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Fala-se em “acusado de estuprar”, “estuprador”, “preso depois de estuprar”, “pedófilo”,<br />
“menina estuprada”. Há maneiras diversas de chamar a atenção para a<br />
notícia, mas o foco é o mesmo: o estupro (ou possível estupro) de uma menina.<br />
Ocorre que, segundo o relato de nosso observador 41 , estava claro naquele momento<br />
que não havia indícios de conjunção carnal, conforme atestado pelo serviço<br />
médico para onde a menina foi conduzida. Daí podemos tirar uma constatação<br />
bastante simples mas nem por isso de pouca importância: jornais, impressos ou<br />
online (ou outras mídia) nem sempre são fiéis em seus relatos.<br />
Gardner (2009) cita um exemplo interessante a esse respeito. O número de<br />
pedófilos que estariam online na Internet a qualquer momento é seu objeto de<br />
reflexão. O número encontrado por ele, supostamente proveniente de uma ONG<br />
Suíça, é de 50.000. Esse número apareceu em diversas mídias na Inglaterra, Canadá<br />
e Estados Unidos, sem a citação da fonte da informação. Gardner busca, então,<br />
a fonte desse número. Ao tentar recuperar essa informação, entrando em contato<br />
com órgãos oficiais, chegou à conclusão de que, não apenas esse número não provém<br />
de nenhum órgão oficial, como é impossível usar um método confiável para<br />
contar o número de pedófilos online. Mas o número estava lá, estampado em diversas<br />
mídias na Inglaterra, Canadá e Estados Unidos.<br />
A mesma discussão sobre números é feita por Leandro Andrade (2004). Andrade<br />
pesquisou o jornal Folha de S. Paulo, analisando reportagens publicadas<br />
entre os anos de 1985 a 1995. Segundo ele, nesse período o número estimado pelo<br />
jornal de prostitutas infanto-juvenis tendeu a estabilizar-se em 500.000:<br />
A reprodução ad nauseam das mesmas fontes; a referência a e de instituições<br />
de prestígio (Unicef, Ministérios, Federação Internacional dos Direitos<br />
Humanos, Human Rights Watch); a divulgação em foros internacionais<br />
e respeitáveis associada à imensidão das cifras e à inconsistência<br />
conceitual/metodológica assustam quanto à fragilidade da ‘informação’.<br />
[...]<br />
A cifra redonda, fácil de guardar (500 mil), reforçada pelas letras garrafais<br />
41 Nosso observador é o pai do menino, amigo de Cristal, na casa de quem ela brincava antes do<br />
incidente. Estando intimamente envolvido com o caso, ele acompanhou todo o desenrolar da história<br />
em seus mínimos detalhes.<br />
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