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O Mal, a vingança, a memória e o perdão - Unisinos

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A <strong>vingança</strong> nas culturas indígenas<br />

Analisando o canibalismo entre as culturas indígenas, o antropólogo Julio Cezar<br />

Melatti explica que nem sempre este se realiza por <strong>vingança</strong>, e que a <strong>vingança</strong> nem<br />

sempre se consuma em canibalismo. Eucaristia é espécie de canibalismo por amor<br />

Por Márcia Junges<br />

Os motivos que impulsionam os povos à <strong>vingança</strong> variam de acordo com as culturas. Pode<br />

ser “desde uma palavra ofensiva, a recusa a uma proposta amorosa, até um homicídio. A<br />

<strong>vingança</strong> pode ser exercida por atos de feitiçaria ou pela violência física”. A explicação<br />

é do antropólogo Julio Cezar Melatti, na entrevista exclusiva que concedeu, por e-mail,<br />

à IHU On-Line. Ele prossegue: “Nem toda <strong>vingança</strong> se consuma em canibalismo, e nem<br />

todo canibalismo se faz por <strong>vingança</strong>. O canibalismo também se faz por amor. O exemplo entre nós<br />

seria a Eucaristia. Entre os índios seria o consumo de carne e ossos de parentes, falecidos por morte<br />

natural e cremados, como se faz entre os ianomâmis e se fazia entre os índios panos do sudoeste da<br />

Amazônia”. Melatti destaca que os índios marubos, assim como outros “falantes de línguas da família<br />

pano, cremavam os seus mortos e pulverizavam os ossos calcinados, misturando-os a um mingau, que<br />

comiam. Não comiam os inimigos”.<br />

Melatti é graduado em Geografia e História pela Universidade Católica de Petrópolis - UCP, especialista<br />

em Antropologia Cultural pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, e doutor<br />

em Ciência Social pela Universidade de São Paulo – USP - com a tese O sistema social Krahó. Cursou<br />

pós-doutorado pela Smithsonian Institution, nos Estados Unidos. Professor emérito do Departamento<br />

de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB), é autor de Índios do Brasil (Brasília: Coordenada,<br />

1970), O Messianismo Krahó (São Paulo: Herder, 1972) e Ritos de uma Tribo Timbira (São Paulo: Ática,<br />

1978). Confira a entrevista.<br />

IHU On-Line - Antropologicamente,<br />

nas diferentes culturas, a <strong>vingança</strong> é<br />

um comportamento comum?<br />

Julio Cezar Melatti - Acredito que<br />

sim, embora haja diferenças no modo<br />

de exercê-la e também na consideração<br />

dos atos que a provocam.<br />

IHU On-Line - Por que o ser humano<br />

se vinga?<br />

Julio Cezar Melatti - Suponho que a<br />

<strong>vingança</strong> se paute pelos princípios da<br />

reciprocidade, que regem a troca de<br />

presentes, favores, alianças matrimoniais,<br />

trocas comerciais. A <strong>vingança</strong><br />

pode ser substituída pela indenização,<br />

que, na Idade Média, era proporcional<br />

à distância genealógica do credor com<br />

a vítima, conforme exemplos dados<br />

por Radcliffe-Brown 1 na sua clássica<br />

1 Alfred Reginald Radcliffe-Brown (1881-<br />

Introdução aos “Sistemas Africanos de<br />

Parentesco e Casamento” (Petrópolis:<br />

Vozes, 1973). Naquelas sociedades em<br />

que não há procedimentos judiciais<br />

isentos de envolvimento com as partes<br />

ofensora e ofendida, talvez a <strong>vingança</strong><br />

seja o único modo de reparação.<br />

IHU On-Line - E nas culturas indígenas,<br />

como se apresenta a <strong>vingança</strong>?<br />

Julio Cezar Melatti - Como disse, os<br />

motivos que levam à <strong>vingança</strong> variam<br />

segundo as culturas, e podem ser os<br />

mais diversos, desde uma palavra ofensiva,<br />

a recusa a uma proposta amorosa,<br />

até um homicídio. A <strong>vingança</strong> pode<br />

ser exercida por atos de feitiçaria ou<br />

1955): cientista social britânico, considerado<br />

um dos maiores expoentes da antropologia,<br />

tendo desenvolvido a teoria do funcionalismo<br />

estrutural. (Nota da IHU On-Line)<br />

pela violência física.<br />

IHU On-Line - Qual é a relação entre<br />

<strong>vingança</strong> e canibalismo?<br />

Julio Cezar Melatti - Não há necessariamente<br />

um vínculo entre uma coisa e<br />

outra. Nem toda <strong>vingança</strong> se consuma<br />

em canibalismo, e nem todo canibalismo<br />

se faz por <strong>vingança</strong>. O canibalismo<br />

também se faz por amor. O exemplo<br />

entre nós seria a Eucaristia. Entre os<br />

índios seria o consumo de carne e ossos<br />

de parentes, falecidos por morte<br />

natural e cremados, como se faz entre<br />

os ianomâmis e se fazia entre os índios<br />

panos do sudoeste da Amazônia.<br />

IHU On-Line - Como esse binômio se<br />

apresenta entre os tupinambás, que<br />

praticavam o canibalismo como vin-<br />

16 SÃO LEOPOLDO, 29 DE MARÇO DE 2010 | EDIÇÃO 323

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