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COMUNICAÇÕES 241 - Joana Mendonça: a arte de cultivar ideias

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Mas essa mudança tarda

Mas essa mudança tarda a chegar… Sim. Alguém dizia que só haverá verdadeira igualdade quando houver tantas mulheres incompetentes no topo das organizações como homens. Há pouco tempo, a ministra espanhola (dos Assuntos Económicos e Transformação Digital, Nadia Calviño), decidiu deia conversa 20 Que idade tinha? 25 anos. Nesta idade acredita-se nestas coisas com toda a convicção (risos). Então candidatei-me a um mestrado de Gestão de Tecnologia no Técnico, com a ambição de obter ferramentas para gerir ciência com eficácia. O mestrado era coordenado pelo atual ministro da Ciência, professor Manuel Heitor. Na carta de candidatura, escrevi aquilo em que acreditava profundamente: “Quero mudar a forma como se faz ciência em Portugal!”. Ele adorou a minha carta! E na entrevista com ele – são conhecidas as entrevistas muito difíceis que faz – como sou uma leitora compulsiva, li os artigos todos dele e a entrevista não poderia ter corrido melhor. Ele acabou por convidar-me a trabalhar com ele, para estudar inovação. Foi assim que abandonei a Química. Fui estudar inovação no sector químico. Isso fez todo o sentido na sua carreira... Sim. O mestrado associa pessoas com know-how tecnológico a ferramentas de gestão para entrarem nas empresas e no mercado e gerirem tecnologia. E isso é crítico? Sim. Por isso recuperámos recentemente esse mestrado no Técnico. De certa forma o professor Manuel Heitor veio desarrumar-lhe um bocadinho a vida. Desencaminhá-la. Totalmente. Várias vezes ao longo da vida. A mulher que é hoje é fruto do seu percurso até aqui? Ou isto é só conversa de psicanalista? Importa realmente olhar para trás? Claro que importa. Somos fruto de todas as nossas vivências. Em Portugal é difícil tomar riscos? Sobretudo se se é mulher? Sim, é verdade. Acha que o facto de ser mulher condicionou a sua vida profissional? A questão de género foi relevante no percurso que fez até aqui? Ou é daquelas mulheres que não gosta de falar destes assuntos? Temos de falar destes assuntos! Aliás, mudei de opinião sobre isto há pouco tempo. Antes achava que isto não era questão sequer. Mas hoje acho que é. Temos de falar disto! Porque se não falarmos as coisas não mudam. Na carta de candidatura (ao mestrado de Gestão de Tecnologia no Técnico) escrevi: “Quero mudar a forma como se faz ciência em Portugal” Até porque todas, potencialmente, poderemos ter filhas... Sim. Eu tenho duas. É preciso que elas percebam a realidade que vão encontrar. Nas minhas aulas – sou professora de Design Thinking no Técnico – os rapazes intervêm mais, são muito mais participativos. Isto é uma questão cultural e de educação. Eu dou umas aulas com um colega espetacular e ele no outro dia deu- -me os parabéns porque, numa das nossas aulas, eu virei-me para a turma e disse: “Agora fala uma rapariga”. E, a partir daquele momento, a dinâmica da aula desbloqueou. Por que é que acha que isso acontece? Não lhe sei dizer. Acho que tem a ver com a forma de ocupação do espaço comum. E isto não é apenas uma realidade portuguesa. Tenho muitos alunos estrangeiros, cerca de 50%, e a situação é a mesma. Como se sente sendo uma mulher num mundo de homens? Tenho pensado mais nisso agora que estou nesta função. Primeiro porque estou mais exposta ao espaço público. Não tenhamos ilusões: o espaço público é dominado por homens. A quantidade de eventos a que vou, em que só ouvimos homens a falar, ou apenas uma mulher para ficar bem na fotografia, é assustador. E acontece o mesmo nas organizações. No outro dia visitei uma empresa, reuni com o conselho de administração, constituído só por homens, e comentei: “Estão a precisar de uma mulher, não?”. Ao que o líder me respondeu: “Pois, isso agora está na moda!”. A consciencialização de que a diversidade – não só de género – é essencial nas empresas é um caminho que tem de se fazer urgentemente. A diversidade na estrutura decisiva das organizações só acontecerá se for forçada no início, porque a verdade é que há a tendência de nos rodearmos de pessoas semelhantes. Eu não era grande fã das quotas, mas talvez seja preciso começar por aí para se introduzir a mudança.

“Não tenhamos ilusões: o espaço público é dominado por homens. A quantidade de eventos a que vou, em que só ouvimos homens a falar, ou apenas uma mulher, para ficar bem na fotografia, é assustador” 21

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