O Jogo (conto) publicado em Histórias do Rio Negro - Revista de ...
O Jogo (conto) publicado em Histórias do Rio Negro - Revista de ...
O Jogo (conto) publicado em Histórias do Rio Negro - Revista de ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
espalhan<strong>do</strong> pelos cantos, cada um tinha seu espaço cativo. Para baixo <strong>do</strong> oiti gran<strong>de</strong><br />
Seu Antenor veio arrastan<strong>do</strong> a mesa <strong>de</strong> armar, um olho na sua torcida, o outro no<br />
adversário. O safa<strong>do</strong> vinha achegan<strong>do</strong>, com cara <strong>de</strong> <strong>de</strong>sprezo, como se Seu Antenor<br />
fosse titica para ele. Os olhos <strong>do</strong> velho ardiam, o coração pinoteava, as tripas davam<br />
nó. Sabia que era in<strong>de</strong>pendência ou morte, via o olhar <strong>do</strong>s amigos, esperança e o<br />
me<strong>do</strong>, tu<strong>do</strong> mistura<strong>do</strong>, uma mixórdia <strong>de</strong> sentimentos. Acomo<strong>do</strong>u-se na ca<strong>de</strong>ira, olhou<br />
<strong>em</strong> volta <strong>de</strong>vagar, lá estavam to<strong>do</strong>s. Dona Marlene da pensão, qu<strong>em</strong> diria até ela toda<br />
elegante, Seu Jerú tinha larga<strong>do</strong> o balcão, a molecada <strong>do</strong> colégio, Dona Dora, com o<br />
terço na mão, tinha até arrasta<strong>do</strong> o padre com ela, que nessas horas vale tu<strong>do</strong> e o<br />
vigário era quase da família. Até as putas engrossavam a torcida. Foi aí que Seu<br />
Antenor cresceu. Estufou o peito, pariu uma corag<strong>em</strong> que não tinha, ela veio<br />
espr<strong>em</strong>ida, mas veio. Que era velho ele sabia, mas velho não era lixo, n<strong>em</strong> carta fora<br />
<strong>do</strong> baralho. Havia <strong>de</strong> mostrar ao enxeri<strong>do</strong> que ainda usava calças, que no império <strong>de</strong>le<br />
ninguém triscava. O tal <strong>de</strong> Zé sentiu o clima e tratou <strong>de</strong> parar <strong>de</strong> bazófia, percebeu<br />
que a coisa era feia. Um suspiro fun<strong>do</strong> veio rolan<strong>do</strong> da platéia. Era chegada a hora.<br />
Tu<strong>do</strong> aconteceu tão <strong>de</strong>pressa que n<strong>em</strong> dá gosto <strong>de</strong> contar. Podia-se cortar o<br />
silêncio com faca <strong>de</strong> tão <strong>de</strong>nso que ele era. Era um silêncio tão forte que se<br />
passarinho voasse nele ficava <strong>de</strong> asa quebrada; se duvidar muito ali ninguém n<strong>em</strong><br />
respirava.<br />
Zaz trás, s<strong>em</strong> fricote Seu Antenor foi papan<strong>do</strong>, o Zé botava sua pedra o velho<br />
matava <strong>em</strong> cima. Uma, duas, três, seu Antenor lapt... Quan<strong>do</strong> se viu tinha acaba<strong>do</strong>. o<br />
povaréu n<strong>em</strong> acreditava, precisou <strong>de</strong> uns <strong>do</strong>is minutos para explodir <strong>em</strong> palmas, risos<br />
e faniquitos.<br />
Carregaram o velho nas costas, igual joga<strong>do</strong>r <strong>de</strong> bola. Mas aquilo era mais<br />
forte, era uma risa<strong>do</strong>na <strong>de</strong> alma, uma lavada <strong>de</strong> honra, um botar prumo no mun<strong>do</strong>.<br />
Não havia ninguém ali que não se sentisse resgata<strong>do</strong> e vinga<strong>do</strong>, fosse <strong>do</strong> que fosse,<br />
que nesta vida motivo <strong>de</strong> vingança não falta. Seu Jerú abriu o barracão <strong>do</strong> fun<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
armazém, e o povo espalhou-se. Cerveja para com<strong>em</strong>orar era o que mais tinha, até<br />
uns bolinhos apareceram na hora. Brin<strong>de</strong>s e mais brin<strong>de</strong>s, Seu Antenor no lugar <strong>de</strong><br />
honra era paparica<strong>do</strong>, o padre <strong>do</strong> seu la<strong>do</strong> direito, e a <strong>do</strong>na <strong>do</strong> puteiro <strong>do</strong> outro. Do tal<br />
<strong>de</strong> Zé n<strong>em</strong> cheiro que o fulano escafe<strong>de</strong>u s<strong>em</strong> ninguém n<strong>em</strong> ver, e também não fazia<br />
falta. Foi quan<strong>do</strong> Teresa chegou. Vinha vermelha e esbaforida, on<strong>de</strong> está aquele velho<br />
safa<strong>do</strong> que ainda me mata <strong>do</strong> coração.<br />
98