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O<br />
L’ITALIANO<br />
CHE È (C’È) IN TE<br />
Prof. Michel Guéneau<br />
(mgueneau@wanadoo.fr),<br />
de Lyon, França, vive e<br />
respira italianidade e se encantou pelo<br />
Italiano que está em você. Diz: “Li<br />
todos os textos do Italiano que está em<br />
você: representa um extraordinário<br />
testemunho da imigração italiana, de<br />
histórias de vida, com uma dimensão<br />
humana tão necessária atualmente.<br />
Assim, mando-lhe meu texto. Talvez seja<br />
um pouco simples e obscuro, mas será<br />
também a forma de expressão mais<br />
consentânea com minha forma de perceber<br />
as coisas. Ei-lo:<br />
“Tenho uma avó de origem<br />
dolomítica-piemontês, mas a minha<br />
italianidade é comum: como é o<br />
caso de muitos franceses. A França,<br />
faz séculos, está encharcada<br />
de italianidade.<br />
O poeta Guillaume Appolinaire<br />
escreveu: “A Itália, nossa mãe, nossa<br />
irmã”, eis talvez como se pode<br />
melhor resumir esta relação entre os<br />
dois países que, ao mesmo tempo se<br />
gostam e, estranhamente, se ignoram.<br />
Mais concretamente, passei minha<br />
juventude numa região operária, de<br />
minas de carvão, cosmopolita, onde<br />
23 - INSIEME - Setembro • Settembre 2004<br />
a comunidade mais numerosa era<br />
aquela dos italianos, principalmente<br />
sicilianos, sardos, calabreses, emilianos,<br />
toscanos, vênetos. Possuia muitos<br />
amigos italianos e usávamos<br />
palavras nossas ítalo-francesas, por<br />
exemplo “femmatz”, quando se queria<br />
falar de uma garota. O relacionamento<br />
com a Itália era material,<br />
nada de Dante, nada de Leonardo.<br />
Depois descobri o cinema italiano, o<br />
grandioso Fellini, um cinema de humanidade<br />
e no qual quem chora, ri:<br />
um cinema de vida; eis minha entrada<br />
na cultura italiana. Francófono<br />
que era, aprendi a língua italiana, e<br />
pela primeira vez aquilo que eu aprendia<br />
me parecia que vinha por conta.<br />
Com a língua e a cultura nas quais<br />
mergulhava sempre mais a cada dia,<br />
entrava num mundo complexo e entidia<br />
que o mundo é feito dessa complexidade;<br />
e que precisa viver com<br />
ela, uma vez que é a coisa mais natural<br />
que existe.<br />
Viver com a complexidade, se não<br />
me engano, tem a ver também com a<br />
tolerância. Eu não poderia dizer uma<br />
coisa como “graças a Deus sou italiano,<br />
ou frances, ou chines?”, apren-<br />
di a conhecer um pouco o mundo da língua no Vice-Consulado de For-<br />
através dessa minha relação pessoal taleza-CE. Sua conversa e explanações<br />
e quase carnal, enfi m, apenas com a eram ótimas. A seu convite, me ma-<br />
Itália.<br />
triculei no curso de língua italiana e,<br />
Como é certo, hoje é a língua surpreso, descobri que apesar de<br />
italiana que me dá de comer, aca- tanto tempo eu negar e omitir minha<br />
bei me tornando professor de língua origem italiana, ela foi mais forte e<br />
e literatura italianas. – Obrigado apaixonante. Dedicava-me horas a<br />
por ter-me dado oportunidade de estudar, a ler, a assistir programas<br />
dizer estas pequenas coisas . – Sau- da RAI..., procurando entender o que<br />
dações, Michel Guéneau.” pai, meus avós, apesar de tudo o que<br />
Se voltamos à nossa história e sofreram, tinham orgulho em confes-<br />
olhamos o mundo, podemos dizer que sar-se italianos. Pesquisei minhas<br />
somos italianos de sangue, mas todos origens, signifi cado de nome, sobre-<br />
podem ser italianos de cultura. O nome..., estudei a região de meus<br />
sentir a Itália e os italianos, de forma antepassados. Nunca fui à Itália,<br />
envolvente e feliz, fará com que haja porque julgo que, embora me consi-<br />
muito mais italianos de cultura, que dere descendente e fale o italiano,<br />
italianos de sangue. No Brasil, hoje, acredito que somos considerados<br />
quem não tem, na sua parentela, em “persona non grata”. Tenho os do-<br />
linha direta ou colateral, um italiano cumentos para obter dupla cidadania,<br />
ou uma italiana? Somos, pois, parte porém me pergunto: para quê?<br />
da Italianidade no Mundo.<br />
“Vivo bem, numa cidade mara-<br />
<br />
vilhosa, gozo de boas amizades. Vejo<br />
Helvio Tadeu Gilioli, de Forta- descendentes brigando, reclamando,<br />
leza-CE, sentiu-se socialmente dis- tentando obter cidadania italiana, sem<br />
criminado por sua ascendência ita- nem conhecer seu país, suas virtudes,<br />
liana. Mas, em família,viveu intesos seu povo e sua cultura. Italianos que<br />
hábitos, costumes, falar, pensar e crer aqui vieram e acabaram fi cando,<br />
de contagiante italianidade. Diz:: daqui não querem mais sair. Se os<br />
“Sou descendente de italianos, italianos que vieram e que vêm para<br />
meu bisnonno chegou da Emilia Ro- cá não querem voltar, por que eu<br />
magna em 1881. Só voltou à Itália haveria de ir para lá?<br />
para buscar a família. Não conheci “Tenho a identidade italiana,<br />
meu nono, que faleceu quando meu não há como negar. Vejo que mui-<br />
pai tinha 13 anos, mas deixou muitas tas atitudes, gestos, maneiras e, até<br />
histórias que consegui reunir junto a sentimentos, foram transferidas de<br />
seus amigos de caçada, de trabalho geração a geração. Mas negar que<br />
em fazendas de café... “Quando per- sou brasileiro, para querer ser<br />
guntavam se eu era descendente de italiano, não, isso não passa de<br />
italianos, eu respondia que eu era recordações do espírito.”<br />
brasileiro, meu avó sim era italiano. Realmente, somos brasileiros<br />
Mas isto me causava desconforto, pois porque aqui nasemos, sob o signo do<br />
em São Caetano do Sul-SP, onde jus solis. Somos italianos, porque<br />
nasci, a maioria era de italianos ou herdamos o direito de sangue, jus<br />
descendentes. Pensava que se meu sanguinis. Mais precisamente, somos<br />
bisnono e nono foram obrigados a brasileiros de origem italiana . Quan-<br />
sair de sua terra natal, sofreram disdo nossos antepassados aqui aporcriminação<br />
por diferença de idioma taram, tornaram-se herdeiros, e nós<br />
e cultura, a Itália não merecia meu lhes sucedemos, da cultura brasilei-<br />
respeito e, menos ainda, que eu fosse ra, fazendo-se ítalo-brasileiros. E nós,<br />
reconhecido como descendente de herdeiros de sua herança, nascemos<br />
italianos.<br />
brasileiros de origem italiana, ou<br />
O tempo passou e, após muitas brasilerios ítalos. O Brasil é a parte<br />
andanças pelo Brasil, conheci um da Itália no mundo que estamos aju-<br />
“maestro” italiano, que dava aulas dando a construir. <br />
Foto DePeron