advertência; multa, que varia <strong>de</strong> 500 a 5.000 UFIR; proibição<br />

temporária <strong>de</strong> funcionamento; e cancelamento da autorização <strong>de</strong> funcionamento (ver artigos<br />

120 a 134). A maioria <strong>de</strong>ssas irregularida<strong>de</strong>s trata <strong>de</strong> questões burocráticas e normativas,<br />

sobre documentação, treinamento e capacitação, com exceção da apuração administrativa<br />

<strong>de</strong> crimes cometidos por vigilantes em serviço e manipulação <strong>de</strong> armas em po<strong>de</strong>r da<br />

empresa. Há também a previsão <strong>de</strong> pena <strong>de</strong> multa para a empresa que executar ou<br />

contribuir, <strong>de</strong> qualquer forma, para o exercício da ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> segurança privada não<br />

autorizada, o que po<strong>de</strong> ser uma tentativa <strong>de</strong> punir o exercício irregular da ativida<strong>de</strong>, mas<br />

27 Para <strong>de</strong>talhes dos requisitos específicos para autorização <strong>de</strong> funcionamento das empresas nas diferentes<br />

modalida<strong>de</strong>s e outras atribuições do DPF, ver Decretos Fe<strong>de</strong>rais nº 89.056/83 e nº 1.592/95 e, mais atualizada,<br />

a Portaria nº 387/2006.<br />

52


esse preceito é tão genérico que fica difícil saber exatamente do que se trata “o exercício <strong>de</strong><br />

ativida<strong>de</strong> não autorizada”.<br />

Além das penalida<strong>de</strong>s gerais para as empresas que cometem irregularida<strong>de</strong>s, existe<br />

uma previsão específica para a execução não autorizada <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> segurança privada,<br />

ou seja, as empresas clan<strong>de</strong>stinas (ver artigo 148). Ao constatar a existência <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong><br />

empresa, o órgão responsável da Polícia Fe<strong>de</strong>ral (Delesp ou CV, <strong>de</strong>talhados mais adiante)<br />

<strong>de</strong>verá lavrar auto <strong>de</strong> encerramento das ativida<strong>de</strong>s e realizar todos os atos até a instauração<br />

da ação penal, quando cabível. De toda forma, vale ainda hoje a constatação feita por<br />

Rosana Heringer, em 1992, <strong>de</strong> que não há dispositivos materiais <strong>de</strong> conteúdo que<br />

explicitem que são irregularida<strong>de</strong>s passíveis <strong>de</strong> punição o mau cumprimento do serviço <strong>de</strong><br />

segurança privada ou abusos cometidos por vigilantes no exercício <strong>de</strong> sua função<br />

(HERINGER, 1992).<br />

Porte <strong>de</strong> arma<br />

Ao empregado do setor da segurança privada (o vigilante), é facultado o uso <strong>de</strong><br />

arma <strong>de</strong> fogo apenas quando estiver em serviço. Essa autorização é dada pela Lei Fe<strong>de</strong>ral nº<br />

10.826/03, mais conhecida como Estatuto do Desarmamento, que em seu artigo 6º, VIII,<br />

autoriza o porte <strong>de</strong> arma para as empresas <strong>de</strong> segurança privada e <strong>de</strong> transporte <strong>de</strong> valores.<br />

É importante esclarecer que as armas <strong>de</strong> fogo utilizadas pelos vigilantes são <strong>de</strong><br />

proprieda<strong>de</strong>, responsabilida<strong>de</strong> e guarda das próprias empresas, no caso <strong>de</strong> estabelecimentos<br />

financeiros, empresas <strong>de</strong> segurança ou nos casos <strong>de</strong> segurança orgânica, sendo o<br />

proprietário ou diretor da empresa o responsável civil e criminalmente pelo uso irregular do<br />

armamento. 28<br />

28 O Estatuto do Desarmamento assim dispõe:<br />

Art. 7º As armas <strong>de</strong> fogo utilizadas pelos empregados das empresas <strong>de</strong> segurança privada e <strong>de</strong> transporte <strong>de</strong><br />

valores, constituídas na forma da lei, serão <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, responsabilida<strong>de</strong> e guarda das respectivas<br />

empresas, somente po<strong>de</strong>ndo ser utilizadas quando em serviço, <strong>de</strong>vendo essas observar as condições <strong>de</strong> uso e<br />

<strong>de</strong> armazenagem estabelecidas pelo órgão competente, sendo o certificado <strong>de</strong> registro e a autorização <strong>de</strong> porte<br />

expedidos pela Polícia Fe<strong>de</strong>ral em nome da empresa.<br />

§ 1º O proprietário ou diretor responsável <strong>de</strong> empresa <strong>de</strong> segurança privada e <strong>de</strong> transporte <strong>de</strong> valores<br />

respon<strong>de</strong>rá pelo crime previsto no parágrafo único do art. 13 <strong>de</strong>sta Lei, sem prejuízo das <strong>de</strong>mais sanções<br />

53


A Portaria nº 387/2006 passou a estabelecer pormenorizadamente os requisitos e<br />

todo o procedimento para aquisição dos “produtos controlados e acessórios” (armas,<br />

munições e petrechos), criando um processo rigoroso para a aquisição e manutenção <strong>de</strong>sses<br />

produtos, o que permite maior controle sobre a proprieda<strong>de</strong>, a posse e o porte <strong>de</strong> armas. Os<br />

limites para o uso da força letal, no entanto, aparecem nas propostas <strong>de</strong> programas <strong>de</strong> curso<br />

<strong>de</strong> formação e reciclagem dos vigilantes, que entram como anexo na Portaria nº 387/06.<br />

Estrutura <strong>de</strong> Fiscalização e Controle da Segurança Privada no Brasil<br />

Estrutura institucional <strong>de</strong> fiscalização e controle da segurança privada do Departamento<br />

da Polícia Fe<strong>de</strong>ral (DPF)<br />

O DPF, responsável por todo o controle e fiscalização sobre segurança privada,<br />

conta com a seguinte estrutura institucional:<br />

administrativas e civis, se <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> registrar ocorrência policial e <strong>de</strong> comunicar à Polícia Fe<strong>de</strong>ral perda, furto,<br />

roubo ou outras formas <strong>de</strong> extravio <strong>de</strong> armas <strong>de</strong> fogo, acessórios e munições que estejam sob sua guarda, nas<br />

primeiras 24 (vinte e quatro) horas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ocorrido o fato.<br />

§ 2º A empresa <strong>de</strong> segurança e <strong>de</strong> transporte <strong>de</strong> valores <strong>de</strong>verá apresentar documentação comprobatória do<br />

preenchimento dos requisitos constantes do art. 4º <strong>de</strong>sta Lei quanto aos empregados que portarão arma <strong>de</strong><br />

fogo.<br />

§ 3º A listagem dos empregados das empresas referidas neste artigo <strong>de</strong>verá ser atualizada semestralmente<br />

junto ao Sinarm.<br />

54


Comissão Consultiva<br />

para Assuntos <strong>de</strong><br />

Segurança Privada -<br />

↓<br />

CCASP<br />

Diretoria Executiva - Direx<br />

↓<br />

Coor<strong>de</strong>nação Geral <strong>de</strong> Controle <strong>de</strong><br />

Segurança Privada - CGCSP<br />

↓ ↓ ↓<br />

Divisão <strong>de</strong> Controle e<br />

Fiscalização - DCF<br />

Divisão <strong>de</strong> Estudos,<br />

Legislação e Pareceres<br />

DELP<br />

Serviço <strong>de</strong> Controle<br />

Administrativo - SCA<br />

↓<br />

↓<br />

Comissões <strong>de</strong> Vistoria<br />

Delegacias <strong>de</strong> Segurança<br />

Privada - Delesp<br />

A Comissão Consultiva para Assuntos <strong>de</strong> Segurança Privada é um órgão colegiado<br />

<strong>de</strong> natureza <strong>de</strong>liberativa e consultiva, presidido pelo diretor executivo do DPF, que se reúne<br />

trimestralmente, <strong>de</strong> forma rotativa entre as diferentes Superintendências da Polícia Fe<strong>de</strong>ral<br />

nos Estados. Essa Comissão é composta por representantes da própria Direx (Diretoria<br />

Executiva da Polícia Fe<strong>de</strong>ral), do Comando do Exército, do Instituto <strong>de</strong> Resseguros e das<br />

mais variadas entida<strong>de</strong>s representativas (laboral e patronal) do setor, 29 sendo regida pelas<br />

Portarias nº 1.546/95 e nº 2.494/04 do Ministério da Justiça.<br />

29 A composição da Comissão é <strong>de</strong>finida pela Portaria/MJ nº 2.484/04: “Artigo 1º - A Comissão Consultiva<br />

para Assuntos <strong>de</strong> Segurança Privada tem a seguinte composição: a) o Diretor-Executivo do Departamento <strong>de</strong><br />

Polícia Fe<strong>de</strong>ral; b) um representante do Comando do Exército; c) um representante do Instituto <strong>de</strong> Resseguros<br />

do Brasil - IRB; d) um representante da Fe<strong>de</strong>ração Nacional dos Sindicatos das Empresas <strong>de</strong> Vigilância,<br />

Segurança e Transporte <strong>de</strong> Valores - FENAVIST; e) um representante da Associação Brasileira das Empresas<br />

<strong>de</strong> Transporte <strong>de</strong> Valores - ABTV; f) um representante da Confe<strong>de</strong>ração Nacional dos Vigilantes,<br />

Empregados em Empresas <strong>de</strong> Segurança, Vigilância e Transporte <strong>de</strong> Valores e dos Trabalhadores em Serviços<br />

<strong>de</strong> Segurança, Vigilância, Segurança Pessoal, Cursos <strong>de</strong> Formação e Especialização <strong>de</strong> Vigilantes, Prestação<br />

<strong>de</strong> Serviços e seus Anexos e Afins - CNTVPS; g) um representante da Fe<strong>de</strong>ração Nacional das Associações<br />

<strong>de</strong> Bancos - FEBRABAN; h) um representante da Associação Brasileira dos Cursos <strong>de</strong> Formação e<br />

Aperfeiçoamento <strong>de</strong> Vigilantes - ABCFAV; i) um representante da Confe<strong>de</strong>ração Nacional dos Bancários<br />

CNB; j) um representante da Associação Brasileira <strong>de</strong> Empresas <strong>de</strong> Vigilância e Segurança - ABREVIS; l)<br />

um representante da Fe<strong>de</strong>ração dos Trabalhadores em Segurança e Vigilância Privada, Transporte <strong>de</strong> Valores,<br />

Similares e Afins do Estado <strong>de</strong> São Paulo - FETRAVESP; m) um representante do Sindicato dos Empregados<br />

55


Sua atribuição é contribuir para o aprimoramento das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> normatização e<br />

fiscalização do setor, examinar e opinar <strong>de</strong> forma conclusiva sobre os processos que<br />

apuram violações à legislação que regula o setor, examinar e opinar, também <strong>de</strong> forma<br />

conclusiva, mediante consulta do diretor executivo, sobre autorização <strong>de</strong> funcionamento<br />

para empresas, sobre autorização para aquisição e posse <strong>de</strong> armas munição e outros<br />

equipamentos utilizados pelas empresas <strong>de</strong> segurança privada e sobre o currículo para os<br />

cursos <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> vigilantes, po<strong>de</strong>ndo, ainda, opinar sobre a realização <strong>de</strong> convênios e<br />

outras questões referentes a segurança privada suscitadas por seus membros.<br />

A análise das últimas atas das reuniões ordinárias 30 mostra que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> outubro <strong>de</strong><br />

2004 até julho <strong>de</strong> 2006, a Comissão se reuniu 14 vezes, indicando que a periodicida<strong>de</strong> das<br />

reuniões tem sido maior do que o trimestre previsto pela Portaria e que, <strong>de</strong> fato, há algumas<br />

reuniões que acontecem em meses subseqüentes. As atas das reuniões têm um formato<br />

padrão, com alguns assuntos pontuais e um gran<strong>de</strong> rol <strong>de</strong> processos avaliados pela<br />

Comissão, em que são <strong>de</strong>cididos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o seu arquivamento, até a aplicação <strong>de</strong> multas<br />

pecuniárias, a suspensão do funcionamento <strong>de</strong> empresas e até o cancelamento do registro <strong>de</strong><br />

funcionamento. As atas revelam um conteúdo mais administrativo e procedimental na<br />

atuação da Comissão.<br />

É importante ressaltar que, além da própria Polícia Fe<strong>de</strong>ral e do Comando do<br />

Exército, todas as outras entida<strong>de</strong>s membros da Comissão são representativas do setor <strong>de</strong><br />

segurança privada propriamente dito ou do setor bancário. A existência da Comissão é algo<br />

extremamente positivo, uma vez que permite o aprimoramento da regulamentação sobre o<br />

setor e a tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões por um colegiado composto por representantes da socieda<strong>de</strong>,<br />

mas <strong>de</strong>ixa a <strong>de</strong>sejar quando não inclui, entre seus membros, organizações <strong>de</strong> outras<br />

naturezas, como, por exemplo, entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pesquisa e <strong>de</strong> proteção aos direitos humanos.<br />

Além disso, é preocupante também o fato <strong>de</strong> a Comissão ser responsável por <strong>de</strong>cidir sobre<br />

no Transporte <strong>de</strong> Valores nas bases <strong>de</strong> Valores e Similares do Distrito Fe<strong>de</strong>ral - SINDVALORES-DF; n) um<br />

representante da Associação Brasileira dos Profissionais em Segurança Orgânica - ABSO.”<br />

30 As atas das reuniões ordinárias da Comissão Consultiva para Assuntos se Segurança Privada estão<br />

disponíveis em:< http://www.abso.org.br/>.<br />

56


as irregularida<strong>de</strong>s e aplicação das penalida<strong>de</strong>s e ser composta, majoritariamente, por<br />

entida<strong>de</strong>s representativas do setor, promovendo uma espécie <strong>de</strong> auto-regulamentação. 31<br />

A responsabilida<strong>de</strong> pela regulação, controle, coor<strong>de</strong>nação e fiscalização, bem como<br />

pelo acompanhamento das ativida<strong>de</strong>s das Delegacias <strong>de</strong> Segurança Privada (Delesp) e<br />

Comissões <strong>de</strong> Vistoria (CV) é da Coor<strong>de</strong>nação Geral <strong>de</strong> Controle <strong>de</strong> Segurança Privada<br />

(CGCSP), unida<strong>de</strong> central ligada à Diretoria Executiva da Polícia Fe<strong>de</strong>ral.<br />

A CGCSP conta com a Divisão <strong>de</strong> Fiscalização e Controle, <strong>de</strong> Estudos <strong>de</strong><br />

Legislação e Pareceres e a <strong>de</strong> Controle Administrativo. Para <strong>de</strong>senvolver as ativida<strong>de</strong>s nos<br />

Estados e <strong>de</strong> forma mais <strong>de</strong>scentralizada, existem as Delegacias <strong>de</strong> Segurança Privada<br />

(Delesp) e as Comissões <strong>de</strong> Vistoria (CV). Em geral, as Delesps encontram-se instaladas<br />

nas capitais e as CVs nas cida<strong>de</strong>s em que há <strong>de</strong>legacias da Polícia Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Segundo os dados do Sindicato das Empresas <strong>de</strong> Segurança Privada, Segurança<br />

Eletrônica, Serviços <strong>de</strong> Escolta e Cursos <strong>de</strong> Formação do Estado <strong>de</strong> São Paulo (Sesvesp),<br />

existem em São Paulo 16 Delesps e respectivas Comissões <strong>de</strong> Vistoria para aten<strong>de</strong>r todo o<br />

Estado. 32 A Delesp da capital é a maior, contando com 20 membros em sua equipe, mas<br />

apenas três trabalham com a fiscalização da segurança privada (CUBAS, 2005, p. 105).<br />

Segundo informações publicadas na Revista Tema (nov./<strong>de</strong>z. 2005), há cerca <strong>de</strong> 400<br />

policiais alocados no segmento <strong>de</strong> segurança privada da Polícia Fe<strong>de</strong>ral para trabalhar em<br />

todo Brasil, incluindo as Delesps e CVs.<br />

31 Conforme Heringer (1992, p. 79): “Sem querer eximir os setores diretamente interessados do <strong>de</strong>bate e da<br />

<strong>de</strong>cisão sobre esta matéria, acreditamos, no entanto, que por tratar-se <strong>de</strong> assunto tão <strong>de</strong>licado, o aspecto das<br />

irregularida<strong>de</strong>s e punições <strong>de</strong>veria ser objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão dos órgãos governamentais <strong>de</strong> fiscalização, não sendo<br />

passível <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão através <strong>de</strong> auto-regulamentação, como parece se dar no âmbito da Comissão Consultiva.”<br />

32 Elas estão localizadas nas seguintes cida<strong>de</strong>s: Araçatuba, Araraquara, Bauru, Cruzeiro, Campinas, Jales,<br />

Marília, Piracicaba, Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nte, Ribeirão Preto, Santos, São José do Rio Preto, São José dos<br />

Campos, São Paulo, São Sebastião e Sorocaba.<br />

57


Ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> fiscalização e controle da Polícia Fe<strong>de</strong>ral<br />

A estrutura institucional existente na Polícia Fe<strong>de</strong>ral é insuficiente para garantir a<br />

efetiva fiscalização e controle sobre o setor da segurança privada. O estudo <strong>de</strong> Muniz e<br />

Zacchi (2005, p. 120) informa que “A Polícia Fe<strong>de</strong>ral sequer dispõe <strong>de</strong> uma base <strong>de</strong> dados<br />

informatizada, atualizada e relacional dos cadastros das empresas e das autorizações<br />

emitidas para os vigilantes, que a permita, efetivamente, exercer suas atribuições <strong>de</strong><br />

controle e monitoramento.” Essa produção <strong>de</strong> informações tem caráter artesanal, o que<br />

dificulta o planejamento e gestão. Além <strong>de</strong>ssa limitação, não há recursos humanos e<br />

materiais suficientes para realizar as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> fiscalização e controle em todo o<br />

território nacional, ainda mais se consi<strong>de</strong>rando o amplo leque <strong>de</strong> atribuições da Polícia<br />

Fe<strong>de</strong>ral, como repressão aos crimes fe<strong>de</strong>rais, controle <strong>de</strong> fronteiras, crime organizado, entre<br />

outros. O que acaba acontecendo é uma transferência parcial para as Secretarias Estaduais<br />

<strong>de</strong> Segurança Pública da responsabilida<strong>de</strong> pela fiscalização da segurança privada, por meio<br />

<strong>de</strong> convênios ou acordos informais (MUNIZ e ZACCHI, 2005). 33<br />

Outro problema estrutural do Departamento da Polícia Fe<strong>de</strong>ral é a falta <strong>de</strong><br />

especialização dos policiais que atuam na Coor<strong>de</strong>nação Geral <strong>de</strong> Segurança Privada e a sua<br />

rotativida<strong>de</strong>.<br />

O DPF através <strong>de</strong> sua especializada procura abranger o controle da<br />

segurança privada no Brasil, contudo, não basta a existência da <strong>de</strong>legacia<br />

como organismo <strong>de</strong> controle. Os policiais que a integram <strong>de</strong>vem ter tempo<br />

para se especializarem, entretanto, a rotativida<strong>de</strong> é gran<strong>de</strong>, e poucos<br />

policiais conseguem se especializar o bastante para exercerem com<br />

<strong>de</strong>senvoltura a fiscalização e até mesmo aprimorarem seu senso crítico a<br />

respeito das ativida<strong>de</strong>s exercidas no setor (COELHO, 2006, p. 10).<br />

33 Para tentar dar conta <strong>de</strong>ssa precarieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> estrutura, em 2006 a Polícia Fe<strong>de</strong>ral implantou um sistema para<br />

aprimorar as relações entre o DPF e as empresas <strong>de</strong> segurança, eliminando os papéis, realizando transações<br />

eletrônicas com certificação digital e prazos mais curtos. Foi implantado (parcialmente) o Programa <strong>de</strong> Gestão<br />

Eletrônica <strong>de</strong> Segurança Privada. O objetivo é que haja uma melhora significativa nos serviços prestados pelo<br />

DPF, agilizando procedimentos que <strong>de</strong>moravam até 6 meses para 15 dias, contribuindo assim para que<br />

policiais que <strong>de</strong>dicavam parte significativa do seu tempo em trabalhos administrativos possam fazer os<br />

serviços <strong>de</strong> fiscalização in loco.<br />

58


Ainda assim, o Departamento da Polícia Fe<strong>de</strong>ral elabora um relatório anual, que<br />

contém algumas informações sobre as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> fiscalização e controle dos serviços <strong>de</strong><br />

segurança privada e que ajuda a analisar parcialmente o trabalho <strong>de</strong> fiscalização<br />

<strong>de</strong>senvolvido.<br />

Conforme o último relatório <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s do DPF, em 2005 havia 1.280.147<br />

vigilantes cadastrados, número que, comparativamente a 2000, mais que dobrou (Tabela 1).<br />

É interessante verificar que esse número é muito maior do que o <strong>de</strong> CNVs expedidas. A<br />

Portaria que estabelece a obrigatorieda<strong>de</strong> da emissão da Carteira Nacional <strong>de</strong> Vigilante é <strong>de</strong><br />

1999 e, a partir <strong>de</strong> então, é possível observar que o total <strong>de</strong> CNVs expedidas não<br />

acompanha o <strong>de</strong> vigilantes cadastrados. Isso porque, para a emissão da CNV é preciso que<br />

o vigilante comprove vínculo empregatício, o que <strong>de</strong>monstra uma diferença entre os<br />

vigilantes cadastrados, que são os que passam pelo curso <strong>de</strong> formação, e os efetivamente<br />

empregados. Essa diferença será mais <strong>de</strong>talhada no capítulo seguinte.<br />

Outro ponto significativo sobre as informações compiladas pelo DPF sobre sua<br />

ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fiscalização é que os dados não informam se o número <strong>de</strong> vigilantes por ano<br />

refere-se aos novos vigilantes ou se é o total acumulado em cada ano. Apenas no item<br />

“empresas <strong>de</strong> segurança orgânica registradas” consta a informação <strong>de</strong> que seria o total<br />

acumulado, também sem maiores explicações. De toda forma, parece estranho no caso dos<br />

“vigilantes cadastrados” e “empresas <strong>de</strong> vigilância cadastradas”, cujos números são altos e<br />

crescentes, imaginar que não seja um valor acumulado. Assim, é fortemente recomendável<br />

que o DPF divulgue suas informações <strong>de</strong> maneira mais clara e precisa.<br />

59


Tabela 1 – Serviços Prestados pelo Departamento <strong>de</strong> Polícia Fe<strong>de</strong>ral<br />

Brasil – 1998-2005<br />

Serviços prestados pela 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005<br />

CGCSP - DPF<br />

Vigilantes cadastrados<br />

(1)<br />

280.193 418.694 540.334 730.972 896.049 1.017.740 1.148.568 1.280.147<br />

CNVs expedidas (novas)<br />

(1)<br />

- 4.427 57.846 186.642 54.894 88.465 91.664 54.979<br />

Empresas <strong>de</strong> vigilância 1.740 1.502 1.368 1.431 1.555 1.792 2.144 1.727<br />

cadastradas (1)<br />

Empresas <strong>de</strong> transporte 248 251 236 256 273 309 293 305<br />

<strong>de</strong> valores cadastradas (1)<br />

Curso <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> 159 177 178 191 210 241 198 208<br />

vigilantes cadastrados (1)<br />

Empresas <strong>de</strong> segurança 718 969 811 910 954 558 1.012 1.308<br />

orgânica registradas<br />

(acumulado) (1)<br />

Veículos/carros-forte 2.764 3.099 3.503 3.916 3.964 4.414 4.474 4.962<br />

cadastrados (1)<br />

Estabelecimentos 8.783 12.067 15.481 17.186 18.429 20.525 21.223 24.228<br />

financeiros cadastrados<br />

(1)<br />

Revisão <strong>de</strong> autorização - - 983 1.090 950 936 814 775<br />

<strong>de</strong> funcionamento<br />

Fonte: Relatório Anual do Departamento <strong>de</strong> Polícia Fe<strong>de</strong>ral, 2005 e Cubas (2005).<br />

(1) Dados fornecidos pelo SISVIP<br />

Ainda sobre a atuação do DPF na fiscalização das empresas <strong>de</strong> segurança privada,<br />

na Tabela 2, verifica-se a existência <strong>de</strong> uma inconstância na maioria das penalida<strong>de</strong>s<br />

aplicadas, com tendência <strong>de</strong> queda na quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas penalida<strong>de</strong>s entre 2000 e 2005.<br />

Houve também <strong>de</strong>créscimo nos valores arrecadados com a aplicação <strong>de</strong> penalida<strong>de</strong>s entre<br />

2004 e 2005. Particularmente em relação ao fechamento das empresas clan<strong>de</strong>stinas, houve<br />

aumento entre 2000 e 2004, tendo ocorrido queda bastante significativa entre 2004 e 2005.<br />

No capítulo 3 do presente estudo, serão tratadas especificamente as irregularida<strong>de</strong>s<br />

no setor da segurança privada, com foco nas empresas clan<strong>de</strong>stinas. Será possível observar<br />

que não existem informações sólidas e confiáveis sobre a dimensão <strong>de</strong>ssas empresas no<br />

país. Ao se analisarem as informações produzidas pelo DPF, constata-se que é baixo o<br />

número <strong>de</strong> empresas clan<strong>de</strong>stinas fechadas anualmente. A hipótese para isso é <strong>de</strong> que o<br />

DPF age apenas quando acionado por <strong>de</strong>núncias recebidas sobre empresas atuando<br />

clan<strong>de</strong>stinamente e não <strong>de</strong>senvolve um monitoramento sistemático, que permita<br />

60


acompanhar esse mercado irregular e fiscalizar mais <strong>de</strong> perto essas empresas, o que, sem<br />

dúvida, acarretaria um número muito maior <strong>de</strong> empresas clan<strong>de</strong>stinas fechadas.<br />

É interessante também atentar para o número <strong>de</strong> empresas clan<strong>de</strong>stinas fechadas em<br />

2004. É o maior entre os seis anos. No capítulo 3, quando serão analisados casos<br />

emblemáticos <strong>de</strong> irregularida<strong>de</strong>s e ilegalida<strong>de</strong>s do setor, será possível verificar que 2004 foi<br />

um ano peculiar, quando graves crimes foram cometidos por vigilantes e a segurança<br />

privada ganhou maior espaço no <strong>de</strong>bate público, o que po<strong>de</strong> ser, ao menos em parte,<br />

responsável pela maior cifra <strong>de</strong> empresas clan<strong>de</strong>stinas fechadas nesse ano. A Polícia<br />

Fe<strong>de</strong>ral po<strong>de</strong> ter tentado dar uma resposta mais satisfatória à opinião pública.<br />

Tabela 2 - Penalida<strong>de</strong>s Aplicadas às Empresas <strong>de</strong> Segurança Privada, pelo<br />

Departamento <strong>de</strong> Polícia Fe<strong>de</strong>ral / Brasil – 2000-2005<br />

Tipos 2000 2001 2002 2003 2004 2005<br />

Multas 865 379 59 230 697 454<br />

Advertências 45 35 2 21 37 23<br />

Cancelamento <strong>de</strong> autorização <strong>de</strong><br />

97 65 41 61 77 33<br />

funcionamento<br />

Fechamento <strong>de</strong> empresas clan<strong>de</strong>stinas 97 168 133 77 176 53<br />

Valor arrecadado com aplicação <strong>de</strong><br />

- - - - 2.870.705,56 2.070.130,25<br />

multas – em reais<br />

Fonte: Relatório Anual do Departamento <strong>de</strong> Polícia Fe<strong>de</strong>ral, 2005.<br />

No entanto, em relação às armas cadastradas pelas empresas, conforme Tabela 3,<br />

ocorreu um consi<strong>de</strong>rável aumento entre 2000 e 2005, tendo havido um pequeno <strong>de</strong>créscimo<br />

entre 2003 e 2004. A política <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> armas adotada no país po<strong>de</strong> ter contribuído<br />

para tal aumento, particularmente após a aprovação do Estatuto do Desarmamento em<br />

<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2003, com uma concentração do cadastramento em 2005, quando a discussão<br />

sobre o controle <strong>de</strong> armas foi intensa, com a continuação da Campanha <strong>de</strong> Entrega<br />

Voluntária <strong>de</strong> Armas e com a realização do referendo sobre comercialização <strong>de</strong> armas <strong>de</strong><br />

fogo e munições no país. De toda forma, parece pequeno o número <strong>de</strong> armas cadastradas<br />

em comparação à quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> empresas cadastradas e <strong>de</strong> agências bancárias cadastradas<br />

(Tabela 3) em que há, no mínimo, um vigilante por agência portando armas.<br />

61


Tabela 3 – Armas Cadastradas pelas Empresas / Brasil – 2000-2005<br />

Anos<br />

Armas<br />

2000 5.812<br />

2001 8.108<br />

2002 5.231<br />

2003 10.404<br />

2004 7.066<br />

2005 15.908<br />

Fonte: Relatório Anual do Departamento <strong>de</strong> Polícia Fe<strong>de</strong>ral, 2005.<br />

Outro dado interessante sobre o controle exercido pelo DPF sobre a segurança<br />

privada, é a comparação entre as agências bancárias cadastradas junto ao Banco Central e<br />

junto ao DPF (Tabela 4). Pela lei (artigo 1º da Lei Fe<strong>de</strong>ral nº 7.102/83 e artigo 62 da<br />

Portaria nº 387/06), todas as agências <strong>de</strong>vem possuir serviço <strong>de</strong> segurança e, portanto, ser<br />

cadastradas junto ao DPF. O progressivo aumento no número <strong>de</strong> agências bancárias<br />

cadastradas junto ao DPF e a aproximação com o total cadastrado junto ao Banco Central<br />

constituem um dos poucos indicadores que permite avaliar com relativa precisão a<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fiscalizar o setor da segurança privada. Ao que tudo indica, ao menos em<br />

relação às agências bancárias, o DPF tem tido sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle aumentada.<br />

Tabela 4 – Agências Bancárias Cadastradas no Banco Central e no Departamento <strong>de</strong><br />

Polícia Fe<strong>de</strong>ral / Brasil – 2000-2005<br />

Instituição 2000 2001 2002 2003 2004 2005<br />

Banco Central 23.442 24.795 24.923 24.765 24.729 24.418<br />

Departamento <strong>de</strong> Polícia Fe<strong>de</strong>ral 15.143 17.186 18.433 20.525 21.223 24.370<br />

Fonte: Relatório Anual do Departamento <strong>de</strong> Polícia Fe<strong>de</strong>ral, 2005.<br />

Outros mecanismos <strong>de</strong> fiscalização e controle<br />

Além da estrutura da Polícia Fe<strong>de</strong>ral, a segurança privada possui outras formas <strong>de</strong><br />

controle. Consi<strong>de</strong>rando o fato <strong>de</strong> que se trata <strong>de</strong> um serviço prestado por empresas privadas<br />

àqueles que têm interesse e/ou necessida<strong>de</strong> e que, portanto, se configura um setor<br />

economicamente produtivo, outras formas <strong>de</strong> fiscalização e controle naturalmente<br />

aparecem.<br />

62


Os sindicatos, por exemplo, são órgãos que exercem um tipo <strong>de</strong> controle com<br />

objetivos diferentes dos da Polícia Fe<strong>de</strong>ral, mas que po<strong>de</strong> ser bastante eficaz. Logicamente,<br />

os objetivos que guiam o controle exercido pelos sindicatos do setor são corporativos, o<br />

que, a princípio, não apresenta problemas. Se os sindicatos têm interesse que o setor se<br />

consoli<strong>de</strong> e cresça, uma forma <strong>de</strong> fazê-lo é zelar pela qualida<strong>de</strong> dos serviços prestados,<br />

criando mecanismos <strong>de</strong> fiscalização e <strong>de</strong>núncia sobre o mercado clan<strong>de</strong>stino e<br />

disseminando informações sobre os serviços prestados. Ações como essas configuram um<br />

tipo <strong>de</strong> controle muito importante.<br />

Um exemplo é o Sindicato das Empresas <strong>de</strong> Segurança Privada, Segurança<br />

Eletrônica, Serviços <strong>de</strong> Escolta e Cursos <strong>de</strong> Formação do Estado <strong>de</strong> São Paulo (Sesvesp),<br />

entida<strong>de</strong> sindical patronal do Estado <strong>de</strong> São Paulo, que divulga em seu website uma série <strong>de</strong><br />

orientações sobre como contratar corretamente e se prevenir das empresas <strong>de</strong> segurança<br />

privada clan<strong>de</strong>stinas.<br />

Inicialmente, há uma apresentação breve sobre a legislação do setor e em seguida,<br />

uma orientação sobre o que é uma empresa clan<strong>de</strong>stina:<br />

São empresas que atuam no mercado, prestando serviços <strong>de</strong> vigilância e<br />

segurança sem estarem em condições legais e técnicas para fazê-lo, e<br />

provocam verda<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m, prejudicando sobremaneira as empresas<br />

legalmente constituídas. Trabalham em total <strong>de</strong>sobediência à Lei,<br />

provocando inúmeros problemas - on<strong>de</strong>, infelizmente, alguns muito<br />

trágicos, veiculados quase que diariamente na imprensa<br />

(, 12/08/06). 34<br />

O Sesvesp <strong>de</strong>screve, ainda, como é feita a contratação <strong>de</strong> profissionais por essas<br />

empresas clan<strong>de</strong>stinas:<br />

34 É interessante observar que, embora na legislação específica sobre segurança privada não haja uma<br />

<strong>de</strong>finição mais material sobre o que é a execução não autorizada <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> segurança, o sindicato busca<br />

construir essa <strong>de</strong>finição.<br />

63


- admissão <strong>de</strong> pessoas não habilitadas (sem curso <strong>de</strong> formação em escola cre<strong>de</strong>nciada pela<br />

Polícia Fe<strong>de</strong>ral);<br />

- sem verificação <strong>de</strong> antece<strong>de</strong>ntes criminais;<br />

- sem exames <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> física e mental;<br />

- porte <strong>de</strong> arma em nome <strong>de</strong> pessoa física;<br />

- sem critério do mínimo indispensável <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong>;<br />

- não respeita o piso salarial <strong>de</strong>terminado pela categoria;<br />

- seu funcionário não tem seguro <strong>de</strong> vida;<br />

- não recolhe os encargos sociais;<br />

- não arca com as responsabilida<strong>de</strong>s civil e criminal.<br />

Há ainda alguns cuidados básicos apresentados para a contratação <strong>de</strong> uma empresa<br />

<strong>de</strong> segurança privada com menos riscos. O website do Sesvesp orienta o cliente a conhecer<br />

a empresa que preten<strong>de</strong> contratar e os métodos <strong>de</strong> treinamento dos seus seguranças,<br />

visitando a empresa e a aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> formação dos vigilantes. Sugere também que seja<br />

pedido um plano <strong>de</strong> segurança à empresa que preten<strong>de</strong> contratar, em que <strong>de</strong>verão estar<br />

especificados o número a<strong>de</strong>quado <strong>de</strong> vigilantes a ser utilizado, e o sistema <strong>de</strong> alarme<br />

a<strong>de</strong>quado e/ou outros dispositivos <strong>de</strong> segurança a serem utilizados, <strong>de</strong> forma que seja<br />

garantida a incolumida<strong>de</strong> física <strong>de</strong> pessoas ou do local on<strong>de</strong> serão prestados os serviços. E,<br />

por fim, exigir o Alvará <strong>de</strong> Funcionamento e o Certificado <strong>de</strong> Segurança, ambos<br />

<strong>de</strong>vidamente renovados (sem esses documentos, a empresa não po<strong>de</strong> funcionar).<br />

O Sesvesp possui também um Certificado <strong>de</strong> Regularida<strong>de</strong> em Segurança, 35 emitido<br />

por uma certificadora in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, com o objetivo <strong>de</strong> divulgar para o público em geral<br />

quais as empresas <strong>de</strong> segurança privada que prestam um bom serviço.<br />

35 Os critérios para as empresas obterem o Certificado são: ser associada do Sesvesp; cumprir todas as<br />

obrigações sindicais patronais e no âmbito dos trabalhadores; oficialida<strong>de</strong> e regularida<strong>de</strong> junto aos órgãos<br />

fe<strong>de</strong>rais, Ministério da Justiça e Departamento <strong>de</strong> Polícia Fe<strong>de</strong>ral; não praticar preços inexeqüíveis; submeterse,<br />

quando solicitado, à auditoria in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da Certificadora; e encaminhar ao Sesvesp, semestralmente, o<br />

mapa <strong>de</strong> efetivo da empresa; e o contrato social, sempre que houver alteração.<br />

64


Outra entida<strong>de</strong> do setor é a Associação Brasileira <strong>de</strong> Empresas <strong>de</strong> Vigilância e<br />

Segurança (Abrevis), que tem sua se<strong>de</strong> e seu trabalho em conjunto com o Sesvesp.<br />

Há também a Fe<strong>de</strong>ração Nacional das Empresas <strong>de</strong> Segurança e Transporte <strong>de</strong><br />

Valores (Fenavist), que é a entida<strong>de</strong> sindical patronal da segurança privada no Brasil. Suas<br />

ativida<strong>de</strong>s são: interce<strong>de</strong>r junto a autorida<strong>de</strong>s competentes para representar os interesses;<br />

assistir as empresas na realização e elaboração <strong>de</strong> Convenções e Acordos Coletivos <strong>de</strong><br />

Trabalho; auxiliar na resolução <strong>de</strong> conflitos em dissídios coletivos; contribuir para a<br />

articulação entre as empresas e entida<strong>de</strong>s do setor; e exercer representativida<strong>de</strong> na<br />

Comissão Consultiva para Assuntos <strong>de</strong> Segurança Privada (CCASP)<br />

(). A Fenavist<br />

informa que, em todos os Estados brasileiros, existe um sindicato patronal do setor, com<br />

exceção <strong>de</strong> Goiás e Tocantins, cujo sindicato é um só.<br />

Os sindicatos da Bahia, Distrito Fe<strong>de</strong>ral, Espírito Santo, Minas Gerais, Mato<br />

Grosso, Pará, Paraná, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Santa Catarina e São Paulo contam, cada um<br />

<strong>de</strong>les, com um website próprio. Os websites, em geral, mantêm uma estrutura bastante<br />

semelhante, com informações gerais, sobre convenções coletivas <strong>de</strong> trabalho, legislação,<br />

notícias do setor, estatuto, área restrita aos associados e campanhas contra as empresas<br />

clan<strong>de</strong>stinas.<br />

Há também a Associação Brasileira dos Profissionais em Segurança Orgânica<br />

(ABSO), que, em linhas gerais, realiza as mesmas ativida<strong>de</strong>s dos outros sindicatos, com<br />

foco na qualificação dos profissionais do setor, criando cerificações e dando outras<br />

orientações e treinamento, sendo, no entanto, uma associação laboral.<br />

O setor laboral é representado pela Confe<strong>de</strong>ração Nacional dos Vigilantes e<br />

Prestadores <strong>de</strong> Serviços. 36 Seus principais objetivos são promover a solidarieda<strong>de</strong> social, as<br />

36 “Embora a profissão só tenha sido reconhecida em 1983, a Associação Brasileira dos Vigilantes foi fundada<br />

em 1975, transformando-se em entida<strong>de</strong> profissional em 1979, contando então com cerca <strong>de</strong> 5000 sócios.”<br />

(HERINGER, 1992, p. 34).<br />

65


melhorias nas condições <strong>de</strong> vida e <strong>de</strong> trabalho dos trabalhadores representados, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a<br />

autonomia da representação sindical, colaborar com as <strong>de</strong>mais associações classistas, atuar<br />

na manutenção e na <strong>de</strong>fesa das instituições <strong>de</strong>mocráticas, além <strong>de</strong> representar, perante os<br />

po<strong>de</strong>res Executivo, Legislativo e Judiciário, no âmbito nacional, os interesses individual ou<br />

coletivo das fe<strong>de</strong>rações e sindicatos confe<strong>de</strong>rados, proteger, por todos os meios ao seu<br />

alcance, os direitos e interesses das categorias profissionais e celebrar contratos, acordos e<br />

convenções coletivas <strong>de</strong> trabalho, ou instaurar dissídio coletivo em favor dos trabalhadores<br />

<strong>de</strong> localida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> não existem entida<strong>de</strong>s sindicais representativas da categoria<br />

().<br />

A Confe<strong>de</strong>ração informa que cada Estado do Brasil tem pelo menos um sindicato <strong>de</strong><br />

vigilantes, sendo que em muitos há mais <strong>de</strong> um, distribuídos entre as cida<strong>de</strong>s e/ou regiões.<br />

De uma forma geral, o foco dos sindicatos laborais é bastante corporativo, buscando a<br />

garantia dos direitos trabalhistas em relação a abusos e irregularida<strong>de</strong>s praticadas pelos<br />

empregadores. No entanto, esses sindicatos também apresentam preocupação em relação às<br />

empresas clan<strong>de</strong>stinas, <strong>de</strong>senvolvendo campanhas e informes sobre como contratar bem e<br />

<strong>de</strong>nunciando essas empresas.<br />

Além dos sindicatos do setor, existem ainda alguns serviços, como jornais e<br />

revistas, que também contribuem para a realização <strong>de</strong> fiscalização e controle. Um exemplo<br />

é o portal Segweb, que oferece uma série <strong>de</strong> serviços, como cursos, informações,<br />

publicações, notícias, entre outros.<br />

No portal Segweb, em agosto <strong>de</strong> 2006, foi divulgada a Campanha “Diga Não à<br />

Clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong>”, cuja principal idéia é ajudar o consumidor a i<strong>de</strong>ntificar empresas que<br />

atuam legalmente no setor <strong>de</strong> segurança. A principal estratégia da campanha é, por meio <strong>de</strong><br />

veiculação da mídia, sensibilizar e exigir dos políticos a aprovação <strong>de</strong> leis que também<br />

responsabilizem o tomador <strong>de</strong> serviços, que acaba contribuindo para a proliferação da<br />

clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong>, ao contratar empresas irregulares, colocando em risco sua própria<br />

segurança e a das pessoas envolvidas (,<br />

66


12/08/06). O principal veículo da campanha será o jornal SegNews, importante referência<br />

no setor.<br />

Análise da Regulamentação, Fiscalização e Controle do Setor<br />

Para analisar a estrutura <strong>de</strong> regulamentação, fiscalização e controle - accountability<br />

- que existe sobre a segurança privada no Brasil, será utilizado o mo<strong>de</strong>lo construído na<br />

pesquisa realizada pelo Vera Institute of Justice, em agosto <strong>de</strong> 2000, que produziu três<br />

estudos <strong>de</strong> caso <strong>de</strong> accountability sobre a segurança privada: em Nova York, Joanesburgo e<br />

na Cida<strong>de</strong> do México.<br />

Inicialmente, a pesquisa <strong>de</strong>senha, em linhas gerais, a estrutura <strong>de</strong> accountability que<br />

existe sobre a polícia pública e a divi<strong>de</strong> em três gran<strong>de</strong>s blocos. O primeiro é o controle<br />

interno, que inclui treinamento, políticas <strong>de</strong> comportamento (incentivo ou não incentivo a<br />

<strong>de</strong>terminados tipos <strong>de</strong> conduta, por exemplo), controle <strong>de</strong> irregularida<strong>de</strong>s administrativas e<br />

investigação e punição <strong>de</strong> condutas irregulares (no Brasil, as corregedorias, por exemplo).<br />

O controle estatal (controle externo) engloba fiscalização do trabalho por gestores<br />

municipais ou outros (no Brasil, o Ministério Público é um <strong>de</strong>les), processos crimes<br />

(controle realizado pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário), reclamações dos cidadãos (no Brasil, a ouvidoria<br />

é um exemplo <strong>de</strong> canal para recebimento <strong>de</strong> reclamações <strong>de</strong> cidadãos), comissões e comitês<br />

especiais com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fiscalizar (po<strong>de</strong> ser no Executivo ou no Legislativo) e<br />

estatutos específicos que estabelecem standards mínimos para a qualificação e treinamento<br />

dos policiais. Já o controle social (controle externo) refere-se ao monitoramento feito pela<br />

mídia, organizações civis e <strong>de</strong> direitos humanos.<br />

Em seguida, é feito o mapeamento da estrutura <strong>de</strong> accountability existente sobre a<br />

segurança privada, a partir da comparação com a estrutura existente sobre a polícia pública.<br />

“Aplicando essa tipologia em nossa análise sobre a accountability da segurança privada, é<br />

imediatamente claro que a polícia privada se sujeita a controles adicionais, além daqueles<br />

que afetam a polícia pública.” 37 (VERA INSTITUTE OF JUSTICE, 2000, p. 4, tradução<br />

37 No original: “Applying this taxonomy to our analysis of accountability of private police it is immediately<br />

clear that private police are subject to additional controls beyond those that affect public police.”<br />

67


nossa). Além dos mecanismos <strong>de</strong> fiscalização e controle existentes sobre a polícia pública<br />

mencionados anteriormente, a pesquisa aponta outros dois específicos para a segurança<br />

privada: o controle exercido pelo consumidor do serviço, que diz respeito diretamente à<br />

qualida<strong>de</strong> do serviço contratado pelo cliente; e o controle feito pelas associações do setor<br />

(tra<strong>de</strong> association control).<br />

seguinte:<br />

O quadro geral <strong>de</strong> mecanismos <strong>de</strong> accountability sobre a segurança privada é o<br />

Quadro 3 - Fontes <strong>de</strong> Fiscalização e Controle sobre Segurança Privada<br />

Controle interno:<br />

(Internal control)<br />

Treinamento<br />

(Training)<br />

Políticas <strong>de</strong><br />

comportamento<br />

(Behavioral<br />

policies)<br />

Controle<br />

administrativo<br />

(Administrative<br />

Oversight)<br />

Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

integrida<strong>de</strong><br />

(Integrity units)<br />

Alta<br />

aplicabilida<strong>de</strong><br />

Controle<br />

externo estatal:<br />

(State control)<br />

Gestores<br />

públicos<br />

(City managers)<br />

Processo<br />

criminal<br />

(Criminal<br />

prosecution)<br />

Reclamações<br />

(Complaint review<br />

Boards)<br />

Comissões<br />

especiais<br />

(Special<br />

commissions)<br />

Leis <strong>de</strong><br />

treinamento e<br />

qualificação<br />

(Qualification/<br />

training laws)<br />

Aplicabilida<strong>de</strong><br />

limitada<br />

Controle<br />

externo social:<br />

(Social control)<br />

In<strong>de</strong>nizações<br />

civis<br />

(Civil liability<br />

suits)<br />

Mídia<br />

(Media oversight)<br />

Grupos da<br />

comunida<strong>de</strong><br />

(Community<br />

groups)<br />

Defensores <strong>de</strong><br />

direitos<br />

humanos<br />

(Human rights<br />

monitors)<br />

Alguma<br />

aplicabilida<strong>de</strong><br />

Controle do<br />

consumidor:<br />

(Client control)<br />

Comitês <strong>de</strong><br />

fiscalização<br />

(Oversight<br />

committee)<br />

Po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />

dispensar a<br />

empresa/po<strong>de</strong>r<br />

<strong>de</strong> escolher a<br />

empresa e <strong>de</strong><br />

trocá-la<br />

(Ability to fire<br />

security<br />

Company)<br />

Alta<br />

aplicabilida<strong>de</strong><br />

Tabela adaptada <strong>de</strong> Vera Institute of Justice (2000, p. 5, tradução nossa).<br />

Controle das<br />

associações do setor:<br />

(Tra<strong>de</strong> association<br />

Control)<br />

Licença <strong>de</strong><br />

funcionamento<br />

(Regulation/licensing)<br />

Regras básicas <strong>de</strong><br />

qualida<strong>de</strong> e<br />

treinamento<br />

(Qualification/training<br />

Rules)<br />

Alta aplicabilida<strong>de</strong><br />

68


A partir <strong>de</strong>ssa estrutura <strong>de</strong> accountability, é possível analisar a estrutura <strong>de</strong><br />

fiscalização e controle sobre a segurança privada no Brasil.<br />

Controle externo estatal<br />

No caso brasileiro, o controle mais forte (ainda que possamos questionar sua<br />

efetivida<strong>de</strong> e eficiência) é o estatal legal, em comparação com as outras naturezas <strong>de</strong><br />

controle. A Lei Fe<strong>de</strong>ral nº 7.102/83 e a Portaria do Departamento <strong>de</strong> Polícia Fe<strong>de</strong>ral do<br />

Ministério da Justiça nº 387/2006 são os preceitos normativos que estabelecem toda a<br />

forma <strong>de</strong> funcionamento do setor da segurança privada no país.<br />

Fazem parte <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> controle legal as exigências mínimas para o<br />

funcionamento das empresas (inclusive <strong>de</strong> instalações físicas e equipamentos a<strong>de</strong>quados), a<br />

autorização <strong>de</strong> funcionamento propriamente dita, que <strong>de</strong>ve ser emitida e renovada pelo<br />

DPF, a aplicação <strong>de</strong> penalida<strong>de</strong>s, a exigência <strong>de</strong> requisitos mínimos e <strong>de</strong> formação 38 para<br />

os vigilantes, a obrigatorieda<strong>de</strong> da Carteira Nacional <strong>de</strong> Vigilante (CNV), a exigência do<br />

uniforme para o vigilante, seus direitos e <strong>de</strong>veres, a responsabilida<strong>de</strong> da empresa sobre as<br />

armas e petrechos, a obrigatorieda<strong>de</strong> e aprovação do plano <strong>de</strong> segurança. Ainda que não<br />

seja possível analisar seu impacto, é possível afirmar que a edição da Portaria nº 387/06 foi<br />

um gran<strong>de</strong> avanço na estrutura normativa <strong>de</strong> regulamentação sobre a segurança privada.<br />

Além <strong>de</strong>stes, a própria Polícia Fe<strong>de</strong>ral, com toda sua estrutura institucional voltada<br />

para a segurança privada, é órgão que exerce controle estatal institucional. A Comissão<br />

Consultiva para Assuntos <strong>de</strong> Segurança é também um órgão colegiado que faz parte <strong>de</strong>sse<br />

controle.<br />

Controle das associações do setor<br />

38 A Portaria nº 387/2006 possui um gran<strong>de</strong> anexo contendo oito programas dos cursos <strong>de</strong> formação <strong>de</strong><br />

vigilante. São eles: Programa do Curso <strong>de</strong> Formação <strong>de</strong> Vigilante; Programa do Curso <strong>de</strong> Reciclagem <strong>de</strong><br />

Formação <strong>de</strong> Vigilante; Programa <strong>de</strong> Extensão em Transporte <strong>de</strong> Valores; o Programa do Curso <strong>de</strong><br />

Reciclagem em Transporte <strong>de</strong> Valores; Programa do Curso <strong>de</strong> Extensão em Escolta Armada; Programa do<br />

Curso <strong>de</strong> Reciclagem em Escolta Armada; Programa do Curso <strong>de</strong> Extensão em Segurança Pessoal; e<br />

Programa do Curso <strong>de</strong> Reciclagem em Segurança Pessoal.<br />

69


Além da estrutura <strong>de</strong> controle externo estatal, outro forte tipo <strong>de</strong> controle sobre a<br />

segurança privada no Brasil é aquele exercido pelas associações do setor. Como apontado<br />

anteriormente, as associações e sindicatos acabam, além do interesse corporativo,<br />

exercendo controle ao criarem certificações para atestar as empresas que prestam serviços<br />

com qualida<strong>de</strong> e realizarem discussões e <strong>de</strong>bates sobre a qualida<strong>de</strong> do serviço. As<br />

associações laborais, fazendo pressão sobre as empresas, também fiscalizam o setor<br />

exigindo qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalho aos vigilantes. E ambas, patronais e laborais, junto às outras<br />

associações e serviços, exercem controle e fiscalização quando alertam os consumidores<br />

sobre os riscos das empresas clan<strong>de</strong>stinas, orientam sobre como fazer uma boa escolha <strong>de</strong><br />

empresa a ser contratada e colocam no <strong>de</strong>bate público o problema das clan<strong>de</strong>stinas.<br />

Controle interno<br />

Em relação ao controle interno, não se dispõe <strong>de</strong> dados que permitam afirmar com<br />

alguma certeza sobre como ele é exercido. No entanto, é possível que existam diferentes<br />

tipos <strong>de</strong> controle interno, conforme a estrutura das empresas. Cada uma <strong>de</strong>ve ter sua<br />

política <strong>de</strong> comportamento, sua forma <strong>de</strong> controlar irregularida<strong>de</strong>s administrativas e <strong>de</strong><br />

investigar e punir condutas irregulares.<br />

É importante ressaltar, no entanto, que a Portaria nº 387/2006 estabelece que cabe às<br />

empresas apurar o envolvimento <strong>de</strong> seus vigilantes em serviço com ocorrências <strong>de</strong> crimes<br />

contra o patrimônio e contra a organização do trabalho, juntando boletim <strong>de</strong> ocorrência e<br />

outros documentos e também encaminhar ao órgão competente da Polícia Fe<strong>de</strong>ral tais<br />

documentos para que a informação sobre o envolvimento (comprovado) <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado<br />

vigilante com crimes seja informado a outras empresas <strong>de</strong> segurança em nível nacional. Ou<br />

seja, há um “misto” <strong>de</strong> apuração interna com encaminhamento externo para a Polícia<br />

Fe<strong>de</strong>ral.<br />

70


Controle externo social<br />

O controle social externo é predominantemente exercido pela mídia, que divulga<br />

notícias sempre que há problemas <strong>de</strong> violência e abusos cometidos por vigilantes, sejam<br />

eles regulares ou irregulares. Outro tema bastante divulgado é o envolvimento <strong>de</strong> policiais<br />

com a segurança privada, tanto fazendo “bico”, como em cargos diretor ou proprietário <strong>de</strong><br />

alguma empresa. As entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> direitos humanos também exercem algum controle, mas<br />

este é pouco em comparação à fiscalização que elas exercem sobre a polícia pública.<br />

Controle do consumidor<br />

O controle externo exercido pelo consumidor é comum à ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong><br />

serviços em geral. Há canais criados pelas empresas para aten<strong>de</strong>r às <strong>de</strong>mandas e<br />

reclamações e ouvir as críticas e sugestões dos clientes. Os serviços <strong>de</strong> atendimento ao<br />

consumidor e a própria possibilida<strong>de</strong> da empresa contratante <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> segurança<br />

privada se <strong>de</strong>sligar da prestadora <strong>de</strong> serviços constituem uma forte pressão para que o<br />

serviço seja bem prestado.<br />

Na pesquisa realizada em 2003 pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul,<br />

sobre qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviços em três empresas <strong>de</strong> segurança patrimonial do Paraná (SANTA<br />

MARIA, 2003), nota-se que os clientes pesquisados exigem em crescente grau <strong>de</strong><br />

importância: tecnologia; qualida<strong>de</strong> na estrutura da organização da empresa; e qualida<strong>de</strong> no<br />

atendimento.<br />

Aparentemente, o embrião <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> accountability no Brasil está montado.<br />

Falta ainda estrutura real para que possa funcionar corretamente e se consolidar. A<br />

publicação da Portaria nº 387/2006, ao menos no plano legal, significou um gran<strong>de</strong> avanço<br />

nessa direção.<br />

71


CAPITULO 3 – O PROBLEMA DA IRREGULARIDADE E DA<br />

ILEGALIDADE NO SETOR<br />

Panorama Atual da Segurança Privada no Brasil<br />

Os dados publicados no relatório anual do Departamento <strong>de</strong> Polícia Fe<strong>de</strong>ral,<br />

mostram a evolução no número <strong>de</strong> vigilantes regulares cadastrados e das empresas<br />

regulares cadastradas no país (Gráfico 1).<br />

Gráfico 1 – Vigilantes Cadastrados pelo Departamento <strong>de</strong> Polícia Fe<strong>de</strong>ral<br />

Brasil – 1998-2005<br />

1,400,000<br />

1,280,147<br />

1,200,000<br />

1,148,568<br />

1,000,000<br />

1,017,740<br />

896,049<br />

Total<br />

800,000<br />

730,972<br />

600,000<br />

540,334<br />

400,000<br />

418,694<br />

280,193<br />

200,000<br />

0<br />

1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005<br />

Ano<br />

Fonte: Relatório Anual do Departamento <strong>de</strong> Polícia Fe<strong>de</strong>ral, 2005.<br />

Observa-se que no período <strong>de</strong> oito anos, entre 1998 e 2005, houve um crescimento<br />

<strong>de</strong> 356,88% no número <strong>de</strong> vigilantes cadastrados. É importante relembrar que o número <strong>de</strong><br />

vigilantes cadastrados é diferente do total <strong>de</strong> Carteiras Nacionais <strong>de</strong> Vigilantes expedidas.<br />

Para estas, é necessário que o vigilante comprove vínculo empregatício. Para o cadastro no<br />

DPF, basta ter concluído o curso <strong>de</strong> formação.<br />

72


Gráfico 2 – Empresas <strong>de</strong> Segurança Privada* Cadastradas pelo Departamento <strong>de</strong><br />

Polícia Fe<strong>de</strong>ral<br />

Brasil – 1998-2005<br />

3,000<br />

2,635<br />

2,500<br />

2,000<br />

2,147<br />

1,930<br />

1,782<br />

1,878<br />

2,038<br />

2,342<br />

2,240<br />

Total<br />

1,500<br />

1,000<br />

500<br />

0<br />

1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005<br />

Ano<br />

Fonte: Relatório Anual do Departamento <strong>de</strong> Polícia Fe<strong>de</strong>ral, 2005.<br />

* Inclui empresas <strong>de</strong> vigilância, transporte <strong>de</strong> valores e cursos <strong>de</strong> formação.<br />

Em relação ao número <strong>de</strong> empresas regulares cadastradas pela Polícia Fe<strong>de</strong>ral, aqui<br />

consi<strong>de</strong>radas as empresas <strong>de</strong> vigilância, <strong>de</strong> transporte <strong>de</strong> valores e <strong>de</strong> cursos <strong>de</strong> formação,<br />

verifica-se que não há um crescimento abrupto, como se vê em relação aos vigilantes. Ao<br />

contrário, a variação é pequena entre os anos, sendo o total <strong>de</strong> empresas registradas em<br />

1998 muito próximo daquele observado em 2005 (Gráfico 2).<br />

Além <strong>de</strong>sses dados, disponíveis no website da Polícia Fe<strong>de</strong>ral, há alguns outros mais<br />

atualizados e que ajudam a traçar a dimensão da segurança privada no país. Em recente<br />

estudo realizado pelo Centro <strong>de</strong> Estudos <strong>de</strong> Criminalida<strong>de</strong> e Segurança Pública (Crisp) da<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Minas Gerais (COELHO, 2006), alguns dados <strong>de</strong> 2006 foram<br />

apresentados.<br />

73


Tabela 5 - Situação da Segurança Privada no Brasil – Março <strong>de</strong> 2006<br />

Vigilantes cadastrados 1.309.974<br />

Vigilantes trabalhando 333.720<br />

Empresas Autorizadas<br />

2.538<br />

Vigilância - 2.180<br />

Transporte <strong>de</strong>. Valores - 186<br />

Curso <strong>de</strong> Formação - 172<br />

Carros Fortes Cadastrados 5.045<br />

Fonte: Sisivip (Sistema Nacional <strong>de</strong> Segurança e Vigilância)/DPF-2006, dados acessados em 31 <strong>de</strong> março <strong>de</strong><br />

2006. Tabela transcrita <strong>de</strong> Coelho (2006, p. 25).<br />

Coelho (2006, p.26) analisa tais dados e atenta para o fato <strong>de</strong> que, embora existam<br />

1.309.974 vigilantes cadastrados, ou seja, que fizeram o curso <strong>de</strong> formação, apenas 333.720<br />

vigilantes foram absorvidos pelas 2.538 empresas cadastradas no país. Tem-se, assim, que<br />

apenas cerca <strong>de</strong> 25% dos vigilantes cadastrados estão trabalhando regularmente em alguma<br />

empresa <strong>de</strong> segurança. Existe um contingente <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 75% do total dos vigilantes<br />

formados que não estão empregados no mercado formal <strong>de</strong> segurança.<br />

Segundo os dados divulgados pelo Sesvesp (Tabela 6), é possível observar que o<br />

número <strong>de</strong> vigilantes em ativida<strong>de</strong> é sempre bem menor que o daqueles cadastrados no DPF<br />

(Tabela 5).<br />

Tabela 6 – Informações sobre Vigilantes / Brasil – 2002-2005<br />

2002 2003 2004 2005<br />

Vigilantes em<br />

ativida<strong>de</strong> no Brasil<br />

320.000 338.000 361.000 382.000 (valor<br />

projetado)<br />

Taxa <strong>de</strong> admissão<br />

<strong>de</strong> vigilantes<br />

40% 36% 35% 33% (valor<br />

projetado)<br />

Taxa <strong>de</strong> <strong>de</strong>missão<br />

<strong>de</strong> vigilantes<br />

33,5% 31,4% 30,4% 28,4% (valor<br />

projetado)<br />

Fonte: Sindicato das Empresas <strong>de</strong> Segurança Privada, Segurança Eletrônica, Serviços <strong>de</strong> Escolta e Cursos <strong>de</strong><br />

Formação do Estado <strong>de</strong> São Paulo - Sesvesp<br />

Ao se comparar os números <strong>de</strong> vigilantes em ativida<strong>de</strong> com os dados do Gráfico 1 -<br />

<strong>de</strong> total <strong>de</strong> vigilantes cadastrados no DPF – verifica-se que o crescimento do número <strong>de</strong><br />

vigilantes cadastrados é muito maior do que o <strong>de</strong> vigilantes em ativida<strong>de</strong> regular. Entre<br />

74


2002 e 2005, o número <strong>de</strong> vigilantes cadastrados no DPF cresceu 42,47%, enquanto o<br />

daqueles em ativida<strong>de</strong>s aumentou apenas 19,38% no mesmo período, com uma média <strong>de</strong><br />

cerca <strong>de</strong> 700 mil vigilantes cadastrados a mais do que os que estão em ativida<strong>de</strong>. Mesmo a<br />

taxa <strong>de</strong> admissão <strong>de</strong> vigilantes <strong>de</strong>cresceu entre esses anos, passando <strong>de</strong> 40% em 2002 para<br />

33% em 2005.<br />

Como não há uma explicação precisa sobre a diferença entre esses dados, é possível<br />

consi<strong>de</strong>rar duas hipóteses distintas para interpretá-los. A primeira é <strong>de</strong> que, como em<br />

qualquer ativida<strong>de</strong> econômica, há um contingente <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra maior do que o número<br />

<strong>de</strong> empregos disponíveis, o que acarreta um amplo <strong>de</strong>semprego dos vigilantes. A segunda,<br />

que será utilizada para enten<strong>de</strong>r a irregularida<strong>de</strong> no setor, é <strong>de</strong> que boa parte <strong>de</strong>sse<br />

contingente está trabalhando <strong>de</strong> forma irregular, seja como autônomo, seja em alguma<br />

empresa clan<strong>de</strong>stina, e outra parcela encontra-se <strong>de</strong>sempregada ou exercendo qualquer<br />

outro tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>.<br />

O Mercado Irregular e Ilegal da Segurança Privada<br />

A irregularida<strong>de</strong> no mercado da segurança privada po<strong>de</strong> se dar <strong>de</strong> diferentes formas.<br />

Por exemplo, por meio das empresas formalmente constituídas e que atuam <strong>de</strong> forma<br />

irregular:<br />

empresas formalmente constituídas atuam clan<strong>de</strong>stinamente para tirarem<br />

proveito <strong>de</strong> menor carga tributária, como empresas <strong>de</strong> portaria que usam o<br />

sistema SIMPLES, e não pagamento das remunerações com base nos pisos<br />

salariais da categoria, além <strong>de</strong> não cumprirem exigências <strong>de</strong> pagamentos <strong>de</strong><br />

taxas na emissão <strong>de</strong> alvarás <strong>de</strong> funcionamento e nas vistorias (OLIVEIRA,<br />

2004, p. 80).<br />

Em muitos casos <strong>de</strong>ssas empresas irregulares, ocorre o <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> função, ou seja, é<br />

uma empresa <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> portaria ou limpeza, que coloca seus funcionários<br />

para exercerem as funções <strong>de</strong> vigilantes. São empresas regulares do ponto <strong>de</strong> vista formal,<br />

75


ou seja, <strong>de</strong> sua constituição enquanto empresa, mas irregulares quando praticam ativida<strong>de</strong>s<br />

diversas daquelas para as quais foram criadas ou que não cumprem as obrigações<br />

trabalhistas em relação a seus funcionários.<br />

Além <strong>de</strong>ssas irregularida<strong>de</strong>s, existem casos em que essas empresas são <strong>de</strong><br />

proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> policiais militares na ativa ou na reserva e <strong>de</strong> policiais civis. “Ainda outro<br />

problema com relação às empresas clan<strong>de</strong>stinas é a participação <strong>de</strong> ex-policiais e policiais<br />

civis e militares, tanto no papel <strong>de</strong> empresários quanto no <strong>de</strong> trabalhadores eventuais, que<br />

estimulam o surgimento e a manutenção do mercado informal.” (ZANETIC, 2005, p. 91).<br />

Outra irregularida<strong>de</strong> no mercado é o trabalho dos profissionais autônomos que<br />

prestam serviços <strong>de</strong> diferentes formas, em ruas e bairros, para comerciantes, em casas<br />

noturnas, <strong>de</strong> forma pontual em eventos esporádicos. Essa é uma outra forma <strong>de</strong><br />

irregularida<strong>de</strong>, já que a ativida<strong>de</strong> autônoma <strong>de</strong> segurança não está prevista na Lei Fe<strong>de</strong>ral nº<br />

7.102/83 e nem na Portaria nº 387/06, mas existe na prática e acaba sendo, muitas vezes,<br />

enquadrada na legislação <strong>de</strong> trabalho autônomo e eventual. Assim, nesses casos, verifica-se<br />

uma brecha na legislação que autoriza, mas não regulamenta essa ativida<strong>de</strong> (MUSUMECI,<br />

1998, p.14). Outro ponto significativo é que, em muitos <strong>de</strong>sses casos, o trabalho é exercido<br />

por policiais.<br />

Afora essas irregularida<strong>de</strong>s, existem casos <strong>de</strong> ilegalida<strong>de</strong>s no setor. Assim, tanto<br />

uma empresa <strong>de</strong> vigilância regular como uma irregular po<strong>de</strong>m ser responsáveis por crimes<br />

por meio da ação <strong>de</strong> seus agentes. O policial que é proibido pela lei orgânica da polícia (lei<br />

estadual) <strong>de</strong> exercer a segurança privada, não comete crime necessariamente, mas<br />

irregularida<strong>de</strong> perante a corporação e po<strong>de</strong> ser punido <strong>de</strong> diferentes formas conforme o que<br />

dispuser a lei orgânica. Além disso, ele po<strong>de</strong> também cometer crimes no exercício <strong>de</strong>ssa<br />

ativida<strong>de</strong> irregular. São esses crimes ou outras ativida<strong>de</strong>s ilícitas que compõem as<br />

ilegalida<strong>de</strong>s do setor. A distinção entre irregularida<strong>de</strong> e ilegalida<strong>de</strong> é importante para<br />

discutir o controle exercido sobre a segurança privada.<br />

76


Dimensionar precisamente o mercado clan<strong>de</strong>stino da segurança privada é tarefa<br />

difícil e até hoje não foi possível fazê-lo <strong>de</strong> forma precisa e sistemática. A dificulda<strong>de</strong> em<br />

realizar essa contagem é apontada pelos pesquisadores da área 39 e torna-se um empecilho<br />

para a compreensão do problema e o <strong>de</strong>senvolvimento do setor. Obter tal estimativa é um<br />

<strong>de</strong>safio posto para a Polícia Fe<strong>de</strong>ral e será um gran<strong>de</strong> avanço para a realização da<br />

fiscalização e controle do setor. A inexistência <strong>de</strong> números confiáveis sobre a<br />

irregularida<strong>de</strong> do setor indica a dificulda<strong>de</strong> e a precarieda<strong>de</strong> da fiscalização. Se a<br />

fiscalização e o controle são eficientes, passa-se a ter muito mais informação sobre<br />

situações <strong>de</strong> empresas clan<strong>de</strong>stinas, <strong>de</strong> vigilantes autônomos, <strong>de</strong> policiais envolvidos com<br />

segurança privada, entre outras irregularida<strong>de</strong>s. Passa-se também a ter informação sobre<br />

quais a ilegalida<strong>de</strong>s mais recorrentes no setor, sendo possível controlá-las e preveni-las.<br />

Além da estimativa sobre o mercado irregular e ativida<strong>de</strong>s ilegais, há outras obscurida<strong>de</strong>s<br />

na contagem realizada pela Polícia Fe<strong>de</strong>ral, especialmente sobre a distinção entre os<br />

vigilantes cadastrados e aqueles em ativida<strong>de</strong>, conforme mencionado anteriormente.<br />

De fato, as estimativas variam muito. Segundo os dados do Sindicato dos<br />

Empregados em Empresas <strong>de</strong> Vigilância, Segurança e Similares <strong>de</strong> São Paulo (Seevisp),<br />

acessados em outubro <strong>de</strong> 2006, a estimativa é <strong>de</strong> que existem 600 mil vigilantes irregulares<br />

e 4.500 empresas clan<strong>de</strong>stinas no país, sendo cerca <strong>de</strong> 300 empresas e 10 mil vigilantes em<br />

São Paulo. Segundo o então presi<strong>de</strong>nte do Sesvesp, para cada empresa regular, há entre 3 e<br />

5 clan<strong>de</strong>stinas (CUBAS, 2005, p. 108 e 2002).<br />

É curioso, mas as cifras <strong>de</strong> 600 mil vigilantes irregulares e 4.500 empresas<br />

clan<strong>de</strong>stinas no Brasil aparecem em 2002 no trabalho <strong>de</strong> Cubas (2002), em 2004 na matéria<br />

do jornal O Estado <strong>de</strong> S. Paulo (11/05/04) e em 2006 no website do Sesvesp. Em todos os<br />

casos a fonte é o próprio Sesvesp e o Seevisp. Mas será que não houve mudanças nessa<br />

estimativa entre 2002 e 2006? Como essa medida é formulada? Quais são seus critérios?<br />

39 “Há um gran<strong>de</strong> mercado clan<strong>de</strong>stino <strong>de</strong> segurança privada no estado <strong>de</strong> São Paulo, ou seja, um mercado<br />

que ignora tanto as leis trabalhistas quanto aquelas <strong>de</strong> segurança privada. Por ser uma ativida<strong>de</strong> ilegal, é difícil<br />

obter uma estimativa confiável <strong>de</strong> sua dimensão, e as suposições variam imensamente.” (CALDEIRA, 2000,<br />

p. 202). “Apesar <strong>de</strong> não haver nenhuma contagem oficial ou estimativa confiável sobre a disseminação <strong>de</strong>ssas<br />

empresas, elas representam cada vez mais uma porção significativa do mercado informal brasileiro, ganhando<br />

preferências pelos baixos preços oferecidos em relação às empresas regularizadas.” (ZANETIC, 2005, p. 90).<br />

77


Não há respostas claras. Em relação à estimativa elaborada pelo Sindicato patronal<br />

(Sesvesp), existe a informação (não comprovada) <strong>de</strong> que a base são as <strong>de</strong>núncias sobre as<br />

empresas clan<strong>de</strong>stinas recebidas pelo sindicato e as próprias empresas filiadas ao sindicato,<br />

que ajudam para a obtenção da informação, uma vez que, a partir das contas perdidas<br />

(situação em que empresa per<strong>de</strong> um cliente) e da constatação <strong>de</strong> que esta não foi para uma<br />

concorrente conhecida, estima-se que a conta foi para uma empresa clan<strong>de</strong>stina. De toda<br />

forma, é uma estimativa pouco confiável, mas é o jeito que o setor encontrou <strong>de</strong>, na<br />

ausência <strong>de</strong> números confiáveis produzidos pelo órgão <strong>de</strong> controle, a Polícia Fe<strong>de</strong>ral, tentar<br />

mapear as empresas clan<strong>de</strong>stinas.<br />

A existência e a expansão das empresas e dos trabalhadores clan<strong>de</strong>stinos<br />

representam um sério problema para o <strong>de</strong>senvolvimento do setor da segurança privada no<br />

país, especialmente se o objetivo é ter um setor organizado e que contribua para a<br />

<strong>de</strong>mocracia e o respeito aos direitos humanos, num país em que o processo <strong>de</strong> consolidação<br />

<strong>de</strong>mocrática e <strong>de</strong> respeito a esses direitos é marcado por avanços e retrocessos contínuos.<br />

Sem atentar para o problema e dar-lhe e centralida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vida, fica difícil reivindicar avanços<br />

e melhorias na accountability realizada sobre o setor e, para isso, é preciso tentar entendê-lo<br />

em profundida<strong>de</strong>.<br />

Do ponto <strong>de</strong> vista do setor das empresas <strong>de</strong> segurança privada, há um ciclo vicioso<br />

que se instaurou com a expansão da clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong> e que dificulta, inclusive, uma análise<br />

mais isenta e pormenorizada sobre a legitimida<strong>de</strong> e eficiência do trabalho realizado pelas<br />

empresas regulares, além <strong>de</strong> ser um empecilho objetivo para a expansão regular do setor.<br />

A pesquisa realizada por Oliveira (2004), buscando i<strong>de</strong>ntificar o comportamento das<br />

empresas regulares para promover a qualida<strong>de</strong> dos serviços prestados, mapeou esse ciclo, 40<br />

que po<strong>de</strong> ser assim <strong>de</strong>scrito: a existência das empresas clan<strong>de</strong>stinas prejudica a reputação<br />

das empresas regulares, o que gera uma sinalização <strong>de</strong> marca pouco eficiente e faz com que<br />

40 A pesquisa foi realizada para elaboração <strong>de</strong> uma tese <strong>de</strong> Doutorado, apresentada à Esalq-Piracicaba. Foram<br />

pesquisados empresários proprietários <strong>de</strong> empresas regulares, o que, com certeza, enviesa a pesquisa. No<br />

entanto, ainda assim, os resultados são interessantes e merecem ser analisados para compreensão do<br />

mecanismo por trás da clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong>.<br />

78


a concorrência passe a ser fortemente baseada na queda <strong>de</strong> preços (já que a marca passa a<br />

ser algo frágil), tornando-se um bom filão para as clan<strong>de</strong>stinas. A concorrência baseada<br />

exclusivamente no critério preço incentiva o oferecimento <strong>de</strong> baixas remunerações aos<br />

vigilantes e torna limitada sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atrair bons candidatos. Com essa limitação (<strong>de</strong><br />

recursos e <strong>de</strong> atração <strong>de</strong> bons profissionais), as empresas clan<strong>de</strong>stinas passam a ter<br />

trabalhadores mal treinados e capacitados, apresentam falhas <strong>de</strong> monitoramento sobre o<br />

trabalho <strong>de</strong>senvolvido pelos funcionários e não exercem incentivos ao comportamento ético<br />

e honesto <strong>de</strong> seus funcionários. Surgem daí problemas <strong>de</strong> risco moral, em que algumas<br />

ações dos trabalhadores <strong>de</strong>ssas empresas po<strong>de</strong>m facilitar crimes contra às proprieda<strong>de</strong>s e às<br />

pessoas. Daí, a reputação das empresas clan<strong>de</strong>stinas continua ruim, prejudicando as<br />

regulares e o ciclo se perpetua.<br />

A investigação empírica revelou que a maioria dos integrantes do mercado<br />

apóia a aplicação dos regulamentos atuais na ativida<strong>de</strong>, mas sentem que a<br />

concorrência com o ramo clan<strong>de</strong>stino <strong>de</strong>teriora as condições da prestação<br />

<strong>de</strong> serviços e cria uma péssima imagem para o setor. O pessimismo <strong>de</strong><br />

alguns leva a projeções <strong>de</strong> que gran<strong>de</strong> parte do mercado será perdida para<br />

trabalhadores informais e ocupantes irregulares das funções <strong>de</strong> vigilante,<br />

como porteiros, cujo piso salarial é menor que o da categoria (OLIVEIRA,<br />

2004, p. 112).<br />

Especificida<strong>de</strong>s da participação <strong>de</strong> policiais na segurança privada<br />

A participação <strong>de</strong> policiais em serviços <strong>de</strong> segurança privada é proibida por lei, em<br />

geral, pelas leis orgânicas das polícias, ou por regulamentos disciplinares. 41 Como<br />

mencionado, ainda que não se possa mensurar com precisão, a participação <strong>de</strong> policiais na<br />

segurança privada é notória e disseminada. Essa participação po<strong>de</strong> se dar por meio do<br />

41 A Lei Orgânica da Polícia do Estado <strong>de</strong> São Paulo (Lei Complementar nº 207, <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1979),<br />

assim dispõe sobre os policiais civis: “Art. 63. São transgressões disciplinares: LIV – exercer, mesmo nas<br />

horas <strong>de</strong> folga, qualquer outro emprego ou função, exceto ativida<strong>de</strong> relativa ao ensino e difusão cultural,<br />

quando compatível com a ativida<strong>de</strong> policial.” O Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado <strong>de</strong> São<br />

Paulo (Lei Complementar nº 893, <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2001) assim dispõe: “Art. 8. § 1º - Ao militar do Estado<br />

em serviço ativo é vedado exercer ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> segurança particular, comércio ou tomar parte da<br />

administração ou gerência <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> comercial ou <strong>de</strong>la ser sócio ou participar, exceto como acionista,<br />

cotista ou comanditário.”<br />

79


“bico”, realização <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s pontuais e complementares ao trabalho realizado pelo<br />

policial na segurança pública, ou por meio da proprieda<strong>de</strong> ou gerência <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada<br />

empresa <strong>de</strong> segurança privada ou ainda pela prestação <strong>de</strong> outros tipos <strong>de</strong> serviços. Segundo<br />

Cubas (2005, p. 107):<br />

Há aqueles que possuem sua própria empresa <strong>de</strong> segurança e comandam os<br />

negócios como uma ativida<strong>de</strong> paralela à função <strong>de</strong> policial. Outros apenas<br />

se oferecem no mercado como seguranças, ativida<strong>de</strong> que, geralmente,<br />

exercem em seu horário <strong>de</strong> folga. Outros ainda utilizam seu status <strong>de</strong><br />

autorida<strong>de</strong> policial e as comodida<strong>de</strong>s que essa condição proporciona para<br />

fazer “bicos” em empresas como consultores <strong>de</strong> segurança, como<br />

“<strong>de</strong>spachantes” encarregados da organização e atualização <strong>de</strong> documentos<br />

perante a Polícia Fe<strong>de</strong>ral ou como investigadores <strong>de</strong> antece<strong>de</strong>ntes criminais<br />

dos candidatos às vagas <strong>de</strong> vigilantes.<br />

Há algumas hipóteses para explicar esse envolvimento tão forte entre os<br />

profissionais da segurança pública com a segurança privada no Brasil, que provoca uma<br />

relação, no mínimo, suspeita. A sutileza da fronteira entre o público e o privado na cultura<br />

brasileira é condição que serve sempre para compreen<strong>de</strong>r a natureza das relações entre o<br />

público e o privado no país <strong>de</strong> uma forma geral. Sérgio Buarque <strong>de</strong> Holanda (1979, p. 105-<br />

106) ao tratar do homem cordial brasileiro, aponta com precisão a indistinção entre o<br />

público e o privado que sempre permeou a formação do Estado e da cultura brasileiros:<br />

“Não era fácil aos <strong>de</strong>tentores das posições públicas <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>,<br />

formados por tal ambiente, compreen<strong>de</strong>rem a distinção fundamental entre<br />

os domínios do privado e do público (...) No Brasil, po<strong>de</strong> dizer-se que só<br />

excepcionalmente tivemos um sistema administrativo e um corpo <strong>de</strong><br />

funcionários puramente <strong>de</strong>dicados a interesses objetivos e fundados nesses<br />

interesses. Ao contrário, é possível acompanhar, ao longo <strong>de</strong> nossa história,<br />

o predomínio constante das vonta<strong>de</strong>s particulares que encontram seu<br />

ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma or<strong>de</strong>nação<br />

impessoal.<br />

80


Esse predomínio <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>s particulares que encontramos na formação da esfera<br />

pública no Brasil é a base também para a participação dos policiais - agentes públicos,<br />

formados e preparados com recursos públicos para exercer uma função pública - na<br />

segurança privada. 42 Há também alguns fatores específicos que po<strong>de</strong>m auxiliar na<br />

explicação <strong>de</strong>ssa relação.<br />

O fato <strong>de</strong> até 1983 o setor ter sido regulado <strong>de</strong> forma diversificada entre os Estados<br />

da fe<strong>de</strong>ração permitiu que a própria participação dos policiais fosse regulamentada. Entre<br />

1976 e 1983, no Rio <strong>de</strong> Janeiro, vigorou a Portaria E-0129/76 que tornava obrigatória a<br />

presença <strong>de</strong> um oficial da polícia militar na direção das empresas <strong>de</strong> segurança privada.<br />

Também passou a ser norma em função <strong>de</strong>sta portaria a orientação para<br />

que cada empresa tivesse ao menos um militar – oficial superior – em sua<br />

direção, com a intenção <strong>de</strong> estabelecer um maior controle sobre o aspecto<br />

<strong>de</strong> formação técnica dos vigilantes. Acreditamos que esta norma, que<br />

vigorou até 1983, foi fundamental para que possamos explicar ainda hoje o<br />

elevado número <strong>de</strong> militares e <strong>de</strong> oficiais da polícia militar entre os<br />

proprietários <strong>de</strong> empresas <strong>de</strong> vigilância (HERINGER, 1992, p.40).<br />

Obviamente, esse é um caso isolado do Rio <strong>de</strong> Janeiro 43 e não po<strong>de</strong> ser estendido<br />

automaticamente para outros Estados, no entanto, serve para enten<strong>de</strong>r que a legislação que<br />

disciplinou o setor foi extremamente plural durante muito tempo, o que facilitou e<br />

estimulou a participação <strong>de</strong> policiais na segurança privada.<br />

42 “Um servidor público não po<strong>de</strong> oferecer ao público, privadamente e em termos comerciais, um serviço cuja<br />

<strong>de</strong>manda cresça na exata medida em que se <strong>de</strong>gra<strong>de</strong> a qualida<strong>de</strong> do serviço público. Simplesmente porque<br />

isso significa que passa a ser do interesse privado <strong>de</strong> cada agente individual <strong>de</strong> segurança pública a<br />

<strong>de</strong>cadência do serviço público que oferece. Isso também significa um choque entre os interesses público e<br />

privado, quando o primeiro se realiza através da fiscalização das empresas privadas que atuam na área, e o<br />

segundo procura evitar a fiscalização, porque a negligência lhe po<strong>de</strong> ser mais conveniente.” (SOARES,<br />

2006b, p. 99).<br />

43 Também no Rio <strong>de</strong> Janeiro, no final da gestão Brizola/Nilo Batista, em 1994 foi aprovada a Lei Estadual nº<br />

2.816, conhecida como “Lei do Bico”, que legalizou e regulamentou o segundo emprego dos policiais na<br />

segurança privada. Mas logo em seguida, em 1995, em virtu<strong>de</strong> do lobby das empresas <strong>de</strong> segurança que<br />

argumentavam que os serviços prestados pelos policiais eram muito mais baratos, foi aprovada a Lei Estadual<br />

nº 2.817 que revogou a lei anterior e proibiu novamente o bico na segurança privada para os policiais na ativa.<br />

Ver Musumeci (1998) e Cortes (2005).<br />

81


Além <strong>de</strong>sse aspecto, também é relevante o fato <strong>de</strong> que as pessoas, empresas,<br />

condomínios, vilas e comércio valorizam o “ser policial” quando contratam serviços <strong>de</strong><br />

segurança privada. Essa valorização se dá por dois motivos principais: a formação e o<br />

conhecimento técnico sobre segurança; e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> obter privilégios públicos,<br />

como apoio <strong>de</strong> outros policiais, facilida<strong>de</strong> na obtenção <strong>de</strong> algumas informações,<br />

equipamentos, entre outros. Assim, há uma <strong>de</strong>manda clara do consumidor do serviço que<br />

prefere um policial fazendo a sua segurança privada.<br />

A questão dos salários, consi<strong>de</strong>rados baixos, recebidos pelos policiais é também<br />

sempre utilizada para explicar e legitimar o envolvimento dos policiais com a segurança<br />

privada. “Alegando baixos salários, pouca qualificação profissional e condições <strong>de</strong> trabalho<br />

insatisfatórias, os policiais lançam mão <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s paralelas sem nenhuma cerimônia,<br />

levando a se construir uma imagem da corporação como um ‘exército <strong>de</strong> biscateiros’.”<br />

(HERINGER, 1992, p. 56).<br />

No entanto, essa questão dos baixos salários não explica o envolvimento dos oficiais<br />

ou <strong>de</strong>legados chefes com a segurança privada. O alto escalão das polícias não recebe<br />

remuneração tão baixa e a explicação meramente econômica não basta para explicar esse<br />

envolvimento. Heringer (1992) utiliza o argumento legal, <strong>de</strong> que a legislação sobre<br />

segurança privada passou por tantas mudanças e já chegou a regularizar a participação dos<br />

oficiais em empresas <strong>de</strong> segurança privada, para compreen<strong>de</strong>r esse envolvimento. 44 No<br />

entanto, esse envolvimento do alto escalão das polícias com a segurança privada é um claro<br />

traço da forma particularista pela qual o serviço público é entendido no Brasil.<br />

É possível enten<strong>de</strong>r um pouco mais sobre essa relação a partir da etnografia<br />

realizada por Cortes (2005), que acompanhou as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> seguranças privados em uma<br />

área comercial do Centro do Rio <strong>de</strong> Janeiro (conhecida como Saara) e a rotina <strong>de</strong> batalhões<br />

44 “No caso dos oficiais, tanto da Polícia Militar como das Forças Armadas (e também <strong>de</strong>legados e<br />

funcionários mais qualificados <strong>de</strong> outros órgãos <strong>de</strong> segurança), a vinculação se dá mais frequentemente como<br />

proprietários, instrutores ou consultores <strong>de</strong> empresas <strong>de</strong> segurança privada. Como já foi dito anteriormente,<br />

essa associação tem suas origens no próprio início das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> segurança privada no país, como<br />

estabeleceu-se como obrigação legal a presença <strong>de</strong> militares ou policiais como instrutores.” (HERINGER,<br />

1992, p. 57).<br />

82


da Polícia Militar do Rio <strong>de</strong> Janeiro, para interpretar o “bico” policial. Existe <strong>de</strong>ntro da<br />

própria polícia mecanismos que permitem e legitimam o “bico”. A questão da escala<br />

policial e do horário <strong>de</strong> folga dos policiais é totalmente relacionada com o tempo do “bico”.<br />

As escalas são usadas como moeda <strong>de</strong> troca entre os policiais: quando um é escalado <strong>de</strong><br />

surpresa, po<strong>de</strong> trocar com outro policial e, assim, comparecer ao “bico”. 45 E a folga é<br />

sempre justificada: não existe estar <strong>de</strong> folga e não fazer nada, trabalhar nesse horário é sinal<br />

<strong>de</strong> que o policial é “trabalhador e esforçado.” 46<br />

Além da questão do tempo, há outros tipos <strong>de</strong> aceitação em relação ao ”bico”. Por<br />

exemplo, quando um policial no “bico” tem que aten<strong>de</strong>r uma ocorrência e levar até a<br />

<strong>de</strong>legacia, ele consta no Boletim <strong>de</strong> Ocorrência como um “policial passante” (CORTES,<br />

2005, p. 44), <strong>de</strong>monstrando a tolerância com o “bico” por parte <strong>de</strong> outros policiais, tais<br />

como o responsável pelo registro da ocorrência na <strong>de</strong>legacia.<br />

A própria jurisprudência legitima a participação dos policiais na segurança<br />

privada: 47<br />

45 “Assim, há uma gran<strong>de</strong> ‘elasticida<strong>de</strong>’ na confecção e distribuição das escalas, conforme chamou atenção<br />

um tenente-coronel ‘não tem fórmula para isso, a Baixada é uma coisa, outra região é outra’. A escala vai se<br />

a<strong>de</strong>quar às situações e as pessoas. Através das escalas há o controle do comando do batalhão sobre quem é<br />

quem no <strong>de</strong>sempenho da ativida<strong>de</strong>-fim, porém existem formas <strong>de</strong> negociação da escala que não passam pelo<br />

sargentiante, como a troca <strong>de</strong> serviço entre policiais e o pagamento para um outro policial ‘tirar serviço’ em<br />

seu lugar. No primeiro caso é quando dois policiais trocam entre si o dia <strong>de</strong> trabalho, assim um trabalha no dia<br />

do outro; no segundo caso, o policial ‘escalado’ remunera um outro policial do mesmo batalhão e companhia<br />

e que executa o mesmo tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> que ele para trabalhar no seu lugar. Este último caso é mais<br />

freqüente entre policiais que são bem remunerados em um segundo emprego, o que torna economicamente<br />

viável pagar alguém para ficar no seu lugar na escala <strong>de</strong> trabalho da PMERJ. Com isto, ele mantém o vínculo<br />

com a PMERJ e po<strong>de</strong> comparecer ao emprego mais rentável.” (CORTES, 2005, p. 62).<br />

46 “A forma como os policiais representavam, categorizavam e hierarquizavam o ‘tempo’ chamou atenção.<br />

Assim, o horário <strong>de</strong> folga não se configura em tempo <strong>de</strong> <strong>de</strong>scanso, no discurso dos interlocutores, a subremuneração<br />

leva a utilização <strong>de</strong>ste tempo para a execução <strong>de</strong> alguma ativida<strong>de</strong> remunerada complementar.<br />

Embutido no ‘tempo <strong>de</strong> folga’ está o ‘tempo do bico’.<br />

O ‘tempo <strong>de</strong> folga’ estava sempre referido a alguma ativida<strong>de</strong> profissional, quando não, aos estudos que<br />

viabilizariam uma ascensão profissional (uns já estavam estudando e outros diziam estar ‘começando’ a<br />

estudar). In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> ter alguma correspondência com o que <strong>de</strong> fato faziam, havia sempre uma<br />

preocupação em dizer que não ficavam ‘à toa’. Ao perguntar a um soldado o que ele fazia na hora <strong>de</strong> folga (já<br />

que não fazia segurança) ele se classificou como preguiçoso, ressaltando ainda que havia uma cobrança por<br />

parte da sua esposa para ele ‘fazer segurança’ para equilibrar o orçamento doméstico, uma vez que ‘todos os<br />

policiais faziam’. “(CORTES, 2005, p. 56).<br />

47 Jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho, 2ª Região .<br />

83


Vínculo empregatício. Policial Militar. Relação <strong>de</strong> emprego reconhecida.<br />

Art. 3º Consolidado. O contrato <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços tem a<br />

característica <strong>de</strong> relação <strong>de</strong> emprego quando o trabalhador labora <strong>de</strong> forma<br />

habitual, mediante paga mensal, subordinada, sem po<strong>de</strong>r fazer-se substituir,<br />

ou seja, pessoalmente, pois presentes os pressupostos do art. 3º<br />

Consolidado. O fato <strong>de</strong> o trabalhador exercer ativida<strong>de</strong> junto à Polícia<br />

Militar não configura impedimento ao reconhecimento do vínculo<br />

empregatício. No mesmo sentido, doutrina e jurisprudência majoritárias,<br />

esta última representada pela Súmula nº 386 do C. TST. (RECURSO<br />

ORDINÁRIO. DATA DE JULGAMENTO: 30/05/2006. RELATOR:<br />

PAULO AUGUSTO CAMARA. ACÓRDÃO Nº: 20060391892.<br />

PROCESSO Nº: 01325-2002-030-02-00-0. ANO: 2004. TURMA: 4ª.<br />

DATA DE PUBLICAÇÃO: 09/06/2006).<br />

Policial Militar. Vínculo <strong>de</strong> Emprego. A condição <strong>de</strong> policial militar não<br />

implica em óbice à <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> relação empregatícia, que na hipótese dos<br />

autos perdurou por mais <strong>de</strong> 4 (quatro anos). Sabe-se que a insuficiência do<br />

soldo tem compelido esses servidores, <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> prática e<br />

especialização em segurança patrimonial, à prestação <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s lícitas<br />

<strong>de</strong> caráter privado, não coli<strong>de</strong>ntes com suas escalas, em verda<strong>de</strong>ira<br />

configuração <strong>de</strong> estado <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>, exclu<strong>de</strong>nte, assim, <strong>de</strong> eventual<br />

ilicitu<strong>de</strong>. A<strong>de</strong>mais, não po<strong>de</strong> a empresa que se beneficiou dos serviços <strong>de</strong><br />

um policial invocar em seu proveito, com a exposição da própria torpeza, a<br />

irregularida<strong>de</strong> por ela mesma cometida. Aplicação da Súmula 386 do c.<br />

TST. Recurso Ordinário não provido. (RECURSO ORDINÁRIO. DATA<br />

DE JULGAMENTO: 09/05/2006. RELATORA: WILMA NOGUEIRA DE<br />

ARAUJO VAZ DA SILVA. ACÓRDÃO Nº: 20060322009. PROCESSO<br />

Nº: 00607-2005-302-02-00-9. ANO: 2006. TURMA: 11ª. DATA DE<br />

PUBLICAÇÃO: 26/05/2006).<br />

Policial militar. Reconhecimento <strong>de</strong> vínculo empregatício. Trabalho ilícito e<br />

proibido. Distinção. Efeitos. Trabalho ilícito é aquele não permitido porque<br />

seu objeto consiste na prestação <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s criminosas e/ou<br />

contravencionais. Trabalho proibido é aquele cuja vedação <strong>de</strong>riva <strong>de</strong><br />

84


circunstâncias especiais vinculadas à pessoa do trabalhador, mas seu objeto<br />

não se reveste <strong>de</strong> ilicitu<strong>de</strong>. No primeiro caso não se cogita em vinculação<br />

empregatícia, pois o respectivo negócio jurídico é <strong>de</strong>stituído <strong>de</strong> valida<strong>de</strong>,<br />

conforme dispõe o artigo 104, II, do Código Civil. No segundo caso,<br />

entretanto, nada impe<strong>de</strong> a configuração do contrato <strong>de</strong> emprego, se na<br />

relação jurídica estão presentes seus requisitos caracterizadores, pois por<br />

força do estipulado no artigo 105, do Código Civil, o beneficiário da mão<br />

<strong>de</strong> obra não po<strong>de</strong> se locupletar com sua própria torpeza, opondo a vedação<br />

legal a fim <strong>de</strong> se eximir do cumprimento <strong>de</strong> obrigações trabalhistas. O<br />

policial militar, proibido do exercício <strong>de</strong> outras ativida<strong>de</strong>s pela Lei<br />

Orgânica Estadual aplicável, se insere nesta segunda hipótese. Assim, não<br />

há óbice ao reconhecimento <strong>de</strong> vínculo empregatício na hipótese, <strong>de</strong>vendo<br />

ser resolvida na esfera própria a questão envolvendo o trabalhador e sua<br />

Corporação. (RECURSO ORDINÁRIO. DATA DE JULGAMENTO:<br />

28/03/2006. RELATORA: RILMA APARECIDA HEMETÉRIO.<br />

ACÓRDÃO Nº: 20060208095. PROCESSO Nº: 02261-2003-062-02-00-0.<br />

ANO: 2004. TURMA: 10ª. DATA DE PUBLICAÇÃO: 25/04/2006). (grifo<br />

nosso)<br />

Além <strong>de</strong>ssa jurisprudência, a matéria já foi pacificada pelo próprio Tribunal<br />

Superior do Tr abalho, que em 2005 publicou a Súmula 386 nos seguintes termos:<br />

386 - Policial militar. Reconhecimento <strong>de</strong> vínculo empregatício com<br />

empresa privada. (Conversão da Orientação Jurispru<strong>de</strong>ncial nº 167 da<br />

SDI-1 - Res. 129/2005, DJ 20.04.2005). Preenchidos os requisitos do art. 3º<br />

da CLT, é legítimo o reconhecimento <strong>de</strong> relação <strong>de</strong> emprego entre policial<br />

militar e empresa privada, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do eventual cabimento <strong>de</strong><br />

penalida<strong>de</strong> disciplinar prevista no Estatuto do Policial Militar.<br />

É interessante analisar como a baixa remuneração recebida por policiais é aceita e<br />

utilizada pela Justiça do Trabalho como justificativa para o trabalho na segurança privada e<br />

para o reconhecimento <strong>de</strong> vínculo empregatício <strong>de</strong> policiais com a segurança privada. É<br />

interessante também a distinção feita entre trabalho ilícito e trabalho proibido. A ativida<strong>de</strong><br />

85


<strong>de</strong> policiais na segurança privada é um trabalho proibido por leis estaduais (pelas diferentes<br />

leis orgânicas das polícias), mas não é ilícito, ou seja, não constitui crime ou contravenção<br />

penal e, portanto, a Justiça do Trabalho admite a configuração do vínculo empregatício. Há<br />

aí uma situação em que os policiais encontram-se regidos por diferentes legislações: a<br />

fe<strong>de</strong>ral, que regula exclusivamente a questão trabalhista; e a estadual, que regula sua<br />

ativida<strong>de</strong> enquanto policial. Não há um dialogo entre as esferas, o que gera uma situação <strong>de</strong><br />

contradição: o trabalho na segurança privada é proibido pela lei estadual e admitido pela<br />

legislação fe<strong>de</strong>ral no âmbito da Justiça do Trabalho.<br />

Tem-se, portanto, uma situação em que a própria corporação tolera a participação<br />

dos policiais nos serviços <strong>de</strong> segurança privada, tanto dos oficiais como dos praças,<br />

havendo uma questão moral que torna “mais trabalhadores e esforçados” os policiais que<br />

trabalham além da corporação e a própria Justiça do Trabalho torna regular e legítima uma<br />

ativida<strong>de</strong> irregular no âmbito da lei orgânica das polícias.<br />

De toda forma, esse é um tipo <strong>de</strong> relação <strong>de</strong>licada que precisa, no mínimo, ser<br />

minuciosamente fiscalizada e controlada. A participação dos policiais na segurança privada<br />

sem nenhum tipo <strong>de</strong> controle é danosa à segurança pública, à segurança privada e aos<br />

próprios policiais.<br />

A jornada <strong>de</strong> trabalho excessiva acarretada pelo exercício <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s na<br />

segurança privada gera um sobre-esforço, stress e falta <strong>de</strong> tempo e condições para o<br />

<strong>de</strong>scanso. Uma pessoa nessas condições coloca muito mais em risco a sua vida e a das<br />

outras pessoas quando realiza um trabalho <strong>de</strong> segurança, geralmente, armado.<br />

O <strong>de</strong>nominado bico já naturalizado entre os profissionais das duas<br />

corporações e até legalizado não é problema pacífico para o processo <strong>de</strong><br />

trabalho policial e merece atenção: esten<strong>de</strong> a jornada <strong>de</strong> forma quase<br />

insuportável para que os salários sejam complementados; cria uma confusão<br />

entre público e privado; e é responsável por um aumento absurdo das<br />

mortes dos policiais (hoje eles morrem mais nas folgas que no serviço e<br />

86


muitos em confronto nas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> segurança privada) (MINAYO,<br />

2005, p. 233).<br />

A participação <strong>de</strong>sses policiais na segurança privada, além da irregularida<strong>de</strong> do<br />

trabalho extra corporação em si, também contribui muito para a corrupção policial. A<br />

própria postura exigida <strong>de</strong> um policial que está fazendo “bico” é mais branda e apresenta<br />

menos grau <strong>de</strong> controle. “Segundo os interlocutores, com a farda, o comportamento <strong>de</strong>ve<br />

ser mais atentamente observado, pois há tanto o controle da população quanto dos<br />

superiores hierárquicos. Assim eles têm que ficar sérios, em uma postura ereta; enquanto no<br />

bico, po<strong>de</strong> haver <strong>de</strong>scontração, po<strong>de</strong>m ficar sentados, po<strong>de</strong>m se <strong>de</strong>slocar.” (CORTES,<br />

2005, p. 46).<br />

Além da participação dos policiais na segurança privada, é preciso atentar também<br />

para crimes e abusos praticados por eles no exercício <strong>de</strong>ssa ativida<strong>de</strong>.<br />

Casos concretos <strong>de</strong> irregularida<strong>de</strong>s e ilegalida<strong>de</strong>s no setor da segurança privada<br />

Para exemplificar com mais clareza alguns dos principais problemas envolvendo a<br />

segurança privada, particularmente em relação às irregularida<strong>de</strong>s e ilegalida<strong>de</strong>s encontradas<br />

no setor, como a clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong>, o contingente <strong>de</strong> vigilantes autônomos, a participação dos<br />

policiais e o uso arbitrário da força, foi feito um levantamento <strong>de</strong> algumas notícias<br />

veiculadas em jornais e revistas <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> circulação, entre 2003 e 2006. Os critérios <strong>de</strong><br />

escolha dos casos utilizados aqui foram a repercussão social causada na época do fato e o<br />

tipo <strong>de</strong> irregularida<strong>de</strong> apresentada.<br />

Situações envolvendo policiais, crime, corrupção e violência foram divulgadas na<br />

mídia por meio <strong>de</strong> alguns casos emblemáticos. A matéria “Quadrilhas criam ‘mercado’ para<br />

matadores” (Folha <strong>de</strong> S. Paulo, Cotidiano, 26 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2003) analisa a atuação <strong>de</strong><br />

grupos <strong>de</strong> extermínio em vários Estados do Brasil, a partir <strong>de</strong> um relatório elaborado pela<br />

organização não governamental Centro <strong>de</strong> Justiça Global “Execuções Sumárias no Brasil”,<br />

em setembro <strong>de</strong> 2003. É mencionado, prioritariamente, o envolvimento <strong>de</strong> agentes públicos<br />

87


(policiais, agentes penitenciários, outros), mas também o <strong>de</strong> seguranças privados e <strong>de</strong><br />

ambos os grupos com esse tipo <strong>de</strong> crime.<br />

A matéria “Policial arma furto para ven<strong>de</strong>r segurança” (Folha <strong>de</strong> S. Paulo,<br />

Cotidiano, 27 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2004) <strong>de</strong>screve a atuação <strong>de</strong> uma quadrilha composta por<br />

policiais militares e seguranças da empresa Power. O grupo, chefiado por um policial<br />

militar, oferecia segurança às lojas na Rua Oscar Freire (zona nobre <strong>de</strong> São Paulo) por R$<br />

1.000,00 e quem não aceitasse tinha seu estabelecimento furtado durante a noite. A matéria<br />

“Policiais são acusados e usar escuta clan<strong>de</strong>stina para fazer espionagem” (Folha <strong>de</strong> S.<br />

Paulo, Cotidiano, 26 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2005) <strong>de</strong>screve a situação <strong>de</strong> duas empresas <strong>de</strong> segurança<br />

privada – SpyCops e Marte Vigilância e Segurança Patrimonial –, cujos sócios eram<br />

policiais <strong>de</strong> elite da Polícia Civil <strong>de</strong> São Paulo (do DHPP e da Delegacia Geral), que foram<br />

investigados pela Polícia Fe<strong>de</strong>ral e pelo Ministério Público, com a suspeita <strong>de</strong> realizarem<br />

espionagem e investigação paralela por meio <strong>de</strong> escutas telefônicas ilegais.<br />

São situações extremamente preocupantes do ponto <strong>de</strong> vista legal e que revelam os<br />

tipos <strong>de</strong> problema que o envolvimento <strong>de</strong> policiais com a segurança pública po<strong>de</strong> acarretar.<br />

Em todos os casos, além da irregularida<strong>de</strong>, verificam-se ilegalida<strong>de</strong> e crimes praticados por<br />

policiais no exercício da segurança privada.<br />

Situações <strong>de</strong> uso da violência e da força <strong>de</strong> forma arbitrária também são bastante<br />

retratadas na imprensa. Há casos <strong>de</strong> violência praticada por vigilantes autônomos, por<br />

policiais funcionários <strong>de</strong> empresas clan<strong>de</strong>stinas e por vigilantes <strong>de</strong> empresas regulares. A<br />

matéria “2 PMs são acusados <strong>de</strong> agredir e matar jovem” (Folha <strong>de</strong> S. Paulo, Cotidiano, 4<br />

<strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2004) <strong>de</strong>screve a morte <strong>de</strong> um adolescente <strong>de</strong> 17 anos em Campinas, São<br />

Paulo. O garoto foi morto na frente <strong>de</strong> uma boate por dois policiais militares que faziam a<br />

segurança do evento. A empresa Mega Segurança, responsável pela segurança da boate,<br />

afirmou que não contratava policiais como vigilantes. No entanto, os dois policiais tiveram<br />

a prisão administrativa <strong>de</strong>cretada e foram encaminhados para a Corregedoria. O<br />

comandante responsável pelo Comando <strong>de</strong> Policiamento do Interior 2 afirmou que ambos<br />

os policiais estavam <strong>de</strong> folga no dia do ocorrido.<br />

88


Um outro caso emblemático ocorrido em 2004, que trouxe à tona, na ocasião, o<br />

problema das empresas clan<strong>de</strong>stinas e suscitou o <strong>de</strong>bate sobre a questão, foi o assassinato<br />

<strong>de</strong> um menino <strong>de</strong> 15 anos, por um vigilante, em uma praça do Alto <strong>de</strong> Pinheiros, bairro <strong>de</strong><br />

classe alta <strong>de</strong> São Paulo. Na semana que se seguiu ao crime, foi publicada uma série <strong>de</strong><br />

matérias e reportagens sobre o caso e a respeito do setor <strong>de</strong> segurança privada, mostrando<br />

como a imprensa também é capaz <strong>de</strong> exercer pressão e controle externo sobre o setor.<br />

O adolescente foi morto por um vigilante da empresa Itaim Vigilância <strong>de</strong> Comércio<br />

e Serviços, que não tinha autorização para portar arma. A empresa era irregular e não<br />

possuía autorização da Polícia Fe<strong>de</strong>ral para atuar no ramo da segurança privada. O dono da<br />

empresa era ex-cabo da polícia militar, que <strong>de</strong>ixou a corporação <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r a uma<br />

sindicância por fazer “bico”; ele também foi processado por seqüestro, furto e formação <strong>de</strong><br />

quadrilhas, mas foi absolvido. 48<br />

O caso é emblemático, pois traz diversos aspectos da irregularida<strong>de</strong> no setor e dos<br />

riscos trazidos por tais irregularida<strong>de</strong>s: trata-se <strong>de</strong> uma empresa clan<strong>de</strong>stina, que realizava<br />

segurança privada sem ter autorização para tanto; um vigilante irregularmente contratado,<br />

sem carteira <strong>de</strong> trabalho; e um ex-policial dono da empresa. 49 Além <strong>de</strong>sses três aspectos, as<br />

matérias que se seguiram na imprensa sobre o caso mostraram que a empresa Itaim havia<br />

sido <strong>de</strong>nunciada pelo Sesvesp à Polícia Fe<strong>de</strong>ral, um mês antes do crime, 50 contudo, nada<br />

foi feito.<br />

48 Detalhes sobre o caso po<strong>de</strong>m ser encontrados nas seguintes matérias: “Estudante <strong>de</strong> 15 anos é morto por<br />

vigia” (Jornal da Tar<strong>de</strong>, Ca<strong>de</strong>rno A, 9 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2004); “Vigia mata estudante na zona oeste <strong>de</strong> SP” /<br />

“Segurança não tinha autorização para usar arma” (Folha <strong>de</strong> S. Paulo, Cotidiano, 9 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2004);<br />

“Polícia i<strong>de</strong>ntifica vigia que matou estudante a tiros” (O Estado <strong>de</strong> S. Paulo, Cida<strong>de</strong>s, 10 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2004);<br />

“País tem exército clan<strong>de</strong>stino <strong>de</strong> 600 mil vigilantes” (O Estado <strong>de</strong> S. Paulo, Cida<strong>de</strong>s, 11 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2004).<br />

49 “Decretada prisão <strong>de</strong> acusado do crime” (O Estado <strong>de</strong> S. Paulo, Cida<strong>de</strong>s, 11 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2004) - “A justiça<br />

<strong>de</strong>cretou a prisão temporária do vigilante Carlos Almir Oliveira Souza, <strong>de</strong> 25 anos, acusado <strong>de</strong> ter assassinado<br />

com cinco tiros, na sexta feira, no Alto <strong>de</strong> Pinheiros, o estudante Guilherme Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Almeida, <strong>de</strong> 15. A<br />

empresa on<strong>de</strong> Souza Trabalhava, a Itaim Vigilância, Comércio e Serviços, segundo a Polícia Fe<strong>de</strong>ral é<br />

irregular e não <strong>de</strong>via estar funcionando. Por isso, a Polícia Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>ve encerrar hoje as ativida<strong>de</strong>s da<br />

empresa. Souza não tinha registro em carteira, não passou por treinamento para exercer a função <strong>de</strong> vigilante<br />

e não tem porte <strong>de</strong> arma.”<br />

50 “PF sabia <strong>de</strong> ronda ilegal no Alto <strong>de</strong> Pinheiros” (Folha <strong>de</strong> S. Paulo, Cotidiano, 11 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2004) –<br />

“Havia pelo menos 15 dias que a Polícia fe<strong>de</strong>ral tinha notícias <strong>de</strong> que rondas irregulares estariam sendo feitas<br />

pela empresa <strong>de</strong> vigilância Itaim em ruas do Alto <strong>de</strong> Pinheiros, uma região nobre da zona oeste <strong>de</strong> São Paulo.<br />

89


As notícias mostram, ainda, a dificulda<strong>de</strong> que a Polícia Fe<strong>de</strong>ral teve para conseguir<br />

fechar a empresa clan<strong>de</strong>stina. “PF não consegue fechar empresa <strong>de</strong> vigia que matou<br />

estudante” (O Estado <strong>de</strong> S. Paulo, Cida<strong>de</strong>s, 12 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2004).<br />

Depois que a empresa foi fechada, uma curiosa matéria foi veiculada: “Operação da<br />

Polícia Fe<strong>de</strong>ral fecha 25 empresas <strong>de</strong> vigilância em SP” (Folha <strong>de</strong> S. Paulo, Cotidiano, 15<br />

<strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2004), <strong>de</strong>screvendo a megablitz realizada pela Polícia Fe<strong>de</strong>ral, que fechou 25<br />

empresas irregulares que atuavam em São Paulo, <strong>de</strong>pois do assassinato do adolescente. Em<br />

março e abril <strong>de</strong> 2004, foram emitidas as or<strong>de</strong>ns para fiscalização <strong>de</strong> 39 empresas<br />

clan<strong>de</strong>stinas <strong>de</strong>nunciadas pelo Sesvesp. Nada havia acontecido até 07 <strong>de</strong> maio, data do<br />

assassinato. A empresa Itaim era uma das <strong>de</strong>nunciadas.<br />

Fica clara, portanto, a forma pela qual a Polícia Fe<strong>de</strong>ral exerce seu trabalho: não há<br />

uma rotina sistemática <strong>de</strong> monitoramento e fiscalização das empresas, sendo que sua<br />

atuação é exclusivamente pautada pela <strong>de</strong>núncia. Ainda assim, a Polícia Fe<strong>de</strong>ral age com<br />

dificulda<strong>de</strong>s e não consegue respon<strong>de</strong>r em tempo hábil às <strong>de</strong>núncias feitas. Por fim, após<br />

uma situação que gerou clamor público, foi feita uma “mega-operação”, sem planejamento,<br />

sem organização, apenas para dar uma resposta pontual à socieda<strong>de</strong> e à imprensa. Vale<br />

resgatar os dados do DPF sobre o fechamento das clan<strong>de</strong>stinas, que teve seu pico no ano <strong>de</strong><br />

2004, justamente quando houve ampla repercussão dos casos <strong>de</strong> violência envolvendo<br />

setores da segurança privada.<br />

Há outras irregularida<strong>de</strong>s recorrentes. Por exemplo, o excesso praticado por<br />

seguranças em boates e casas noturnas é divulgado com maior freqüência. “Donos <strong>de</strong><br />

boates po<strong>de</strong>m ser punidos por brigas” (O Estado <strong>de</strong> S. Paulo, Cida<strong>de</strong>s, 12 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2004)<br />

– “O número <strong>de</strong> casos <strong>de</strong> pessoas agredidas por seguranças <strong>de</strong> casas noturnas e bares das<br />

zonas sul e oeste <strong>de</strong> São Paulo preocupa a polícia. Na zona sul – região da Vila Olímpia,<br />

A <strong>de</strong>núncia foi encaminhada à PF pelo Sesvesp (sindicato das empresas <strong>de</strong> segurança) em 23 <strong>de</strong> abril. Na<br />

sexta, 7 <strong>de</strong> maio, sem que nenhuma fiscalização tenha sido feita na empresa, o adolescente Guilherme Men<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> Almeida, 15, foi morto por um homem que estava a serviço da Itaim.”<br />

90


que concentra <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> danceterias –, são registradas nove ocorrências <strong>de</strong> agressões a<br />

cada final <strong>de</strong> semana, em média. Sem conseguir punir os seguranças, a polícia vai tentar<br />

responsabilizar, a partir <strong>de</strong> agora, os donos das casas.“ “Da pista para a <strong>de</strong>legacia” (Veja<br />

São Paulo, 9 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2004) – “Cerca <strong>de</strong> 100 boletins <strong>de</strong> ocorrência foram registrados<br />

neste ano por causa das confusões nas casas noturnas do bairro Vila Olímpia, segundo<br />

levantamento da 2ª Delegacia Seccional Sul. Do total, 26 queixas referem-se a brigas que<br />

resultaram em cinqüenta vítimas com lesões corporais. Entre essas <strong>de</strong>núncias, <strong>de</strong>zessete<br />

envolvem seguranças dos estabelecimentos.”<br />

Aparecem ainda, casos como o “Uso ilegal <strong>de</strong> cão <strong>de</strong> guarda se dissemina” (Folha<br />

<strong>de</strong> S. Paulo, Cotidiano, 1º <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2005) 51 e “Jovem é morto por segurança <strong>de</strong><br />

shopping” (Folha <strong>de</strong> S. Paulo, Cotidiano, 20 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2006), em que o segurança <strong>de</strong><br />

uma empresa regular atirou e matou um rapaz após uma discussão.<br />

Em estudo interno realizado pela Coor<strong>de</strong>nadoria <strong>de</strong> Análise e Planejamento da<br />

Secretaria da Segurança Pública do Estado <strong>de</strong> São Paulo, <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2004, foram<br />

analisadas ocorrências registradas pelo Infocrim 52 entre janeiro <strong>de</strong> 2001 e setembro <strong>de</strong> 2003<br />

na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, envolvendo seguranças privados. O grupo “seguranças privados”<br />

foi composto pelas categorias “seguranças”, “vigilantes”, “vigias” e “guardas noturnos”, ou<br />

seja, por vigilantes regulares e irregulares.<br />

Nesse período foram registradas 7.377 ocorrências criminais envolvendo seguranças<br />

privados. Desse total, 25,82% das ocorrências foram <strong>de</strong> ameaça, 19,99% <strong>de</strong> lesão corporal<br />

dolosa, 9,95% <strong>de</strong> porte ilegal <strong>de</strong> arma, 4,61% <strong>de</strong> captura <strong>de</strong> procurado. Os homicídios<br />

dolosos correspon<strong>de</strong>ram a 0,50% do total das ocorrências (37 homicídios).<br />

As ocorrências que mais se verificam são <strong>de</strong> crimes <strong>de</strong> ameaça e lesão corporal<br />

dolosa, ou seja, aquelas que se materializam em abusos, <strong>de</strong>srespeito, agressões e brigas com<br />

51 A Portaria nº 387/06 autoriza o uso <strong>de</strong> cães por empresas regulares e estabelece todo o procedimento <strong>de</strong>sse<br />

uso, com critérios para o a<strong>de</strong>stramento, uso <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação pelo cão e preparo do vigilante.<br />

52 Sistema <strong>de</strong> registro <strong>de</strong> ocorrências on-line e georreferenciado da Secretaria da Segurança Pública <strong>de</strong> São<br />

Paulo.<br />

91


cidadãos. Tais dados corroboram as informações sobre a forma como atuam os seguranças<br />

em casas noturnas e em outros eventos pontuais, <strong>de</strong> forma agressiva e truculenta. O índice<br />

<strong>de</strong> quase 5% <strong>de</strong> ocorrências <strong>de</strong> captura <strong>de</strong> procurados po<strong>de</strong> indicar que a seleção ou o<br />

levantamento <strong>de</strong> antece<strong>de</strong>ntes dos seguranças não são eficientes, permitindo que<br />

procurados pela polícia atuem como vigilantes privados. Por fim, os homicídios<br />

representam uma cifra pequena em relação às outras ocorrências, mas um total <strong>de</strong> 37<br />

homicídios é um número significativo, sendo uma média <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> um homicídio<br />

praticado por vigilante a cada mês, no período analisado.<br />

Ainda que seja difícil precisar a dimensão do mercado irregular e das ilegalida<strong>de</strong>s<br />

praticadas no setor da segurança privada, há elementos suficientes que permitem concluir<br />

que existe uma ampla gama <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s que colocam em risco a vida e a integrida<strong>de</strong> física<br />

dos cidadãos, bem como a credibilida<strong>de</strong> do setor. O que indica a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprimorar<br />

a regulação existente sobre ele.<br />

92


CAPÍTULO 4 - CONCLUSÕES<br />

O objetivo <strong>de</strong>ste estudo não foi exaurir a questão da segurança privada, mas sim<br />

estabelecer a sua relação com o Estado e enten<strong>de</strong>r se há contradição entre ambos,<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da concepção <strong>de</strong> Estado adotada. Além disso, foi realizado o mapeamento das<br />

principais formas <strong>de</strong> regulamentação e problemas vividos pelo setor. A partir <strong>de</strong>ssa análise,<br />

tentou-se formular também algumas propostas para aperfeiçoar a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> regulação<br />

sobre o setor.<br />

Tradicionalmente, a segurança privada é entendida como um contraponto ao<br />

monopólio estatal do uso legítimo da força e que cresce em virtu<strong>de</strong> da incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o<br />

Estado prover segurança pública. No entanto, quando se consi<strong>de</strong>ram o Estado e o po<strong>de</strong>r sob<br />

a ótica da perspectiva pluralista, a segurança privada passa a ser legítima e não um<br />

contraponto. Ainda que o Estado brasileiro concentre elementos <strong>de</strong> todas as formas <strong>de</strong><br />

Estado <strong>de</strong>scritas – centralizado, laisse-faire e pluralista –, a segurança privada como um<br />

setor <strong>de</strong> serviços mais complexo, se fortalece a partir da perspectiva pluralista. Contudo, os<br />

serviços privados <strong>de</strong> segurança no país contribuem muito mais para uma forma<br />

conservadora <strong>de</strong> pluralismo <strong>de</strong> que emancipadora. O crescimento <strong>de</strong>sses serviços em sua<br />

forma atual na realida<strong>de</strong> brasileira indica um projeto <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> voltado para a proteção<br />

do indivíduo que po<strong>de</strong> pagar por sua segurança e para a resolução privada <strong>de</strong> muitos<br />

conflitos que são públicos, em <strong>de</strong>trimento da ética da solidarieda<strong>de</strong>, da construção <strong>de</strong> laços<br />

comunitários, da igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s em receber segurança e do investimento na<br />

melhoria dos serviços públicos <strong>de</strong> segurança.<br />

Portanto, se a segurança privada não tiver sobre si uma estrutura <strong>de</strong> regulação<br />

organizada, que funcione e seja eficiente, é gran<strong>de</strong> o risco <strong>de</strong> essa forma conservadora se<br />

consolidar e ser prejudicial à garantia <strong>de</strong> outros direitos <strong>de</strong> parte significativa da população.<br />

Além, é claro, <strong>de</strong> continuarem ocorrendo os abusos das empresas clan<strong>de</strong>stinas e os crimes<br />

praticados por vigilantes, na lacuna <strong>de</strong>ssa estrutura <strong>de</strong> regulação. Investir em<br />

regulamentação, fiscalização e controle é fundamental para que os serviços <strong>de</strong> segurança<br />

93


privada possam complementar a segurança pública e se aperfeiçoar, aumentando a<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fornecer proteção, sem perpetrar violência ou abusos.<br />

Para garantir essa regulação, mesmo com a existência <strong>de</strong> diferentes fontes <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />

e <strong>de</strong> normatização própria do mo<strong>de</strong>lo pluralista, o Estado ainda tem um papel muito<br />

importante. Ele <strong>de</strong>ve montar uma estrutura <strong>de</strong> regulação eficiente a partir da legislação e<br />

dos órgãos fiscalizatórios, além <strong>de</strong> seguir investindo e aperfeiçoando a segurança pública.<br />

Só assim será possível ter um setor privado <strong>de</strong> segurança <strong>de</strong>senvolvido e consolidado, que<br />

respeite os valores da <strong>de</strong>mocracia e dos direitos humanos, ao mesmo tempo em que o<br />

Estado seja capaz <strong>de</strong> garantir segurança pública a todos. Os dois setores <strong>de</strong>vem conviver<br />

harmônica e complementarmente, por meio da mediação estatal, sendo que o crescimento<br />

da segurança privada não po<strong>de</strong> significar a <strong>de</strong>terioração do serviço <strong>de</strong> segurança pública.<br />

Há, contudo, uma gran<strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>: os interesses que guiam os serviços da segurança<br />

privada são sempre os do cliente, que não necessariamente garantem valores <strong>de</strong>mocráticos.<br />

Dessa forma, o controle exercido pelo Estado <strong>de</strong>ve contribuir para inserir conceitos e<br />

formas claras por meio das quais o serviço <strong>de</strong>ve ser prestado, assim como faz com a<br />

segurança pública. Essa ação, ainda que não resolva automaticamente a questão, cria<br />

condições concretas para que outros valores também orientem os serviços <strong>de</strong> segurança<br />

privada.<br />

Para isso, a legislação po<strong>de</strong> ser aperfeiçoada. Além do controle administrativo, é<br />

preciso estabelecer limites e balizas mais precisas sobre o conteúdo e a forma das<br />

ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> segurança privada. Também há uma série <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> segurança privada<br />

não regidas pela Lei Fe<strong>de</strong>ral nº 7.102/83 e pela Portaria nº 387/06 e que não têm uma<br />

legislação específica que as regulem, tornando-as ativida<strong>de</strong>s irregulares. Isto acarreta uma<br />

situação bastante <strong>de</strong>licada do ponto <strong>de</strong> vista da qualida<strong>de</strong> dos serviços prestados e da<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fiscalização, uma vez que esses serviços existem, mas não são controlados e<br />

nem fiscalizados, já que são consi<strong>de</strong>rados irregulares (ou então se submetem a algum outro<br />

regime legal).<br />

94


Ainda que não haja uma estimativa precisa, o número <strong>de</strong> vigilantes autônomos que<br />

prestam serviços é alto e seu trabalho não é regulamentado por nenhuma lei específica. A<br />

participação <strong>de</strong> policiais também se dá à margem da lei, embora seja reconhecida pela<br />

Justiça do Trabalho. Os serviços <strong>de</strong> investigação particular também existem, mas não são<br />

regidos pela legislação fe<strong>de</strong>ral sobre segurança privada. Tampouco a comercialização dos<br />

equipamentos eletrônicos <strong>de</strong> segurança tem legislação específica. Assim, é importante que<br />

a legislação nacional sobre segurança privada passe por novas revisões, no sentido <strong>de</strong><br />

incluir essas outras formas <strong>de</strong> prestar serviços privados <strong>de</strong> segurança. É importante também<br />

criar mecanismos legais e institucionais para evitar que donos e diretores <strong>de</strong> empresas<br />

clan<strong>de</strong>stinas fechadas possam abrir outras empresas <strong>de</strong> segurança privada. 53<br />

A edição da Portaria nº 387/06 já foi uma avanço nessa direção, pois, ainda que não<br />

tenha ampliado o rol <strong>de</strong> serviços, trouxe princípios e a idéia <strong>de</strong> uma política mais ampla <strong>de</strong><br />

segurança pela qual são responsáveis o Po<strong>de</strong>r Público, empregados e empregadores, além<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>talhar os currículos dos cursos <strong>de</strong> formação. A Portaria <strong>de</strong>finiu também (art. 148) um<br />

procedimento administrativo para encerramento <strong>de</strong> empresas que executem ativida<strong>de</strong>s não<br />

autorizadas <strong>de</strong> segurança privada, bem como estabeleceu (art. 127, inciso I) a pena <strong>de</strong><br />

cancelamento da autorização <strong>de</strong> funcionamento às empresas cujos objetivos ou condutas<br />

indicarem a prática <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s ilícitas, contrárias, nocivas ou perigosas ao bem público e<br />

à segurança do Estado e coletivida<strong>de</strong>. No entanto, outras mudanças legislativas po<strong>de</strong>m<br />

contribuir ainda mais. Exemplificar tipos <strong>de</strong> práticas ilícitas verificadas <strong>de</strong> forma recorrente<br />

nas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> segurança privada po<strong>de</strong> ser uma forma <strong>de</strong> dar maior materialida<strong>de</strong> ao<br />

artigo 127, inciso I, por exemplo.<br />

53 A Portaria nº 387/06 exige dos proprietários <strong>de</strong> empresas a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> esclarecer a ativida<strong>de</strong><br />

econômica exercida anteriormente, a origem dos recursos financeiros apresentados para a formação e/ou<br />

constituição do capital social da empresa, a eventual participação anterior ou atual em empresa <strong>de</strong> segurança<br />

privada cancelada, encerrada ou extinta, e as razões pelas quais a empresa anterior foi cancelada, encerrada ou<br />

extinta. O artigo 126 da referida Portaria estabelece a pena <strong>de</strong> proibição temporária <strong>de</strong> funcionamento, que<br />

varia entre 03 e 30 dias e em seu inciso II, estabelece que é passível <strong>de</strong>sta penalida<strong>de</strong> a empresa que realizar a<br />

seguinte conduta: “ter na constituição societária, como sócio ou administrador, pessoas com antece<strong>de</strong>ntes<br />

criminais, constando registros <strong>de</strong> indiciamento em inquérito policial, que estiverem sendo processados<br />

criminalmente ou tiverem sido con<strong>de</strong>nados em processo criminal.”<br />

95


Além da fiscalização administrativa sobre os aspectos <strong>de</strong> regularida<strong>de</strong> formal,<br />

prevista em lei e realizada pela Polícia Fe<strong>de</strong>ral, é preciso construir parâmetros valorativos<br />

sobre como efetivamente a segurança privada <strong>de</strong>ve ser prestada, não só para as empresas,<br />

mas para todos aqueles que prestam esse tipo <strong>de</strong> serviço, incluindo os autônomos que,<br />

como visto, são responsáveis por abusos no exercício do trabalho.<br />

É preciso, portanto, incrementar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fiscalização baseada em aspectos<br />

materiais, construindo o conteúdo da segurança privada composto pelo que efetivamente<br />

compõe essa ativida<strong>de</strong> e com limites bem claros: quando e por que uma pessoa <strong>de</strong>ve ser<br />

impedida <strong>de</strong> entrar em <strong>de</strong>terminado local; o que configura uma situação suspeita; como<br />

tratar um agressor <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um estabelecimento; quando e como envolver a polícia nas<br />

ocorrências; privilegiar técnicas não letais do uso do armamento. É preciso ter clareza dos<br />

critérios <strong>de</strong> seleção dos vigilantes; critérios como força física, domínio <strong>de</strong> artes marciais e<br />

truculência são ultrapassados. A fiscalização <strong>de</strong> aspectos materiais <strong>de</strong>ve ter parâmetros<br />

claros sobre o uso in<strong>de</strong>vido da força.<br />

A alteração legal, contudo, é apenas uma parcela das alterações necessárias. É<br />

preciso reestruturar a Polícia Fe<strong>de</strong>ral para o exercício da fiscalização e controle sobre a<br />

segurança privada. É importante que a Coor<strong>de</strong>nação Geral <strong>de</strong> Controle <strong>de</strong> Segurança<br />

Privada seja mais estruturada, contando com um efetivo maior, especializado e sem<br />

rotativida<strong>de</strong>, para ser possível consolidar um trabalho <strong>de</strong> fiscalização mais contínuo. É<br />

preciso também avaliar se o controle tão centralizado na Polícia Fe<strong>de</strong>ral não po<strong>de</strong> ser<br />

reformulado, por exemplo, por meio da criação <strong>de</strong> um sistema integrado e organizado com<br />

as polícias estaduais, diferente da <strong>de</strong>scentralização do controle que havia antes <strong>de</strong> 1983,<br />

mas que garanta maior capilarida<strong>de</strong> na fiscalização.<br />

É necessário também dotar a Polícia Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fiscalização<br />

sistemática das ilegalida<strong>de</strong>s praticadas no setor, o que é diferente daquela reativa e pontual<br />

que ocorre atualmente. A Polícia Fe<strong>de</strong>ral precisa ser capaz <strong>de</strong> antever as ilegalida<strong>de</strong>s com<br />

uma atuação preventiva mais ampla, a partir da criação <strong>de</strong> um banco <strong>de</strong> dados organizado e<br />

<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s in loco mais planejadas e sistemáticas. Para isso, é importante integrar as<br />

96


diferentes polícias estaduais para analisar os tipos <strong>de</strong> ocorrências registradas envolvendo<br />

vigilantes e empresas, enten<strong>de</strong>r quais crimes os policiais envolvidos com a segurança<br />

privada cometem e passar a controlar as ilegalida<strong>de</strong>s também.<br />

Po<strong>de</strong> ser interessante, ainda, alterar a composição da Comissão Consultiva para<br />

Assuntos <strong>de</strong> Segurança Privada, <strong>de</strong> forma a envolver profissionais <strong>de</strong> outras áreas,<br />

representativos <strong>de</strong> organizações <strong>de</strong> direitos humanos e alterar o conteúdo das discussões,<br />

tornado-as menos procedimentais.<br />

Por fim, é importante potencializar as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> certificação e campanhas<br />

promovidas pelas entida<strong>de</strong>s representativas do setor e envolver cada vez mais a socieda<strong>de</strong><br />

civil e a mídia na discussão e monitoramento qualificados sobre os serviços <strong>de</strong> segurança<br />

privada, incentivando a conscientização sobre os riscos <strong>de</strong> contratar ativida<strong>de</strong>s irregulares e<br />

criando mecanismos <strong>de</strong> responsabilização solidária entre a empresa irregular e o<br />

contratante.<br />

97


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