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A cidade é de Deus ou do diabo? O Rio de Janeiro em Cidade de Deus

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Literatura e Imag<strong>em</strong><br />

tantas foram se forman<strong>do</strong> e forçan<strong>do</strong> o<br />

reagrupamento da localida<strong>de</strong> enquanto espaço<br />

habitável. As formas <strong>de</strong> convívio social, baseadas<br />

no lazer e <strong>em</strong> interesses comuns, foram aspectos<br />

aglutina<strong>do</strong>res importantes. Resultaram, daí, os<br />

times <strong>de</strong> futebol, blocos carnavalescos e escolas<br />

<strong>de</strong> samba, por ex<strong>em</strong>plo. A consolidação <strong>de</strong><br />

núcleos que convivam e compartilh<strong>em</strong> entre si<br />

os mesmos <strong>de</strong>sejos, gostos e imaginário <strong>é</strong> a<br />

condição para que a localida<strong>de</strong> torne-se<br />

habitável, mesmo que <strong>em</strong> novos mol<strong>de</strong>s.<br />

Não <strong>é</strong> nova a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> que o indivíduo<br />

não po<strong>de</strong> viver isola<strong>do</strong>, entretanto, o que<br />

mudam são as formas fluidas encontradas para<br />

garantir a sobrevivência da ligação social e<br />

interpessoal, que muitas vezes são irreconhecíveis,<br />

se comparadas com a perspectiva<br />

<strong>de</strong> formas fixadas <strong>em</strong> projetos <strong>ou</strong> propostas<br />

coletivas que reuniam antigas socieda<strong>de</strong>s. Essa<br />

relação estabelecida da localida<strong>de</strong>, como um<br />

conjunto massifica<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> espaço<br />

físico, geográfico, cultural e imaginário,<br />

com os grupos que se formam e nela estão<br />

circunscritos.<br />

Falha a fala! Fala a bala!<br />

Paulo Lins participava <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong><br />

pesquisa orienta<strong>do</strong> pela socióloga Alba Zaluar.<br />

Ela <strong>de</strong>senvolveu uma s<strong>é</strong>rie <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s sobre<br />

criminalida<strong>de</strong>, com auxílio <strong>de</strong> <strong>ou</strong>tros pesquisa<strong>do</strong>res,<br />

como o autor <strong>do</strong> romance <strong>em</strong><br />

discussão. O bairro Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>, <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong>sse enfoque, <strong>é</strong> registra<strong>do</strong> <strong>em</strong> análises políticas<br />

e antropológicas reunidas <strong>em</strong> seus livros, a<br />

ex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> Con<strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> Diabo (1994) e<br />

A Máquina e a Revolta (1985). O romance<br />

Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> v<strong>em</strong>, subseqüent<strong>em</strong>ente, da<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reutilização, <strong>em</strong> <strong>ou</strong>tra forma <strong>de</strong><br />

linguag<strong>em</strong>, <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s e relatos reuni<strong>do</strong>s por<br />

estu<strong>do</strong>s realiza<strong>do</strong>s, com a pretensão <strong>de</strong><br />

confirmá-los e referendá-los.<br />

Deve-se levar <strong>em</strong> conta que Paulo Lins <strong>é</strong> um<br />

mora<strong>do</strong>r <strong>do</strong> bairro, vizinho e amigo <strong>de</strong> muitas<br />

pessoas que lhe inspiram os personagens.<br />

Teoricamente, está <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> mesmo espaço<br />

físico, que <strong>de</strong>screve e probl<strong>em</strong>atiza <strong>em</strong> sua<br />

narrativa. Entretanto, no recorte que estabelece<br />

e privilegia, está fora. Não participa <strong>do</strong> mun<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> crime e <strong>do</strong> imaginário no qual este se insere.<br />

A ele t<strong>em</strong> acesso pela proximida<strong>de</strong> e não,<br />

propriamente, pela inserção pessoal. O lugar<br />

<strong>de</strong> on<strong>de</strong> fala <strong>é</strong>, portanto, ambivalente. Sua<br />

posição <strong>é</strong> <strong>de</strong> intelectual que estuda as relações<br />

sociais, apoia<strong>do</strong> e subsidia<strong>do</strong> por instituições<br />

como a Antropologia, a Sociologia e a Literatura.<br />

O da<strong>do</strong> novo <strong>é</strong> que não está distante, como a<br />

gran<strong>de</strong> maioria <strong>do</strong>s estudiosos. Está, literalmente,<br />

no meio <strong>do</strong> tiroteio, <strong>do</strong> fogo cruza<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

uma violência urbana vivida no cotidiano.<br />

Dessa forma, a posição <strong>de</strong> intelectual não <strong>é</strong><br />

pura, encontra-se contaminada por respingos<br />

<strong>do</strong> sangue verti<strong>do</strong> pelas esquinas <strong>ou</strong> pela<br />

vermelhidão <strong>do</strong> riacho on<strong>de</strong> são <strong>de</strong>sova<strong>do</strong>s<br />

cadáveres:<br />

A vermelhidão prece<strong>de</strong>ra um corpo humano<br />

morto. O cinza daquele dia intensific<strong>ou</strong>se<br />

<strong>de</strong> maneira apreensiva. (...) A chuva fina<br />

222 Revista <strong>Rio</strong> <strong>de</strong> <strong>Janeiro</strong>, n. 20-21, jan.-<strong>de</strong>z. 2007

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