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A cidade é de Deus ou do diabo? O Rio de Janeiro em Cidade de Deus

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Literatura e Imag<strong>em</strong><br />

na confusão da perseguição. Depois <strong>de</strong> uma<br />

sucessão <strong>de</strong> equívocos, estão <strong>de</strong> arma na mão<br />

no palacete <strong>de</strong> uma família americana, toma<strong>do</strong>s<br />

por perigosos seqüestra<strong>do</strong>res.<br />

O envolvimento das crianças com as<br />

ativida<strong>de</strong>s criminosas <strong>é</strong> dramatiza<strong>do</strong> <strong>em</strong> seus<br />

diversos aspectos <strong>em</strong> muitas obras cont<strong>em</strong>porâneas.<br />

Em Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>, não são p<strong>ou</strong>cas<br />

as confusões <strong>em</strong> que elas se met<strong>em</strong>: r<strong>ou</strong>bos,<br />

assaltos e cruelda<strong>de</strong>s vividas e executadas sob<br />

a mira <strong>de</strong> armas <strong>de</strong> fogo e <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong><br />

bastante cruel e violenta.<br />

No filme, a inocência, o acaso e a falta <strong>de</strong><br />

senti<strong>do</strong> são componentes fortes da trama <strong>de</strong><br />

como nasc<strong>em</strong> e morr<strong>em</strong> esses anjos. À revelia<br />

<strong>do</strong> juízo <strong>de</strong> valor que se possa atribuir a esses<br />

inocentes, culpa<strong>do</strong>s e responsáveis pelas<br />

cruelda<strong>de</strong>s executadas, as cenas <strong>de</strong> violência<br />

da ativida<strong>de</strong> criminosa têm si<strong>do</strong> <strong>de</strong>talhadamente<br />

narradas e reinventadas, não apenas pelas<br />

páginas sangrentas <strong>do</strong>s jornais, mas pelos filmes<br />

<strong>de</strong> ação e pelas obras literárias.<br />

Não são p<strong>ou</strong>cas as narrativas cont<strong>em</strong>porâneas<br />

que se utilizam <strong>de</strong>ssas cenas para pôr<br />

<strong>em</strong> discussão a violência urbana. Em Cida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>Deus</strong>, per<strong>de</strong>-se facilmente a conta da sua<br />

incidência. O fato <strong>é</strong> que elas muitas vezes serv<strong>em</strong><br />

para ilustrar uma tese, <strong>ou</strong> repisar a falta <strong>de</strong><br />

perspectiva <strong>de</strong> se encontrar senti<strong>do</strong> na irracionalida<strong>de</strong><br />

da violência, muitas vezes tentan<strong>do</strong><br />

antever uma gratuida<strong>de</strong> que se constitui <strong>em</strong><br />

excesso e exuberância da própria condição<br />

humana. Esta questão po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada<br />

<strong>em</strong> se tratan<strong>do</strong> <strong>de</strong> observação <strong>de</strong> casos<br />

individualiza<strong>do</strong>s; por<strong>é</strong>m, <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista mais<br />

amplo, existe toda uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações e<br />

interesses que exige um estu<strong>do</strong> mais apura<strong>do</strong>,<br />

o que já v<strong>em</strong> sen<strong>do</strong> feito com muita competência<br />

por alguns pesquisa<strong>do</strong>res sociais. Essa <strong>é</strong> a área<br />

<strong>de</strong> atuação <strong>do</strong> autor <strong>de</strong> Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> e da<br />

socióloga Alba Zaluar, que, com relação à re<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong> tráfico <strong>de</strong> drogas no <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> <strong>Janeiro</strong>, adverte:<br />

“A subcultura criminosa no <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> <strong>Janeiro</strong><br />

parece, portanto, ter se <strong>de</strong>sloca<strong>do</strong> <strong>do</strong> culto da<br />

malandrag<strong>em</strong> <strong>de</strong>scompromissada, cujo principal<br />

valor era a ojeriza ao batente, para um<br />

culto da violência que não <strong>é</strong> gratuita, pois isso<br />

serve para montar um gran<strong>de</strong> negócio”. (1994,<br />

p. 77)<br />

Isso implica que, por mais que a sobrevivência<br />

<strong>de</strong> um imaginário mítico <strong>de</strong> herói possa<br />

fascinar meninas como Branquinha, precisase<br />

compreen<strong>de</strong>r que essas pessoas “não são<br />

bandi<strong>do</strong>s sociais, vinga<strong>do</strong>res <strong>de</strong> seu povo; são<br />

<strong>em</strong>presários <strong>do</strong> crime e seus <strong>em</strong>prega<strong>do</strong>s(...)<br />

Isso porque trata-se <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong> <strong>em</strong>presarial<br />

altamente lucrativa, mo<strong>de</strong>rna e<br />

baseada <strong>em</strong> uma i<strong>de</strong>ologia individualista”.<br />

(Zaluar, 1994, p.144)<br />

A i<strong>de</strong>ologia individualista aqui ressaltada <strong>é</strong><br />

um componente indispensável da ativida<strong>de</strong><br />

capitalista e mo<strong>de</strong>rna que caracteriza a re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

tráfico <strong>de</strong> drogas, não só no <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> <strong>Janeiro</strong>,<br />

como mundialmente. Dada sua complexida<strong>de</strong>,<br />

constitui-se <strong>em</strong> um po<strong>de</strong>r paralelo que atua <strong>em</strong><br />

vários âmbitos, utilizan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> um contingente<br />

<strong>de</strong> massa marginal, excluída <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

trabalho e <strong>de</strong> consumo. O que <strong>é</strong> importante<br />

216 Revista <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> <strong>Janeiro</strong>, n. 20-21, jan.-<strong>de</strong>z. 2007

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