presente]. Nem a pobreza nem grandes desastres ameaçam a população e a faz agarrar-se à sua vida avidamente, e atremer pela continuação da existência. Nenhum deus implacável, veloz em sua fúria e poderoso em sua punição,disturba o significado de seus dias.[ 226 ]Alguém bem que poderia se perguntar a respeito da implacabilidade dos deuses emSamoa, dado que ali foi um território de missão para os cristãos desde a metade do século XIX.A resposta de Mead – que, é claro, ela queria que fosse bastante instrutiva para os cristãosocidentais – era a de que os samoanos usaram seu cristianismo como usavam seus andrajos,tão leve e facilmente jogados para trás quando ocasiões apropriadas se apresentavam. Comodizia ela, “os únicos dissidentes” da atitude casual samoana perante os costumes sexuais “sãoos missionários, que divergem em vão e seus protestos não são relevantes”.[ 227 ] O “prêmiomoral da castidade” introduzido pelos missionários era encarado “com reverência, mas comcompleto ceticismo, e o conceito de celibato é absolutamente insignificante para eles”.[ 228 ]A “influência dos missionários [...] falhou em dar ao nativo a noção de pecado”, ainda quetenha “providenciado a ele uma lista de pecados”.[ 229 ] O resultado é que, em Samoa, “todoo cenário religioso é de formalismos [isto é, ter certas noções, mas nenhuma convicção maisprofunda], de certo compromisso e aceitação à meia-medida. O grande número de pastoresnativos, com suas interpretações peculiares do cristianismo, tornou impossível oestabelecimento do rigor típico do protestantismo ocidental, sua inseparável associação comas ofensas e sanções sexuais e sua consciência individual do pecado”.[ 230 ] Isto é tudo parao bem, já que essa versão mais liberal e maleável de cristianismo mostra-se uma religião queproduz bem pouca aflição. Outro plus e outra lição para os eclesiásticos causadores deneuroses deste nosso lado do Pacífico.Qual é, então, a lição de casa de Mead? Nós, ocidentais, “vivemos um período detransição”.[ 231 ] Ao contrário dos samoanos, que vivem numa sociedade estável, porémpromíscua, os ocidentais encontram-se num estado de fluxo, inundado por múltiplos padrõesde conduta, vários estilos de vida, numerosas visões religiosas, variadas idéias a respeito dasexualidade. Nosso estresse, em especial o da adolescência, é também multifacetado. Ossamoanos são despreocupados porque têm poucas restrições à sua sexualidade, não têm laçosatados pela relação familiar, buscam viver uma vida fácil numa cultura simples, que não osaflige com escolhas competitivas, intermináveis, a respeito do que fazer com suas vidas. Osamericanos preocupam-se demais com conflitos e escolhas porque o “progresso” abriu-lhes afenda para um lamaçal de visões de mundo conflitantes. Que fazer?Obviamente, não podemos voltar à simplicidade nativa, mas podemos importar para anossa cultura a casualidade samoana a respeito de toda questão sexual e deixar o vapor donosso estresse para trás através do estabelecimento de algo como um prêmio cultural para aescolha individual e a tolerância completa. Nosso problema é que deparamo-nos com “muitospadrões, mas ainda acreditamos que apenas um deles deve ser o correto”. Não é à toa queestamos estressados. Nós devemos aceitar a idéia de que os padrões são como uma pletora debugigangas que podemos escolher num bazar – a cada um o que lhe couber, e quanto mais
izarro, melhor. Que haja apenas um padrão: que ninguém interfira no padrão dos outros. Nãopode haver um certo porque não pode haver um errado, e não há erros porque ninguém podeestar definitivamente certo.O grito de guerra de Mead é, portanto, o de que nós precisamos marchar adiante na criaçãode uma nova era, “na qual nenhum grupo reclama sanções éticas para os seus costumes e todogrupo acolhe em seu meio aqueles que forem temporariamente adequados para filiação”. Sóaí, dispara Mead, “teremos conhecido o ponto alto da escolha individual e da tolerânciauniversal ao qual uma cultura heterogênea, e somente uma cultura heterogênea, pode chegar”.[232 ]Isso tudo deve soar tão familiar que seria supérfluo comentar o fato de que essa é aplataforma mesma das revoluções culturais liberais do século XX. O mesmo vale para a idéiade Mead a respeito das restrições sexuais, que, ao invés de nos salvarem da crueldade e daautodestruição, causam-nos uma insalubre implosão neurótica.Algo deve ser dito a respeito do trabalho de Mead enquanto pura propaganda científica.Para o canalha, a “ciência”, bem como o patriotismo, pode servir de último refúgio (às vezesaté de primeiro). Em 1983, o antropólogo Derek Freeman acusou Margaret Mead (que haviamorrido cerca de cinco anos, antes canonizada como ícone cultural e intelectual) de terrepresentado os samoanos de modo inteiramente errado. “As conclusões principais deAdolescência, sexo e cultura em Samoa”, argumentou ele, “são, na realidade, fantasias de ummito antropológico profundamente em discordância com os fatos da etnografia e da históriasamoanas”.[ 233 ] Na realidade, ele dizia, os samoanos estavam muito mais preocupados coma castidade – e, portanto, eram bem menos sexualmente promíscuos – que os ocidentais daépoca. O ponto feito por Freeman era contundente: Mead impôs sua própria agenda ao tratardos samoanos.O argumento de Freeman certamente é plausível. Seja lá o que os samoanos estavamfazendo, a própria Mead agia de modo bem parecido aos alegados nativosdescompromissados, o que leva a crer que sua antropologia era, na verdade, umaautobiografia levemente disfarçada, que ela estava prestes a atualizar. Ela era casada quandopartiu em viagem para a Samoa, mas largou seu primeiro marido por um homem que conheceuna viagem de volta. Este segundo foi logo substituído por um terceiro, e finalmente esse seuterceiro casamento foi jogado de lado, assim, casualmente. O tempo todo ela mantinha-se emrelação com sua amante lésbica, Ruth Benedict. Conforme ela mesma afirma depois, sendobem franca, “uma heterossexualidade rígida é uma perversão da natureza”.[ 234 ] Em suasociedade ideal, confidenciava, as pessoas seriam homossexuais quando jovens, aí trocariampara algo mais heterossexual durante a época de reprodução, para então trocarem de volta.[235 ] Estaria Mead pintando os samoanos com suas próprias cores?A crítica de Freeman causou um belo alarde e uma batalha retórica vem se alastrandodesde então. Alguns têm questionado a análise de Freeman sobre a cultura samoana, e portanto
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