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das manchetes, a organização dos bancos de dados e seu uso como fonte<br />
de produção de matérias, fazem circular e eternizar equívocos. (ANDRA-<br />
DE, 2004, p. 136).<br />
Não só o jornal pautou-se em um número redondo e sem consistência, como insistiu<br />
na repetição desse número mesmo após a Comissão Parlamentar de Inquérito<br />
instituída pela Câmara Federal no Brasil concluir que “Tal número, atribuído a uma<br />
pesquisa oficial, não pode ser considerado, já que não existe tal pesquisa, nem nenhuma<br />
outra com o mesmo objetivo, de modo que ninguém pode apontar o número de<br />
jovens prostituídos no país.” (BRASIL, 1995, p. 10 apud ANDRADE, 2004, p. 59-60).<br />
Mas voltemos ao caso relatado acima: apesar de não haver indícios de conjunção<br />
carnal, foi exatamente esse o foco das manchetes dos jornais. Há sempre<br />
versões para o mesmo acontecimento, e não necessariamente essas versões são<br />
falsas. Mas, no caso em questão, é muito provável que os jornalistas tenham obtido<br />
essa informação – segundo nosso informante, representantes da imprensa conversaram<br />
com a técnica em enfermagem que recepcionou a criança no hospital e o<br />
escrivão de polícia na delegacia. Se for este o caso, o que existe é um falseamento<br />
da notícia e, portanto, esse é um exemplo de jornalismo ruim.<br />
De qualquer forma, vale a pena tentar entender o porquê das manchetes<br />
chamarem a atenção para o fato de que a menina teria sido estuprada. Há duas<br />
informações importantes que podem ser colhidas nas notícias (mas nem sempre<br />
presente em todas elas): o criminoso já havia cumprido pena por ter abusado de<br />
sua filha, quando tinha 4 anos, e o fato de a polícia ter encontrado, na casa do acusado,<br />
calcinhas, um caderno com endereços de crianças, bonecas e vídeos (uma<br />
das reportagens chega a dar a impressão de que se trata de vídeos de pornografia<br />
infantil, quando se trata de vídeos com filmes infantis). Ou seja, são indícios que<br />
efetivamente levam a pensar em um possível caso de violência sexual. Contudo,<br />
isso não pode ser usado como desculpa para o fato de que os jornais mencionados,<br />
além de outros, colocaram na manchete um fato inverídico.<br />
Na grande maioria dos casos, não é possível verificar a veracidade das notícias<br />
publicadas pelos jornais, sejam eles jornais locais (como os citados aqui) ou jornais de<br />
grande circulação nacional. Exatamente por isso, notícias não podem e não devem<br />
ser utilizadas em pesquisas acadêmicas, de forma alguma, como fonte de informação<br />
sobre violência. No caso em questão, estaríamos inflacionando o número de estupros<br />
cometidos contra crianças, caso o jornal fosse utilizado como fonte de informação.<br />
Judith Ennew (2008), ao concluir seu paper temático sobre exploração sexual<br />
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