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A participacao de policiais militares na seguranca privada

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSECurso <strong>de</strong> Especialização em Políticas Públicas<strong>de</strong> Segurança Pública e Justiça Crimi<strong>na</strong>lA PARTICIPACAO DE POLICIAIS MILITARESNA SEGURANCA PRIVADAVanessa <strong>de</strong> Amorim CortesMonografia apresentada ao Programa <strong>de</strong>Pós-Graduação da UFF, como requisitoparcial à obtenção do Título <strong>de</strong> Especialistaem Políticas Públicas <strong>de</strong> Justiça Crimi<strong>na</strong>l eSegurançaPública.Orientador: Roberto Kant <strong>de</strong> LimaNiterói, 2004


2À Carolzinha


Muito obrigadaa todos que, <strong>de</strong> alguma forma,contribuíram para esta monografia.3


RESUMO:A Monografia “a Participação <strong>de</strong> Policiais Militares <strong>na</strong> Segurança Privada” foiapresentada ao Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação da UFF, como requisito parcial à obtenção doTítulo <strong>de</strong> Especialista em Políticas Públicas <strong>de</strong> Justiça Crimi<strong>na</strong>l e Segurança Pública. Naqual se buscou discutir por que o setor <strong>de</strong> segurança <strong>privada</strong>, no Rio <strong>de</strong> Janeiro, vem sendoconstituído e reconstituído com a presença <strong>de</strong> <strong>policiais</strong> <strong>militares</strong>, sendo que a participação<strong>de</strong>stes, ao longo dos últimos quarenta anos, nem sempre teve amparo legal.PALAVRA-CHAVE:Segurança <strong>privada</strong>, polícia militar, segurança pública.4


SUMÁRIO:Introdução 6I - Histórico do <strong>de</strong>bate 9II - Respostas comuns à participação <strong>de</strong> <strong>policiais</strong> <strong>na</strong> segurança <strong>privada</strong> 18III – Espaços 22IV – Discursos dos <strong>policiais</strong> <strong>militares</strong> 28V - Consi<strong>de</strong>rações fi<strong>na</strong>is 35VI – Referência bibliográfica 375


Introdução:A segurança <strong>privada</strong>, compreendida como a prestação <strong>de</strong> segurança não-estatal comobjetivo <strong>de</strong> se ter lucro, tornou-se obrigatória para o sistema fi<strong>na</strong>nceiro, no fi<strong>na</strong>l da década<strong>de</strong> 60 1 , visando conter os roubos a bancos, que, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> terem ou nãomotivação política, eram enquadrados <strong>na</strong> lei <strong>de</strong> segurança <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Com isto, a segurança<strong>privada</strong> institucio<strong>na</strong>lizada passa a fazer parte do cenário brasileiro com o objetivo <strong>de</strong>assegurar a or<strong>de</strong>m <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, ou seja, nesta primeira fase sua existência está vinculada àquestão da segurança do Estado.No contexto da ditadura militar, principalmente <strong>na</strong>s décadas <strong>de</strong> 60 e 70, a polícia étransformada em um instrumento político <strong>de</strong> manutenção do regime (FERREIRA, 1996) e,<strong>na</strong> esteira, a “segurança ostensiva” 2 <strong>privada</strong> passa a ser exigida <strong>na</strong>s agências bancárias<strong>privada</strong>s <strong>de</strong> forma análoga ao trabalho <strong>de</strong>senvolvido pela polícia <strong>na</strong>s agências fi<strong>na</strong>nceiraspúblicas 3 .Em um primeiro momento, o objetivo da segurança <strong>privada</strong> parece ir ao encontrodos interesses das instituições <strong>de</strong> segurança pública para a <strong>de</strong>fesa do Estado, sendo,inclusive, a participação <strong>de</strong> agentes <strong>de</strong> segurança pública <strong>na</strong> segurança <strong>privada</strong> incentivadapelo estado, como no caso do Rio <strong>de</strong> Janeiro, on<strong>de</strong>, em 1976, o gover<strong>na</strong>dor sancionou aportaria E-0129/76 que, entre várias medidas relacio<strong>na</strong>das à segurança <strong>privada</strong>, obrigava asempresas a terem pelo menos um oficial militar superior <strong>na</strong> sua direção, alegando que,<strong>de</strong>sta forma, seria possível controlar a formação técnica do vigilante. Esta medida vigorou1 Através do <strong>de</strong>creto-lei fe<strong>de</strong>ral n°1034 <strong>de</strong> 21/10/1969, toda agência bancária <strong>privada</strong> fica obrigada <strong>de</strong>contratar uma firma <strong>de</strong> segurança <strong>privada</strong>, para garantir a segurança do seu estabelecimento.2 A segurança <strong>privada</strong> foi <strong>de</strong>nomi<strong>na</strong>da, <strong>de</strong> início, segurança ostensiva, ver SILVA (1992)3 Atualmente todas as agências bancárias públicas e <strong>privada</strong>s contam com serviço privado <strong>de</strong> segurança.Sobre a discussão: segurança <strong>privada</strong> complementar ou suplementar à polícia, ver HERINGER (1992) eANTUNES (2001)6


até 1983, mas, atualmente, não há nenhuma prescrição incentivando a participação <strong>de</strong>stesagentes públicos no setor privado. No caso da Polícia Militar, o regulamento interno dacorporação até proíbe um segundo emprego, o que, entretanto, não parece estar sendo umfator limitador para a presença <strong>de</strong>stes <strong>na</strong> segurança <strong>privada</strong>.Neste contexto, nosso interesse volta-se para a discussão da participação <strong>de</strong> agentes<strong>de</strong> segurança pública no setor privado, tomando como referência a Polícia Militar do Rio <strong>de</strong>Janeiro, em função dos limites que se impõe a este projeto. Esta escolha foi baseada emduas razões principais: um amplo material sobre a Polícia Militar e os <strong>policiais</strong> <strong>militares</strong>(principalmente <strong>na</strong> imprensa); e a maior facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso aos <strong>policiais</strong> <strong>militares</strong>, tantopraças como oficiais, em virtu<strong>de</strong> do curso <strong>de</strong> Especialização em Políticas Públicas emJustiça Crimi<strong>na</strong>l e Segurança Pública, <strong>na</strong> UFF.Para construção do nosso objeto <strong>de</strong> pesquisa, partimos da premissa <strong>de</strong> que a PM nãoé um bloco homogêneo. Está segmentada em, pelo menos, dois grupos: praças (soldados,cabos e sargentos) e oficiais (tenentes, capitães, majores, tenentes-coronéis e coronéis).Fizemos isto para mostrar as diferenças e semelhanças <strong>de</strong> dois grupos distintamenteestruturados e prestigiados (MUNIZ, 1999; KANT <strong>de</strong> LIMA, 2003). Consi<strong>de</strong>ramos os doissub-grupos insuficientes para refletir todas as gradações e especificida<strong>de</strong>s inter<strong>na</strong>s, assimcomo as diferenças entre os agentes administrativos e os operacio<strong>na</strong>is. Porém, para umesforço <strong>de</strong> sistematização, este mo<strong>de</strong>lo se tor<strong>na</strong>, neste momento, necessário.A partir <strong>de</strong>ste trabalho, buscaremos aprofundar a discussão sobre por que o setor <strong>de</strong>segurança <strong>privada</strong>, no Rio <strong>de</strong> Janeiro, vem sendo constituído e reconstituído com apresença <strong>de</strong> <strong>policiais</strong> <strong>militares</strong>, sendo que nem sempre a participação <strong>de</strong>stes foi percebidacomo “<strong>de</strong>sejável”. Como estes profissio<strong>na</strong>is <strong>de</strong> segurança tem atuado <strong>na</strong> segurança <strong>privada</strong>?São agentes da lei ou da norma? Qual o espaço que eles ocupam e <strong>de</strong> que forma o7


negociam? Quais são as diferenças e semelhanças entre praças e oficiais no exercício, <strong>na</strong>percepção e no discurso acerca da segurança <strong>privada</strong>? Como estão sendo <strong>de</strong>finidos o espaçopúblico e a esfera pública a partir da atuação <strong>de</strong>stes agentes?A fim <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r estas questões, <strong>na</strong> primeira parte, será a<strong>na</strong>lisado o <strong>de</strong>bate <strong>na</strong>imprensa acerca da participação da polícia <strong>na</strong> segurança <strong>privada</strong>, a partir das formulações<strong>de</strong> propostas e projetos nos âmbitos fe<strong>de</strong>ral e estadual, em especial no estado do Rio <strong>de</strong>Janeiro, com as tentativas <strong>de</strong> aprovar a “Lei do Bico” – como ficaram sendo chamados pelaimprensa os distintos projetos <strong>de</strong> lei que tinham como objetivo comum a regulamentaçãodo segundo emprego <strong>de</strong> <strong>policiais</strong> civis e <strong>militares</strong> <strong>na</strong> segurança <strong>privada</strong>.O passo seguinte será discutir as várias respostas freqüentemente oferecidas porautores que discutem a questão da segurança para a participação <strong>de</strong> agentes públicos <strong>na</strong>segurança <strong>privada</strong>, como: os salários baixos dos <strong>policiais</strong>; a obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oficiais <strong>na</strong>direção das empresas, <strong>na</strong> década <strong>de</strong> 70; o interesse do cliente em privilégios; e o acúmulo<strong>de</strong> um “saber prático necessário” pelos <strong>policiais</strong>.Na terceira parte, discutiremos as noções <strong>de</strong> espaço público e privado cruzando coma concepção <strong>de</strong> polícia pública e <strong>privada</strong>. Para isto, será utilizado uma tipologia elaboradapor pesquisadores do Vera Institute of Justice, on<strong>de</strong> buscaremos pensar os limites e acontribuição <strong>de</strong>ste mo<strong>de</strong>lo para enten<strong>de</strong>r a inserção e atuação dos policias <strong>militares</strong>brasileiros nos espaços público e privado.E, por último, será a<strong>na</strong>lisado o que os <strong>policiais</strong> <strong>militares</strong>, praças e oficiais, estãodizendo sobre esta ativida<strong>de</strong>, e a forma como eles estão constituindo suas relações noexercício da segurança <strong>privada</strong>.8


1) Histórico do <strong>de</strong>bate:A institucio<strong>na</strong>lização da segurança <strong>privada</strong> no Brasil ocorreu em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> ummomento político autoritário, que suce<strong>de</strong>u ao golpe militar <strong>de</strong> 1964.De forma que, em 21/10/1969, com o <strong>de</strong>creto-lei fe<strong>de</strong>ral n°1034/69, assi<strong>na</strong>do pelajunta militar que substituiu o Presi<strong>de</strong>nte Costa e Silva, ficou estabelecida a obrigatorieda<strong>de</strong><strong>de</strong> contratação <strong>de</strong> empresas <strong>de</strong> segurança <strong>privada</strong> para a segurança dos estabelecimentosfi<strong>na</strong>nceiros privados 4 , visando dar uma resposta às investidas <strong>de</strong> grupos políticos contráriosao governo, que tinham no roubo a bancos uma forma <strong>de</strong> capitalizar a sua organização.Com esta medida, agentes <strong>de</strong> segurança <strong>privada</strong> passaram a atuar como co-responsáveispela manutenção da segurança do Estado, e os roubos a banco foram enquadrados <strong>na</strong> Lei <strong>de</strong>Segurança Nacio<strong>na</strong>l. (HERINGER, 1992; SILVA, 1992; HERINGER e CORTES, 2002).Em 1976, a fim <strong>de</strong> impedir a formação <strong>de</strong> uma “força paralela in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte doEstado”, a então recém-criada Divisão <strong>de</strong> Segurança <strong>de</strong> Órgãos e Sistemas – DSOS,vinculada à Secretaria Estadual <strong>de</strong> Segurança Pública, estabeleceu uma série <strong>de</strong> normaspara o funcio<strong>na</strong>mento das empresas <strong>privada</strong>s. Desta forma, o controle e a fiscalização dasempresas foram consi<strong>de</strong>rados atribuição estadual até 1983 (HERINGER, 1992), quando écriada a Lei n°7.102/83 visando estabelecer normas para a autorização <strong>de</strong> funcio<strong>na</strong>mentono setor fi<strong>na</strong>nceiro, centralizando o controle e a fiscalização no âmbito fe<strong>de</strong>ral. (SILVA,1992).No Rio <strong>de</strong> Janeiro, os anos que se seguiram foram marcados por disputas, entre osgovernos fe<strong>de</strong>ral e estadual, pela fiscalização do setor, ao mesmo tempo em que cresciam<strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> irregularida<strong>de</strong>s, principalmente sobre a existência <strong>de</strong> empresas clan<strong>de</strong>sti<strong>na</strong>s.4 A segurança <strong>de</strong> bancos públicos era <strong>de</strong> competência da PM.9


Isto <strong>de</strong>spertou no Ministério da Justiça um discurso <strong>de</strong> normatização do setor <strong>de</strong> segurança<strong>privada</strong> 5 que encontrou oposição <strong>de</strong> setores do governo articulados a <strong>militares</strong> reformados epolíticos donos <strong>de</strong> empresa. (HERINGER, 1992).Com o governo Leonel Brizola, em 1991, a participação <strong>de</strong> agentes <strong>na</strong> segurança<strong>privada</strong> volta a ser tema <strong>de</strong> <strong>de</strong>bate público, com a discussão e a aprovação da intitulada Leido Bico – aprovada em 1994 6 . Esta lei, que vigorou ape<strong>na</strong>s por um ano - foi revogada pelosucessor Marcello Alencar -, possibilitava <strong>policiais</strong> civis e <strong>militares</strong>, bombeiros e agentespenitenciários a terem uma segunda ocupação profissio<strong>na</strong>l, especificamente <strong>na</strong> segurança<strong>privada</strong>, acen<strong>de</strong>ndo um <strong>de</strong>bate acerca do limite entre o que é interesse público e privado,das escalas <strong>de</strong> trabalho e das questões salariais, trabalhistas e psicológicas 7 . Embora a Leido Bico estivesse se referindo a várias categorias profissio<strong>na</strong>is e segmentos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> cadacorporação, quase sempre o <strong>de</strong>bate público foi enviesado para as condições e questõescolocadas pelos praças da polícia militar.“Representantes da Associação <strong>de</strong> cabos e Soldados da Polícia Militar eda Coligação <strong>de</strong> Policiais Civis se reúnem hoje com <strong>de</strong>putados da bancada doPT <strong>na</strong> Assembléia Legislativa para tentar impedir que as mensagens dogover<strong>na</strong>dor Leonel Brizola, permitindo que <strong>policiais</strong> civis e <strong>militares</strong> prestemserviço em empresa <strong>de</strong> segurança <strong>privada</strong>, sejam aprovadas <strong>na</strong> Casa.”5 Ape<strong>na</strong>s em 1991, através da Portaria n°91, ficou <strong>de</strong>finida segurança <strong>privada</strong> não só como aquela exercidaem instituições fi<strong>na</strong>nceiras, mas também “em outros estabelecimentos públicos e particulares” (BRASIL,1992).6 A Lei do Bico foi aprovada durante o governo Nilo Batista. Nilo Batista, então vice-gover<strong>na</strong>dor do Rio <strong>de</strong>Janeiro, passa a exercer a função quando o gover<strong>na</strong>dor Leonel Brizola se <strong>de</strong>sencompatibiliza do cargo paraconcorrer à presidência.7 Segundo Fer<strong>na</strong>ndo Ban<strong>de</strong>ira, policial civil e presi<strong>de</strong>nte da Fe<strong>de</strong>ração dos Vigilantes do Rio <strong>de</strong> Janeiro, a leirestringia o bico à segurança <strong>privada</strong> e não obrigava as empresas particulares a assumirem os encargos, comoassi<strong>na</strong>r carteira e <strong>de</strong>positar o FGTS, por exemplo.10


da policia, mesmo assim o segundo emprego dos <strong>policiais</strong> virou ban<strong>de</strong>ira doentão gover<strong>na</strong>dor Nilo Batista, que ano passado ajudou a regulamentar aativida<strong>de</strong> apontada por <strong>policiais</strong> com um paliativo para os baixos saláriospagos pelo estado”.“Dedicação exclusiva versus baixos salários. É difícil escapar dapolêmica ao discutir uma das brechas que viabilizaram a hoje moribunda ‘leido bico’. A escala <strong>de</strong> serviços dos <strong>policiais</strong> civis, PMs, bombeiros e agentespenitenciários, em muitos casos <strong>de</strong> 24 horas <strong>de</strong> serviço por 48 ou ate 72 horas<strong>de</strong> folga. (...)”“O <strong>de</strong>legado licenciado e <strong>de</strong>putado estadual José Godinho Sivuca (PPB),não é contrário às escalas, mas acha que a sua permanência po<strong>de</strong> ser umaforma encontrada pelo po<strong>de</strong>r público para permitir aos agentes suplementaremo salário baixo. O antípoda político <strong>de</strong> Sivuca, o petista Carlos Minc,presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Segurança Pública da Alerj, concorda com oadversário em um ponto: A escala <strong>de</strong> 24 horas <strong>de</strong> serviço por 48 ou 72 horas <strong>de</strong>folga ajudou <strong>na</strong> implantação do esquema <strong>de</strong> trabalho clan<strong>de</strong>stino dos<strong>policiais</strong>.”“ – O policial que faz bico <strong>na</strong> folga fica estressado – afirma (Minc).”(19/11/95, O Globo, Rio, p.37, A ‘lei do bico’ a um passo do abismo)Mesmo com a revogação da lei pelo gover<strong>na</strong>dor Marcello Alencar, a participação <strong>de</strong>agentes da segurança pública <strong>na</strong> segurança <strong>privada</strong> não foi alterada ou coibida. Não houveuma disposição pragmática da cúpula da segurança pública neste sentido, transparecendo a<strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> entre o discurso político e a disposição prática.12


“O gover<strong>na</strong>dor Marcello Alencar con<strong>de</strong>nou ontem o trabalho <strong>de</strong>segurança particular feito por PMs <strong>de</strong> forma clan<strong>de</strong>sti<strong>na</strong>, que tinha sido<strong>de</strong>fendido <strong>na</strong> véspera pelo secretário Nilton Cerqueira. Marcello criticou os<strong>policiais</strong> que exercem a ativida<strong>de</strong> irregular sob alegação <strong>de</strong> que precisamcomplementar os baixos salários, argumento usado pelo próprio Cerqueira.“Isso <strong>de</strong> <strong>policiais</strong> trabalhando como seguranças particulares nunca vai darcerto”, disse. Sem saber das <strong>de</strong>clarações do seu chefe, o secretário voltou aafirmar que o Governo tolera o trabalho clan<strong>de</strong>stino. ‘é um mal necessário’,afirmou”.(5/7/97, O Globo, p.1 e 13, Marcello <strong>de</strong>sautoriza Cerqueira e veta bico <strong>na</strong> PM)“Mais <strong>de</strong> 50% dos <strong>policiais</strong> civis e <strong>militares</strong> trabalham como segurançasparticulares, a maioria clan<strong>de</strong>sti<strong>na</strong>mente. A secretaria <strong>de</strong> segurança sabe que<strong>policiais</strong> são funcionários, gerentes, sócios e até donos <strong>de</strong> empresas legais ouclan<strong>de</strong>sti<strong>na</strong>s ou participam <strong>de</strong> grupos completamente à margem da lei “.“Alguns <strong>policiais</strong> atuam como sócios, outros como supervisores. É o casodo <strong>de</strong>tetive Franklin Bertholdo, que trabalha <strong>na</strong> Protege. Fora as empresasirregulares, existem <strong>policiais</strong> que fazem segurança em condomínios e paracomerciantes. A maioria é recrutada por oficiais da PM. A presi<strong>de</strong>nte daassociação comercial do Leblon, Evellyn Rosenzweig, confirmou oenvolvimento <strong>de</strong> oficiais em segurança a comerciantes do bairro”.(7/07/1997, O Globo, p.18, Maioria da polícia trabalha <strong>de</strong> segurança)13


Em novembro <strong>de</strong> 2000, os projetos <strong>de</strong> lei 1.875 e 1.876 <strong>de</strong> autoria do <strong>de</strong>putadoPaulo Ramos (PDT), propondo a anulação dos dispositivos dos estatutos da polícia civil,militar e bombeiros que impõem a <strong>de</strong>dicação exclusiva <strong>de</strong>sses servidores às suascorporações, foram aprovados por u<strong>na</strong>nimida<strong>de</strong> pelos <strong>de</strong>putados da Assembléia Legislativado Rio <strong>de</strong> Janeiro, porém não foram sancio<strong>na</strong>dos pelo gover<strong>na</strong>dor Anthony Garotinho.O po<strong>de</strong>r executivo retoma o <strong>de</strong>bate sobre a participação <strong>de</strong> <strong>policiais</strong> <strong>na</strong> segurançapública porém, com a proposta <strong>de</strong> autorizar o bico para os <strong>policiais</strong> através do Instituto <strong>de</strong>Segurança Pública – ISP 8 , baseando-se no mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Nova Iorque 9 . De acordo com estaproposta o ISP direcio<strong>na</strong>ria <strong>policiais</strong>, com boa conduta, para eventos privados com finslucrativos, em contrapartida seria cobrado uma taxa. Porém a atuação do ISP foi restringidaao âmbito <strong>de</strong> produção e análise <strong>de</strong> dados sobre a segurança pública.“Um dos pontos mais polêmicos do estatuto <strong>de</strong> criação do Instituto <strong>de</strong>Segurança Pública (ISP), a taxa <strong>de</strong> cobrança por prestação <strong>de</strong> serviçosextraordinários <strong>de</strong> segurança está prevista num projeto <strong>de</strong> lei que o coronelJorge da Silva, coor<strong>de</strong><strong>na</strong>dor <strong>de</strong> Segurança, Justiça, Cidadania e DireitosHumanos da Secretaria <strong>de</strong> segurança entrega, esta sema<strong>na</strong>, ao gover<strong>na</strong>dorAnthony Garotinho. Após apreciação do gover<strong>na</strong>dor, o projeto será votado <strong>na</strong>assembléia Legislativa”.“A taxa, segundo Jorge da Silva, será cobrada pelo policiamento, externoe interno, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s eventos com fins lucrativos, promovidos por entida<strong>de</strong>s<strong>privada</strong>s. “Como as polícias Civil e Militar não po<strong>de</strong>m fazer essa cobrança, o8 (1/4/01, O Dia, polícia, p.25, Lucro garantido antes da lei – projeto prevê cobrança legal por policiamento)9 (7/7/1998, JB, Aluga-se um policial.)14


Junto ao <strong>de</strong>bate sobre a legalida<strong>de</strong> da lei do bico ressurge a questão do “interessepúblico”, compreen<strong>de</strong>ndo que o funcionário público, ao ter um emprego <strong>na</strong> iniciativa<strong>privada</strong>, relegará o setor público ao segundo plano.“O comandante da PM, coronel Wilton Ribeiro, acha antiético e imoral<strong>policiais</strong> <strong>na</strong> segurança clan<strong>de</strong>sti<strong>na</strong>: - o policial não po<strong>de</strong> dar mais atenção aobico do que à polícia”.“O presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Combate à Violência e à Impunida<strong>de</strong>,<strong>de</strong>putado Carlos Minc (PT), diz lamentar que a situação reprovada pelocomandante seja a regra: - o verda<strong>de</strong>iro bico é a PM. O policial trabalha umterço <strong>de</strong> seu tempo <strong>na</strong> PM e dois terços <strong>na</strong> rua”.(20/5/2001, p.15, Rio <strong>de</strong> Janeiro, O Globo, Polícia S.A. A cida<strong>de</strong> loteada– Sargento domi<strong>na</strong> ruas do Humaitá).Em carta en<strong>de</strong>reçada aos <strong>de</strong>putados estaduais, a Coligação dos Policiais Civis,entida<strong>de</strong> que se diz representativa <strong>de</strong> 5.000 <strong>policiais</strong> civis no Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro,ressaltando a essência missionária da ativida<strong>de</strong> policial, <strong>de</strong>clara a sua posição contrária aofim da <strong>de</strong>dicação exclusiva para <strong>policiais</strong> civis e <strong>militares</strong>, <strong>de</strong>monstrando que não existeconsenso em relação ao assunto.“(A Coligação dos Policiais Civis) é contra o fim da <strong>de</strong>dicação exclusivado policial militar ou civil no <strong>de</strong>sempenho da ativida<strong>de</strong> policial porque enten<strong>de</strong>que o trabalho policial requer total <strong>de</strong>dicação, empenho e compromisso docidadão-policial no <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong>sta ativida<strong>de</strong> missionária para garantia da16


prestação <strong>de</strong> um serviço <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> a vida, o patrimônio, a or<strong>de</strong>mpública estão em suas mãos. (...) Quando o Estado autoriza a ‘Lei do Bico’,<strong>de</strong>ixa duas mensagens subentendidas: - aos trabalhadores <strong>policiais</strong> –‘Reconheço que pago pouco, mas se você quiser melhorar vai ter que se virar’ eaos cidadãos: - ‘ Sinto muito, mas o problema da segurança não é diferente dosproblemas com a saú<strong>de</strong>, educação, <strong>de</strong>semprego, etc. se quiserem mudança vãoter que pagar’ ”. (20/6/2001)Os <strong>de</strong>putados Carlos Minc e Paulo Ramos elaboraram um projeto <strong>de</strong> lei, no qualpropõem o fim da <strong>de</strong>dicação exclusiva dos <strong>policiais</strong> civis, <strong>militares</strong>, dos bombeiros<strong>militares</strong> e dos agentes penitenciários do Rio <strong>de</strong> Janeiro, em 28 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2001. Esteprojeto <strong>de</strong> lei não chegou a ir à votação. Com isto restabeleceu-se um período <strong>de</strong> silênciosobre a questão.17


2) Respostas comuns à participação <strong>de</strong> <strong>policiais</strong> <strong>na</strong> segurança <strong>privada</strong>.O resultado <strong>de</strong> uma pesquisa atribuída a Comissão <strong>de</strong> Segurança Pública e Assuntos<strong>de</strong> Polícia da Assembléia Legislativa do Estado (Alerj), com mil <strong>policiais</strong> <strong>de</strong> diversosbatalhões da capital, em julho <strong>de</strong> 2002, chegou à conclusão que ape<strong>na</strong>s três em cada 100<strong>policiais</strong> <strong>militares</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro não fazem o chamado “bico”. 10 Túlio Kahn (1999), emum ensaio sobre a expansão da segurança <strong>privada</strong>, faz referência a dados <strong>de</strong> 1992 queapontam para o fato <strong>de</strong> que 33% dos <strong>policiais</strong> paulistas têm segundo emprego.Não há dúvida que dificilmente será possível chegar a um número real, mas osdados acima, mesmo tendo uma década <strong>de</strong> diferença <strong>na</strong> sua realização, suscitam algumasquestões: por que há uma diferença significativa entre os números do Rio e São Paulo?Qual a particularida<strong>de</strong> do Rio que faz com que praticamente todos os <strong>policiais</strong> trabalhem <strong>na</strong>segurança <strong>privada</strong>, sendo que a diferença entre os salários dos <strong>policiais</strong> do Rio dos <strong>de</strong> SãoPaulo não é tão gran<strong>de</strong>? Se quase todos os <strong>policiais</strong> estão exercendo uma ativida<strong>de</strong> ilegalpor que não são punidos ou é regularizada a sua situação? Se não é fato que a quasetotalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>policiais</strong> está <strong>na</strong> segurança <strong>privada</strong>, por que fazer crer nisto? Estes dados, casoabstraíssemos as particularida<strong>de</strong>s regio<strong>na</strong>is e colocássemos num continuum <strong>de</strong> tempo,significariam um aumento da participação <strong>de</strong> <strong>policiais</strong> <strong>na</strong> segurança <strong>privada</strong>, ou uma “perdado medo” <strong>de</strong> assumir o segundo emprego?O primeiro aspecto que <strong>de</strong>vemos consi<strong>de</strong>rar é que, ao se falar em bico, se <strong>de</strong>screveuma ativida<strong>de</strong> para complementar o baixo salário das praças, on<strong>de</strong> está implícita uma10 A reportagem não discrimi<strong>na</strong> a patente dos entrevistados. Neylor Toscan, “Bico institucio<strong>na</strong>lizado <strong>na</strong> PM -Pesquisa mostra que 97% dos <strong>policiais</strong> têm ativida<strong>de</strong> extra para reforçar renda, o que é ilegal. Exaustos,alguns dormem durante patrulhamento”. O DIA , Terça-feira, 6 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2002.18


justificativa moral, sem dúvida legítima. Porém, os discursos e as estatísticas sãoapresentados <strong>de</strong> uma forma que mascara as diferenças inter<strong>na</strong>s da PM, com suas distintaspatentes e, conseqüentemente, remunerações. A lógica <strong>de</strong> remuneração, promoção,ativida<strong>de</strong>, saber prático e reconhecimento é diferente entre as praças e oficiais. (MUNIZ,1999). A hierarquia <strong>na</strong> PM é exclu<strong>de</strong>nte, ou seja, em cada segmento há uma forma própria<strong>de</strong> ingresso e trajetória, sendo que uma não se converte <strong>na</strong> outra. (KANT <strong>de</strong> LIMA, 2003).Tratando tudo como uma coisa só, acabamos diluindo os diferentes sistemas <strong>de</strong>representações e significados que orientam as condutas e escolhas individuais.A primeira justificativa apresentada para o interesse dos <strong>policiais</strong> pelo segundoemprego é uma sub-remuneração, que explica a participação dos praças, mas não a dosoficiais; porém, <strong>de</strong> qualquer forma, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma lógica salarial, po<strong>de</strong> ser compreendidapelo <strong>de</strong>sejo legítimo <strong>de</strong> potencializar a sua renda.“Atraídos pela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ganhar no mínimo mais do que o dobrodo que recebem no serviço público, os <strong>policiais</strong> acabam se empenhando mais <strong>na</strong>segurança particular”.(6/07/1997, O Globo, p.17, Retranca: Empenho é maior on<strong>de</strong> se ganhamais)A matéria acima, que mais uma vez está se referindo aos praças, nos leva a umquestio<strong>na</strong>mento óbvio: se o indivíduo está ganhando o dobro <strong>na</strong> iniciativa <strong>privada</strong> por queele não abando<strong>na</strong> o serviço público? Por que a sua inserção no setor privado <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> doseu vínculo à segurança pública?19


A segunda explicação é por acumularem um saber prático necessário à função.“À primeira vista não há problema em que um policial <strong>de</strong> rua, quetrabalha com base numa escala, tenha outra ativida<strong>de</strong> e que esta ativida<strong>de</strong> sedê também <strong>na</strong> área da segurança. Segurança é o assunto que ele conhece, temafinida<strong>de</strong> e para o qual foi trei<strong>na</strong>do...”.“Outra questão complicada: os <strong>policiais</strong> são trei<strong>na</strong>dos durante mesespelo Estado - <strong>de</strong>fesa pessoal, tiro, legislação, investigação, etc - com o dinheiropúblico, e todo este trei<strong>na</strong>mento é aproveitado pelas empresas particulares queutilizam esta mão-<strong>de</strong>-obra, sem que tenham que pagar <strong>na</strong>da por isso. Se, porum lado, isto significa uma qualida<strong>de</strong> superior no serviço <strong>de</strong> vigilância <strong>privada</strong>,por outro lado representa uma apropriação <strong>privada</strong> <strong>de</strong> um "bem" público.”(KAHN, 1999) 11O vigilante – ou seja, o profissio<strong>na</strong>l da segurança <strong>privada</strong> – é um agente da norma(FOUCAULT, 2000), diferente da polícia que visa diminuir a incidência <strong>de</strong> crimes e aplicara lei ou fazê-la ser respeitada. A expectativa da função do vigilante é a <strong>de</strong> garantir anormalida<strong>de</strong> no seu espaço <strong>de</strong> atuação, o evento que ocorrer fora dos limites territoriaisestipulados por acordo (verbal ou escrito) não é da responsabilida<strong>de</strong> do vigilante, porémesta mesma fronteira não existe <strong>na</strong> segurança pública. Em outras palavras, as atribuiçõessão diferentes e, teoricamente, o saber da polícia não se aplica ao serviço <strong>de</strong> vigilância<strong>privada</strong>.11 Não entraremos aqui no <strong>de</strong>bate sobre o aproveitamento pela iniciativa <strong>privada</strong> <strong>de</strong> uma mão-<strong>de</strong>-obracapacitada com recursos públicos.20


Uma outra justificativa está relacio<strong>na</strong>da à obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter pelo menos umoficial militar <strong>na</strong> direção das empresas, no período <strong>de</strong> 1976 a 1983, <strong>de</strong> acordo com aPortaria E-0129/76.“Também passou a ser norma em função <strong>de</strong>sta portaria a orientação paraque cada empresa tivesse ao menos um militar – oficial superior – em suadireção, com a intenção <strong>de</strong> estabelecer um maior controle sobre o aspecto <strong>de</strong>formação técnica dos vigilantes. Acreditamos que esta norma, que vigorou até1983, foi fundamental para que possamos explicar ainda hoje o elevado número<strong>de</strong> <strong>militares</strong> e <strong>de</strong> oficiais da polícia militar entre os proprietários <strong>de</strong> empresas<strong>de</strong> vigilância”. (HERINGER, 1992, p.40)É uma hipótese que esclarece a participação <strong>de</strong> oficiais <strong>na</strong> segurança <strong>privada</strong>, masnão po<strong>de</strong>, nem preten<strong>de</strong>, explicar a <strong>de</strong> praças. No entanto, cria um segundo problema, poisa obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> um oficial <strong>na</strong> direção das empresas não foi uma prerrogativa paratodos os estados, embora em vários estados haja a íntima relação entre agentes dasegurança pública e setor privado. Se houvesse dados disponíveis, po<strong>de</strong>r-se-ia, para pensarnuma maior presença <strong>de</strong> <strong>policiais</strong> <strong>na</strong> direção <strong>de</strong> empresas <strong>de</strong> segurança <strong>privada</strong>, relacio<strong>na</strong>rRio <strong>de</strong> Janeiro com estados que não tiveram nenhuma norma com este conteúdo.Uma outra explicação é a intenção <strong>de</strong> “privilégios públicos”.“Cidadãos e empresários que contratam <strong>policiais</strong> graduados não querem ahabitual eficiência da polícia, mas privilégios públicos para suas necessida<strong>de</strong>sparticulares <strong>de</strong> segurança”. (SILVA FILHO, 2000)21


Mas quais privilégios estão sendo obtidos? Por quê? Estão relacio<strong>na</strong>dos àsativida<strong>de</strong>s ilegais ou não oficialmente permitidas?22


3) EspaçosA fim <strong>de</strong> pensar a área e a forma <strong>de</strong> atuação do objeto da pesquisa, vamos tomaremprestado um esquema apresentado pelo Vera Institute of Justice (2000), com ocruzamento do tipo <strong>de</strong> serviço <strong>de</strong> policia (público ou privado) com o tipo <strong>de</strong> espaço queestá sendo protegido (público ou privado). Utilizaremos este mo<strong>de</strong>lo para fazer um esforçocomparativo sobre como está sendo pensado o limite entre a segurança <strong>privada</strong> e segurançapública no Brasil e EUA.TIPO DE ESPAÇO TIPO DE POLÍCIA 12<strong>privada</strong>públicaPrivado A Bpúblico C DO Mo<strong>de</strong>lo A (espaço privado/polícia <strong>privada</strong>) não apresenta ambigüida<strong>de</strong>. São áreas<strong>privada</strong>s, po<strong>de</strong>ndo ser proprieda<strong>de</strong>s <strong>privada</strong>s <strong>de</strong> massa (shopping, campus, gran<strong>de</strong>scondomínios), que contratam a sua própria segurança, mesmo tendo um gran<strong>de</strong> públicocirculando, não há direito público, a autorida<strong>de</strong> da polícia não cabe ali.12 Nos Estados Unidos, a segurança <strong>privada</strong> é reconhecida como private police, em uma tradução, literalpolícia <strong>privada</strong>. Não entraremos <strong>na</strong> questão <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar a segurança <strong>privada</strong> como polícia <strong>privada</strong>, emboraseja interessante, em especial quando pensamos no significado da accountability para o Brasil e EUA dosagentes, privados e públicos, <strong>de</strong> segurança. No Brasil parece bem <strong>de</strong>finido, a polícia só po<strong>de</strong> ser pública, masa segurança po<strong>de</strong> ser <strong>privada</strong>. Da mesma forma possibilita pensar a construção da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do profissio<strong>na</strong>lda segurança <strong>privada</strong> no Brasil e nos EUA.23


Mo<strong>de</strong>lo B (espaço privado/polícia pública) esta foi a relação pretendida pelo ISP,que é adotada pela polícia <strong>de</strong> Nova Iorque.“These range from malls that provi<strong>de</strong> public police with an equippedministation on the premises in exchange for security services, to stadiums orprivately organized para<strong>de</strong>s that make a contribution to municipalities forpolice overtime pay, to <strong>de</strong>partmental policies that allow police officers to workfor private employers after hours with uniforms and weapons. In some cases,police <strong>de</strong>partments even act as employment offices, pairing up officers withinterested private employers.” (VERA INSTITUTE OF JUSTICE, 2000, p.3)Determi<strong>na</strong>dos eventos, como partidas <strong>de</strong> futebol, no Brasil, mobilizam um gran<strong>de</strong>contingente <strong>de</strong> <strong>policiais</strong> <strong>militares</strong> para o policiamento <strong>de</strong>ntro dos estádios esportivos, cujoacesso é limitado <strong>de</strong> acordo com os critérios estabelecidos pelos organizadores<strong>privada</strong>mente. A questão colocada é: que, ao garantir a presença <strong>de</strong>stes <strong>policiais</strong> nessesespaços privados, o policiamento no espaço público fica <strong>de</strong>bilitado. E qual a atitu<strong>de</strong> dopolicial caso houvesse uma ocorrência que exigisse o abandono do espaço privado? E tendoestes eventos lucro, por que não pagar pelo policiamento realizado pela polícia?O quadrante seguinte do esquema elaborado pelo Vera Institute contém o Mo<strong>de</strong>lo C(espaço público/ polícia <strong>privada</strong>).“Mo<strong>de</strong>l C (public space/private police) inclu<strong>de</strong>s mostly businessimprovement districts (BIDs), in which local property owners are taxed for thepurpose (among others) of hiring private patrol officers. These officers24


supplement the activities of the public police and, in some instances, share thesame training programs and officers. In more extreme example of this mo<strong>de</strong>l,several U.S. municipalies have in the past contracted with a private securityfirm for all police services”.(p.3)Para a nossa pesquisa, este é o mo<strong>de</strong>lo que nos interessa, pois é a relação maispróxima daquela em que os <strong>policiais</strong> estudados vão estar. Uma vez que, mesmo sendoagente da segurança pública, ao atuar <strong>na</strong> segurança <strong>privada</strong>, este indivíduo sustenta umdiscurso <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> da sua função <strong>de</strong> polícia, além <strong>de</strong> não haver nenhum tipo <strong>de</strong>controle da corporação sobre esta ativida<strong>de</strong>, por não ser prevista nos regulamentos internos.No Brasil, a relação <strong>de</strong>finida a partir <strong>de</strong>ste mo<strong>de</strong>lo, em um primeiro olhar, não fazmuito sentido, uma vez que, ao consi<strong>de</strong>rarmos o conteúdo da lei, não existe polícia <strong>privada</strong>(nem <strong>policiais</strong> fazendo segurança <strong>privada</strong>) no espaço público, embora a prática noscomunique exatamente o contrário. Em Nova Iorque, por exemplo, o policial po<strong>de</strong> executarlegalmente a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> segurança <strong>privada</strong>, o que tor<strong>na</strong> possível falar em polícia <strong>privada</strong>no espaço público. É importante ressaltar que existem, conjuntamente, mecanismos <strong>de</strong>controle <strong>de</strong> recursos e da ativida<strong>de</strong>. O “controle”, no Brasil, ocorre através do(s) cliente(s)em uma relação direta com o policial, não havendo controle nem da sua instituição e nemsobre sua formação.Ao utilizarmos um mo<strong>de</strong>lo construído a partir da observação da socieda<strong>de</strong>america<strong>na</strong>, <strong>de</strong>vemos chamar a atenção para o significado das categorias nos EUA e noBrasil. Enquanto nos EUA o espaço público pertence a todos e suas regras são a resultanteda negociação coletiva, no Brasil o espaço público, não pertence a ninguém, ou antes,25


pertence a um ser impessoal, o Estado, que dita as regras <strong>de</strong> cima para baixo (KANT <strong>de</strong>LIMA, 2001).O último mo<strong>de</strong>lo, o D (espaço público/ polícia pública) é o policiamento público.Porém, a percepção pela população da carência da estrutura material da polícia militar temgerado iniciativas <strong>de</strong> oferecer equipamentos e suporte, como no caso do bairro Piratininga,no município <strong>de</strong> Niterói, cuja associação <strong>de</strong> moradores doou celulares, responsabilizandoseainda pela conta dos mesmos, além <strong>de</strong> garantir as refeições dos <strong>policiais</strong> da escala. 13Todas estas medidas foram adotadas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma concepção e um discurso <strong>de</strong>Policiamento Comunitário. Neste contexto, a questão colocada é: <strong>na</strong> prática, como sere<strong>de</strong>fine a relação entre <strong>policiais</strong> beneficiados, os “benfeitores” e os outros? O que estásendo entendido como policiamento comunitário? O policiamento comunitário é umaforma <strong>de</strong> privatização do serviço policial em um espaço <strong>de</strong>limitado, a fim <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r aosinteresses e priorida<strong>de</strong>s estabelecidos pelo grupo <strong>de</strong> moradores que subsidia materialmenteo grupo <strong>de</strong> agentes da segurança pública?Voltando ao mo<strong>de</strong>lo C (espaço público / polícia <strong>privada</strong>), interessa-nos discutircomo este espaço <strong>de</strong>finido como público pela sua proprieda<strong>de</strong>, po<strong>de</strong> ser particularizadopela sua forma <strong>de</strong> apropriação (KANT DE LIMA, 2001). A rua, o lugar da impessoalida<strong>de</strong>,do indivíduo, através da contratação <strong>de</strong> um agente do estado, representante do estado,transforma-se em lugar <strong>de</strong> pessoas, <strong>de</strong> <strong>de</strong>siguais. (DAMATTA, 1985).A socieda<strong>de</strong> brasileira é ambígua, é uma mistura entre socieda<strong>de</strong> hierarquizada eigualitária. Há momentos em que a socieda<strong>de</strong> reivindica o igualitarismo, para em outrosquerer privilégios vinculados à hierarquia. Neste contexto, o significado da noção <strong>de</strong>13 O GLOBO, bairros: Niterói, Associação <strong>de</strong> moradores compra celulares para PMs, 24/6/2001, p.1 e 4.26


igualda<strong>de</strong> põe em evidência a discussão acerca da compreensão da cidadania, que, sendoum papel social, gera expectativas <strong>de</strong> comportamento no espaço público. Desta forma, valequestio<strong>na</strong>r como ela é aprendida pelos atores sociais, numa socieda<strong>de</strong> on<strong>de</strong>:“A relação tem um papel relevante <strong>na</strong> concepção e <strong>na</strong> dinâmica daor<strong>de</strong>m social.” (DAMATTA, 1985, p.55)Cardoso <strong>de</strong> Oliveira (2002) sugere pensar a noção <strong>de</strong> cidadania em suas duas esferas– respeito a direitos e consi<strong>de</strong>ração à pessoa, uma vez que a cidadania tem uma dimensãomoral culturalmente contextualizada, que não se realiza no plano legal, porém é <strong>de</strong>finidoradas percepções <strong>de</strong> direito e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>na</strong>s relações pessoais. Desta perspectiva, adificulda<strong>de</strong>, no Brasil, <strong>de</strong> respeitar os direitos individuais é compensada pela consi<strong>de</strong>ração àpessoa, assim como, do não reconhecimento do valor moral do indivíduo, resulta o<strong>de</strong>srespeito a direitos legais. Comparando com os Estados Unidos, vê-se que neste país odéficit <strong>de</strong> cidadania ocorre pela ênfase no direito do individuo, criando uma invisibilida<strong>de</strong> àhonra, ao reconhecimento, à esfera moral.A ênfase que, <strong>na</strong> esfera da cidadania, correspon<strong>de</strong>nte à consi<strong>de</strong>ração, no Brasil, temgerado práticas <strong>de</strong> discrimi<strong>na</strong>ção cívica, àqueles indivíduos nos quais não se i<strong>de</strong>ntifica ovalor moral para serem tratados com consi<strong>de</strong>ração. Na vida social, verifica-se um fossoentre a esfera pública e o espaço público: enquanto <strong>na</strong> esfera pública, on<strong>de</strong> ocorre aorientação normativa, prevalece o discurso igualitário, no espaço público, das ações einterações propriamente ditas, fora do contexto doméstico, o que prepon<strong>de</strong>ra são as relaçõeshierarquizadas. No espaço público, se observa a relação entre <strong>de</strong>srespeito ao direito legal e27


insulto moral, sendo este entendido como ausência <strong>de</strong> reconhecimento. (CARDOSO DEOLIVEIRA, 2002)Então, é no espaço público que a aplicação das “premissas igualitárias do Estado <strong>de</strong>Direito contemporâneo”, embora sejam discursivamente sustentadas, acaba concorrendocom uma lógica hierarquizada e exclu<strong>de</strong>nte, que é diferente da lógica dos EUA, on<strong>de</strong> oespaço público aparece como coletivo, resultado da negociação dos indivíduos.Nas socieda<strong>de</strong>s hierarquizadas e holistas, a relação entre os indivíduos e os grupossociais é a base para a sua compreensão. São os vínculos relacio<strong>na</strong>is que vão conferiri<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> ao ator social. Enquanto indivíduo (ao contrário da socieda<strong>de</strong> individualista) elenão tem expressão social, ele <strong>de</strong>stoa, só no momento em que estabelece uma relação comum grupo é que o ator passa a ter significado, a compor a totalida<strong>de</strong> social.Kant <strong>de</strong> Lima utilizou figuras geométricas para pensar o espaço público dasocieda<strong>de</strong> brasileira. Desta forma, aparecem sobrepostos o paralelepípedo - on<strong>de</strong> todos têmacesso universal às informações e produtos disponíveis - à pirâmi<strong>de</strong> - on<strong>de</strong> a competiçãoocorre por produtos raros, o acesso às informações é restrito; nesta última figura quem estáno topo tem uma visão privilegiada. (KANT DE LIMA, 2000).È neste espaço on<strong>de</strong> o discurso igualitário aponta para um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> interação, e aprática hierárquica para outro, que o segundo emprego dos <strong>policiais</strong> <strong>militares</strong>, se configura– embora a lei e os regulamentos internos digam que os <strong>policiais</strong> não estão lá.28


4) Discursos:Realizamos entrevistas qualitativas tanto com <strong>policiais</strong> que atuam <strong>na</strong> segurança<strong>privada</strong> como aqueles que se prontificaram a falar sobre este setor. Foram entrevistadosoito <strong>policiais</strong> – cinco praças e três oficiais. Conforme o quadro abaixo:PATENTETenente-coronelMajor 1ATIVIDADE NA SEGURANÇA PRIVADAResponsável pela segurança em uma casa notur<strong>na</strong>.Não tem envolvimento com segurança <strong>privada</strong>,porém teve um segundo emprego (comércio)Major 2Dono <strong>de</strong> uma empresa <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> vigilantes, jáatuou como segurança.Cabo 1Sargento 1Cabo 2Sargento 2soldadoSegurança pessoal <strong>privada</strong>Segurança pessoal <strong>privada</strong>Segurança pessoal <strong>privada</strong>Segurança <strong>de</strong> um terrenoSegurança pessoal <strong>privada</strong>Mesmo sendo um número restrito <strong>de</strong> entrevistas, elas apontam para alguns pontosrelevantes para compreen<strong>de</strong>r a relação dos <strong>policiais</strong> <strong>na</strong> segurança <strong>privada</strong>. As “conversas”variaram <strong>de</strong> 15 minutos à uma hora.29


As entrevistar foram feitas com <strong>policiais</strong> indicados por outros <strong>policiais</strong> da re<strong>de</strong> <strong>de</strong>relações da entrevistadora. No único caso em que o intermediário não foi um amigopessoal, a entrevista não foi tranqüila: houve uma <strong>de</strong>sconfiança, um <strong>de</strong>sconforto por partedo entrevistado, que, embora não tenha se negado a respon<strong>de</strong>r, fez o possível para abreviara entrevista 14 .O ponto que mais nos chamou a atenção foi que os <strong>policiais</strong> entrevistados nãoatuavam <strong>na</strong> segurança <strong>privada</strong> antes <strong>de</strong> entrar <strong>na</strong> polícia. Foi a partir da sua inserção <strong>na</strong>segurança pública, que a segurança <strong>privada</strong> aparece como possibilida<strong>de</strong>. E esta é apercepção, também, dos que não fazem segurança <strong>privada</strong> sobre os colegas que atuam nela.A resposta está <strong>na</strong> ponta da língua quando a pergunta é o porque <strong>de</strong> fazer segurança<strong>privada</strong>: complementar salário. Ela surge indistintamente para oficiais e praças:(soldado)“É público e notório que a polícia em todos os níveis não ganha bem.”“Muitos dos colegas são obrigados a recorrer a outras ativida<strong>de</strong>s <strong>na</strong> suafolga para complementar isto, para ter um padrão <strong>de</strong> vida melhor, você falafulano é major, coronel, você espera que ele ganhe... se você fala um coronel,aí o cara mora <strong>na</strong> entrada da favela, o cara anda <strong>de</strong> trem, é uma coisa que aspessoas não esperam isto. Para manter um padrão <strong>de</strong> vida você tem que gastarmais, e para gastar mais você tem que ganhar, <strong>de</strong> forma honesta, às vezes as14 Não estou querendo dizer com isto que todo intermediário tem que ser necessariamente um amigo, mas temque ser alguém que “abra as portas” e, não, as feche. Em síntese, este fato ilustra a importância da escolha dointermediário no trabalho <strong>de</strong> campo.30


pessoas buscam isto, eu acho que o melhor seria que pudéssemos viver <strong>de</strong>staforma sem precisar fazer isto <strong>na</strong> nossa folga.” (major2)Esta última fala assi<strong>na</strong>la para uma expectativa da socieda<strong>de</strong> em relação ao statuseconômico do oficial. Ou seja, mesmo sendo ‘pública e notória’ a má remuneração, esperasedo policial, em especial o oficial, um <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do padrão <strong>de</strong> vida, que vai estarrelacio<strong>na</strong>do ao reconhecimento da dignida<strong>de</strong> pessoal, ao respeito a ele tanto enquantoautorida<strong>de</strong>, como pessoa. Foi observado que o discurso sobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>complemento salarial traz no seu bojo a referência à família, a importância <strong>de</strong> garantir osustento <strong>de</strong>sta.O trabalho do policial <strong>na</strong> segurança <strong>privada</strong> tem forte conteúdo moral:“É melhor que trabalhe assim complementando salário do que ter <strong>de</strong>svio<strong>de</strong> conduta fazendo outras coisas para po<strong>de</strong>r pagar os compromissos que eletem”,(major2)“Dentro da polícia você começa a trabalhar e tem as opções. Tempessoas que buscam outros caminhos, e há aqueles que buscam uma forma <strong>de</strong>ganhar dinheiro honestamente” (sargento 1)“Todo mundo precisa <strong>de</strong> um ‘bico’, um serviço extra, que seja <strong>de</strong>cente,honesto, não venha causar danos para a imagem da corporação, é valido.”(sargento 2)31


A legitimida<strong>de</strong> percebida <strong>na</strong> participação dos <strong>policiais</strong> <strong>na</strong> segurança <strong>privada</strong>, nãovem necessariamente acompanhada da preocupação <strong>de</strong> legalizá-la:“Não legalizar porque senão vão querer exigir algumas coisas, comoandar fardado” (sargento 2)Quando a questão é legalizar, ou não, o bico, é retomada a argumentação sobre anecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pagar melhor os <strong>policiais</strong>. De qualquer forma, legalizar significa tambémcriar mecanismos <strong>de</strong> controle e normas <strong>de</strong> atuação a uma prática recorrente - e não recente- dos <strong>policiais</strong>. Segundo um entrevistado, a busca por espaço <strong>na</strong> segurança <strong>privada</strong>, levouos bombeiros <strong>militares</strong> a solicitarem o porte permanente <strong>de</strong> arma.“Você vê muito bombeiro fazendo segurança, agente penitenciário, osbombeiros tem porte <strong>de</strong> arma, eles conseguiram porte <strong>de</strong> arma, que ao meu vernão tem porque ter porte <strong>de</strong> arma para bombeiro, mas isto foi uma coisaconseguida até com este objetivo mesmo, para que eles pu<strong>de</strong>ssem trabalhar <strong>na</strong>segurança <strong>privada</strong>”. (Major 2)Se realmente esta observação proce<strong>de</strong> mostra a força <strong>de</strong>stes agentes públicos <strong>na</strong>utilização <strong>de</strong> instrumentos legais para potencializar sua participação nesta ativida<strong>de</strong>“ilegal”. Outra questão observada é a alteração das escalas.“Hoje o gran<strong>de</strong> problema <strong>de</strong> você mexer <strong>na</strong> escala do policial é vocêmexer com o que ele tem lá fora” (major 2)32


A participação <strong>de</strong>stes <strong>policiais</strong> <strong>na</strong> segurança <strong>privada</strong> está vinculada a seu status <strong>de</strong>agente público. E trocar uma pela outra aparece como alter<strong>na</strong>tiva implausível.“Uma coisa não funcio<strong>na</strong> sem a outra” (cabo 1)“Eu digo o seguinte ‘você conseguiu aquilo lá por intermédio dainstituição, experimenta você sair aqui da polícia e vê se você vai continuar lá’,sabe por que ele não vai querer, primeiro você não vai po<strong>de</strong>r andar armado enem vai ser policial, a gente sabe que carteira <strong>de</strong> polícia, ela traz muitosproblemas, mas também abre algumas portas, poucas portas, mas abre, no queàs vezes o camarada quer, interessa, às vezes o cara faz segurança <strong>de</strong> umcomércio <strong>de</strong> uma lanchonete, <strong>de</strong> uma churrascaria, tem algum problema comum cliente ali ele tem facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pedir um apoio da polícia, conversa melhorcom um policial que foi aten<strong>de</strong>r a ocorrência numa viatura porque ele é policialentão se i<strong>de</strong>ntifica como policial, tem um tratamento diferente como emqualquer carreira” (major2)“Não larga a polícia pela segurança pela estabilida<strong>de</strong>, pela possibilida<strong>de</strong>no futuro ter uma aposentadoria garantida. Até porque ele só faz esta ativida<strong>de</strong>paralela por ser policial, se não fosse não teria acesso a ela. É vinculado. Éinerente, porque quem contrata exige que o cara tenha a sua arma particular,quem tem arma é policial, e usa toda a influência que o policial tem em funçãoda sua profissão, acontece um problema no local que ele está trabalhando, opolicial, por ser policial, consegue ter um bom relacio<strong>na</strong>mento com a PM, com33


a policia civil, e faça com que as ocorrências que surjam, sejam feitas <strong>de</strong>maneira muito tranqüila, sem causar maiores problemas ao dono doestabelecimento, ou ao vip, resguardá-los, ele é um gran<strong>de</strong> facilitador, digamosassim.” (major 1)“... a socieda<strong>de</strong> é completamente relacio<strong>na</strong>l. Em muitos momentos pelapessoa dizer que é policial pelo seu relacio<strong>na</strong>mento pessoal tem condições <strong>de</strong>resolver.”(tenente-coronel)As afirmações acima põem em xeque a explicação da participação <strong>de</strong> <strong>policiais</strong><strong>de</strong>vido à valorização do acúmulo <strong>de</strong> um saber prático, uma vez que, em tese, o policial nãoper<strong>de</strong>ria a sua capacida<strong>de</strong> profissio<strong>na</strong>l ao se <strong>de</strong>sligar do Estado, porém o policial, mesmosendo remunerado melhor <strong>na</strong> segurança <strong>privada</strong>, precisa manter o seu elo à segurançapública para continuar a ser “profissio<strong>na</strong>lmente” útil.A posse <strong>de</strong> arma e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resolver problemas sem mobilizar esforços docontratante fazem do policial um profissio<strong>na</strong>l dotado <strong>de</strong> alto diferencial neste mercadosetorizado. Como disse um entrevistado: “o cliente não quer esquentar a cabeça”. Destaforma, o policial surge como aquela pessoa possuidora das ferramentas mais eficazes pararesolver problemas, seja para a garantia da segurança do cliente, seja para a intermediaçãocom o Estado.O acesso do policial em <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>dos ambientes aparece como ponto favorável aeste profissio<strong>na</strong>l <strong>na</strong> segurança pessoal <strong>privada</strong>.34


“Os <strong>policiais</strong> civil e militar são utilizados... essa situação da arma écomplicada, o agente (privado) tem porte <strong>de</strong> arma no serviço, então po<strong>de</strong>chegar num local e não <strong>de</strong>ixarem entrar armado, o policial não, (este) temporte <strong>de</strong> arma permanente, salvo somente a embaixada que é outro território, eàs vezes, em alguns lugares como a Alerj (Assembléia Legislativa do Rio <strong>de</strong>Janeiro)... Já o agente vai encontrar uma resistência maior, quando chega numlocal e tem um policial fazendo a segurança. Vai dizer ‘você é policial?’ ‘nãosou agente da firma tal’, aí vai botar empecilho para que ele não entrearmado” (sargento2)Outro ponto observado é a não existência da mesma hierarquia da PM <strong>na</strong> segurança<strong>privada</strong>: não ocorrem, necessariamente, correspondências entre o posto <strong>de</strong> um policial <strong>na</strong>PM e a ocupação <strong>na</strong> segurança <strong>privada</strong>. Desta forma, um oficial po<strong>de</strong> trabalhar para outrooficial, até inverter a hierarquia e um oficial trabalhar para um praça. A contratação ocorrepela confiança, sendo o chefe da equipe, o dono da empresa ou o vip 15que <strong>de</strong>termi<strong>na</strong> quemé a pessoa <strong>de</strong> ‘maior confiança”.15 Vip é uma categoria utilizada por profissio<strong>na</strong>is – <strong>policiais</strong> e vigilantes – que atuam <strong>na</strong> segurança pessoal<strong>privada</strong> para nomear mais do que o contratante, mas o sujeito para o qual converge toda a sua atenção.35


5) Consi<strong>de</strong>rações fi<strong>na</strong>is:Não foi possível com este trabalho respon<strong>de</strong>r todas as perguntas que estimularam asua realização. Porém, esta exploração inicial acerca das questões relacio<strong>na</strong>das àparticipação <strong>de</strong> <strong>policiais</strong> <strong>militares</strong> <strong>na</strong> segurança <strong>privada</strong> suscitou novas questões, queprocuramos pontuar ao longo do trabalho.Não foi possível também traçar uma diferença <strong>na</strong> percepção e atuação entre oficiaise praças nos espaços público e privado. Antes <strong>de</strong> <strong>de</strong>cretar a inexistência <strong>de</strong>sta diferençapreferimos <strong>de</strong>ixar este ponto para ser explorado e discutido futuramente.Este trabalho nos permitiu ver o que possibilita o policial militar ser um profissio<strong>na</strong>latraente para alguns interessados em ter segurança <strong>privada</strong>.O que observamos é um referencial racio<strong>na</strong>l-legal fraco; on<strong>de</strong> a autorida<strong>de</strong> não estáno Estado, mas <strong>na</strong>s pessoas que o integram. Disto resulta uma aplicação <strong>de</strong> regras peloagente público <strong>de</strong> forma particularizada. Comparando com os Estados Unidos, lá a lei éforte e explícita, e se aplica <strong>de</strong> forma universal. Assim, o policial, como todos os <strong>de</strong>maiscidadãos, está submetido a ela; no Brasil, não: ele é mais um <strong>de</strong> seus intérpretes, queviabilizam sua aplicação particularizadamente.Os agentes estudados estão interagindo em um espaço público on<strong>de</strong> a aplicação das“premissas igualitárias do Estado <strong>de</strong> Direito contemporâneo”, embora sejamdiscursivamente sustentadas, acabam concorrendo com uma lógica hierarquizada eexclu<strong>de</strong>nte.O policial, neste contexto, aparece como um “<strong>de</strong>spachante”, um intermediário entreo Estado e o seu contratante. Ou, como disse um entrevistado: “o policial é um facilitador”.E esta facilitação se <strong>de</strong>ve ao fato <strong>de</strong> o agente público estar, em tese, mas não <strong>de</strong> direito,36


investido <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> interpretativa para aplicar particularizadamente as regras, no espaçopúblico.O policial no Brasil tem a obrigação <strong>de</strong> aplicar a lei, caso não faça isto ele é culpadopor não atuar; nos Estados Unidos, por outro lado, há a autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atuar, o policial temdiscretion ele tem liberda<strong>de</strong> conferida pelo Estado <strong>de</strong> avaliar a situação e <strong>de</strong>cidir comoatuar, sendo responsabilizado por isto (KANT <strong>de</strong> LIMA, 2003). Ou seja, quando, no Brasil,o policial, mesmo <strong>na</strong> folga, atua com uma pretensa “discricio<strong>na</strong>rieda<strong>de</strong>”, o que nós temos éuma interpretação e aplicação <strong>de</strong> regras <strong>de</strong> forma particularizada, entre indivíduospercebidos social, econômico e juridicamente como <strong>de</strong>siguais.Outro ponto é que o mercado assimila a estrutura da segurança pública. Não ocorrea transferência da hierarquia militar para forma <strong>de</strong> organização dos grupos privados,prevalecendo, assim, a lógica <strong>de</strong> organização do mercado. Teoricamente, a segurança e opolicial ficam subordi<strong>na</strong>dos a interesses específicos, que reorganizam o grupo conforme osseus critérios, passando ao largo qualquer forma <strong>de</strong> controle ou autorida<strong>de</strong> estatal. Destaforma, o mercado contami<strong>na</strong> a ativida<strong>de</strong> pública.Isto também é evi<strong>de</strong>nciado <strong>na</strong> recusa <strong>de</strong> fazer policiamento ostensivo fardado – sepor um lado isto <strong>de</strong>ixaria o policial mais vulnerável durante a ativida<strong>de</strong> <strong>privada</strong> por ele nãodispor dos recursos humanos, logísticos e bélicos da polícia, por outro lado, seria umaforma <strong>de</strong> controle, através da i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> on<strong>de</strong> a segurança é feita, como, quando epara quem.37


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