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Capítulo 1 - NUPEA

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<strong>Capítulo</strong> 1<br />

Desdobramentos: artista-obra-público<br />

Desenvolvo aqui um traçado 1 e um roteiro que atravessam determinados<br />

conjuntos de obras de artistas nacionais e internacionais que privilegiaram, a<br />

partir do final dos anos 1950 e início dos 1960 até a atualidade, a participação,<br />

o envolvimento do público com a obra.<br />

Uma vez que o foco desta pesquisa está na relação ARTISTA-OBRA-<br />

PÚBLICO, seu processo de construção leva em conta um espaço para o<br />

acontecimento nas condições determinadas pela recepção, ou seja, a obra é<br />

pensada pela artista para ser executada parcialmente pelo público ou, ainda<br />

mais, a obra só ganha existência a partir da presença de um público, porque<br />

ele também a constrói. Nesses termos, pode-se pensar numa abertura não<br />

somente para os procedimentos receptivos – especialmente, da ordem da<br />

interpretação, e presentes mesmo nas obras destinadas à contemplação – bem<br />

como no desenvolvimento de uma obra co-dependente dos estados<br />

presenciais e ativos do público.<br />

1.1. Movimentação internacional entre a participação e a interação.<br />

A partir da segunda metade do século XX, começaram a surgir correntes<br />

em que se pensava o público em contato mais direto com a arte. Esse público<br />

já não era passivo, ele experimentava junto com os artistas as possibilidades<br />

diversas de fruição da obra. Nesse sentido, o espectador participava, em certos<br />

casos, da própria construção. Para Couchot 2 “a forma mais simples da<br />

participação foi a instalação. Instalando o espectador no centro da obra, o<br />

artista o convidava a adotar uma atitude diferente diante dela”. (Couchot, 1997,<br />

p. 136), podendo entrar na obra, sentir de um outro jeito, com um novo olhar<br />

diante dela.<br />

1 Esse capítulo é uma linha do tempo para situar minha produção visual.<br />

2 Edmond Couchot é uma das maiores autoridades mundiais em arte eletrônica. Professor e pesquisador<br />

dirige o ATI, Art et Technologie de l’Image, Université Paris III, França. Tem diversas publicações sobre<br />

arte na era digital.


Vários foram os movimentos que adotaram esse tipo de arte, como Arte<br />

Pop, Arte Conceitual, Land Art com ambientes naturais, Arte Cinética, não se<br />

podendo esquecer das celebrações mais coletivas como happenings e<br />

performances. Todas essas correntes artísticas estavam – cada qual a sua<br />

maneira, a seu modo - em busca de uma participação mais íntima entre público<br />

e obra.<br />

Frank Popper 3 , no texto As imagens artísticas e a tecnociência (1967-<br />

1987), faz um percurso histórico, no campo de criadores de imagens que<br />

trabalham desde a década de 1960 até o final dos anos 1980, partindo das<br />

artes participacionistas até chegar às artes interativas, relacionando arte,<br />

ciência e tecnologia.<br />

Popper dá exemplos de algumas exposições que ele mesmo organizou,<br />

como a “Exposição Luz e Movimento”, no Museu de Arte Moderna de Paris em<br />

1967. Para ele, “a grande maioria dos artistas estava na problemática estética<br />

saída do construtivismo e da abstração geométrica. Mas era precisamente<br />

graças aos meios técnicos empregados que poderiam ultrapassar essa<br />

problemática”. (Popper, 1993, p. 202). Empregando movimentos, luzes<br />

artificiais e outros elementos em suas obras, os artistas como Bury e Tinguely<br />

faziam dos novos meios técnicos recursos para criação de seus trabalhos.<br />

Nesse sentido, era mais cobrada, por parte dos artistas, a participação<br />

mental e física do espectador. Outro exemplo que Popper comenta é a<br />

exposição “Cinetismo, Espetáculo, Ambiente”, que se refere aos ambientes<br />

criados por Edmond Couchot. Em um deles foi montada uma piscina inflável<br />

animada por diversos elementos, fazendo apelo a todos os sentidos. Já outro<br />

ambiente, criado por Xavier Luccioni, envolvia o passante da rua numa rede de<br />

células fotoelétricas, tubos de néon e estruturas de aço.<br />

Nos anos 1970, a problemática do ambiente tornou-se mais presente<br />

entre as propostas dos artistas que buscavam, de certa forma, na época, dar<br />

mais ênfase às idéias do que ao objeto, causando a desmaterialização do<br />

objeto. Frank Popper considera que, nesse momento, “o essencial não é mais<br />

o objeto em si, mas a confrontação dramática do espectador a uma situação<br />

perceptiva”. (Popper, 1997, p. 212).<br />

3 Professor da Université Paris VIII tem vários títulos publicados na área de Arte Tecnológica.<br />

27


Arlindo Machado (1997), um importante especialista das novas<br />

tecnologias da imagem, bem como outros autores desse campo de pesquisa e<br />

atuação, insiste em apontar para um conjunto de artistas e suas produções<br />

como integrando as experiências e as reflexões acerca da participação e da<br />

interação: Calder, com seus Móbiles; os espetáculos coletivos do Living<br />

Theatre; o Happening; as celebrações coletivas; as instalações e ambientes<br />

imaginados por artistas como Donald Judd, Richard Serra ou Robert Morris; os<br />

poemas desmontáveis de Raymond Quenéar; até chegar a Lygia Clark, com os<br />

Bichos e os Parangolés de Hélio Oiticica.<br />

A idéia de trabalhos interativos abrange vários campos e persiste desde<br />

a década de 1930 até os dias de hoje. Arlindo Machado menciona que desde<br />

Bertolt Brecht (1932) já se falava de interatividade nos meios de comunicação,<br />

com participação direta dos cidadãos. Essas idéias começaram a se<br />

concretizar 40 anos depois, nas rádios e televisões livres da Europa.<br />

Nos anos 1970, Enzensberg (Machado, 1997, p.144) propunha a<br />

interatividade como mecanismo de trocas entre emissores e receptores.<br />

Raymond Willians (1979), nessa mesma época, chamava a atenção para as<br />

tecnologias vendidas e difundidas como “interativas” que não passavam de um<br />

processo em que o usuário escolhia uma resposta, muitas vezes, pronta e<br />

esperada.<br />

Pode-se observar tal fato até os dias de hoje, pois existem jogos ou<br />

programas de TV que usam essa terminologia “interativa” para aumentar o<br />

consumo de seus produtos. “Interatividade, excelente argumento de venda que,<br />

aliada às técnicas de comunicação, unem homens e máquinas”. (Sfez, 2000,<br />

p.121).<br />

Para Raymond Willians, interatividade implica respostas autônomas,<br />

criativas e não previstas. Entretanto, até hoje se criam arte interativa ou mídias<br />

(comunicação) interativas com vários equívocos.<br />

Nos anos 1980, as novas tecnologias, computadores, redes de<br />

comunicação, propuseram a ruptura com as pesquisas realizadas até então. É<br />

a partir dessa época “que se pode falar de uma arte da tecnociência, de uma<br />

arte em que intenções estéticas e pesquisas tecnológicas fundadas<br />

cientificamente parecem ligadas indissoluvelmente e, em todo caso, se<br />

influenciam reciprocamente”. (Popper, 1993, p. 203).<br />

28


Os aparatos tecnológicos também vêm contribuindo para a participação<br />

mais efetiva do espectador sob o termo “interatividade”, afirma Frank Popper<br />

(1993), e vêm dando significativos resultados desde os anos 1980.<br />

Gloria Collado, no seu texto sobre a Bienal de Lyon, afirma que<br />

29<br />

ni el vídeo ni el ordenador han contribuido especialmente a la<br />

creación de la interatividad. Sólo en nuestro siglo los<br />

espectáculos dadá, los happenings o las acciones y<br />

performances inauguradas por los artistas fluxus han sido<br />

algunas de las manifestaciones que más han contribuido a la<br />

idea de lo que ahora há dado en llamarse<br />

interactividad.(Collado, 1995)<br />

Aquilo que parecia estar no fim em meados dos anos 1970, que é a<br />

participação do público nas obras, a partir dos anos 1980 volta com muita<br />

força, devido às diversas possibilidades encontradas nas imagens de sínteses<br />

(imagens numéricas), criadas em computadores com os projetos de arte<br />

interativa pelos artistas.<br />

Couchot 4 acredita que as artes participacionistas foram sucedidas pelas<br />

artes interativas. Ele fala de arte interativa proporcionada pelas novas<br />

condições de acesso a informações oferecidas pelas possibilidades de imersão<br />

e exploração no campo da tecnociência, e entende que a obra interativa,<br />

só tem existência e sentido na medida em que o espectador<br />

interage com ela. Sem esta interação, da qual é totalmente<br />

dependente, ela estaria simplesmente reduzida a um gesto<br />

elementar, a obra permanece uma potencialidade–<br />

computacional, pois é feita de cálculos – não perceptível.<br />

(Couchot, 1997, p. 40).<br />

As criações envolviam novas tecnologias e o campo da ciência,<br />

construindo trabalhos ligados, a princípio, às relações humanas, e que se<br />

expandiram para diversas áreas como biologia, psicologia, física, matemática,<br />

química e outras.<br />

Conforme Popper aponta, a diferença entre a arte produzida por essas<br />

novas tecnologias e as artes plásticas tradicionais é que o importante para a<br />

arte tecnológica é a ênfase dada ao processo da construção do trabalho,<br />

enquanto o outro tipo de arte enfatiza a obra acabada, não importando o<br />

processo.<br />

4 Para Couchot interatividade não espera. É um conjunto do sistema de produção, de difusão, de<br />

memorização das informações, construída em “tempo real”.


O artista, na arte tecnológica, busca fazer parcerias com profissionais de<br />

diversas áreas, como a música, as artes cênicas, a arquitetura, e se apóia em<br />

importantes teóricos da filosofia, antropologia e sociologia para concretizar<br />

seus projetos, construindo pensamentos e obras híbridas.<br />

Provoca assim mudanças na<br />

30<br />

consciência cultural e na nossa maneira de pensar que se<br />

acham ao mesmo tempo modificadas e alargadas por<br />

hibridação de duas culturas, artística e científica. A imagem<br />

toma aí seu verdadeiro lugar, já que certos raciocínios<br />

científicos são efetivamente substituídos por demonstrações<br />

visuais. Por outro lado numerosas criações artísticas não<br />

podem mais passar sem cálculos e sistematização.<br />

(Popper, 1993, p. 204).<br />

Tudo isso é uma nova abertura no campo artístico, porque teorias<br />

científicas tornam-se construções visuais, associando os espectadores à<br />

produção da obra.<br />

Essa arte é aberta, instável e mutável. Faz do espectador um co-autor,<br />

tendo a responsabilidade de um autor, pois em várias situações a obra não<br />

existe sem o espectador. A existência da obra interativa depende do outro, não<br />

só do criador, mas daquele que vai introduzir questionamentos e ações, num<br />

diálogo que, para Edmond Couchot (1997), é quase instantâneo, em tempo real<br />

e não mais mental.<br />

Couchot aponta dois dispositivos interativos, recursos que os artistas<br />

atualmente estão utilizando para trabalhos de arte eletrônica. Os dispositivos<br />

fechados ou autônomos (off-line) e os outros dispositivos abertos ou<br />

interconectados em rede (on-line).<br />

Os dispositivos fechados caracterizam-se pelas relações entre<br />

espectadores e obra num espaço delimitado pelos aparatos técnicos e,<br />

conseqüentemente, pelo espectador. Esses aparatos podem ser capacetes,<br />

óculos usados por uma pessoa e conectados a um computador, que, por sua<br />

vez, faz aparecer animações com textos, sons, figuras.<br />

A pessoa que está conectada age de forma instantânea sobre as<br />

informações dadas pela máquina, através de dispositivos que registram gestos.<br />

O espectador “é convidado a entrar em universos virtuais mais ou menos<br />

complexos e a interagir com eles conforme um tipo de cenário ou percursos,<br />

não lineares, concebidos pelo autor”. (Couchot, 1997, p. 138).


Um dos exemplos mais comuns é o da obra de Jeffrey Shaw, que<br />

convida o indivíduo a passear por uma cidade cuja arquitetura é toda<br />

construída por letras que formam textos. Pedalando sobre uma bicicleta de<br />

verdade, o artista faz com que se enxergue não só com os olhos, mas com os<br />

próprios pés e pernas. Na medida em que pedala e inclina o guidom para o<br />

lado direito ou esquerdo, automaticamente vê imagens que dão idéias de uma<br />

esquina real.<br />

Nos dispositivos abertos, a relação obra e espectador acontece na rede,<br />

ou seja, as obras são criadas para circular na Internet, o que possibilita o<br />

alcance de uma dimensão coletiva, pois a obra está disponível para várias<br />

pessoas, em diferentes lugares, o dia todo.<br />

31<br />

A participação do espectador, em muitos casos, se dá em forma<br />

de gestos, de textos, de imagens (e eventualmente de sons) e se<br />

inscreve na memória da obra cuja identidade muda e evolui<br />

constantemente, em torno de um núcleo preconcebido pelo autor<br />

que lhe assegura uma coerência e uma continuidade (Couchot,<br />

1997, p. 142).<br />

Essas experimentações na rede, que crescem a cada dia, acontecem<br />

desde o início de 1980, com Roy Ascott, desencadeando um interesse de<br />

vários artistas por esse campo. Hoje é difícil fazer um levantamento certo e<br />

preciso dessa produção, porque é uma área que está num crescente<br />

desenvolvimento, principalmente por jovens artistas, devido às possibilidades<br />

de intercâmbio com áreas diversas.<br />

Mas não podemos deixar de citar o artista brasileiro Eduardo Kac, que<br />

vive e trabalha em Chicago:<br />

Pioneiro da arte digital e transgênica, Kac concebeu e<br />

desenvolveu a holopoesia a partir de 1983. A holopoesia é uma<br />

nova linguagem verbal/visual que explora as flutuações<br />

formais, semânticas e perceptuais da palavra/imagem no<br />

espaço-tempo holográfico. Kac propôs e desenvolveu a arte<br />

da tele presença a partir de 1986, quando apresentou na mostra<br />

"Brasil High Tech", no Rio de Janeiro, um robô de controle<br />

remoto através do qual participantes interagiam. Kac projetou a<br />

arte da tele presença internacionalmente com o projeto<br />

"Ornitorrinco", desenvolvido a partir de 1989. A arte da tele<br />

presença é uma nova área de criação artística que se baseia no<br />

deslocamento dos processos cognitivos e sensoriais do<br />

participante para o corpo de um telerrobô, que se encontra num<br />

outro espaço geograficamente remoto.<br />

(http://www.ekac.org/kac2.html, acessado em 19/04/20050)


Couchot acredita que algumas experimentações ainda busquem uma<br />

reterritorialização, reivindicando o uso de uma língua e de sua cultura, no<br />

propósito de ir contra o poder da hegemonia anglo-americana, numa<br />

perspectiva que ele denomina monocultural.<br />

1.2 O Brasil dos Neoconcretos e a problemática da participação do<br />

público: antecedentes, desdobramentos internos, rupturas e<br />

modelos de relacionamento com a obra.<br />

Os anos 1950, no Brasil, foram marcados por idéias e ideais vinculados<br />

ao movimento concreto, em busca de uma (re)construção da linguagem<br />

plástica moderna. A exploração da forma, enquanto geométrica, criando<br />

composições no plano e no espaço, fez com que o concretismo se tornasse<br />

uma racionalidade objetiva à obra.<br />

32<br />

Os concretos, animados pela vontade de ultrapassar as<br />

limitações provincianas, realizam um grande esforço de<br />

compreensão das origens e evolução da arte abstrata filiada<br />

à vertente construtivista européia para aderir à sua última<br />

versão: a arte concreta. (Milliet, 1992, p. 24).<br />

Estabeleceram-se dois grupos concretos. O Grupo Frente (1954 a 1956),<br />

no Rio de Janeiro, foi liderado por Ivan Serpa e seus companheiros Hélio<br />

Oiticica, Décio Vieira, Abraham Palatnik, Lygia Pape, Aluísio Carvão,<br />

Weissmann e vários outros artistas, e a ele posteriormente se integrou Lygia<br />

Clark. Esse grupo 5 era aberto a criações individuais e à liberdade de criação,<br />

sendo variada a produção dos artistas a ele ligados, pois não seguia um<br />

padrão, como o Grupo Paulista 6 , cuja produção e pensamento eram mais<br />

homogêneos 7 .<br />

5 O grupo concreto carioca prega a experimentação de todas as linguagens, ainda que no âmbito não-figurativo<br />

geométrico e opõe uma articulação forte entre arte e vida - que afasta a consideração da obra como "máquina" ou<br />

"objeto". Dá maior ênfase à intuição como requisito fundamental do trabalho artístico. As divergências entre Rio e<br />

São Paulo se explicitam na Exposição Nacional de Arte Concreta (SP, 1956 e RJ, 1957), início da ruptura<br />

neoconcreta, efetivada em 1959. Fonte: www.itaucultural.org.br, acessado em 10/11/2004.<br />

6 A pintura concreta propunha uma nova visualidade que, orientada em princípios geométricos organizados segundo<br />

critérios de Gestalt (Teoria Geral da Forma), proporcionasse ao espectador uma fruição objetiva - a composição<br />

observada no quadro deveria corresponder, exatamente, àquilo que o artista concebeu no projeto original da obra. Um<br />

quadro concreto, de acordo com Max Bill, seria a "concreção de uma idéia", uma "realidade que pode ser controlada<br />

e observada”.


Num plano geral, o grupo Paulista, mais radical do que o Grupo Frente,<br />

pensava o concretismo dentro de parâmetros da lógica operacional, criando<br />

normas e regras, condenando conteúdos que não iam ao encontro do seu<br />

pensamento, que era contra qualquer tipo de conteúdo “emocional, onírico ou<br />

libidinal na arte” (Milliet, 1992, p. 24), impedindo explorações fora do campo da<br />

teoria da Gestalt. Liderado por Waldemar Cordeiro 8 , cria o manifesto “Ruptura<br />

de 1952”, que deixa clara essa idéia. Os artistas Lothar Charroux, Geraldo de<br />

Barros, Kazmer Féjer, Leopoldo Haar, Luiz Sacilotto, Wladyslaw e o próprio<br />

Cordeiro assinaram esse manifesto.<br />

Palatnik (ver figura 7), artista brasileiro, entre os anos de 1949 e 1950<br />

deu início a experiências com luzes e movimentos, gerando aparelhos<br />

cinecromáticos, pensando em levar para a pintura elementos da luz e do<br />

movimento no tempo e no espaço.<br />

33<br />

O crítico argentino Jorge Romero Brest, mestre de várias<br />

gerações de críticos latino-americanos, em seu longo<br />

comentário sobre a I Bienal de São Paulo, publicado no número<br />

26 da revista Ver y estimar, de Buenos Aires, em 1951, fala<br />

com entusiasmo da “curiosa máquina que sobre o princípio do<br />

caleidoscópio criou Abraham Palatnik" e na qual "vão se<br />

desenhando formas diversas, animadas por um colorido intenso<br />

que pode chegar a ser muito fino e sutil, estruturando-se como<br />

composições que a pintura propriamente dita quer obter mas<br />

Por iniciativa dos concretos paulistas, realizou-se no MAM /SP e no Ministério da Educação do Rio de<br />

Janeiro a I Exposição Nacional de Arte Concreta, que reuniu pinturas, desenhos, esculturas e poesias de<br />

artistas das duas cidades e contou com palestras e conferências. Pela primeira vez no país, foi apresentado<br />

um amplo panorama das artes plásticas e da poesia concreta, tendo sido lançado o Plano-Piloto da Poesia<br />

Concreta de Décio Pignatari. Entretanto, a mostra acabou por ressaltar as divergências flagrantes entre os<br />

concretistas. Para Roberto Pontual, "de um lado, propunha-se a concentração de esforços no conceito de<br />

pura visualidade da forma, na poesia como nas artes plásticas, eliminando dela toda e qualquer veleidade<br />

de dimensão simbólica. Do outro, acentuava-se a consideração da obra de arte como fato orgânico, e não<br />

como mera `máquina` ou `objeto`, embora sem deixar o âmbito não-figurativo geométrico". Como<br />

conseqüência dessa divergência, surge, dois anos depois, o Grupo Neoconcreto carioca (Enciclopédia<br />

Artes Visuais: www.itaucultural.org.br/AplicExternas/Enciclopedia/artesvisuais2003, capturado em<br />

10/11/2004 as 16:53).<br />

7 Criou-se uma idéia de que um grupo era mais homogêneo, programático e o outro tinha uma postura<br />

mais liberal. Existem várias pesquisas, de mestrado e doutorado, sendo realizadas nessa área, mas, como<br />

esse assunto não é meu objeto específico, não me aprofundarei nessa questão.<br />

8 O manifesto, redigido por Cordeiro e diagramado por Haar, e que parece ter causado maiores reações do<br />

que o próprio trabalho apresentado, estabelece uma posição firme contra as principais correntes da arte no<br />

país. Pretende-se romper com o “velho”, a saber: “todas as variedades e hibridações do naturalismo; a<br />

mera negação do naturalismo, isto é, o naturalismo ‘errado’ das crianças, dos loucos, dos ‘primitivos’, dos<br />

expressionistas, dos surrealistas etc., o não-figurativismo hedonista, produto do gosto gratuito, que busca<br />

a mera excitação do prazer ou do desprazer”. Se, por um lado, a oposição contra qualquer forma de<br />

figuração não é nova, por outro, a não aceitação da abstração informal é inédita e ajuda a compreender a<br />

posição do grupo. (Manifesto “Ruptura”, em A. Amaral (org.), Projeto Construtivo Brasileiro na Arte:<br />

1950-1962. Rio de Janeiro – São Paulo, 1977, p. 69).


não obtém (Frederico Morais In: www.macniteroi.com,<br />

acessado em 10/11/2004).<br />

Em vários trabalhos Palatnik envolvia o espectador de maneira lúdica e<br />

envolvente, como, por exemplo, na obra de 1959, “Mobilidade IV”, em que as<br />

bolinhas de madeira se movimentavam. Esse trabalho, em 1983, foi retomado<br />

e transformado em um objeto lúdico, que era uma base circular de vidro, de<br />

formas geométricas de cores diferentes, acionadas diretamente pelo<br />

espectador por um bastão magnetizado. Vale dizer, utilizou os pólos positivos e<br />

negativos dos ímãs para atrair ou repelir as formas geométricas que<br />

constituíam fragmentos de uma estrutura maior a ser armada pelo espectador a<br />

partir do uso do bastão magnetizado.<br />

Para Frederico Morais, os aparelhos cinecromáticos de Palatnik não<br />

apenas se anteciparam à vertente construtiva, que eclodiu com os grupos<br />

Ruptura (São Paulo, 1952) e Frente (Rio de Janeiro, 1954) para se consolidar<br />

com o Concretismo (1956) e Neoconcretismo (1959), como fundou a vertente<br />

tecnológica da arte brasileira (www.macniteroi.com, acessado em 12/10/2004).<br />

Em 1957, Lygia Clark, em seu diário, fez um desabafo sobre as formas<br />

seriadas dos concretos e a maneira “falsa de dominar o espaço” (Milliet, 1992,<br />

p. 25). Clark, nessa época, já pensava na idéia do espectador participante e da<br />

obra aberta à interferência imediata do espectador: “A obra (de arte) deve exigir<br />

uma participação imediata do espectador e ele, espectador, deve ser jogado<br />

dentro dela” (Milliet, 1992, p. 25).<br />

O Neoconcretismo surgiu dessas divergências de pensamento entre os<br />

dois grupos concretos, foi um caminho proposto pelos artistas do grupo<br />

carioca, os quais pensavam numa produção menos elitista, sem fórmulas, e no<br />

espectador como parte da obra, não mais um ser que contemplasse<br />

passivamente, e sim um ser que entrasse na obra ativamente. É importante<br />

aqui relatar alguns pontos do manifesto Neoconcreto:<br />

34<br />

Não concebemos a obra de arte nem como ‘máquinas’ nem<br />

como ‘objetos’, mas como um quase-corpus, isto é, um ser cuja<br />

realidade não se esgota nas relações exteriores de seus<br />

elementos; um ser que, decomponível em partes pela análise,<br />

só se dá plenamente à abordagem direta, fenomenológica.<br />

Neste ponto podemos elucidar com a série de obras de Lygia<br />

Clark intitulada “bichos”, estruturas metálicas com dobradiças,<br />

onde a presença do espectador se torna fundamental, pois a<br />

manipulação das partes pode e deve ser feita, o que mantinha


35<br />

a obra “sempre viva”, ou, nas palavras do manifesto, a<br />

“realidade não se esgota nas relações exteriores’.<br />

Conseqüentemente, ao contrário do concretismo racionalista,<br />

que toma a palavra como objeto e a transforma em mero sinal<br />

ótico, a poesia neoconcreta devolve-a a sua condição de ‘verbo’,<br />

aqui transmite a separação também no âmbito da<br />

poesia,rejeitando o ‘objetivismo mecanicista’, pregando a<br />

‘espacialização do tempo verbal’. Na poesia neoconcreta a<br />

‘espacialização’ se faz presente dentro dos livros-poemas<br />

nos quais o leitor/espectador faz parte do poema, sua presença<br />

é fundamental. (Martinho Alves da Costa Junior, 2003 In:<br />

www.itaucultural. org.br, acessado em 12/11/2004).<br />

Esses pensamentos serviram como ponto de partida para produções de<br />

diversos artistas dessa geração, principalmente Lygia Clark e Hélio Oiticica 9 ,<br />

que lhes deram continuidade recuperando a poética na obra de arte, fazendo<br />

transcender a própria materialidade da arte e levantando questionamentos a<br />

respeito da individualidade do artista.<br />

Os “Casulos” (1958), de Lygia Clark, mostram o desdobramento do<br />

plano. São obras que estão entre a pintura 10 e a escultura, rompem com a<br />

pintura e criam a partir daí objetos livres de bases, suportes e são envolventes,<br />

como os “Contra-relevos de ângulo”, presos aos cantos das paredes e<br />

suspensos no espaço, trazendo o espectador para dentro da obra.<br />

Os “Bichos”, de 1960, “... nome tão brasileiro, entidade abrangente,<br />

animal síntese, mito que atemoriza e atrai...” (Milliet, 1992, p. 65), definição de<br />

Lygia Clark para essa criação de planos geométricos de metal articulados e de<br />

tanto interesse aos olhos e ao tato dos espectadores, são objetos que<br />

demonstram as inquietações da artista.<br />

Clark (ver figura 8 e 9) negava a contemplação da obra e privilegiava a<br />

visão associada ao tato, ou seja, o sensitivo, a descoberta do corpo. Criou os<br />

“objetos relacionais” e várias experiências sensórias/motoras, preocupadas<br />

9 Para Oiticica, construtivos são os artistas que fundam novas relações estruturais na pintura (cor) e na<br />

escultura e abrem novos sentidos de espaço e tempo.<br />

10 A partir de 1960, quando Lygia Clark se convenceu da “morte do plano” (...) e caiu da parede para o<br />

chão, com seus “bichos”, sua obra adquire cada vez mais um conteúdo filosófico-religioso. Foi a fita de<br />

Moebius que lhe sugeriu a precariedade do plano. Seu “caminhando” é uma fita que o espectador, agora<br />

criador, corta, numa experiência pessoal e intransferível. A tesoura segue a picada, “a resposta vem à<br />

medida que o espectador opta”. O final (o fim da picada) é a floresta, isto é, o “vazio pleno”, o<br />

espectador, ele mesmo. Antes no bicho, a relação espectador/obra era dualista e metafórica. “Agora, no<br />

caminhando, torna-se existencial, pois, como diz a própria artista, o ‘único sentido da experiência é fazêla’,<br />

donde o que se tem é o caráter absoluto do ato da imanência”. (Morais, Frederico de Artes Plásticas: a<br />

crise da hora atual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975, p. 22).


com a recuperação da memória do corpo através desses objetos que trazem<br />

experiências talvez nunca sentidas pelas pessoas ou até sensações obtidas na<br />

infância. O que interessava para a artista nesse momento não era mais o<br />

objeto em si e sim as relações construídas entre o objeto e o receptor.<br />

A partir de 1964, o envolvimento ativo do público tornou-se o cerne de<br />

suas preocupações. Abandonando a construção de objetos, tornou-se<br />

improdutiva, no sentido material da produção e, como conseqüência, ausente<br />

do mercado. (Milliet, 1992, p. 94).<br />

Alguns artistas dessa época negavam as instituições e recusavam a<br />

comercialização de suas criações, e buscando trabalhar numa produção<br />

coletiva no contato direto com o público, que é o caso específico de Clark e<br />

Oiticica.<br />

Lygia Clark, com seus objetos, trabalhava diretamente com grupos e ou<br />

indivíduos, num contato profundo com suas vivências psíquicas. Produziu<br />

criações coletivas vividas e sugeridas por ela e realizadas pelos participantes<br />

em espaços sensoriais, como é o caso das obras O Eu e o Tu, A Cesariana,<br />

Túnel, Baba Antropofágica, Canibalismo, Camisa de Força, A Casa é o Corpo e<br />

várias outras. Esse último trabalho, Lygia Clark o descreve como<br />

36<br />

Uma estrutura de oito metros de comprimento, com dois<br />

compartimentos laterais. O centro desta estrutura se constitui de<br />

um grande balão de plástico. As extremidades são fechadas<br />

em elásticos e as pessoas ao se encostarem a eles<br />

provocam as mais variadas formas. Ao penetrar no labirinto, o<br />

visitante afasta os elásticos da entrada, sentido um<br />

rompimento semelhante ao de um hímen complacente e tendo<br />

acesso assim ao primeiro compartimento chamado<br />

“penetração”. Nesta cabine a pessoa pisa numa lona estendida<br />

pouco acima do chão e perde o equilíbrio: no escuro ela apalpa<br />

as paredes que cedem, da mesma forma que o chão.<br />

Perseguindo o caminho através do tato, encontrará uma<br />

passagem semelhante à entrada e a pessoa chega na<br />

“ovulação”, espaço igual ao anterior, cheio de balões. Ao<br />

prosseguir, o visitante alcança o amplo espaço central, onde é<br />

possível ver e ser visto do interior. Neste local há uma imensa<br />

boca através da qual a pessoa entra na “germinação”, ali<br />

tomando as posições que lhe convier. De volta ao túnel,<br />

continuando o passeio, penetra no compartimento da “expulsão”,<br />

que, além das bolinhas macias de vinil espalhadas pelo chão,<br />

possui uma floresta de pêlos pendentes do teto.<br />

Hélio Oiticica (figuras 10, 11 e 12), a partir do movimento neoconcreto,<br />

começou a propor saída para o espaço, desintegrando o quadro e a pintura,


numa liberdade de pensamento e experimentação, como ele mesmo afirma:<br />

parti para criações de novas ordens (...) Para mim foi uma abolição cada vez<br />

maior de estruturas de significados, até eu chegar ao que considero a invenção<br />

pura: “Penetráveis”, “Núcleos”, “Bólides” e “Parangolés” foram o caminho para<br />

a descoberta do que eu chamo de “estado de invenção”. (Hélio Oiticica,<br />

entrevista a Ivan Cardoso, 1979 In: Favaretto, 2000, p. 47)<br />

Oiticica propunha a igualdade entre público e artista e planejou algumas<br />

manifestações nas ruas do Rio de Janeiro em que público e artistas pudessem<br />

criar juntos. Quebrando a noção de gênio, surge uma nova inscrição da<br />

produção artística correspondente, um novo espaço estético, onde tudo pode<br />

surgir, tudo pode relacionar-se com tudo em jogo permanente. (Favaretto,<br />

2000, p.19)<br />

Buscando cada vez mais a integração entre espectador/participador e o<br />

espaço, criava-se a experiência dos Penetráveis, que acabou se<br />

desenvolvendo em toda a sua trajetória. Para Oiticica, no Penetrável a relação<br />

entre o espectador e a estrutura-cor se dá numa integração completa e de<br />

caráter coletivo, porque a partir dessa experiência é que, afirma Favaretto, as<br />

relações plásticas são transformadas em vivências: vivência da cor, do espaço<br />

cotidiano estetizado, gerando experiências em que o próprio participador se<br />

transforma.<br />

O primeiro Penetrável era uma construção de madeira, com porta<br />

deslizante, em que o participador se fechava de cor. Invadia-se de cor, sentia o<br />

contato físico da cor, ponderava a cor, tocava, pisava, respirava cor. (Pedrosa,<br />

Rio de Janeiro, 1965 IN: Oiticica, 1986, p.11)<br />

Na ânsia de liberdade e de novas experiências, Oiticica passou conviver<br />

com as pessoas do morro da Mangueira, e esse encontro foi de grande<br />

importância para as suas obras, como afirma Mário Pedrosa: após a iniciação<br />

de Oiticica ao samba, o artista passou da experiência visual, em sua pureza,<br />

para uma experiência de tato, movimento, da fruição sensual dos materiais, em<br />

que o corpo inteiro, antes resumido na aristocracia distante do visual, entra<br />

como fonte total da sensorialidade.<br />

Os Parangolés, 1964, eram panos de cor que se movimentavam de<br />

acordo com o percurso do espectador, numa profunda relação com a dança. A<br />

37


obra veste o corpo, depende do corpo do espectador/participador para existir<br />

num espaço-tempo, numa incorporação do corpo na obra e da obra no corpo.<br />

Na experiência da Tropicália, 1967, Oiticica deu ambientação a uma<br />

série de Penetráveis anteriores. A Tropicália surgiu numa necessidade dele de<br />

criar um ambiente tropical, e que envolveria o próprio comportamento do<br />

participador. Oiticica descreve a obra: “o ambiente foi totalmente tropical, como<br />

um fundo de chácara, e, o mais importante, havia a sensação de que se estaria<br />

de novo pisando a terra. Esta sensação sentia eu anteriormente ao caminhar<br />

pelos morros, pela favela, e mesmo o percurso de entrar, sair, dobrar ‘pelas<br />

quebradas’ da Tropicália”. (Oiticica, 1986, p. 99).<br />

Nas experiências espaciais pessoais e coletivas, sensoriais,<br />

participativas e relacionais que encontramos nas obras de Oiticica e Clark, o<br />

que acontece é uma nova noção de comunicação entre artista, público e obra.<br />

E esses trabalhos só têm sentido se houver a participação ativa do espectador.<br />

Todos eles são criações que possibilitaram a interferência do público,<br />

rompendo com a noção de arte contemplativa e de artista como gênio. De certa<br />

forma, essas obras pressupunham a intervenção de quem as observava,<br />

convidando o sujeito a interagir com elas.<br />

Esse traçado e os estudos das obras de Lygia Clark e Hélio Oiticica me<br />

motivaram a pensar e elencar outros artistas 11 em cujas obras o corpo está<br />

presente, tais como: Diana Domingues, Cang Xin, Joel-Peter Witkin, Orlan,<br />

Salvador Dali, Sarah Jones, Vanessa Beecroft, Spencer Tunick, Hudinilson Jr.,<br />

Arno Rafael Minkkinen, Raymond Depardon, John Coplans, Lucian Freud,<br />

Jenny Saville, Lucimar Bello, Pierre Radisic, Vicente de Mello, Zhang Huan,<br />

Robert Davies, Andres Serrano, Luis Hermano, Gerhard Richter, Sally Mann,<br />

Sergei Isupov, Xu Bing, Tian Miao, Francis Bacon, Gerard Schlorser, Daisy<br />

Xavier, Piotr Uklánski e artistas que participaram do projeto Quietude da Terra:<br />

Cláudia Andujart, Domenico de Clario, Janini Antoni, Mario Cravo Neto e<br />

Tunga.<br />

11 As imagens das obras desses artistas citados se encontram no capítulo dois, Ensaio Visual: Corpo<br />

38


1.3 Algumas questões contemporâneas em torno da arte<br />

antropológica e da estética relacional.<br />

Outra maneira que o público tem de participação e experimentação com<br />

a obra está no que Nicolas Bourriaud denominou, nos anos 90, de Arte<br />

Relacional, termo criado por ele para sustentar obras de arte em que o que se<br />

privilegia é um modo de se relacionar com a obra, estabelecendo um espaço<br />

para a convivência e para a geração de trocas de caráter simbólico entre<br />

artistas e público, seja pela coleta de depoimento, seja pela troca de elementos<br />

pessoais, seja pelo contato físico entre artista(s) e público.<br />

O termo “Relational Aesthetics” foi criado por Nicolas Bourriaud como<br />

título de seu primeiro livro em 1997, a partir de observações de alguns artistas<br />

como, por exemplo, Rirkrit Tiravanija (ver figuras 13,14,15 e 16), Philippe<br />

Parreno, Liam Gillick, Pierre Huyghe, Maurizio Cattelan, Vanessa Beecroft,<br />

todos eles participantes da exibição “Traffic”, Capc Bordeaux, 1996, organizada<br />

por Bourriaud 12 .<br />

Os artistas com os quais Bourriaud 13 trabalhava no final da década de<br />

1990 mostravam uma tendência de localizar suas práticas não em relação aos<br />

aparatos próprios da arte, mas nos metafóricos espaços colonizados pela<br />

massa e pela cultura de espetáculo. “Relational Aesthetics” é uma tentativa de<br />

decodificar o tipo de relação que o espectador produz a partir do trabalho de<br />

arte.<br />

12 As referências que permitem fazer estas afirmações podem ser encontradas nos seguintes<br />

sites, todos eles acessados no período de agosto a novembro de 2004.<br />

Sobre Bourriaud http://www.stretcher.org/archives/r3_a/2002_11_13_r3_archive.php, acessado<br />

em 04/08/2004<br />

http://www.findarticles.com/p/articles/mi_m0268/is_8_39/ai_75830815/pg_2, acessado em<br />

04/08/2004<br />

ArtForum, April, 2001, acessado em 20/08/2004<br />

www.sanalmuze.org/etkinliklereng/nicolasbourriaod.htm acessado em 20/08/2004<br />

Site Internet: www.palaisdetokyoo.com acessado em 20/10/2004<br />

PHILIPPE PARRENO http://www.portikus.de/ArchiveA0111.html#, acessado em 20/010/2004<br />

Rirkrit Tiravanija http://www.mip.at/en/dokumente/1164-<br />

MAuriziocattelanhttp://www.eyestorm.com/feature/ED2n_article.asp?article_id=32&artist<br />

_id=95 acessado em 05/10/2004<br />

13 Bourriaud foi curador, crítico de arte e codiretor, com Jérôme Sans, do Palais de Tokyo em Paris,<br />

museu voltado para a criação de Arte Contemporânea. Criou o termo “estética relacional” para uma arte<br />

que toma como horizonte teórico a esfera das interações humanas e seu contexto social, mais do que a<br />

39


“Relational Aesthetics” é um caminho que Bourriaud considera produtivo<br />

para a existência do espectador na arte, ou seja, o espaço da participação que<br />

a arte pode oferecer. Para ele arte é um espaço de imagem, objetos e parte<br />

humana.<br />

Nicolas Bourriaud não tem a pretensão de explicar a década e nem de<br />

fazer história. Essa teoria, na verdade, é um instrumento para análise e crítica<br />

de arte no contexto das artes, trabalhando com aspectos relacionais nas obras<br />

de arte contemporânea.<br />

Na obra de arte relacional, a preocupação é com o espaço: instalação<br />

mais performance. É uma mistura de várias linguagens para se formar o<br />

espaço, sendo este um locus que determina um contexto de interpretação de<br />

vivência, de experiência. É neste espaço que acontece a recepção.<br />

A artista pensa a partir da relação dele, do público com o espaço. Para o<br />

artista relacional, a obra é construída com um diálogo com o ambiente<br />

sociocultural, natural e humano e nesse sentido ela só acontece porque existe<br />

o público. Bourriaud cita o trabalho do DJ 14 , que usa objetos da cultura de<br />

massa como trabalho de arte:<br />

40<br />

I seems to me that to find a connection between the objects is<br />

the most important part of the profession I carry out now. The<br />

artist and the artist’s activities remind the activity of D.J.’s,<br />

because of a very simple reason. Because a D.J. plays a long<br />

play and mix the long plays and carries out his/her work<br />

starting with an existed material. In other words what is<br />

discussed is not compose something and play it with an<br />

instrument, nowadays it is needed to play the culture, like playing<br />

an instrument as ‘just play it’, it is needed to create some routes<br />

in the culture, to pave some ways between the signs. We can<br />

call this application as ‘semiology’. ‘Semiotical’, I mean signs,<br />

and ‘notos’ are notes, in other words people traveling between<br />

the signs, determining the way, the route. (Bourriaud, 2001,<br />

p. 06) 15 .<br />

afirmação de um espaço simbólico autônomo e privado “(Pierre-Henri Casamayou In:<br />

www.ambafrance.org.br, acessado em 10/11/2004).<br />

14 DJ, segundo o Dicionário de Música: O disc jockey (DJ) é o responsável pela apresentação e execução<br />

de músicas em clubes e discos, e também em emissoras de rádio e TV dedicadas à exibição de<br />

videoclipes.<br />

15 Parece-me que encontrar a conexão entre os objetos é a parte mais importante da profissão<br />

que abraço. O artista e as atividades dos artistas remetem às atividades dos D.J., por causa de<br />

uma razão muito simples. Porque um D.J. toca um disco e mistura os discos e realiza seu<br />

trabalho a partir desse material existente. Em outras palavras, o que é discutido não é compor<br />

alguma coisa e tocá-la com um instrumento, hoje em dia é necessário tocar as culturas, como se<br />

tocasse um instrumento, justamente, apenas tocá-lo. É necessário criar alguns caminhos na<br />

cultura, pavimentar alguns caminhos entre os sinais. Nós podemos chamar isso de ‘semiologia’.


Para Jean-Phillipe Uzel 16 , a Estética Relacional é a convivência entre as<br />

pessoas, a obra é a relação do objeto com o espectador numa relação de troca<br />

e negociação. Os artistas acreditam na relação da cultura de massa e a arte<br />

para buscar interesse nas pessoas numa mistura de culturas: cultura de<br />

massa/cultura popular/cultura erudita, possibilitando a continuidade da arte<br />

contemporânea. Uzel aponta para o prazer estético como o locus em que se<br />

estabelece a relação.<br />

Com o exemplo de obra de Arte Relacional, há o trabalho de Massimo<br />

Guerrera de Montreal. Ele sai às ruas e oferece comida para as pessoas. O<br />

artista Thomas Hirschhorn, em "Precarious Construction" 1997 (Wood, plastic,<br />

plexiglas, neon tubes, cardboard), cria um espaço com objetos do cotidiano,<br />

montado na rua para que as pessoas possam entrar e vivenciar o espaço.<br />

Inúmeras obras são criadas e pensadas para atingir o público, no sentido de<br />

deixá-lo participativo diante da obra.<br />

A Estética Relacional toma parcialmente estratégias etnográficas para a<br />

construção de interações entre público e obra e estabelece trocas entre artista-<br />

obra-público para possibilitar essas relações e interações. No caso desta<br />

pesquisa podemos classificá-la em três situações de troca: artista–<br />

pesquisadora e grupo de artistas, obra e público, público e público, sem<br />

descartar a possibilidade de relações entre grupo de artista e público, artista–<br />

pesquisadora e público.<br />

Nesse caso é necessário buscar conceituações teóricas sobre o<br />

conceito de troca, e a antropologia é a disciplina que mais se dedica aos<br />

estudos das economias da troca simbólica. Muitos autores contribuem para<br />

abordar o tema, e o teórico Mauss é uma boa escolha pelo fato de envolver no<br />

contexto da troca o desenvolvimento de determinadas tecnologias corporais<br />

que acompanham a ritualização dos relacionamentos sociais – a culturalização<br />

das relações sociais e físicas.<br />

‘Semiótica’, para mim são sinais, e ‘notos’ são notas, em outras palavras, pessoas viajando entre<br />

os sinais, determinando o caminho, a rota 15 . (tradução da autora)<br />

16 Jean-Philippe Uzel é professor da UQAM no Canadá. Ministrou curso no período de 16/06 a<br />

18/06/2003 na Universidade Federal de Goiás/Goiânia para os mestrandos do programa de Pósgraduação<br />

em Cultura Visual da UFG.<br />

41


A teoria de Marcel Mauss 17 favorece a compreensão das relações de<br />

troca e o modo como as diferentes sociedades direcionam determinados<br />

comportamentos e relacionamentos do uso do corpo para estabelecer relações<br />

de troca. Para Mauss, a troca tem três obrigações: dar, receber e retribuir, que<br />

consiste no sistema de dádiva. As coisas trocadas no sistema da dádiva não se<br />

limitam a bens materiais. Mauss estabeleceu que, virtualmente, tudo, “serviços,<br />

favores sexuais, festivais, danças, etc. (...) é atraído para dentro do sistema”.<br />

(Lechte, 2002, p. 38).<br />

A troca tem que ter importância sociológica e não ser meramente de um<br />

objeto, como afirma Mauss. Não se trocam apenas propriedades, troca-se<br />

dignidade, cargos, privilégios. As trocas de presentes, comidas, ritos, bens,<br />

festas e até materiais estabelecem um jogo de relações de diferentes<br />

sentimentos entre as pessoas, porque “misturam-se as almas nas coisas.<br />

Misturam-se as coisas nas almas. Misturam-se as vidas e eis como as pessoas<br />

e as coisas misturadas saem, cada uma, das suas esferas e se misturam: o<br />

que é precisamente o contrato e a troca”. (Mauss, 1950, p. 67).<br />

É nessas relações de trocas entre sentimentos, acontecimentos, ritos,<br />

contratos corporais que se pensa e se constrói esta pesquisa, envolvendo o<br />

visitante numa mistura e, ao mesmo tempo, nas trocas de sensações,<br />

envolvimentos e relações humanas entre obra, artista e público, buscando<br />

referências na Antropologia da Arte, utilizando para coleta de imagens e<br />

materiais estratégias etnográficas para construir a obra.<br />

A troca maussiana envolve um sistema de prestação e contra-prestaçao,<br />

dádiva e contra-dádiva. A troca nunca se passa num plano meramente<br />

horizontal de relação. Ela desenvolve um descompasso que pode constituir<br />

mesmo uma hierarquia entre os sujeitos envolvidos no processo.<br />

Isto deve ser demonstrado, na medida em que a troca proposta pela<br />

artista pressupõe uma devolução do público – uma dívida do público para com<br />

a dádiva do artista? Ou uma dívida do artista para com a presença-dádiva do<br />

público, sem o qual a obra instalacional participativa não poderia existir? Essas<br />

17 Marcel Mauss “nasceu em Epinal, em 1872, e morreu em Paris, em 1950, cresceu em uma atmosfera<br />

judaica ortodoxa.Em 1902 tornou-se um maître assistant na Escole Pratique des Hautes Etudes Quinta<br />

Seção, onde lecionava na área de “história das religiões de povos incivilizados”. Alistou-se como<br />

voluntário no início da primeira Guerra Mundial, servindo como intérprete no exército britânico. Sua<br />

42


questões foram geradas a partir das leituras e reflexões sobre as relações<br />

estabelecidas com as obras de arte relacional e a teoria de Mauss. E serão<br />

respondidas ao longo da construção do segundo e terceiro capítulos.<br />

As estratégias etnográficas fazem parte de uma etnografia visual, que é<br />

uma descrição visual das observações do grupo observado, segundo definição<br />

do dicionário de filosofia: “etnografia visual é uma descrição visual baseada<br />

num processo temporal de observação e de análise visual de grupos humanos<br />

considerados por suas particularidades, visando a restituição do cotidiano<br />

deste grupo”. (Durozoi, 1998, p.171).<br />

No Brasil encontramos instituições que estimulam esse tipo de trabalho<br />

em Artes Visuais e vários artistas que têm seus trabalhos inseridos nesse<br />

contexto. O Centro Cultural Banco do Brasil possui vários projetos de<br />

exposições nessa linha de pensamento que, no caso específico da produção<br />

artística brasileira, encontra relações com o trabalho da artista plástica Rosana<br />

Palazyan. Esta artista, em sua exposição O Lugar do Sonho, nos meses de<br />

julho a setembro de 2004, realizada no CCBB de São Paulo, desenvolveu, a<br />

partir do tema da violência urbana, uma reflexão entre arte e vida, fazendo<br />

denúncias de questões de traumas, perdas, política e histórias conflituosas de<br />

jovens. Palazyan buscou um ‘terreno’ movediço: uma instituição para<br />

recuperação de jovens em conflito com a lei, lugar da suspensão do sonho e do<br />

futuro – mas talvez não do desejo (Roupa de Marca). (Paulo Herkenhoff, 2004).<br />

Um exemplo de trabalho nessa linha de pensamento é o projeto A<br />

Quietude da Terra. Esse título faz parte de um processo que vem se<br />

desdobrando em forma de vários projetos internacionais e paralelos. No Brasil,<br />

dele participam Vida cotidiana, arte contemporânea e Projeto Axé, coordenado<br />

por France Morin - curadora, museóloga, artista e educadora - através do<br />

Museu de Arte Moderna da Bahia. Envolveram-se no projeto dezenove artistas,<br />

incluindo a coordenadora do projeto, que se instalaram em Salvador/Bahia, de<br />

abril a outubro de 1999, e colaboraram com o Projeto Axé, que é uma entidade<br />

que trabalha com meninos de rua da cidade.<br />

43<br />

O artista é essencialmente o pedagogo da humanidade, pois sua<br />

arte provoca nas pessoas mudanças profundas de mentalidade,<br />

experiência no exército deu-lhe a oportunidade de estudar as diferentes técnicas corporais observadas nas<br />

tropas britânica, australiana e francesa”. (Lechte, 2002, p.38).


atitudes, hábitos e comportamentos que são os grandes<br />

resultados de todo processo criativo (Morin, 2000, p. 10).<br />

O projeto Quietude da Terra: Vida cotidiana, arte contemporânea e<br />

Projeto Axé levanta uma discussão sobre cidadania e política. Minha afinidade<br />

com o projeto Quietude da Terra está nas relações humanas, em como os<br />

artistas se relacionaram com essas crianças e jovens construindo vínculos<br />

entre eles e enriquecendo o processo de criação de ambos.<br />

Um exemplo de pesquisa que envolve o artista, o visitante, a instituição,<br />

o espaço é o Projeto Urubu na Ilha do Fundão, de Gisele Ribeiro – EBA/UFRJ,<br />

uma dissertação de Mestrado em Linguagens Visuais.<br />

A artista se refere ao lugar onde a arte habita: o espaço indeterminado<br />

aberto pela morte na relação cultura/natureza. Cria três células (nome dado<br />

pela autora), que são dependentes ou independentes entre elas: se separadas<br />

são cada uma um conjunto ou juntas um novo conjunto a partir de suas<br />

relações. Podem ocupar o mesmo espaço ou não.<br />

As três células:<br />

44<br />

Célula 1 = Projeção em vídeo: imagens de urubus e imagens da<br />

Terra capturadas via satélites, que se transforma numa<br />

instalação. Ponto de interesse: relação com a morte -<br />

degradação - decadência. O urubu é o personagem do trabalho,<br />

espaço aberto, relação homem/animal, cultura/natureza.<br />

Imagens da terra = deslocamento de visão do espaço,<br />

reposicionamento do olhar sobre o lugar. As imagens da terra<br />

são usadas como mapas, tornando-se banco de dados e<br />

produzindo um acesso direto e ao mesmo tempo transformando<br />

o espaço em objeto.<br />

O vídeo dá uma falsa imortalidade.<br />

Célula 2: Terra – relação sobre o lugar que se está pisando,<br />

relação física com um lugar.<br />

Célula 3: Áudio de ruídos e vozes. Pensando nas relações que<br />

os trabalhos anteriores estabelecem com a linguagem verbal.<br />

Registro do som (vozes e ruídos do próprio trabalho em ação),<br />

este som é capturado e gravado a cada dia sempre por cima do<br />

anterior.<br />

A morte: o projeto pretende passear pelo “espaço entre”<br />

indeterminado aberto pela morte entre vários campos, não<br />

fixos/não estáveis. Pode ser vista como o toque da natureza na<br />

cultura e vice-versa. A idéia de morte que circula não é central,<br />

ela circula junto com outras questões que permeiam, tocam o<br />

campo da arte: as imagens do animal e do humano, da natureza<br />

e da cultura, sob a figura do urubu e as imagens urbanas da<br />

terra; a transitoriedade da história, o posicionamento do visitante;<br />

o problema da instituição gerado pela visão fixa.


45<br />

Ficção: investe na ficção para se trabalhar não só a morte mas<br />

também com a idéia de um contrato entre trabalho e visitante. O<br />

trabalho precisa do interesse, da decisão do visitante para<br />

funcionar. Para elaborar e construir estratégicas desse interesse<br />

forma estudados os discursos do artista Joseph Beuys: “Todo<br />

homem é artista”, criando uma réplica para essa frase “todo<br />

homem quer ser artista?” e o outro o crítico Thierry De Duve:<br />

julgamento estético: isto é arte? Criou-se a réplica: “isto não é<br />

arte”.<br />

O artista, o visitante, a instituição, o espaço: relações que<br />

compõem a ficção do projeto. A artista personagem mediador<br />

ou manipulador atua em conjunto com o visitante interessado. O<br />

papel da instituição: o curso de mestrado já está inserido na<br />

narrativa do trabalho, a Ilha do Fundão situa a Escola de Belas<br />

Artes/UFRJ....e vários espaços físicos em decadência e vários<br />

prédios institucionais.(Ribeiro, 2002, p.41)<br />

Na pesquisa do antropólogo Luiz Eduardo R. Achutti 18 no campo da<br />

Antropologia Visual sobre cotidiano, lixo e trabalho em Porto Alegre, o<br />

pesquisador utilizou o método clássico da Antropologia, que é a etnografia,<br />

mas o foco de sua descrição foram as imagens coletadas e não a palavra<br />

escrita. Ele registrou a estética, o sentimento e a vivência de cada um, sem<br />

deixar as questões poéticas e sociais de fora, e transcreveu a vivência comum<br />

desse grupo de maneira poética e narrativa.<br />

Por meio de suas fotografias e associações com as técnicas<br />

antropológicas, Achutti construiu as identidades contidas naquele lugar,<br />

imergindo na população numa busca de trabalhar a imagem como descritiva,<br />

comparando o olhar antropológico com o de um viajante:<br />

O olhar que não descansa sobre a paisagem contínua de um<br />

espaço inteiramente articulado, mas se enreda nos interstícios<br />

de extensões descontínuas, desconcertadas pelo<br />

estranhamento. (Cardoso, 1999:349 apud Achutti, 1997, p.<br />

37).<br />

A mostra Yanomami: o espírito da floresta, outro projeto que utilizou<br />

estratégias etnográficas como processo de construção de trabalho e que foi<br />

promovido pelo CCBB do Rio de Janeiro, aconteceu entre os meses de abril e<br />

junho de 2004. Uniu 13 artistas brasileiros e internacionais, envolvendo as<br />

experiências xamânicas da aldeia Yanomami conhecida como Watoriki.<br />

18 Luiz Eduardo R. Achutti é fotógrafo desde 1975, fotojornalista desde 1979, formado em Ciências<br />

Sociais, mestre em Antropologia Social em 1996, atualmente professor da UFRGS.


Raymond Depardon, um dos artistas participantes da mostra, um dos<br />

maiores fotógrafos e cineastas franceses, filmou um grupo de caçadores e um<br />

grupo de xamãs.<br />

46<br />

Durante horas, acompanhou o percurso de uns e as sessões de<br />

cura dos outros, esforçando-se para “encontrar seu lugar” neste<br />

universo outro – entre floresta e espíritos: Os Yanomami sabiam<br />

que estavam sendo filmados, mas isso não os fazia mudar<br />

nada. Eu era um visitante de passagem. Fui acolhido, recebido<br />

e até mesmo querido. Assim, eles ofereceram sua imagem a<br />

alguém que, até esse momento, sequer sabia de sua<br />

existência. Sustentei meu papel de passeiro, eu sou um<br />

passeiro. (Depardon, 2000, p.74)<br />

Assim como no trabalho com a Maria Pé no Chão 19 : ela é uma passante<br />

das ruas da cidade onde vive, e a artista-pesquisadora outra passante que<br />

passou pela vida da mulher Maria. A instalação Maria Pé no Chão relatada na<br />

introdução é um exemplo de reflexões estéticas no campo das poéticas visuais<br />

envolvendo o conceito da antropologia da arte num caráter etnográfico visual.<br />

A pretensão de fazer esse traçado é retirar desses conceitos elementos<br />

que ajudarão a construir a obra. Os artistas aqui mencionados contribuem para<br />

esta construção juntamente com os outros artistas 20 , tais como: Alan Kath,<br />

Christina Holstad, Tony Oursler, Vicent Beaurin, Wenda Gu, Huang Yong Ping,<br />

Kasahara Emiko, Morataz Nassr-Eddin, Naoki Takizana, Ricardo Bausbaum,<br />

Nelson Miranda Azola, Orimoto Tatsumi, Gary Hill, Yayooi Kusama e os artistas<br />

participantes do projeto Quietude da Terra Alberto Pita, Cai Guo-Qiang, Chen<br />

Zhen, Vik Muniz, Wille Cole, Kara Walker e Rirkrit Tiravanija.<br />

20 As imagens das obras desses artistas citados se encontram no capítulo 3, Ensaio Visual: Troca.

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