10.04.2013 Views

O Jogo (conto) publicado em Histórias do Rio Negro - Revista de ...

O Jogo (conto) publicado em Histórias do Rio Negro - Revista de ...

O Jogo (conto) publicado em Histórias do Rio Negro - Revista de ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

O tal <strong>de</strong> Zé surgira <strong>do</strong> nada, mulato b<strong>em</strong> forni<strong>do</strong> e atarraca<strong>do</strong>, alguns diziam<br />

que era <strong>em</strong>barca<strong>do</strong>, não era daquelas bandas. Tinha um riso escancara<strong>do</strong> on<strong>de</strong> luziam<br />

<strong>do</strong>is <strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> ouro, um jeito <strong>de</strong> sabe-tu<strong>do</strong>, falava alto, gesticulava. Logo que chegou<br />

encostou a barriga no balcão <strong>do</strong> boteco e vangloriou-se que era invencível, jogo <strong>de</strong><br />

<strong>do</strong>minó era com ele, bateu no peito e cuspiu <strong>de</strong>bocha<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> lhe falaram <strong>de</strong><br />

Antenor, que o velho não lhe dava n<strong>em</strong> para o cheiro. Foi discussão <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> hora,<br />

os velhos ficaram ofendi<strong>do</strong>s, e <strong>de</strong>spencaram o <strong>de</strong>safio.<br />

A sorte estava lançada.<br />

A primeira Seu Antenor levou, era melhor <strong>de</strong> cinco. A segunda ele também<br />

levou e cresceu. Na terceira a coisa começou a ficar feia, o tal Zé foi sorrateiro,<br />

naquela <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> não quer nada e acabou por papar a partida. Foi um silencio dana<strong>do</strong>.<br />

Antenor sentiu um frio na barriga. Suspense geral. Na quarta ele viu a viola <strong>em</strong> caco.<br />

O abesta<strong>do</strong> levou e levou ligeiro. O público ficou s<strong>em</strong> fala, o herói <strong>de</strong>les estava<br />

ameaça<strong>do</strong>. Mas era chegada a hora <strong>de</strong> Teresa e a negra ficou para o dia seguinte. Zé<br />

ainda riu, fez pouco caso, achou que era covardia. Que se resolvesse tu<strong>do</strong> ali, <strong>de</strong><br />

imediato que historia <strong>de</strong> dia seguinte era essa? Saiu arrotan<strong>do</strong> grosso, mas enfim, era<br />

minoria.<br />

Antenor foi para casa e aquela noite não <strong>do</strong>rmiu. Sequer ouviu a cantilena da<br />

filha que <strong>de</strong>sfiava o rosário diário. Alhea<strong>do</strong> sentia-se a balançar. Parecia-lhe estar solto<br />

no ar, s<strong>em</strong> lastro, vôo cego, passarinho s<strong>em</strong> guarita. Foi para a cama, mas revia as<br />

jogadas na cabeça, pensava e pensava e tornava a pensar. Uma hora lhe pareceu ver<br />

o Zé, imenso, sain<strong>do</strong> da pare<strong>de</strong> com a boca escancarada na risada <strong>do</strong> <strong>de</strong>boche.<br />

Antenor <strong>em</strong> calafrios amiu<strong>do</strong>u-se. Na visag<strong>em</strong> a boca foi aumentan<strong>do</strong> e <strong>de</strong> repente não<br />

havia mais Zé, só uma boca gigantesca, pantagruélica e vermelhaça, a língua<br />

tr<strong>em</strong>elican<strong>do</strong>, os <strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> ouro luzin<strong>do</strong> e cuspin<strong>do</strong> as pedras <strong>do</strong> jogo uma atrás da<br />

outra. Elas iam <strong>de</strong>spencan<strong>do</strong>, voan<strong>do</strong> pelo quarto, baten<strong>do</strong> nas pare<strong>de</strong>s como se<br />

estivess<strong>em</strong> vivas, soterran<strong>do</strong> Antenor, lhe fazen<strong>do</strong> cova <strong>em</strong> vida, pedra e mais pedra e<br />

Teresa vestida <strong>de</strong> roupa <strong>de</strong> circo sain<strong>do</strong> da bocarra, <strong>de</strong> chicote <strong>em</strong> punho, rin<strong>do</strong><br />

tresloucada e repetin<strong>do</strong> a ladainha Suan<strong>do</strong> <strong>em</strong> bicas Antenor viu o dia raiar e não<br />

tinha prega<strong>do</strong> o olho.<br />

N<strong>em</strong> b<strong>em</strong> o aguaceiro tomou outro rumo, a enxurrada escorreu pelos bueiros, o<br />

céu já <strong>de</strong> novo azul e o sol pipocan<strong>do</strong>, os habitantes começaram a voltar. Foram se<br />

97

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!